Ironia era o modo como seus lábios corriam pela pele desnuda e macia. Ironia era a provocação e a doçura quando os olhares se encontravam. Ironia era a delicadeza dos toques que deixavam marcas profundas... Mas não na pele. Ironia era sempre desejar mais daquele doce veneno que descia queimando pela garganta.

Se não ironia, o que fazia um Hunter amaldiçoado tornar-se monitor de um colégio cheio de vampiros? O que fazia um sangue-puro olhar para um futuro Level E?

“Mesmo que esse seja o fim, eu estou feliz por suas lágrimas, Zero, afinal isso não quer dizer que você me ama? Eu sou uma pessoa muito horrível por isso?”

Por que as palavras deixadas no ar insistiam em repetir-se incessantemente nos ouvidos de ambos?

“Você é. Mas desejar a infelicidade – até mesmo a morte – de minha irmã de criação também é ruim. Então somos ambos pessoas horríveis.”

Talvez aquilo não tivesse começado se não fosse aquela noite. Os desejos sobrepujaram a razão e tudo no caminho foi estraçalhado. A racionalidade foi deixada para trás e, no fim, havia apenas tecido rasgado no chão e sangue nos travesseiros. Também fora aquela noite em que seu mestre abrira a porta do quarto e encontrou os dois. A última vez que Zero havia olhado Yagari nos olhos. Depois disso nenhuma palavra fora dita. Por nenhum dos três. Tudo teria acabado bem, se aquela noite não houvesse se repetido várias e várias vezes, aquilo teria sido ignorado e deixado em um canto da mente deles, tachado como “infeliz incidente”.

Depois de algum tempo, o olhar de Kaien mudou. Então compreenderam que estava tudo perdido.

Rido também aparecera, e foi a vez deste ter sua atenção chamada pelo Hunter, entretanto os toques não foram tão delicados e o sangue não delimitou-se apenas aos travesseiros. Pela primeira vez Kaname conhecera tamanho ódio e impotência.

“O que você acha que sou? Deve pensar que sou alguma dama indefesa”

Não seria difícil para Kaname concordar com as palavras de Zero, no estado que o albino estava. Mas as palavras eram inúteis, tudo o que restara para eles era um leve entrelaçar de dedos. Se tudo fosse novamente estraçalhado como na primeira noite, ainda haveria uma saída? Mas a vingança ainda não seria mais facilmente saciada que sua sede. Rido foi destruído e foi o ódio que restou. Os doces sentimentos pareciam corrompidos.

“O Conselho logo chegará para me buscar, o que então será de você, Zero?”

“Eu vou ficar aqui... E esperar.”

“Esperar que decaia finalmente à condição de um Level E?”

“Talvez...”

Quando levaram Kaname e Yuuki, as lágrimas puderam correr livremente mais uma vez.

Talvez não fosse a ironia que havia entrelaçado seus destinos e os levado ao fundo daquele abismo. E sim o destino.