CAPÍTULO V

Haymitch conseguiu convencer Effie a dormir na mansão. Seus quartos eram bastante próximos, o que deixou Haymitch mais confortável.

Ele prometera levá-la para onde ela quisesse no dia seguinte. Isso deixou Effie, a princípio, sem sono. Ela gostaria de ir para tantos lugares, porém ao mesmo tempo também queria se limitar aquele jardim. Parecia um cenário perfeito.

Naquela noite, Effie não conseguiu tirar Haymitch dos seus pensamentos. Volta e meia ela imaginava o que poderiam ter vivido juntos e alguns sonhos a pegaram de surpresa, fazendo-a questionar-se se eram apenas sonhos ou se eram lembranças. Ela tentou memorizá-los para depois perguntar a ele.

Acordou no dia seguinte apenas com alguns flashes dos sonhos. Em um deles, ela se via na colheita lendo o nome dele como o tributo escolhido do Distrito 12. Também o sentiu segurar sua mão enquanto os jogos vorazes começavam.

Effie se levantou e foi até o banheiro, onde começou a se arrumar. Para todos - ou boa parte das pessoas - seu verdadeiro visual era um mistério por baixo das roupas e perucas típicas da Capital. Ela só aceitava permanecer em seu estilo "natural" quando estava sozinha em seu apartamento, o que não era o caso.

Ao terminar toda a sua produção, Effie rumou até o quarto onde estava Haymitch, que era bastante próximo. Como a porta estava fechada, Effie apenas deu três batidas de leve e o chamou pelo nome, porém ninguém respondeu.

– Acho que devo voltar depois - disse para si mesma, porém ela não conseguiu sair da frente daquela porta e, num impulso que não conseguiu controlar, Effie segurou a maçaneta e, para sua surpresa, a porta não estava trancada.

Não sabendo que horas eram, mas que não era tão cedo, Effie achou estranho vê-lo ainda deitado na cama, dormindo. Mas ele parecia agitado, como se algo o estivesse incomodando. Curiosa com a situação, Effie entrou no quarto e fechou a porta em seguida, dando passos leves em direção ao homem na cama. E foi parando ao lado dele que ela notou o que havia em sua mão: uma faca. Ao ver aquele objeto, Effie pôs a mão na boca, assustada. "O que eu faço?" perguntou-se.

Haymitch sussurrava palavras desconexas e Effie percebeu que se não agisse de alguma forma, poderia ficar pior e ele iria se machucar.

– Haymitch– murmurou, mas ele continuava parecendo agitado. Ainda sentindo-se receosa quanto ao que estava vendo, Effie foi se aproximando cada vez mais, devagar. - Haymitch– murmurou novamente, esticando seu braço para tocá-lo. Mas foi ao ter esse contato que Effie foi pega de surpresa. Haymitch foi despertado e reagiu da forma mais bruta possível: segurou o braço de Effie, puxando-a, e, com a outra mão, levantou a faca, apontando-a em sua direção. Ela sentiu-se ainda mais assustada do que já estava e soluçou de medo. Haymitch ainda precisou de alguns segundos para voltar a si e ver o que acabou causando. Ele, então, largou o braço da mulher devagar, com os olhos arregalados e deixou a faca cair no chão. Effie, ainda sentindo-se ameaçada, sentou-se na beirada da cama, tremendo. Ela passou a mão pelo braço que foi puxado por ele e sentiu seus olhos umedecerem com o susto.

– Effie– ele começou a dizer, mas sem saber como continuar. Ela continuou com a cabeça abaixada, olhando para a marca que agora estava se formando em seu braço. - Eu machuquei você? - perguntou, tentando se aproximar, mas algo o impedia de arriscar isso. Desde o choque em descobrir que ela sequer sabia quem ele era, Haymitch criou uma barreira que nem ele mesmo conseguia destruir.

Effie respirou fundo antes de responder. Enxugou, então, as lágrimas que haviam escorrido pelo seu rosto e forçou um pequeno sorriso.

– Eu estou bem - ela disse, desviando o olhar rapidamente.

Durante alguns minutos o silêncio dominou o ambiente. Nenhum dos dois chegou a olhar para o outro, o que deixava o clima ainda mais tenso. Effie continuava passando a mão em cima da marca no seu braço.

– Me desculpe - disse Haymitch, observando Effie passar a mão no braço, como se para amenizar o vermelhão. - Não foi a minha intenção, eu juro.

– Eu sei - disse Effie. - Deve ter tido uma noite difícil.

– Todas elas são.

– Imagino... - ela olhou em volta, observando os detalhes daquele quarto. Em breve cada um seguiria seu caminho e tudo iria mudar. - Bom, eu vou entender se você não quiser sair...

– Não, não - ele a interrompeu. - Eu prometi, então vamos.

– Tem certeza? Se quiser, podemos ficar por aqui.

– Não, não, princesa - ele retrucou, levantando-se da cama. - Hoje a levarei para passear, mesmo que muita coisa esteja destruída.

Effie deu um sorriso, convencida.

– Tudo bem, então se apresse, ou sairemos tarde.

Haymitch não pôde deixar de rir. Ela era sempre pontual.

~*~

– Tudo bem - disse Effie, assim que saíram da mansão. - E para onde vamos?

– Vamos procurar algum lugar que ainda esteja de pé - ele respondeu, fazendo-a rir. - Você é da Capital, queridinha. Não sabe nenhum lugar onde possamos ir?

Effie parou para pensar e começou a olhar de um lado para o outro.

– Talvez - ela disse, virando para entrar em uma rua a sua esquerda. Haymitch a seguiu sem questionar. - Tinha uma praça que eu gostava bastante quando era mais jovem - ela começou a dizer, seguindo o caminho. - Acredito que esteja destruída por conta da...

Ela não precisou terminar a frase. Parou imediatamente quando viu o cenário a sua frente: se um dia houve alguma praça, agora eram apenas destroços. Effie suspirou e continuou caminhando, agora mais devagar, estudando o local destruído.

– Era aqui? - Haymitch indagou, olhando ao redor.

– Era - ela respondeu, ainda de costas para ele. Parada, enquanto observava o que restou. - Agora é um monte de poeira.

Haymitch deu um passo a frente, até que Effie virou-se.

– Você quer voltar?

Ela assentiu com a cabeça e ele não se opôs. Talvez tivesse sido uma boa ideia não terem saído mesmo.

~*~

Nenhuma palavra foi trocada durante o caminho de volta. Haymitch a acompanhou até a porta do seu quarto, onde pararam.

– Bom, acho que podemos deixar esse passeio para a próxima - disse Effie, finalmente deixando um pequeno sorriso aparecer.

– Encontraremos um lugar que não esteja destruído.

– Isso - ela concordou. - Sim, Haymitch– acrescentou -, eu queria que você soubesse que... - ela olhou para o lado, procurando o que dizer - por mais que eu não me lembre de você, eu... sei que não é um estranho. Então... - enquanto falava, Effie notou que ele estava se aproximando um pouco mais. Sua atenção completamente concentrada nela. - Então espero que me entenda.

– Não, claro, claro - ele disse. - Eu entendo.

Effie sorriu e segurou suas mãos, olhando para elas.

– Acho que se me tocasse de verdade, eu acordaria disso tudo - ela disse. Levantou a cabeça para vê-lo e notou seu rosto se aproximando aos poucos. Ela teve uma sensação estranha começando a se formar dentro de si, mas não fazia ideia do que fosse. Ela só queria que ele chegasse mais perto.

– Haymitch? - soou uma voz masculina vindo na direção deles, fazendo-os se afastarem rapidamente. Foi quando Effie percebeu que era Peeta. - Atrapalhei alguma coisa? - ele perguntou, olhando de um para o outro, parecendo desconfiado.

– Não, claro que não - Haymitch respondeu. - O que foi?

– Bom, eu só queria avisar que nosso trem de volta nos levará daqui a dois dias, então vamos ter que arrumar nossas coisas mais cedo...

– Tem certeza?

– Absoluta.

Effie observou Peeta ir embora em silêncio. Haymitch virou-se para ela novamente, agora parecendo realmente triste. Dois dias, ele dissera. Era pouco tempo até nunca mais vê-los. Dois dias e tudo seria diferente. Eles iriam embora e ela ficaria sozinha. Era esse o destino previsto, mas ela sabia que não queria. Não, ela queria acordar. E quando menos esperou, seus lábios encontraram os e Haymitch, que retribuiu o seu beijo, e ela o abraçou com todas as forças que tinha, permanecendo assim por um bom tempo.

Esticando a mão para abrir a porta do seu quarto, Effie tomou um pouco de distância para poder olhar para Haymitch.

– Eu preciso que me acorde de tudo isso.