Sexo, Amor e Livros escrita por Julio Kennedy


Capítulo 3
Ressaca moral


Notas iniciais do capítulo

Sim, ele ainda não conseguiu terminar o livro.



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Sair pra Beber com Marcelo é como dizer a si mesmo: “Se prepara, amanha você terá ressaca.”.

A única coisa que realmente sei foi que acordei no dia seguinte por volta de meio dia, com Marcelo dormindo em cima de mim, no chão do banheiro. E só pra constar eu estava pelado. O chão estava frio e o chuveiro ligado, o lugar inteiro estava totalmente encoberto por vapor.

Minha cabeça estava doendo tanto, que a parte detrás dos meus olhos parecia ter sido esfaqueada por um minúsculo umpa-lumpa com uma força descomunal. Eu sentia gosto de vomito, mas quando consegui olhar em volta não vi nenhum indicio de que houvesse realmente vomitado. O cheiro que estava exalando de min e de Marcelo sim, esse quase me fez botar tudo pra fora.

Empurrei Marcelo de cima de mim e engatinhei até a agua do chuveiro que caia a poucos metros de mim. Eu estava tremendo de frio. Quando a agua quente caiu sobre mim, foi como se Deus houvesse me tocado.

Continuei ali sentado no chão debaixo d’agua por mais algum tempo, até que tomei coragem e me levantei. Minhas pernas tremiam um bocado, então me apoiei na parede, apoiei meu corpo e enchi a mão de agua jogando no loiro caído no chão do meu banheiro.

Ele acordou em um salto, levantando a cabeça repentinamente. – Eu preciso mesmo parar de beber – disse com uma voz rouca, voltando a deitar sua cabeça no chão.

Puxei-o para baixo do chuveiro ainda com roupas e o deixei lá enquanto fui tampar minhas vergonhas. Coloquei uma calça jeans azul clara e um chinelo preto. Fui à cozinha preparar um café, depois de uns vinte minutos quando já estava desligando a cafeteira Marcelo apareceu de toalha, com uma cara péssima.

– Você sabe o porquê de eu ter acordado pelado com você em cima de mim? – Perguntei. Provavelmente ele tentou me dar banho, mas prefiro ter certeza.

Ele se sentou e pegou uma xicara, se servindo um “balde” de café – banho cara, você sempre tem amnesia com vodka. Nós estávamos muito bêbados, mas você conseguia estar quase em coma alcoólico, então pra salvar tua vida – disse ele tomando uma longa golada, que imagino ter queimado a garganta dele inteira – como bom tutor que sou, eu ia te dar banho, mas por algum motivo a ideia de dormir em cima de você depois que você caiu pareceu mais interessante.

– E você se lembra de tudo? – Indaguei enquanto caminhava para o banheiro, eu estava procurando remédios para dor de cabeça e pra enjoo.

– Perfeitamente – gritou ele enquanto eu tirava os remédios do armário do espelho.

Quando eu ia saindo do banheiro vi minha calça largada pelo chão, então a peguei e apalpei os bolsos a procura do meu celular. Assim que o encontrei em um dos bolsos da frente o desbloqueei.

Haviam algumas mensagens não lidas e varias ligações perdidas. Assim que abri a lista de chamadas vi o nome da Veronica. Minha cabeça doeu muito mais quando imaginei o quanto ela devia estar nervosa naquele momento.

Abri minhas mensagens, eram três dela e mais uma de um cara que conheci na rua alguma semanas atrás.

Veronica:

“Olha, eu sei que nos brigamos muito, eu sei que você foi um canalha, mas eu sempre soube não é? Não posso te culpar por ser quem é, não quero mais sentir raiva de você, não agora com um filho, chego em dez minutos, espero que você pense da mesma forma.”

Veronica:

“Você já esta atrasado dez minutos, podia ter a dignidade de pelo menos atender o celular.”

Veronica:

“Desisto, converse com meu advogado então seu idiota, babaca, não acredito que pensei que pudéssemos nos entender. Vai para o inferno, vou cobrar uma pensão milionária de você.”

Caio rua:

“E ai gatinho, você nem me ligou não é? Quando você esta de boa? To a fim de te conhecer melhor.”

Respirei fundo e caminhei até a cozinha jogando o celular no peito de Marcelo que o pegou e começou a ler – quem é esse Caio sua piranha? – Perguntou ele nervosamente.

– Não importa, olha as mensagens da Veronica – o orientei, ele fez uma careta e continuou com ela até terminar de ler. Ele deu de ombros, encheu mais um xicara de café e por fim falou.

– A empurre da escada – disse ele calmamente, voltando novamente para a careta.

Eu ri sarcasticamente – claro e vou preso em seguida – coloquei as mãos na cabeça e joguei em uma cadeira próxima. Aquilo parecia um pesadelo, eu mal podia acreditar que engravidei alguém.

– Cadeia são apenas alguns anos, filhos são para sempre – ele concluiu.

Eu sou um dos piores tipos de sapos que existem, essa era a minha realidade.

Depois de o Marcelo ir embora recomecei minha viagem pela índia com o tigre. Eu sei que deveria ligar pra mãe do meu filho, mas eu já estava atrasado mesmo, devo ter passado cerca de umas duas horas lendo, sem parar por um instante para ver o mundo a minha volta.

Mas as coisas são assim, a vida cobra e você tem que crescer. Quando meu celular tocou novamente vi que era um numero novo, coisa bem comum pra alguém como eu, acabamos passando nossos telefones para os mais diversos tipos de pessoas.

Pensei em não atender, mas acabei atendendo assim mesmo, era a voz de um homem, na verdade até que não era uma voz muito interessante, por isso despertei meu lado acuado e fiz bem por isso.

Quem estava me ligando era o advogado da Veronica, a louca realmente tinha ido procurar a justiça. Cara, a mulher é louca mesmo, ele me disse que dentro de uma semana eu teria de ir a um consultório medico para que junto da louca pudéssemos fazer o exame de DNA.

Eu disse ao cara que com certeza compareceria. Ele me passou o endereço e o horário e me disse as complicações legais que o meu não comparecimento causaria. Eu o informei que já conhecia de leis o suficiente e disse a ele que se havia algum problema que ele queria resolver, ele deve fazer isso diretamente com meu advogado e lhe passei o numero.

Deitei no sofá em posição fetal e vinte minutos depois o Marcelo me ligou – seu idiota, fui quase pego de surpresa, passei os últimos quinze minutos com o advogado da Veronica no telefone fingindo entender sobre termos legais. Você esta bem? – Ele me perguntou calmamente.

Respondi que não, com uma voz falha e chorosa.

– Cara, eu não devia ter vindo embora, vou voltar ai de bicicleta e vamos para o parque – disse ele tentando me dar uma gota de animo.

Suspirei – eu odeio bicicletas ­– disse por fim.

***

Passei os três dias seguintes intercalando minha vida entre os filmes do Star Wars, uma novela mexicana onde uma gêmea má troca de lugar com a outra boazinha e tentando descobrir porque motivo o coiote ao invés de gastar dinheiro com os produtos Acne, não compra comida e esquece o Papa-léguas.

E então já era sábado novamente, acordei e fui fazer a barba que já estava grande. Aparei meus pelos do corpo e cortei as unhas, tomei um banho de quarenta minutos e finalmente me senti um homem digno para sair na rua.

Coloquei uma camisa polo branca, um short de jogador de futebol preto e continuei usando meu chinelo preto. Dirigi até o supermercado que ficava a dois bairros de distancia da minha casa. Meu estoque de “gordices” estava acabando.

Eu sou aquele tipo de pessoa que quando vai ao mercado mesmo se for comprar um sabonete pega o carrinho, sei que não é certo, mas vamos gente, a humanidade não segue todas as regras.

Dei uma volta primeiro nos gelados e peguei iogurtes, queijo, presunto, e patê. Caminhei até o fundo e peguei alguns pães de sal e dei a volta no corredor até chegar à parte dos biscoitos. Joguei alguns de chocolate, alguns daqueles finos de sal e mais algumas tortinhas que eu amava no carrinho.

Quando reparei que havia uma garota me olhando. E quando digo garota, eu digo uma garota que no máximo deveria ter dezessete, dezoito anos. Ela me encarava indiscretamente, olhei dentro de seus olhos e ela sorriu em um cumprimento. Eu a cumprimentei de volta e fui em direção ao caixa.

Assim que entrei na fila a garota veio atrás de mim e eu fingi que não havia o visto, mantive meus olhos fixos em um sache de patê que estava no meu carrinho, “peito de peru”, dizia o rotulo.

Minha mente nessas horas dava voltas mirabolantes e digo que até hoje não sei se aquilo aconteceu ou foi um daqueles sonhos acordados que vivo tendo. O que acontece é que o garota esbarrou a mão na minha coxa quando ela foi pegar um saquinho de jujubas que estava perto do caixa.

Eu fiquei excitado automaticamente, eu sei, parece idiota, mas faziam semanas que eu estava sem sexo, qualquer coisa estava me deixando excitado. Olhei para trás e a garota me encarou, eu dei um sorriso e ela sorriu de volta.

Essas coisas não acontecem dessa maneira, não com mulheres. Talvez homens fossem tão práticos, mas eu nem era tão bonito e essa garota nitidamente estava se esfregando em mim como um gato querendo comida.

Então me virei e estendi a mão a ela. Ela apertou e sorriu. Ela era o tipo de garota magra e morena, com cabelos cacheados grandes e com um sorriso absurdamente perfeito e branco.

Ela se apresentou com Sara e eu menti meu nome, disse que me chamava Davi. Por que fiz isso? Porque se aquilo não fosse um devaneio não queria que ela me achasse depois.

– Você esta indo pra onde? – Perguntei a ela casualmente, passando meus itens pelo caixa.

Ela se apoiou na esteira e sorriu. Ergueu a cerveja que esta comprando e respondeu – sem planos e você?

Aquilo foi muito mais que o suficiente pra mim. A levei até meu apartamento e só depois de umas duas horas quando finalmente a estava levando embora, descobri que ela tinha vinte e três anos. Pelo menos foi o que ela disse.

Passei meu telefone errado a ela e segui em direção ao DASA. Na porta do prédio encontrei Marcelo, ele já havia faltado ao ultimo encontro e levaria uma enorme advertência se voltasse a faltar novamente.

– Tenho que me confessar – disse a ele.

A primeira reação dele foi espanto, a segunda raiva e a terceira ele tentou literalmente me estrangular – seu idiota ninfomaníaco, por que não me ligou? ­– Gritou no instante em que chegamos à porta da sala onde vários frequentadores estavam.

Pude ver o olhar de vários correndo sobre mim com pena. Eu não sentia pena de mim, nem raiva e muito menos qualquer coisa. Não importa os motivos que me levaram ao grupo, mas eu me amo de mais para chegar ao ponto que a maioria dos outros ali estavam.

Alguns haviam destruído suas próprias vidas, perdidos a família, pegado alguma doença, sido presa e tantas outras coisas absurdas por causa de sexo e amor que eu chegava a me assustar às vezes com os relatos. Mas eu não era como ninguém ali, eu estava ali por escolha própria, ciente do peso da expressão nunca mais.

Caminhei até entre as pessoas deixando Marcelo ainda nervoso sozinho, e me sentei na cadeira onde sempre me sento. Douglas estava lá, me olhando com aquele ar de superioridade enquanto conversava com qualquer um daqueles problemáticos novos que haviam aparecido ali. Passaram-se uns quinze minutos até o líder do grupo obrigar a todos a se sentar.

Marcio me cumprimentou como todos os dias e então voltamos a historia chata da vida de Douglas. Digo que com certeza, talvez por meu humor estar péssimo, a voz daquele cara me irritava, me irritava tanto que tive dificuldade de me manter sentado ali.

Então Douglas finalmente chegou à parte que eu esperava, eu precisava botar aquela raiva pra fora, era hora de contar os relatos. Quando isso acontece geralmente Douglas começa da esquerda para a direita, mas assim que ele anunciou que iriamos começar com os desabafos, eu me levantei e todos me olharam assustados.

– Boa noite, meu nome é Paulo e estou no grupo há três meses. Eu havia passado as ultima seis semanas sem sexo, mas hoje conheci uma garota no mercado – disse olhando agora para Marcelo – e ela era muito gostosa, fiquei excitado quando ela passou a mão na minha perna e não resisti. Tive que traçar aquela puta.

Douglas me interrompeu ­– Um palavreado mais digno, por favor.

– Falo como que quiser – afirmei rispidamente continuando. – Fiquei mais excitado ainda quando ela colocou meu membro na boca e mais ainda quando ela me pediu pra ir com carinho e eu a fodi como se o mundo fosse acabar. – Marcelo me olhava com odeio, eu pude sentir a vontade dele de me matar – e excitado pra porra quando gozei na cara daquela putinha.

Nesse momento Marcelo saltou da cadeira e agarrou meu colarinho me empurrando para trás com tanta força que perdi o equilibro. Algumas pessoas sentadas a nossa frente arredaram as cadeira depressa antes que caíssemos sobre elas e pude ouvir quando Douglas disse calmo – então Marcio, quer nos dar seu relato?

Marcelo me tirou da sala e me jogou contra uma parede, ele era muito forte para o tamanho dele. ­– Estou cansado seu babaca, idiota. Você acha que só você tem problemas? Você acha mesmo que alguém se importa com onde você enfia essa merda desse pinto? – Nunca o vi com tanta raiva antes ­– eu deveria deixar você ir pro buraco, deveria esquecer de você e ir viver a minha vida, mas jurei que cuidaria de você antes de cuidar de mim.

Ele me largou e começou a descer as escadas do prédio rápido, eu corri atrás dele, não sabia por que, mas eu pude sentir o calor das lagrimas descendo pelo meu rosto, eu queria só ficar perto dele, só queria pedir desculpas.

E então ouvi o grito e o som da batida.

Meu coração virou uma pedra de gelo, corri o máximo que pude, pulando degraus, e quando finalmente vi a cara da noite eu vi, o ônibus estava com a frente enterrada em um carro estacionado e no meio das ferragens um braço curto sangrando pendia.

Eu gritei, mas não houve voz. Cai de joelhos na calçada enquanto via as pessoas assustadas olhando sem acreditar. Vi as pessoas do ônibus se aglomerando na janela e os curiosos olhando o corpo inerte da única pessoa que se importava comigo na face da terra esmagado e eu o havia matado, por minha culpa ele havia morrido.


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Notas finais do capítulo

Espero que não me matem! e sim, ele precisava morrer...