Hálito de Fogo escrita por Caliel


Capítulo 2
A fúria de um guerreiro




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Abri meus olhos. Que lugar era aquele? Era noite, o lugar era frio, e, acima de tudo, tinha uma camada branca sobre o chão. A cada passo que dava, meus pés afundavam. Gritei pelo nome de meus amigos, mas não obtive nenhuma resposta. Não usava minha capa nem meu capuz e estava com roupas chamuscadas. Passei a mão pelas costas e percebi que meu arco não estava lá.

Caminhei mais um pouco até ouvir uma risada feminina e vi alguém que trajava minhas roupas, correndo a alguns metros. Corri em sua direção, mas meu corpo estava frio demais para correr. Então ela se virou e ouvi a mesma voz que riu sussurrar para mim “Para poder me alcançar, Cadmo, deverá ir ao lugar onde o Sol não toca. Aí sim, eu poderei aconselhar você e seus amigos sobre o que procuram”.

Acordei ofegante quando todos ainda dormiam. Aquela garota tinha sido apenas um sonho, mas aquilo que ela dissera, sobre aconselhar a mim e a meus amigos, não parecia ter sido um sonho. E aconselhar sobre o que?

Mas era bobagem pensar naquilo, tinha sido apenas um sonho besta. O Sol nascia e na noite anterior eu tinha levado a maior bronca da minha vida. Bane tinha me dado uma lição de moral sobre respeitar as regras do grupo e não colocar a vida de ninguém em risco. A minha punição era dar banho em todos os cavalos por 7 sóis, a começar por hoje.

Esperava que o ovo de dragão estivesse bem. Mais tarde iria vê-lo, mas antes disso precisava lavar os cavalos. Peguei cerca de 10 baldes, levando 2 de cada vez até a margem de um rio que passava ali por perto e os enchi d’água. Nós tínhamos cerca de 20 cavalos, cada um mais bravo que o outro. Apenas os membros mais fortes da equipe tinham cavalos e, é claro que eu não tinha nenhum, mas mal eles sabiam que eu estava prestes a ter um dragão do meu lado. Ele iria deixar todos estes cavalos comendo poeira.

Resolvi começar pelo cavalo mais manso. Chamavam-no de Plutão. Ele era um cavalo preto de olhos claros e passava grande parte do dia dormindo, então foi fácil lavá-lo, já que só precisei acordá-lo no final, para lavar as patas e a barriga. Os problemas começaram lá pelo décimo cavalo. Naquela hora do dia todos já estavam acordados e era a vez do décimo cavalo, que era chamado de Tempestade. Tempestade era um cavalo pequeno, mas vivia relinchando e empinando as patas dianteiras. Ele derrubou o balde umas 10 vezes e toda vez que ele derrubava, tinha que ir buscar água de novo no rio.

Finalmente cheguei ao ultimo cavalo, o cavalo de Bane, Sombra da Noite. Aquele cavalo punha medo em todos os outros e algumas pessoas até diziam que ele ajudou, certa vez, Bane a matar um dragão. O desamarrei e dei alguns passos com ele em direção a árvore em que os baldes estavam, mas no meio do caminho, ele começou a empinar as patas, relinchar e de repente, a corda escapou de minhas mãos. Sombra da Noite correu em disparada. Tentei alcançá-lo, mas ele era rápido demais e desapareceu na imensidão da floresta. Todos me encaravam.

Eu teria que contar a Bane o que acontecera. Não tinha coragem, mas teria que contar. Procurei por Bane e o encontrei afiando algumas espadas. Pior momento para contar que seu cavalo tinha fugido, impossível.

– Bane... – Ele parou de afiar uma espada e a fincou no chão.

– Vejo que já terminou todos os cavalos. – Ele sorriu. – A sua próxima tarefa será...

– Eu não terminei de lavar todos. – O cortei no meio da frase. – Faltou um.

– Deixe-me adivinhar: todos menos o Sombra da Noite? Oh Cadmo, vamos, ele não vai começar a te morder e fugir se você tentar lavá-lo.

– É, morder não vai mesmo... – Olhei para o chão. Bane se levantou, colou a mão em meu queixo, ergueu meu rosto e me encarou.

– O que você quer dizer com isto, Cadmo? – Mesmo tendo um rosto moreno, era possível perceber que estava vermelho de raiva.

– Eu tentei o segurar Bane, eu juro, mas ele era forte demais. Eu corri atrás dele, mas era rápido demais, também. Eu posso tentar procurá-lo se você me emprestar um dos cavalos.

Bane se levantou, pegou a espada no chão e jogou para mim dando as costas enquanto olhava em volta. Se abaixou para pegar um pedaço de uma árvore caído e se voltou para mim.

– Bem, vamos fazer um joguinho. Você com a espada e eu com este galho. Quem derrubar ou desarmar o outro três vezes primeiro vence. Se você ganhar, procuro Sombra da Noite e ele se torna seu cavalo. Se eu ganhar, você terá o pior trabalho de todos... – Ele tinha um sorriso nos lábios.

– Não Bane, tudo menos isso...

– Sim Cadmo, você irá se encarregar de limpar ossos, tripas e coisas que não servem dos animais que forem caçados.

– Mas isso é injusto!

– Injusto é você perder meu cavalo e não ser punido. Agora vamos lá. 1, 2, 3 e valendo!

Pensei que a luta seria fácil, por mais que Bane fosse forte eu tinha uma espada e ele um pedaço de madeira. Nunca estive tão enganado em minha vida.

Bane acertou minha perna em cheio com o pedaço de madeira, despenquei no chão enquanto todos riam.

– Um a zero Cadmo, você tem mais duas chances!

Corri bruscamente em direção a Bane e tentei lhe acertar um golpe com a espada, mas ele rolou pelo chão com a madeira esticada me fazendo cair.

– Dois a zero, acho que alguém vai ter que se acostumar com cheiro de carne podre.

Levantei-me e, com um golpe, consegui cortar a madeira em dois pedaços, Bane jogou um pedaço com força em cima de mim e tirou a espada de minhas mãos com o outro.

– Acho que eu venci. – Bane sorria enquanto todos em volta riam.

Um sentimento de fúria tomou meu corpo. Não conseguia mais ouvir risos, mas minha visão melhorou, pude ver os sorrisos nos lábios de cada um. Como eles ousavam rir de mim? Nenhum deles teria chance contra Bane também. Bane... Homem honesto, porém cruel, pensava no bem de todos, mas sacrificava alguns para isso.

Ele me encarava, via sua boca se mover enquanto gritava alguma coisa, mas escutava sussurros ao invés de gritos. Não conseguia os entender, mas sabia que não eram coisas boas. Peguei o pedaço de madeira que Bane jogara em mim e ele rompeu em chamas. Corri em sua direção e o acertei em cheio no peito, algumas pessoas sacaram suas espadas, mas não me atacaram. Bane se levantou e correu em minha direção e acertou minha perna com a espada, mas o corte não me incomodou. Bane acertou um segundo golpe em meu braço, mas nem o senti. Corri em sua direção, mas tinha perdido o controle, então levantei o pedaço de madeira para o acertar novamente. Ele, porém, foi mais rápido e desferiu um golpe em meu olho. Minha visão ficou turva e senti o mundo a minha volta girar.

Eu podia sentir o medo das pessoas a minha volta, suas respirações pesadas enchiam meus ouvidos. Foi quando olhei para um rosto perdido na multidão, um rosto de preocupação, o rosto de Helena. Como podia ter feito aquilo? Eu feri Bane, deixei Helena preocupada, assustei os membros do grupo. A vergonha substituiu o ódio. Corri em direção a floresta, não podia ficar ali, ouvia vozes chamando meu nome, algumas pessoas tentaram me segurar, mas ouvia seus gritos ao me tocarem.

Ao anoitecer voltei para o acampamento junto de Sombra da Noite. Todos me encaravam e sussurravam algumas coisas. Entrei na tenda de Bane e entreguei as rédeas. Ele se levantava, mas o dei as costas e sai.

Sentei-me para jantar, Helena se sentou comigo e disse que iria fazer um curativo em meu olho que ainda sangrava, porém neguei a ajuda e disse que poderia fazer aquilo sozinho.

Esperei que todos se deitassem, fiz o curativo, reuni alguns suprimentos, uma pequena bolsa, uma aljava com flechas, uma caixa de fósforos, meu arco, algumas cordas, um cantil d’água e algumas plantas para passar na feriada do olho.

Fui até o prédio e coloquei o ovo dentro da mala.

Lá de cima dei uma ultima olhada para a tenda. Helena estava em pé na parte de fora. Aparentemente ela não percebera que eu não estava lá e voltou para dentro. Esperei algum tempo para ver se ela sairia de novo, mas não tornou a reaparecer. Será que ela iria comigo se soubesse que eu estava de partida? Provavelmente não. Helena nasceu naquele grupo, sempre pertenceria a ele. Eu sempre seria o bebê encontrado em meio a uma tempestade de neve que ninguém sabia de onde tinha vindo. Eu nunca pertenceria ao grupo.

Desci o prédio e caminhei até um ponto da estrada de terra onde havia dois caminhos. O da direita, onde caminharia em direção a Lua e o da esquerda, onde eu lhe daria as costas. “Para poder me alcançar, Cadmo, deverá ir ao lugar onde o Sol não toca”. Segui o caminho da direita.


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