Pale (interativa) escrita por Harpia


Capítulo 2
Perpétuos


Notas iniciais do capítulo

Estão presentes nesse capítulo: Anna e Kenshin.



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Abaixo de um Torii no pé da colina, os guardas os esperaram chegarem da estação de Shinjuku até Kōfu e em seguida ao se certificarem de que ninguém ficou para trás os guiaram por uma longa trilha ladeira à cima segurando tochas entre a névoa da madrugada. Durante a escalada, os jovens caíram na realidade de que estavam tomando um caminho sem volta.

Ao alcançarem o ponto mais remoto da montanha, o grupo disperso e cansado se aproximou da portaria, formando um aglomerado desorganizado entre os portões abertos. Alguns arrancaram suas jaquetas pesadas, outros jogaram suas malas e mochilas no chão num silencioso protesto "Se vocês nos querem aqui tratem de carregar nossa bagagem para os dormitórios".

Um pouco tímida com os novos visitantes, a sacerdotisa Hikaru deu um passo à frente. Havia tantos rostos bonitos e garotos irresistíveis que nunca chegariam perto dela...

– Gostaria de desejá-los boas-vindas, mas não tenho esse tipo de tempo, então vamos direto ao que interessa. Por favor, me acompanhem - ela pediu educadamente e deu as costas para cortar caminho da vila até o castelo.

Majestosamente pendurados nas paredes saudando-os, os estandartes dourados de Pale eram compostos pelo símbolo da lua crescente e ramos de videiras. O centro da comuna era composto por vários comércios e bares, no entanto já estavam fechados porque passara da meia-noite. Existiam lojas de todas as especialidades, desde roupas e comida até armas e venenos. A arquitetura das casas seguiam um padrão antigo, imitando vilas medievais japonesas. O asfalto de paralelepípedos das ruas e becos possuía uma organização fora do comum. A tenebrosa simplicidade desse lugar era materialista, podia-se sentir a exorbitante nobreza mesmo que a visão dos avermelhados picos do Monte Fujii a quilômetros roubasse completamente a atenção dos recrutas.

Basicamente, era uma cidade dentro de uma cidade. Na praça central jazia uma fonte. A estátua de mármore era esculpida com o mesmo desenho do estandarte e alguns sacerdotes estavam ajoelhados diante da divindade elemental, venerando a oração de um velho testamento. Depois de se afastarem das cabanas onde seriam suas moradias, passaram pela ponte que levaria para o castelo; ou palácio da Ressurreição, assim como os ancestrais costumava chamar. Hikaru voltou a ficar de frente para o grupo, entrelaçando as mãos entre frente ao corpo miúdo.

– Vou levá-los primeiro à sala do Imperador e depois às suas cabanas. A propósito, ele exigiu conversar com duplas, então é melhor começarem a procurar seus aliados.

Os jovens encararam uns aos outros expressando ódio e desprezo, assim como deveria ser. Aqui nada mais eram do que meros inimigos, sabiam que estavam em Pale com o intuito de se superarem e a qualquer momento alguém poderia ser morto. No entanto, agora teriam que engolir o orgulho para encontrarem um par. Depois que as duplas estavam formadas e eles praticamente foram obrigados à aceitarem qualquer um como aliado, a sacerdotisa ergueu seu pergaminho e leu os dois primeiros nomes da lista.

– Anna Moretz e Kenshin Honnou! - anunciou.

Pega de surpresa, Anna sobressaltou e trocou alguns olhares curiosos com Kenshin antes de seguirem os guardas que os guiariam através da ponte do castelo. Boquiabertos e apreensivos, todos temiam por eles. Era imprevisível o que aconteceria desse momento em diante.

Com a pele branca como a neve que cobriria os alpes em breve, Anna tinha um liso e comprido cabelo loiro cujo tom quase se assemelhava ao cinza. Com dezesseis anos, parecia ser mais nova do que realmente era. Não usava muita maquiagem e era magra, por isso sempre usava moletons e calças jeans para parecer mais robusta. Hoje seu cabelo estava solto, mas ela sempre o prendia num coque.

– Oi, é muito bom te ter como aliada - Kenshin a cumprimentou sério, mas bem-humorado.

Kenshin era um japonês de olhos castanho avermelhados. Vestia uma camisa vermelha, jaqueta preta, calça jeans negra e seu corpo era um pouco definido, mas o suficiente para sua altura. Por causa dos agasalhos não dava para notar a tatuagem tribal de lobo que ele possuía no ombro direito. Ela virou o rosto e ignorou seu cumprimentou. Anna era quieta e apenas falava o necessário. Sendo uma garota inteligente, ignorava as pessoas que tivessem a capacidade de raciocínio menor que a sua. Odiava pessoas tolas e não gostava quando faziam piadas em um momento crucial. Era o tipo garota mimada e estressada que nunca sorri e sempre esboçava uma carinha de pena misturada com tédio. Sempre estava de cara fechada e mesmo quando parecia prestar atenção em algo, não prestava, pois vivia dentro de seu próprio mundinho. Pensava duas vezes antes de fazer qualquer coisa, coisas que só faz se tiver vontade. Ela queria ser uma daquelas meninas que saem com garotos na sexta-feira à noite e como consequência vivem rodeada de amigos, mas jamais consegue se "deixar levar" e tem sempre que seguir suas próprias regras e pensar no que vem depois.

– Você parece nervosa – ele comentou aos notar suas mãos trêmulas.

– Boa observação, você também deveria estar - ela rebateu o menosprezando.

As portas se abriram e eles entraram. Dentro do castelo era amplo e o ar parecia rarefeito. Os olhos castanhos de Kenshin brilhavam como duas lascas de obsidiana enquanto ele contemplava o piso bem polido e as luzes dos lustres que adicionavam um tom dourado ao local. As pinturas dos quadros eram do período renascentista que infelizmente não alcançou a Ásia no século XIV. Sofás e uma mesa de centro ficavam à beira de uma lareira flamejante. Ao centro do extravagante salão principal havia uma larga escadaria cujo balaústres lembravam uma mansão vitoriana, mas do outro lado ficava o trono de ouro onde o Imperador Obel estava sentado esboçando uma inexpressividade sobre-humana.

– Do que você tem medo? O máximo que ele pode fazer é roubar nossa alma – ele riu da própria piada. – Eu não tenho uma, você tem?

Demoraria a descobrir que nem sempre Kenshin era normalmente calmo. Ele era um bom lutador e não tinha piedade de seus inimigos por ser um pouco vingativo. Sua personalidade sarcástica o abençoou com o péssimo hábito de fazer piadas em momentos de tensão, o que Anna repudiava. Ele sempre foi um roqueiro, gostava de heavy metal e era culto até que se provasse o contrário. Não costumava se irritar com a mesma facilidade que um incêndio se espalha, porém quando se irritava nada conseguia pará-lo ou detê-lo de uma discussão. Como se não bastasse, de vez em quando também tinha a mania de falar sozinho.

– Escute aqui... – Anna demonstrou sua impaciência. – Se você quer manter uma boa relação comigo agora que dividiremos a mesma cabana é bom parar de ser um idiota.

– Eu não sou idiota – indignado com o quanto a garota estava sendo agressiva, ele se defendeu a mostrando sua foice com poderes mágicos. – E é bom tentarmos ser amigos, não quero te machucar.

Gesticulando, ela se afastou. – Quem disse que eu quero ser sua amiga? Já ouviu a frase "Amigos, amigos, aliados à parte"? Pois é.... Não tenho medo de você.

Os dois se aproximaram. Havia duas cadeiras dispostas em frente ao altar e antes de qualquer coisa, se curvaram desjeitosamente diante da majestade.

– Sentem-se – Obel ordenou friamente;

E mesmo desconfiados, eles obedeceram.

– A primeira missão de vocês não é tão complicada. Sabe, até que ela é comum. Há um homem em Shibuya que está devendo dinheiro para um de nossos vendedores. Não somos gananciosos, mas negócios são negócios – o imperador declarou. Não seria bondoso com a vítima.

– Você quer que nós eliminemos o cara? – Kenshin concluiu.

Anna arregalou os olhos, sobressaltando de novo.

– Sim e não. Antes de mandarem o desgraçado para o outro lado alertem ele de que o prazo para deixar o dinheiro da dívida num cofre qualquer da cidade é até amanhã à noite – esclareceu.

– Faremos o que pediu – ela assentiu com o tom de voz baixo.

Imediatamente, Kenshin e a loira se levantaram prestes a irem embora do salão principal.

Obel ergueu um dedo. – Por favor, esperem, ainda não pedi para se retirarem. Quero ouvir a história de cada um.

Meio cabisbaixa, a garota teve a honra de começar. – Vim de uma família rica na Itália. Meus pais sempre deram tudo o que eu quero. Estudei em uma das melhores escolas do país e fui uma das melhores alunas. Meus pais eram super protetores, sendo assim eu não podia sair para festas ou para visitar meus amigos, o que me levou a ser a única pessoa da classe que não saía para encontros e nem nada do tipo, então as pessoas passaram a me deixar de lado e me excluir. Mesmo assim tive três amigas inseparáveis, elas eram como eu, então nunca me senti sozinha.

Pouco impressionado, o imperador ergueu uma sobrancelha. Estalou os dedos e meneou a cabeça num gesto significativo, exigindo para ela prosseguir.

– Sempre tive muito tempo livre, me dediquei a vários cursos. Meus pais me colocaram em cursos no palácio que ficava perto de casa e era um ponto turístico da cidade. Estudei choche, tricô, marcenaria, curso de inglês e francês, balé clássico, jazz, violão, piano, artes cênicas, pintura e fotografia. Não tinha com quem conversar maioria das vezes nos cursos, como consequência fui ficando mais fechada até que só me abria com as três amigas.

– Você não teve muito a perder. Não sabe lutar? Não fez aula de tiro?

"Não tive muito a perder? Você não deve saber o que é perder alguma coisa" ela pensou sobre Obel. – Um dia eu estava voltando para casa do curso de piano quando um cara me parou e perguntou se eu queria fazer artes marciais, como já estava terminando o curso de violão e teria tempo assim que saísse do de piano, levei a notícia aos meus pais e eles concordaram. Cresci estudando técnicas e sabendo como me virar no mundo. Eles adoravam a ideia de ter uma filha que ganhava os estaduais de luta e eu também estava adorando, tanto que passei a frequentar o paint-ball e minha habilidade com armas foi ficando melhor conformei eu as usava de verdade com um instrutor de tiro ao alvo.

Kenshin sentiu vontade de perguntá-la sobre o que aconteceu com seus pais quando ela decidiu vir para Pale, mas se conteve, não queria incomodá-la outra vez. O imperador finalmente apontou para ele e o garoto se ergueu, contando sua história sempre calmo.

– Sempre fui um garoto mediano no colégio. Morava em Tóquio, era o motivo de orgulho da minha mãe, sempre fui fascinado por mitologia e fui o melhor aluno no colégio nesse assunto. Eu sempre desconfiei do meu padrasto, pois ele costumava sair à noite e só voltava de manhã bêbado. Uma vez ele tentou bater na minha mãe e eu o espanquei até deixá-lo inconsciente para salvá-la. Depois disso o desgraçado foi preso, mas conseguiu fugir da prisão para se vingar de mim e quase conseguiu porém antes de levantar a faca que ceifaria minha vida minha mãe entrou na frente do golpe e morreu. Fiquei cego de ódio e matei meu padrasto usando a própria faca que levou a vida dela. Quando o assassinei não me arrependi, adorei a sensação de ver seu sangue quente nas minhas mãos e escorrendo entre os meus dedos. Já que minha mãe está morta e não tenho mais nada, não pensei duas vezes em aceitar o convite de vir pra cá.

– Possui alguma habilidade que possa usar à favor de Pale?

– Tenho uma foice que pode congelar qualquer vítima até a morte, foi feita com metal e banhada ao sangue de Yuki onna, um espírito do gelo.

Anna debochou dele. – Exceto vampiros. Vampiros tem o sangue frio, não pode congelá-los.

Ele deu o troco e a ignorou. – Também tenho uma Desert eagle. Minha pontaria é excelente.

– Estou contente de saber que os recrutas desse cinquentenário são competentes, corajosos e experientes. Por hoje é só, podem sair.

Eles saíram do escritório e se depararam com os recrutas Ian Hart e Greta Green aguardando para serem entrevistados. Saberiam depois como seria a entrevista deles. Desceram a escadaria do salão principal e a sacerdotisa os entregou a chave da cabana. Marcharam entre as ruas medievais das vila até a encontrarem e ao entrarem se depararam com um recinto confortável e familiar.

– Lar doce lar – Kenshin disse ironicamente e se jogou no sofá, botando as botas sujas em cima das almofadas. Não dava a mínima. – Quanto tempo você acha que vamos durar em Pale?

Uma prateleira rodeava a sala, abarrotada de livros e objetos quebráveis de cristais para alegrar o ambiente. Anna se aproximou para pegar um souvenir pequeno e esculpido com o formato da Torre Eiffel e depois o botou de volta ao devido lugar.

– Já parou para pensar que ás vezes você consegue ser muito irritante? - o perguntou retoricamente, finalmente estampando um sorriso fraco.

Ele deu um sorriso torto e a observou ir em direção à cozinha pegar algo para beber. Na cozinha rústica havia um fogão e microondas (apesar dos membros serem convidados a almoçar no enorme refeitório do castelo), também havia uma pia embutida num balcão e armários superiores. Anna abriu a geladeira e pegou uma garrafa de suco de laranja que encontrou. Ao virar-se tomou um susto por se deparar com Kenshin sentado no balcão.

– Você me assustou! – ela gritou derrubando a garrafa no chão.

Descendo do balcão Kenshin foi cavalheiro, recolheu a bebida gelada e a entregou de volta. – Desculpe, tenho a péssima mania de aparecer de repente e assustar as pessoas... Se acostume.

Engolindo à seco suas grosserias, Anna se controlou e tentou esclarecê-lo as estratégias. – Guarde suas habilidades para usar em combate, acho que não vai demorar para distribuírem missões e termos que competir contra outra dupla.

– Você parecia ter uma vida boa, o que te trouxe até esse lugar? Sei que não está aqui pelo dinheiro ou pela violência. Seus pais ainda estão vivos e você não parece ser uma garota má.

"Você não sabe pelo o que eu passei e eu não vou perder meu tempo te contando" ela pensou estreitando os olhos.

De repente, escutaram uma gritaria exterior e rapidamente foram espiar por trás das cortinas nas janelas o que estava acontecendo na vila.


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Notas finais do capítulo

Vou apresentar dois personagens a cada capítulo. Ah, e mais pra frente vou misturá-los conforme eles forem se conhecendo melhor. Espero que gostem e quero todos comentando hein.