Qual é a cor do amor? escrita por hollandttinson


Capítulo 3
O dia do Führer.




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Passei á estar o tempo todo na cola de Rudy Steiner. Apesar de doer cada milimetro meu todas as vezes em que o via chorar, eu não conseguia sair de perto. Ele era como um imã, e tendo em vista a minha frieza natural, poderia considerar-me um metal. Eu estava totalmente atraída á Rudy Steiner, e á todos os seus soluços em meio ao choro.

Mesmo assim, houve um momento em que eu tive que deixá-lo. O mundo estava precisando de mim. O mundo é cruel, não te contei? Tive dias maravilhosos com Rudy Steiner, onde eu pude ver e adorar o seu sorriso, e de repente, me tiraram isso. Afinal, quantas vezes terei de dizer adeus?

Mas eu fui obrigada á deixá-lo. Apesar de estar com o coração despedaçado, fiquei feliz em finalmente sair de perto dele, em finalmente não precisar mais assistir seu sofrimento e angústia.

Quase não acreditei quando vi os olhos arregalados da menina que roubava livros. Ela olhava para mim e se perguntava o que eu estava fazendo aqui, porque eu tinha que estar sempre por perto? Será que eu não podia deixá-la em paz? Veja bem: Eu não tive culpa.

Carreguei a alma de Trudy lentamente. A irmã adotiva de Liesel tinha sido vitima de uma bala perdida, afinal ali era Berlim. Hans chorou sobre o corpo de Trudy, acompanhado por Rosa que finalmente vimos expressar reação, sentimento. Mas Liesel não, ela não chorou. Apesar de estar sentindo aquele tão acostumado aperto no coração, ela não foi capaz de chorar. As lágrimas podem secar? Ela desejou que sim, estava cansada de chorar.

Desde o dia em que recebeu a noticia do bombardeio, chorou todas as noites pedindo para que fosse mentira. Nunca foi.

Tão próxima dela, quis contar-lhe que Rudy estava vivo, que ele estava bem e que a esperava ansiosamente. Que ele a queria por perto, que precisava dela, que chorava também. Mas eu não pude. Eu nunca posso. E isso doeu no meu coração. O que me faz questionar o quanto ando sofrendo ultimamente, o quanto meu coração anda frágil e quebradiço, o quanto pareço mais humana do que em qualquer outro momento. Mas não, eu não sou humana. Meu coração não é como o deles.

O ser humano não tem um coração como o meu. O coração humano é uma linha, ao passo que o meu é um círculo, e tenho a capacidade interminável de estar no lugar certo na hora certa. A conseqüência disso é que estou sempre achando seres humanos no que eles têm de melhor e de pior. Vejo sua feiúra e sua beleza, e me pergunto como uma mesma coisa pode ser as duas. Mas eles tem uma coisa que eu invejo. Que mais não seja, os humanos têm o bom senso de morrer.

Trudy não parecia cansada quando a peguei, parecia mais irritada comigo do que qualquer coisa. Como eu poderia ter ousado levá-la agora? Agora que a sua vida estava melhorando e ela finalmente tinha dado um lar á sua família? Agora que tudo estava dando certo... Agradeci por ela não ser o Max e não ter a capacidade imbecil de tentar me dar um soco na cara, eu revidaria.

Pra quem a vida estava melhorando? Será que ela não via a dor no peito de Liesel? As lagrimas? O sofrimento? Será que ela não se lembrava do bombardeio e de todas as pessoas que morreram? Será que ela não pensava nem um minuto em todos os judeus que agora estavam presos e lutavam pela vida? Quanto egoísmo.

A garota tinha crescido. Estou falando de Liesel agora, a nossa garota.

Seus cabelos estavam mais longos e pareciam mais hidratados, talvez a alimentação boa seja um dos maiores motivos, nunca me importei muito com essas futilidades humanas, sempre tive muito o que fazer. Também notei o quanto seu corpo parecia ter evoluído de garota á mulher. Quantos anos ela tinha agora? 16. Sem contar em seu rosto que parecia mais maduro em um milhão de anos. Liesel tinha crescido.

Mas infelizmente –ou não– aquele não era um dia de Liesel, aquele não era um dia de observações ou distrações. Hoje era um dia de Hittler. Apesar de todos os dias serem seus dias desde o começo da Guerra, hoje era um dia especial.

Trabalhei para ele cansadamente neste dia inteiro. Muitas almas para carregar. Constatar que 50% dessas almas me chamaram várias vezes, mas não ouvi porque estava muito interessada na vida dos meus humanos sobreviventes, não me deixou menos deprimida do que estava antes. As coisas não melhoram para mim.

Apesar disso, gosto de relatar que dentre todas as almas que carreguei, todas as dores que presenciei, finalmente carregar o corpo de Adolf sobre os meus ombros me deu um pouco de alivio. Ou seria esperança?

Gosto de lembrar do meu sorriso quando o carreguei e gosto de dizer que não fui gentil. Não me preocupei em ser. Enquanto arrastava a alma do Füher, pensei em Max, pensei em Liesel e em Rudy, e pensei em todas as almas que tive de carregar por causa dele, e no quanto ele me deu trabalho, e no quanto o detestei por tanto tempo. Eu não quis ser gentil. Mesmo assim, é como eu disse: Ao menos ele teve o bom senso de morrer.

Mas é aqui que a história dele termina. Apesar de ter sido uma das peças-chave do nosso enredo dramático, ele não tem mais lugar aqui. Gosto de pensar nos mortos assim: Uma história terminada e mesmo que eles não tenham completado a sua “missão de vida” –alguns humanos acreditam cegamente que todos temos uma missão, um propósito no mundo, gosto de pensar dessa forma já que eu mesma sou eu mesma, e querendo ou não, tenho meu próprio propósito no mundo–, o mundo não tem mais lugar para eles. Não existe um lugar onde eles se encaixem, então eles têm de ir embora. Fica mais fácil quando os meus sobreviventes torturantes o deixam ir, apesar de ser muito raro.

De qualquer forma, não existe mais lugar para Adolf Hittler, não existe lugar para bombas ou guerras. Mas eu ainda estou aqui, e esse é o futuro. Estarei rondando todos com ou sem guerra, esse é o meu propósito.

Max Vandenburg olhou ao redor, se perguntou se aquela era mesmo a rua Himmel, e mais triste ainda, se perguntou o que tinha acontecido ali. Eu e meu coração suspiramos.

É claro que eu não levaria Max Vandenburg, é muito frustrante que algumas pessoas acreditem que eu mesma, uma eterna apaixonada por esse lutador judeu, ousaria tirar-lhe do mundo logo agora. Apesar de ter sido ensinado que os judeus não tinham vez, que não existia um lugar para eles, deixei que ele se encaixasse por aqui, que se mantivesse nesse mundo. Mesmo sabendo que essa bola gigante ainda é pouco diante á grandiosidade daquele homem.

Seus cabelos estavam arrumados agora, ele já tinha passado uma temporada no hospital, precisava se alimentar e voltar á ser “humano”. Depois, o governo ainda o teve de indenizar por todos os sofrimentos e humilhações passadas no Campo, mas Max não se importava, ele só queria ver Liesel.

Estava parado onde devia ser a casa dos Hubermann a quase 3 anos atrás. Não tinha nada além de alguns entulhos e um bom monte de escombros. Havia casas ao redor e ele via pessoas andando de um lado para o outro, mas aquele buraco ainda estava ali. Tinha um espaço. Onde estavam os Hubermann?

– Boa tarde?- Um rapaz o cumprimentou. Max viu os cabelos cor de limões e sorriu.

– Boa tarde.- Rudy sorriu de volta e meu coração se esquentou.

Ele também tinha crescido muito. Se Liesel o pudesse ver agora, não diria que ele era um monte de ossos juntados á pressa, ele parecia um monumento. Cabelos bem penteados, corpo malhado, rosto bem delineado, roupas em bom estado. Rudy tinha crescido mais do que eu imaginava. Mesmo assim, continuava com aqueles olhos opacos. Eu que fui tantas vezes apaixonadas pelas safiras que ganhavam vida nos olhos de Rudy, tive que segurar meu coração ao me deparar com aquele olhos.

– O senhor é um jornalista?- perguntou Rudy, analisando as roupas e a mala que Max carregava. Ele não tinha muito. Alguns remédios, dinheiro e uma muda de roupas. Pretendia se arrumar melhor quando encontrasse os Hubermann. Não estava decepcionado, ainda.

– Oh, não! Não, não. Muitos jornalistas vem aqui olhar isso?- perguntou Max, apontando para o vão que costumava ser a casa de Liesel. Rudy suspirou e depois deu de ombros.

– Na verdade, sim. Mas você não deve ter ouvido falar nada, eu não deixo que eles comentem muito sobre aqui.- Rudy deu de ombros. Max ergueu uma sobrancelha.

– Você faz parte da prefeitura?- Perguntou. Rudy riu pelo nariz, achando graça do que ele tinha falado.

Apesar de tê-lo hospedado por 6 meses em sua casa, depois de descobrir que Liesel não estava morta, Ilsa não se importou muito com Rudy. Depois de saber que Liesel estava viva e bem, talvez Ilsa pensasse que não precisava dever mais nada á ninguém. Afinal, ela estava apenas fazendo um favor á Liesel, ajudando seu amigo órfão. Não tão órfão quanto ela pensava.

– Eu estou muito longe disso! Mas é que esse terreno é propriedade minha.- Disse Rudy, dando de ombros. Ele não costumava falar muito sobre nada, mas estava de bom humor hoje. Tinha acordado com o pé direito. Talvez ele tivesse previsto que o judeu que sua amada escondeu em seu porão, milagrosamente estava vivo e estava á sua frente. Rudy não tinha bola de cristal.

– Propriedade? Aqui não ficava a casa dos Hubermann?- Perguntou Max, começando á ficar nervoso. Será que estava no lugar errado? Não, ele tinha certeza de que tinha lido rua Himmel no começo dela.

– Ficava... Conhece os Hubermann?- Perguntou Rudy, estreitando os olhos. Analisou Max melhor. Ele não parecia estranho, Rudy recordava desse rosto, ou desse corpo, não muito bem, muito vagamente, mas lembrava. Quem era aquele homem?- Eu o conheço?

– Ah, perdão! Eu sou Max Vandenburg. Eu... Conheço os Hubermann sim. Sou um... Antigo amigo da família.- Max deu um sorriso. O nome pareceu vagar milhões de vezes pela cabeça de Rudy, mas ele não recordou. Apertou a mão de Max e deu de ombros.

– Eles se mudaram a quase 3 anos atrás. Moram em Berlim, eu acho.- Rudy fez uma careta.

Apesar de não deixar transparecer, eu sabia que sua garganta estava travada de novo e sabia que ele estava sentindo aquela dor. Era saudade. Os humanos costumam sentir isso, é muito complexo para definir em palavras. No básico: Dói.

– Ah.- Max não soube o que dizer. O que faria agora?

– Se você é um amigo tão antigo, devia saber que eles se mudaram. Ou ter o endereço.

– Eu estive um tempo... Afastado.- Max fez uma careta.- Bom, de qualquer forma, obrigado.- Max ia se virar para ir embora, então percebeu um livro na mão de Rudy e viu o nome de Liesel gravado na capa.- A menina que roubava livros, uma história de Liesel Meminger.- Ele leu em voz alta e depois olhou para Rudy, que escondeu o livro.- Você a conhecia?

– Sim. Foi bom conhecê-lo.- Max sorriu quando viu Rudy se virar para a casa ao lado.

– Rudy? Rudy Steiner?- Max sorriu.- É maravilhoso conhecer você. Liesel me falou muito sobre você quando eu estive em seu porão. Acredito que ela tenha falado de mim, mas a memória já não é tão boa, certo? Está escrevendo um livro sobre ela? É muito gentil. Você vive fazendo gentilezas, não é? Me lembro de tê-la ajudado á me largar no desfile. Muito obrigado.

– Max...- Rudy sussurrou, sem virar para encarar Max. Não tinha coragem.

– Você mandou destruírem a casa quando eles foram embora?

– Eu não... Foi um bombardeio.- Rudy disse, finalmente se virando.

O rosto não era mesmo estranho, aquele era Max, aquele era o judeu de Liesel. Rudy sentiu o coração esquentar quando finalmente se deu conta de que estava de frente para uma das coisas mais valiosas para Liesel, e que ele estava vivo. Não se sentiu bravo ao constatar que ele era o motivo de Liesel estar longe, ele estaria morto se Max não estivesse naquele desfile aquele dia. Rudy conseguiu sorrir e eu vi brilho nas safiras. Bendito pé direito!

– No dia em que eles foram embora, no dia do desfile... Eles bombardearam a rua. Todos morreram, menos eu. Depois eles começaram á refazer as ruas, mas eu pedi para que deixassem a casa de Liesel como ela estava, porque não me lembrava como ela era antes e não queria que mudassem nada. Eu não acredito que você está vivo! Liesel vai ter um piripaque!

– Se ao menos soubesse onde ela está...- Max suspirou. As safiras se esconderam.

– É. Se ao menos soubesse onde ela está.- Rudy concordou.

Mas eles não precisavam se preocupar com isso. Não haviam motivos para continuar em Berlim, foi o que Liesel alegou depois do enterro de Trudy. Eles precisavam voltar para a rua Himmel. Ela precisava voltar para Rudy, mesmo que ele estivesse morto. Precisava encher seu tumulo de rosas e dizer que o amava, em algum lugar do mundo, no céu provavelmente, Rudy ouviria e não ficaria bravo. Apesar de ter se passado tanto tempo, Liesel ainda era apaixonada por aquele Saukerl. Ninguém tocaria seu coração como o Jesse Owens. Ninguém.

(...)


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Notas finais do capítulo

Minha best friend está lendo a fic, então eu decidi dar mais atenção á fic já que ela fica me cobrando o tempo todo! Enfim, o capítulo não ficou um dos melhores porque eu estava sem inspiração, admito na cara dura. Espero que gostem, beijos.



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