Legado de Semideuses! escrita por Lucas Lyu Santos


Capítulo 22
A balança da instabilidade.




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Como era bom ver Martinato novamente, principalmente nas circunstâncias atuais. O melhor de tudo era que ele não tinha vindo sozinho; Lorenna, Bieringuer, Benvengo, Rodrigo, Frascolli e Malu estavam lá. O único problema é que todos tinham se separado, e com ele só restou Lorenna e Benvengo. Menos mal né, por que a filha de Ares equivalia a mil guerreiros juntos. Eu mesmo testemunhei sua força no desafio Ultimate de seu pai, e por conta disso faturamos a incrível luva de Arix. E graças á esse fato eu me sentia um pouco mais seguro quando ela estava perto.

Thay também estava lá, o corpo dela tinha pousado á uns sete metros de distância, todo encoberto com um espécime diferente de gramínea verde musgo. Mama, ela, porém, não havia qualquer sinal. Só poderia torcer para que ela ficasse são e salva.

Erámos cinco, um número um tanto razoável para um lugar que não conhecíamos. A caverna era tão gigantesca quanto à toca dos renegados, mas o teto era feito de milhares de pontiagudos rochedos que transbordavam um líquido roxo; quiçá, ser veneno – ótimo, minhas asas não tinham crescido ainda. Porém, isso não era tudo. Entre os determinados e fortes pedregulhos mortíferos havia algumas bolhas gosmentas que palpitavam como se respirassem. Não sei por que, mas não estive interessado em saber o que tinha lá dentro.

– Vocês estavam no Rio de Janeiro, como vieram parar aqui tão do nada? – Com seu jeito todo marrento, Lorenna bradou com os braços cruzados.

– Hécate, ela nos ajudou. – Eu disse, quando calafrios percorreram meu corpo.

– Hm, não que eu esteja reclamando por vocês estarem bem, mas isso por que Zeus falou que nenhum deus jamais se intrometeria no nosso caminho novamente. – Ela revirou os olhos com certa premissa de desdém. – deuses e suas indecisões.

– Agradeço por isso. – Thay replicou.

– Vocês estão com fome e sede? – Uma garotinha encolhida apareceu com dois pedaços de pães de grãos. – Podem pegar, temos mais.

– Obrigado Benvengo.

Nunca pensei que amaria o gosto de um pão dormido e do dia anterior. Mas meu paladar não se lembrava de outra coisa tão magistral quanto aquele gosto. Sobrou apenas migalhas em meu palmo direito. Depois, um gole de suco de laranja nos deixou totalmente revigorados - pelo menos eu estava. Precisei sentar um pouco para recobrar a consciência de tudo que vinha acontecendo nos últimos dias, aquela seria a terceira noite sem apreciar a cama do chalé Sete. Como eu sentia saudade.

– Mas então Lyu, que história é essa de outra profecia? – Martinato estava sentado em uma rocha olhando o profundo e negro buraco da caverna. Sua espada estava alojada na cintura e seu arco logo nas costas ao lado da aljava completamente repleta de flechas de todas as cores e utilidades. Seus cabelos estavam um pouco maiores que antes, praticamente três dedos além de sua testa; toda vez que a caverna regozijava com um vento gélido os cabelos castanhos claros dele dançavam.

– É, teve uma enquanto estávamos na sede dos semideuses do Rio de Janeiro. – Dei outro gole no suco laranja. – Eu não me lembro muito bem como foi, se lembra Thay?

Ruínas aos prantos e ao espanto. Apressem-se para Tânatos não a levar, pois o tempo já não se pode mais desperdiçar. A conquista se concreta, não terás tempo para celebrar. Quando os caminhos se cruzar. A corrida para a portarius do deus mensageiro, a sandaria alada já revelara. – Sem fôlego, Thay parou.

– Quando os caminhos se cruzar. – Martinato repetiu analiticamente. – Não foi por acaso que Hécate os jogou aqui. A porra tá ficando séria.

– Cadê o resto do pessoal, Lyu? – Lorenna interviu. – Tinham mais gente com vocês, cadê Alinne?

– Ah, Alinne... – Uma fisgada percorreu meu coração. Desviei os olhos e senti como se o ar de dentro de meus pulmões fossem todos sugados abruptamente.

– Prometo que depois eu conto tudo o que aconteceu, ok? – Thay falou.

– Hm, tudo bem. – Ela disse insatisfeita. – Acho que chega de descanso né? Quanto mais rápido formos à procura das sandálias aladas, mais rápido sairemos desse fim de mundo. – Lorenna se levantou.

– É, vamos lá. – Concordou o conselheiro.

Os três estavam elétricos para prosseguir com a busca insaciável pela portarius. Mas, Thay e eu não havíamos dormido por praticamente um dia – contando com o atual horário, uma e trinta e oito da madrugada. Nossas feições estavam um tanto quanto cansadas, e precisávamos pelo menos de um pouco de descanso. A garota bocejou e como se fosse uma epidemia, minha boca também acompanhou o ruído indesejado de sono.

– Estamos sem dormir. – Thay explicou.

– Acho que vocês podem descansar algumas horas. – Lorenna voltou a sentar. – Mas estejam certos que será apenas por algumas horas.

– Tudo bem. – Encostei minha cabeça na rocha. – Nos acorde caso haja algum problema.

[...]

Quando mergulhei no sono eu me vi dentro de um império totalmente feito de cavernas congeladas. As decorações rústicas se enquadravam em finos diamantes que reluzia em um reflexo totalmente claro, como se fossem espelhos cristalinos. Nós corríamos e escorregávamos ao mesmo tempo, mas para nossa sorte o chão não era inteiramente liso – só em algumas partes, pois em outras havia uma quantidade grande de pequenas e amontoadas porções de neve. Em alguns momentos parecia que estávamos sendo vigiados de todos os pequenos e estreitos becos de rochas congeladas, pois sempre um cintilar amarelado de olhos frenéticos aparecia. Eu andava perdidamente por ali com os meus demais companheiros, e quando nós dobramos um túnel com vários e vários diamantes afiados e petrificados – um trono decorado inteiramente de dourado sublinhou os muitos andares no alto. Havia passarelas que não tinham qualquer proteção para uma eventual escorregadia. E até quem sabe, um fúnebre acidente mortal.

Todos os cantos pareciam exatamente iguais, como se fossem repetições mal feitas e mais estreitas dos corredores anteriores. Rugidos e esbravejadas retumbavam nos quatro cantos da prisão de gelo e ecoava estritamente como se fossem ecos ocos unanimes. Tais barulhos; faziam os pilares do teto tremerem e pela sorte dos deuses eles não despencavam em nossas cabeças, mas, dos andares superiores grandes quantidades de neve caia. Era como se fosse uma avalanche, uma avalanche que poderia nos soterrar se houvesse uma quantidade maior. Quando me coloquei a vigiar o lugar do trono dourado novamente, ele não estava mais lá. E, no seu lugar havia um espécime de um gigante de costas. Assim que ele se virou, a sombra repentina temperamento a minha curiosidade para com o rosto dele - agora encoberto pela vasta e sombria trevosa. Mas, assim que ele abriu os olhos, minuciosamente eles se encontraram com os meus. Um arrepio percorreu todo o meu corpo. Eu acordei sobressaltado.

[...]

Eles me olhavam como se eu fosse o detentor do ronco mais pesado do mundo. Mas eu não roncava, bem, era baixinho; acredito. Martinato e Lorenna estavam um de cada ponta, parecia que eles não se batiam. E só depois eu lembrei daquele ódio repentino de Apolo e Ares, eu não tinha ideia de como eles não se mataram ainda. Thay estava ao meu lado conversando com Benvengo, parecia que só eu estava dormindo.

– Quantas horas eu dormi? – Questionei limpando a remela nos olhos.

– Três horas. – Lorenna bufou. – E você baba enquanto dorme. Nojento isso heim, Lyu... – Ela afiava a sua lança com uma rocha vermelha.

– Bem, então acho que já podemos partir. – Martinato se levantou. – Tomem isso Thay e Lyu, engulam. – Ele nos jogou dois comprimidos.

– O que é? – Thay analisou o comprimido.

– É um medicamento anti-sono. Não quero ver gente dormindo durante uma batalha. – Ele olhou para Benvengo. – Ela não dormiu até agora, então tenho certeza que isso vai funcionar.

– Agora chega de conversa afiada e vamos logo atrás da portarius antes que visitantes não desejados apareçam. – A filha de Ares declarou. Ela costumava ser mais legal antes, que fique registrado.

Nosso arredor não havia nada mais se não pedra sobre pedra. Mas, o único e aberto caminho era o grande e escuro buraco que antes Martinato observava – já que na outra ponta me parecia que um deslizamento de pedras ou explosões tinha destruído a passagem.

– Fiquem com as armas nas mãos, já encontramos muitas surpresas no caminho. – Lorenna bradou. – Thay e Martinato cobrem a retaguarda.

Vinicius guardou sua espada e ficou com seu arco e uma flecha pressionada nas linhas finas, vigiava feito um agente da CIA ou FBI procurando um criminoso. Ele estava com uma mochila nas costas e uma bolsa amarrada na cintura com uma cruz vermelha - Filhos de Apolo além de serem maestros em arco e flecha, são exímios curandeiros. Isso era inegável. A filha de Ares também possuía uma mochila avantajada, e dentro dos bolsos quatro espadas presas – e eu pedi duas emprestadas – e também portava um escudo com a figura de um javali. Duas espadas retas com uma ponta curvada para o lado direito retiniram o barulho de aço assim que eu as tirei. Ambas totalmente feitas de bronze celestial caíram em meus dedos com firmeza. O peso não chegava a ser um problema para mim, eu poderia manuseá-las sem qualquer problema. As outras duas garotas, Thay e Benvengo estavam logo atrás.. Ao menos a filha de Tique estava armada, já a filha de Hypnus tinha algumas poções em mãos. Acredito que não era nada que pudesse ferir letalmente um inimigo.

Na beirada do tal buraco uma imensidão sem fim fazia ecos quando um som caia dentro de seu extenso e desconhecido fim. Mas, eis que, uma luz, um ponto claro parecendo um vaga-lume estava lá bem no meio – pelo menos sabíamos que poderia algo para nos apoiar lá em baixo. As pedras chutadas pelo meu calçado deslizavam rapidamente naquele buraco estilo tobogã, e, quando um terremoto chacoalhou pesadamente a caverna, pedras como se fossem estacas mortíferas começaram a cair.

– Vamos ter que descer isso querendo ou não. – A filha de Ares me pareceu incerta.

– Preferia que nunca tivesse dito isso – Tentei fazer uma comparação da profundidade. Era grande pra caramba...

Era foda quando eu sabia que as pessoas estavam certas mesmo quando eu não estava querendo fazer determinada coisa. Mas era necessário, infelizmente. Como sempre o mais corajoso vinha primeiro - e se não fosse por Lorenna ter me empurrado – e lá se foi minha roupa sendo arrastada pelo chão arenoso que mais parecia um escorrega sem fim. Umas três lombadas adiante fizeram minhas nádegas latejarem de dor, mas, por sorte a calça jeans preta tinha um pano um pouco mais denso – e pro meu azar era minha calça favorita.

Meu corpo estava totalmente sem freio e a bendita luz se aproximava como se fosse uma tartaruga. Eis que, o tobogã de terra finalmente acabou – e eu agradeci por não ter tido nenhum pedregulho afiado no caminho. Assim que levantei o rosto, percebi que havia mergulhado em uma profunda e longínqua caverna – outra – com uma porta de ferro e um poste de luz antigo. Era dele que a luz fraca residia. Tanto na porta quando no poste, a cor de ferrugem oprimia meu desejo e a curiosidade de saber o que tinha lacrado lá dentro. E ao lado desses metais enferrujados uma balança do tamanho de uma televisão de quarenta e duas polegadas estava prostrada. Ela que também estava na cor de ferrugem. Creio que a única coisa chamativa era um corpo gordo em pura decomposição cheia de fungos e pele negra pegajosa pendurada no meio da caverna com menos de trinta metros quadrados.

– Sai debaixo! – Martinato gritou tão alto que o crânio do defunto pendurado caiu com tão regozijo.

Um por vez todos finalmente chegaram até o final do escorregador, e com as costas sujas de terra seca, ficamos encarando a porta que se negava a abrir com nossa força. Eis que, quando Benvengo foi subir na balança uma horda de humanoides morcegos apareceu.

Eles tinham caudas de serpentes e asas com uma pelugem escura – a mesma que cobria o peito animalesco. Seus dentes encarniçados totalmente negros esboçavam fome quase que todos os segundos quando as línguas das criaturas iam até os lábios monotonamente. As orelhas das criaturas eram redondas como se fossem tornados altos, e suas garras afiadíssimas arranhavam o ar com uma notável vontade de fatiar alguém.

– Formem uma parede, não os deixe nos encurralar! – A filha de Ares bradou retirando seu grande escudo bronze-avermelhado e sua lâmina prateada.

Fizemos conforme ela mandou, e logo uma parede estava defronte a porta que nos impedia de dar prosseguimento á missão. Primeiro deveríamos eliminá-los, e depois, pensar em como abrir aquela porta barra pesada. E não tardou para que eles investissem em nossa direção.

Lorenna ricocheteou o primeiro com o escudo e logo em seguida cravou a espada antes que a criatura pudesse se reerguer. Este simplesmente, não voltou a mexer um músculo sequer. Martinato estava com seu arco e de longe cravou uma flecha certeira no olho direito de um monstrengo que começara a pensar em alçar voou. Ele desistiu assim que percebeu que o tal instrumento estava dificilmente alojado em seu orbe ocular negro, e segundos depois, ele explodiu com seus restos mortais colorindo as paredes. Thay, por sua vez, era tão esperta quanto graciosa. Pois no momento que uma garra encrustada de sujeira veio para arrancar seu pescoço fora, ela abaixou e subiu com as duas lâminas de baixo para cima – ambas cravaram-na bem no coração do morcego. Isso é; se eles tiverem um. O baque surdo aconteceu e a poeira subiu quando o corpo do monstro caiu em seus pés. Ela esmagou sua cabeça e apenas esboçou um sorriso elegante.

Benvengo não estava com qualquer tipo de arma, e por isso resolveu ficar logo atrás de nós – fora de perigo. Eu particularmente não sei por que deixar uma garota de doze ou treze anos vir para uma missão dessas, principalmente por ela não ter tanta habilidade com espadas e ser filha de Hypnus. Mas, não seria eu quem dava as cartas, então, tudo que eu podia fazer era torcer para que ela não tivesse qualquer problema com algum morcego. E ela não iria ter se caso continuássemos no ritmo esmagador que prosseguia de forma tediosa, e não pude deixar de fundamentar essa conclusão quando Lorenna estocou um morcego e eu desferi um ataque final em forma de “X” no pescoço do animal; a cabeça voou longe.

– Só isso? Que grande merda. – O conselheiro de Apolo bradou atirando a última flecha daquele embate. A arma que acertou a cabeça do morcego que já possuía outras duas alojadas em seu corpo. – Game Over, viadão.

O mais engraçado era que nenhum deles havia virado cinzas – conforme manda a convenção dos monstros fundidos no fundo do tártaro S A - brincadeira. Mas, sendo monstros de espectro... Monstruosos? Eles deveriam ter virado simplesmente; pó. O que na verdade não aconteceu, e o que finalizou isso foi que a terra começou a absorvê-los como se fossem parte de si.

– Gaia? – Balbuciei.

– Não, não pode ser. – Lorenna tocou no solo. – Ela foi derrotada e não faz quase nem um milênio. Ela não teria forças para se reerguer de tal maneira, não ainda.

– Então é a caverna a dona desse tal poder? – Thay fincou a lâmina no chão e amarrou seus cabelos loiros para trás.

– Pode ser.

Antes que todos pudessem se dar conta, a balança começou a brilhar e percebemos que ela queria algo. Benvengo novamente voltou a subir na balançam, que dessa vez formulou seu derradeiro efeito – a porta se abriu. Claro que nada é de graça nessa vida né, e eu sabia mais que tudo. A filha de Hypnus, por sua vez, não podia prever que ao sair do peso a porta abruptamente se fechou numa velocidade assustadora.

– Então foi por isso que eles não viraram cinzas. – Martinato esbravejou. – O peso deles são a chave pra poder passar de porta a porta. Só que agora eles entraram na terra e nem pedra no chão tem pra usar.

– Use esse aqui. – Eu cortei a corda que mantinha o corpo em decomposição no teto. Ele caiu duramente no chão. Os fungos sumiram em meio aos buracos no solo e o cheiro de cadáver começou a subir. – Acho que vai funcionar.

Amontoamos os restos com certa sutileza para não tocar diretamente nas partes que algum dia foi um corpo, e usamos a base da roupa suja para puxá-lo. Quando enfim, ele ficou sobre a balança houve um brilho e a porta se abriu – parcialmente pela metade. Um túnel reto e repleto de aranhas e ratos corriam por todos os lugares que se podia imaginar – eu digo da caverna, okay? E quando nos desatamos a andar – já no meio do túnel – a porta se fechou, e de súbito mais um terremoto fez estremecer todo o corredor. Ele começou a desabar.

A terra começou a se mexer de forma impaciente e o túnel começou a cair progressivamente. Logo, se não corrêssemos ficaríamos soterrados sem ter qualquer tipo de ajuda. E eu, particularmente não queria esse destino trágico para ninguém – principalmente para mim. Eu liderei o desespero pela salvação das vidas como se fosse uma chamada da minha mãe para comer lasanha – e eu corria muito quando ela dizia que o rango estava na mesa – dessa vez não foi diferente, imaginei que as pedras e o barro poderia ser a camada de queijo – brincadeira. Não deu muito certo, mas eu havia conseguido chegar à sala primeiro que os outros. Lorenna usou o escudo de javali para que as pedras não debulhassem sua cabeça já que ela foi à última a cruzar a sala. A terra esparramou totalmente até o topo da entrada da sala de tijolos vermelhos e lacrou aquela passagem de uma vez por todas. Essa era a segunda passagem trancada.

– Isso deve ser praga do Lyu, toda vez que ele aparece acontece algo. – Disse Martinato suspirando feito um maratonista depois da chegada. – Minhas pernas, meu fôlego, meu pulmão, tudo ficou lá atrás. – Ele bufou.

– Vocês que devem ter algum dispositivo de “me matem”, por que as coisas são difíceis, heim... Nunca valorizei tanto minha vida depois do minuto seguinte que Apolo me reclamou.

– Filho de um dos deuses mais importante do Olimpo e ainda ser o garoto da profecia, acho que o dispositivo anda com você. – Lorenna me deu um soquinho.

– Isso é verdade Lore. Ninguém mandou nascer das genitálias de um deus. – A filha de Tique disse. – Que puta sorte a sua.

– Até por que eu tive total escolha, né? – Todos gargalharam alto. Aproveitei para virar o rosto e soltar um urro de dor sobre o lugar que a filha de Ares tinha dado um soquinho.

O momento de descontração foi abruptamente interrompido quando as paredes começaram a se locomover lentamente. Elas estavam passando por mudanças, reajustes, e quando pisquei havíamos mudado de um quadrado para Octógono. Apenas a parede que estava entupida de terra continuou inerte. E, além de nossos olhos, uma longa e temerosa porta forjada de aço estava do outro lado. E mais uma vez, a balança do lado direito.

Eis que dos cantos das paredes de tijolos avermelhados, ursos marrons eram lentamente empurrados da estrutura de pedras até ganhar forma suficiente de altos e impotentes animais ferozes. Eles andavam mais precisamente de duas patas, e, usava as outras duas para sacudir o ar violentamente contra nós. Eramos rápidos o suficiente para não tomar qualquer ataque surpresa, e aproveitamos o período que eles não avançaram para pegar nossas armas. Prostramo-nos em posição de ataque para com os cinco ursos que rugiam violentamente, e dos afiados dentes um bafo de peixe podre me fez regozijar uma ânsia de vômito. Lorenna nos ordenou uma formação simples para que pudéssemos sobressai-los com facilidade, e quando começou o embate feroz cada um enfrentou o seu.

Os extensos minutos se tornaram ardilosos para todos os cinco em combate, mas, ao final, apenas um sobrou. Este único sobrevivente que foi de encontro tão impiedosamente que investiu contra Benvengo com suas garras prontas para estraçalhá-la. Eu estava o mais longe da garota, e mal pude notar que ela havia arremessado um frasco que fez o urso perder a mobilidade quando estava a caminho. Ele enterrou as garras á frente antes que seus olhos caíssem, até que ele adormeceu.

Benvengo esboçou um sorriso estático e levantou o rosto para nós como se estivesse contente do seu próprio feito. Lorenna chegou perto do urso e enterrou sua lâmina bem na cabeça do animal, que a principio esboçou uma careta que suavizou em uma morte calma. Os restos de todos eles começaram a se retirar para as profundezas do tártaro – ou da caverna – e, quando as garras do vermelho e morto urso se desvencilhou daquilo que havia ricocheteado, a filha de Hypnus caiu com o seu agasalho empapado de sangue.

– Minha respiração... Eu... Urso idiota. – Ela arfou com dificuldade. – Éér... Ai, isso... – E seus olhos se fecharam.

– QUE DROGA! – Lorenna levantou vermelha de raiva. – MERDA, MERDA, MERDA! URSO DESGRAÇADO! VOU MATAR SEUS FILHOTES E COMER ELES NO MEU CAFÉ DA MANHÃ! – Ela começou a gritar loucamente.

– Não temos muito que fazer se não deixarmos o corpo dela aqui. – Martinato foi até a garota e dobrou a cabeça da mesma, depois, com cuidado retirou a pequena mochila que ela carregava.

– Só temos um problema; não temos algo pesado pra colocar na balança. – Eu olhei para eles em tom triste. – Nem mesmo pedra vai conseguir alcançar o suficiente para a porta se abrir, mas...

– Bem, acho que não vai ter jeito. – O conselheiro de Apolo ergueu o corpo da filha de Hypnus com cuidado. – Espero que descanse em paz, Benvengo.

Os parâmetros para a porta se abrir foram atingidos com o corpo da garota na balança, esta que brilhou. O sangue despejado da menina crescia consideravelmente envolto na balança, e cada vez mais abria a porta. Os demais passaram antes que a balança parasse de brilhar, e, depois que a olhei mais uma vez – a última – lamentei por não ter conseguido ajudá-la, e de longe eu vi os olhos negros totalmente esvaecidos de vida. Eu passei pela porta, e ela se fechou. Logo a sala começou a tomar outro formato, um formato que eu não presenciaria.

Olhei para o lado e os três estavam com feições tristes em suas faces. As lâminas gotejavam sangue animalesco dos ursos de outrora, a minha não era diferente. Eu entendia que a dor seria um estopim para irmos adiante e honrar o nome da filha de Hypnus, contudo, de todos os quatro eu era o menos abalado. Motivos? Eu já tinha perdido muitas coisas ao longo do caminho e entendia que mortes e mais mortes eram consequências daquilo que vivemos para lutar em defesa. E bem, eu não era tão próximo da criança... Mas era realmente uma pena ela ter ido para o submundo, contudo, acredito que ela lutava com o ideal dela. E isso não tinha sido em vão.

As coisas estavam ficando cada vez mais feias com o passar do tempo, e eu estava um tanto quanto curioso para saber onde estaria a portarius de Hermes. Mas até esse momento chegar, estaríamos os quatro a mira de seres desconhecidos e misteriosos. Assim que a porta atrás de nós se fechou, eu notei os carrinhos e os trilhos de uma mina abandonada. Nós teríamos que pegá-los para prosseguir adiante. Mas a pergunta que não queria calar na minha cabeça era; onde eles iriam acabar? Nós quatro subimos no transporte de madeira e um barulho arfou em silêncio. Ignorei-o e quando ele começou a descer eu prestei atenção na placa escura no teto, e nela estava escrito; Reino dos cem anões.


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