I Miss You escrita por mandyoca


Capítulo 6
Capítulo 6




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  Eram nove horas da noite e eu já estava com sono. Amanhã vou acordar às cinco e meia da manhã. A aula começa apenas às sete, mas eu gosto de escolher a roupa certa, conferir se o cabelo não está tão para cima e essas coisas. Mamãe sempre me disse para nunca me trocar no quarto, porque nunca se sabe se tem algum safado te espiando. Ela disse que papai fazia isso antes deles se casarem, mas só descobriu depois. Então, peguei o meu pijama - um short preto e uma camiseta totalmente branca - e fui ao banheiro, para assim obedecer a uma das muitas lições que minha querida mãe (que não me amava) me passou. Também aproveitei para tomar banho, é claro que eu não ia ficar sem dar uma lavada nesse cabelo chato. Depois, prendi num rabo-de-cavalo de lado, fazendo uma trancinha mal feita e com fios rebeldes.

  Dei um beijinho de boa noite em Marie, que estava no andar de cima, em seu quarto. Voltei ao meu, fechando a porta-janela, mas não trancando. Também, sabe-se onde essa maldita chave foi parar, certo?

  Deitei e apaguei a luz com um dos dois interruptores, o que ficava bem acima da cama para que preguiçosos como eu não precisassem levantar para apagá-la em longas distâncias. A trancinha começou a incomodar.

  A luz da lua estava entrando, cercando meus ombros e meu rosto. Olhei para fora. Tantas coisas para aproveitar nessa vida, por que depender de coisas que lhe estragam? Não sei por que pensei nisso, mas, sabe como é, é tão ruim ver adolescentes viciados em drogas, adultos viciados em bebida, e crianças viciadas em chocolate. Se bem que chocolate não faz tão mal quanto os dois primeiros.

  A última coisa que vi foi o meu despertador, correndo os olhos para foto que eu estava com a minha mãe, passando para a que eu estava com o meu pai, e adormecendo logo após ver a foto que eu estava completamente sozinha e sem ninguém, tão pequena, tão inofensiva, tão... eu.

  Escuro.

  A música irritante do despertador começou a tocar bem alta no meu lado e eu a desliguei rapidamente, me levantando e reparando em... algo errado.

  Eu jurava que eu havia colocado a minha foto, a que eu estava sem ninguém, na mesinha ao lado da cama. Eu a olhei antes de dormir, eu lembrava, a imagem surgia quase nitidamente na minha cabeça. Dei uma olhada em volta da mesa, e foi desnecessário, pois não estava lá. Eu podia ter sonhado, oras. Não existia outra explicação para isso.

  Mas olhei para a porta-janela e a encontrei aberta. Meu queixo caiu, é óbvio. Cadê a porra daquela chave quando eu preciso dela? Eu tenho quase certeza de que alguém entrou aqui. A janela nunca está aberta por acaso, uma vez que eu fechei, e disso eu lembro muito bem, sem probabilidades de ter sido um sonho.

  E eu não tinha provas. Só memórias, e isso não ajudaria em nada.

  Por isso passei para a fase: “Oi, eu tenho escola!”

  Mexi no armário, resolvendo ir com uma bermuda jeans e uma blusa rosa-shocking. Por isso, coloquei o all star da mesma cor da blusa. Eu tirei o esmalte vermelho, passando somente um rosinha claro.

  Minha maquiagem foi absolutamente leve, apenas com coisas do dia-a-dia, como batom cor de pele, lápis, rímel e tal. Eu não prendi o cabelo. Eu não gostava de mexer no meu cabelo. Ele estava levemente enrolado por causa da trança com que eu havia dormido. Só o penteei, seria crime fazer mais.

  Marie estava me esperando no carro. Eram seis e quarenta, demora dez minutos para chegar à escola. Eu estava na escadinha da saída de casa, quando lembrei e saí correndo para o meu quarto, apanhando a caneta e voltando para o carro.

  - Desculpe, eu havia esquecido a caneta do Dave. – mordi o lábio inferior. – Aí eu tive de ir pegar, eu já disse que iria entregar.

  - O que vocês conversaram ontem? – perguntou Marie. – E por que ele estava sem blusa? Eu preciso saber, eu sinto que eu estou no meio do meu trabalho e preciso ajudá-lo a se soltar.

  - Precisa nada. – revirei os olhos. – A senhora que está se preocupando com algo super desnecessário.

  - Me diga... – hesitou. – Ele é uma boa pessoa? Tem um bom papo? Que assuntos ele costuma puxar? Do que ele mais gosta de falar?

  - Dave é muito legal. – admiti. – Ele escolhe bem as palavras. E o que ele mais gosta de fazer é me provocar. Não sei por que ele gosta tanto disso, mas acho que é um dos melhores passatempos atuais dele. O tempo passou muito rápido enquanto estivemos juntos. Ele é ótimo, mas é muito chato saber que é só comigo que ele costuma falar (com exceção do diretor), isso ainda faz com que eu me sinta anormal.

  - Já falei, anormal não. Especial. – corrigiu. – E se ele fala com você, é porque tem algo em você que o atrai, Kristal. Saiba disso. Ele só fala com o diretor porque, caso contrário, ele é expulso. E o diretor não faz nem ideia dos boatos que ocorrem nesse colégio. Esse diretor fica por fora de tudo, só serve para dar advertências e expulsões. Você precisa valorizar mais o laço que tem entre você e Dave. Essa escola tem tanta gente, e foi unicamente com você que ele foi falar. E esse garoto me odiava. Quando tinha consultas comigo, chegou a quebrar um vaso só para poder ir embora. E ele não era uma criancinha. Era um pré-adolescente, adolescente, ou sei lá. Mas criancinha ele não era. Você é especial por estar falando com ele.

  - Ele é muito espertinho, isso sim. – informei. – Mas isso não faz com que ele seja menos legal. Eu fico estressada com as irritações e perturbações que ele faz, mas de qualquer jeito, lá no fundo (bem fundo mesmo), ele me faz rir. Só que a minha cara não demonstra o mesmo. É interessante isso. E, eu não sei se você leu no registro do Messenger, que ele disse que era meu único amigo... Sabe, daqui ele é mesmo. O único que veio falar comigo, sei lá por quê.

  - Isso é bom. – manteve os olhos na estrada. – Isso é muito bom. Talvez um progresso. Quem sabe isso não seja o fim do meu emprego? Quem sabe ainda haja esperança no fundo da caixa? – Então o carro parou na frente da escola, e eu comecei a sair dele, ainda sem fechar a porta. – Boa aula.

  - Tchau, vovó. – me despedi.

  Com a mochila em meus ombros e a caneta em minhas mãos, entrei no corredor cheio de gente que ainda me olhava. Menos gente, mas ainda muita. Dei um suspiro e continuei a caminhar devagar até parar no mesmo lugar de ontem.

  Um garoto com a mesma estrutura física que Dave – só de olhos claros, um cinza azulado muito atraente - passou correndo pelo corredor. Depois, ele deu dois passos para trás e olhou para mim.

  - Novata? – ele perguntou, dando um sorriso de orelha a orelha. – Bem vinda. Sabe, se você quiser, eu te apresento a todo mundo.

  - Não, obrigada. – retorci o lábio. – Eu prefiro passar despercebida.

  - Mas isso é tão chato. – ele me encarou como se eu fosse um alienígena. – Olha, no recreio eu vou te fazer conhecer umas pessoas super maneiras, você vai adorar. São os caras mais populares, e as garotas mais bonitas. Por isso sei que você vai se dar bem com essas meninas. Com os garotos, vou tentar dar um jeito nisso. Você está reservada para mim, hein? – piscou de um olho, com as mãos numa forma de arminha. Uh, “maneiro”. – Te vejo depois. Ah, cuidado com as amizades... Existem pessoas que você não deve nem olhar porque senão você pode morrer. Sério. Ah, meu nome é Luan, e você pode me chamar do modo que você quiser.

  Então ele foi para o outro lado, cumprimentando meninas com um beijo na bochecha, e meninos com aqueles abraços masculinos e nada sentimentais.

  - Oi. – A voz masculina e rouca sussurrou bem baixinha, mais baixo do que um sussurro normal, no meu ouvido que estava do lado oposto de onde eu estava olhando. A boca estava até encostando-se aos meus cabelos, de tão perto que ele estava. – Sentiu a minha falta, Kris?

  - Dave, você não pode falar como alguém normal? – Olhei para ele, até flexionando os joelhos numa tentativa de afastar-me dele. Além disso, eu ainda estava numa boa distância para que ele conversasse comigo. Ele curvou-se para falar alguma coisa no meu ouvido mais uma vez, só que eu me afastei.

  Ele me olhou, voltando a postura normal, não falando nada.

  - Eu trouxe a caneta. – ergui o objeto que eu segurava. – Eu quase a esqueci, mas viu? Não sou tããão burra assim.

  Olhei em volta, e a quantidade de gente me encarando aumentou drasticamente. Eu estranhei isso, mas lembrei que Dave não falava com ninguém.

  - Você pode não me deixar no vácuo? Já estão pensando que eu sou maluca. – pedi. Era um pedido tão grande?

  Então ele se curvou mais lentamente, hesitante, e quando viu que eu não me movi, ele aproximou seus lábios do meu ouvido.

  - Eu não posso falar alto. – cochichou. – Muita gente está te olhando, acostumando-se com uma novata. E vão olhar ainda mais porque estou falando com você, coisa que eu não faço com qualquer um.

  - Legal. – falei num tom comum. – Obrigada por essa atenção, mas eu queria passar despercebida. Acho que agora eu não posso mais.

  Como ele não tinha tirado os lábios de perto do meu ouvido, não precisou se esforçar para nada. Por isso, só sussurrou:

  - Não mesmo. – Então senti sua mão segurar o meu pulso. Vai, ele não segurou. Mas encostou. Só que prendendo. Acho que se eu tentasse fugir, ele ia apertar isso. Olhei para baixo, vendo o que ele estava fazendo. – Vi que você conheceu Luan.

  - Conheci. – Agora falei mais baixo, provavelmente tímida com o seu toque. – Seu porte físico me lembrou você. São iguais.

  - Você viu alguma coisa embaixo daquela camiseta? – perguntou, baixinho, e nem preciso dizer que ainda estava no meu ouvido e blábláblá.

  - Não. – respondi, franzindo o cenho, olhando para as pessoas que nos encaravam sem dó alguma. Meu Deus, que vergonha!

  - Eu já. – Sua mão em meu pulso se apertou. – Não é nada igual. Ele pode ter ombros largos como os meus, mas ele não tem uma coisa impressionante embaixo daquilo não, acredite em mim.

  - Olha, essa é uma boa hora para eu estranhar e perguntar se você é gay. Mas isso seria mancada, e eu não vou fazer isso. – comentei baixinho.

  - Eu não vi por querer. – Seus lábios se afundaram e eu senti cócegas por causa de sua respiração forte, o que me fez ir um pouco para longe. Afastei-me um pouquinhozinho. – Você passou xampu de baunilha?

  - Passei. – Corei. – Como você sabe?

  - O cheiro é inconfundível. – Ouvi um risinho.

  O sinal tocou, e sua mão continuou abraçada ao meu pulso. Eu não entendia por quê. Ele que me guiou para a sala de aula. Ele empurrou a carteira que eu havia me sentado mais para trás, onde me deixava longe de todo mundo da sala, até do comediante que fugiu da barata. Depois, ele afastou a cadeira para que eu me sentasse. Eu olhei para ele tipo: “Você ficou maluco?” Mas eu sentei só para não deixar o garoto sem jeito. Ele largou meu pulso e foi lá para frente. Fiquei pensando: “Legal, longe de todo mundo. Iúpi.” Lá no fundo a ideia parecia interessante. Passar despercebida. Ou não.

  Mas então, Dave arrastou uma carteira para o lado da minha e sentou, sorrindo com aquele seu jeito provocador.

  - Você pode fazer isso? - perguntei.

  - Não. – falou baixinho, e agora nem precisou se enfiar entre os meus cabelos. – Mas eles não vão reclamar comigo, tenha certeza. Como eu nunca falo com ninguém e estou falando com você, vão achar bom. Vão pensar que eu estou aumentando minha rede social. E os professores vão finalmente ver que eu sei falar. Ver a minha boca mexendo já é uma raridade, sabe? Quanto mais ouvir minha voz.

  - Você vai falar com eles? – me apoiei na carteira.

  - Não, nem pensar. Ou eu não estaria cochichando. – sorriu. – A primeira aula de hoje é a de biologia. Ontem, a de biologia era a última e nós perdemos. A professora se chama Stela. Ela meio que me olha com dó, mas eu a acho bem legal. Creio que você vai gostar dela. Ela só não faz aquele tipo de recepção de chegar à mesa e cumprimentar, como Connie, Martim e Akemi fizeram.

  - Você ficou me analisando? – encostei as costas na cadeira. – Por quê? Acho que eu não tenho a culpa de ter ficado te encarado. Admita, você me olhou por vontade própria, e não porque eu ficava te olhando.

  - É verdade então, eu admito. – aceitou num sussurro. – Eu estava mesmo te encarando e analisando por vontade própria.

  - Doeu dizer? – perguntei num tom normal.

  - Não muito. – aumentou um pouquinho o volume, mas não teve muita diferença. – Mas você também olhou por vontade própria.

  - Sim, eu olhei. – ri. – Mas eu tenho raça para admitir sem precisar de nenhum empurrãozinho ou exigência.

  - Falou a Miss Verdade. – zombou num cochicho.

  A Professora Stela, uma mulher de cabelos castanhos e longos – um pouco abaixo do ombro, para ser mais específica – entrou na sala de aula, apontando os olhos cor de mel para todos os alunos, e parando em mim e em Dave. Seu queixo caiu durante um segundo, mas ela se recompôs, virando o rosto e espiando a gente com o canto dos olhos. Como se nós não fossemos perceber.

  - Eu avisei. Provavelmente todos os professores terão a mesma reação escandalosa. – ele preveniu. – Prepare-se.

  - Estou preparada. – avisei.

  Depois, Luan se aproximou com um sorriso em seu rosto totalmente impressionante de tão belo. Ele era mesmo um cara lindo.

  - Hum, eu disse “cuidado com as amizades” e você foi logo se meter com o mudinho? – provocou. Eu espiei Dave com o canto dos olhos. – Esse cara não tá pra nada. Olha, está vendo aquelas três loiras? A alta da esquerda é Cristina. A baixa da direita é Amélia. A do meio, a mais bonita das três, é Yolanda. Mas para mim, você é mais linda do que elas. E, bom, elas sim são exemplos de amigos de verdade.

  - Obrigada pela preocupação, Luan, mas Yolanda e eu tivemos um probleminha ontem. – alertei. – Eu não posso conversar com alguém que me arranjou uma encrenca logo no primeiro dia de aula.

  - Foi assim com Cristina e Amélia. – deu de ombros. – Com você não deve ser diferente, Yolanda deve estar te querendo no grupo. Mas sério, se você aceitar, acho que você vai tirar Yolanda das paradas e será a Rainha no baile de arrecadação de dinheiro para a formatura do nono ano, que está perto. É daqui duas semanas, se não me engano. Não é, esquisitinho? – ele se referiu ao Dave.

  - Eu gostaria que você parasse de provocá-lo. A encrenca que Yolanda nos meteu fez com que ele fosse o único que falasse comigo. Ontem todos me olharam, mas não vieram falar comigo. – lembrei. – Mas ele o fez.

  - Eu também fiz isso. – encostou-se na parede que ficava entre duas janelas grandes. – Mas faltei no dia errado. Não ganho um desconto?

  - Não. – murmurei.

  - Você é difícil, isso é legal. – piscou de um olho para mim. – Depois eu falo novamente com você, quando estivermos sozinhos. Tchau, Kristal Steven. Sim, já me falaram o seu nome. Eu sempre sei de tudo! Ah, tchau esquisitinho.

  Ele se afastou.

  - Não precisava me defender. – ele se afundou no meu cabelo. – Eu sei me virar sozinho. Sabia que esse cheiro de baunilha vicia?

  - Não, não sabia. – peguei uma mecha e cheirei. O cheiro era até bom, mas eu não achei que viciava.

  - E você usa algum perfume, não é? É incrível. – Inalou, fechando os olhos e se aproximou mais, encostando o seu nariz no meu pescoço. Eu mal consegui respirar. – Qual é o nome?

  - Jadore. – Eu não sabia como consegui pronunciar o nome sem gaguejar. Ele estava tão perto, Deus. – Quando minha mãe foi para a França, me trouxe um frasco pequeno. Eu usei pela primeira vez hoje.

  - Vai ver é o cheiro desse perfume que está me viciando, e não o cheiro do xampu. – sussurrou. – Mas eu não tenho certeza. Os dois são bons.

  - Que bom. – arquejei.

  - Kristal Steven. – Professora Stela falou altinho, se aproximando e sorrindo. Dave se afastou num impulso. – Seja bem vinda! Você perdeu a aula ontem, eu fiquei sabendo que você passou mal. Ainda bem que Dave te levou ao hospital. Foi algo sério demais? É que, bem, vou ser honesta... Dave não costuma ligar para gente que está prestes a morrer ou alguma coisa assim. – Ela o espiou com um risinho.

  - Não foi nada sério. – Olhei para Dave. – É isso aí, ele salvou a minha vida. Tudo bem, eu exagerei, mas ele foi muito bom comigo.

  - Que progresso. – Ela inclinou a cabeça de lado. – Continuem com as carteiras assim. É ótimo ver Dave interagindo com uma novata, mesmo que não seja de falar tanto. Você ganhou na loteria. – Ela me olhava.

  - É. – Como se já não tivessem me dito isso antes.

  - Bom, vamos lá. – ela andou lá para frente.

  - Ela gostou de você. – Dave sussurrou.

  Professora Stela não passou lição de casa, ainda bem. Só passou uns exercícios na sala, da qual Dave soube solucionar todos eles, e até me explicava os que eu compreendia. Detalhe: De quinze, eu não sabia uns oito. Mas ele sabia todos, sem exceção. Isso era bom. Acho que isso nunca sairá da minha cabeça mais. A forma que ele dizia as palavras, tão baixo...

  Era perfeito.

  A próxima aula era de geometria. Se não me falha a memória, com o professor Benoit, outro professor que fica depois da aula, meia hora para esclarecimentos de duvidas. Ele nos encarou, e algumas vezes pude vê-lo perguntando baixinho “vou ou não vou?”, até que ele veio até a minha carteira.

  - Saudações Kristal Steven. – ele sorriu. – Olá Dave. Hahaha, você não é trouxa não, hein, rapaz? – Olhei Dave, mas ele não riu nem um pouquinho. Benoit ficou sem graça. – Ceeerto. Martim e Connie deviam ter dito que...

  - Que vocês ficam depois das aulas. – completei. – Sim, disseram. É muito bom saber que os senhores disponibilizam um tempo para os alunos. No meu outro colégio ninguém nunca disse fazia isso. Os professores nem gostavam de seus empregos, isso era horrível. Ah, e minha professora de geometria não ia com a minha cara, então eu adorei saber que minhas aulas dessa matéria seriam com um professor tão amável, que faz esse sacrifício do relógio.

  Tá certo, eu fui puxa saco.

  - Bom, seja bem vinda. – sorriu e começou a falar, para assim dar início à sua aula de geometria, uma matéria da qual fui atormentada a vida toda por uma professora que me odiava e que me deu zero na nota de participação. E eu sou um anjo na sala de aula! Que maldade.

  A terceira aula era da professora Connie. Ela tentou disfarçar as olhadas, mas não conseguiu. Passou um exercício para fazermos na sala. Quando estávamos nos aventurando nas palavras em inglês, eu levantei a cabeça e a vi encarando Dave, que estava lendo o exercício. Ela percebeu que eu estava olhando e abaixou a cabeça para os papéis em sua mesa.

  - Professora Connie estava te olhando. – alertei no meu momento dedo-duro.

  - E qual foi a pessoa que não olhou até agora? – sussurrou.

  - Tem razão. – escondi a cara entre o cabelo.

  Nós acabamos e ficamos olhando para frente, sem assunto. Connie levantou da cadeira, jogando para trás seus sedosos e brilhantes cabelos loiros, anunciando que faria a correção. Perguntou se todos haviam acabado, e a turma toda confirmou. Ela se virou para pegar um giz. Começou a escrever o exercício na lousa, porque era daqueles de completar a frase e tinha gente sem livro.

  Então, quando acabou, começou a explicar a regra que havíamos usado, só que mais detalhadamente, pois Cristina disse que não entendeu. Ela só estava enrolando, aquilo era óbvio.

  Relaxei a postura, me encostando na cadeira e largando os meus braços nos lados, sem ligar para o que a professora estava explicando – era a segunda vez que ela explicava hoje, e eu já havia aprendido essa regra no meu outro colégio.

  De repente, senti algo quente tocar na minha mão. Algo macio e hesitante que se aventurava pelas linhas que se formavam na palma, e que logo em seguida se entrelaçou pelos meus dedos. Olhei para o que havia me tocado, o que era aquela coisa que apertava a minha mão tão forte quanto um abraço de urso.

  Uma mão cercava a minha, e não era algo muito esperado. Minha respiração desnecessariamente saiu do normal, e meus olhos acompanharam o trajeto de Dave, desde sua mão até pousar em seu rosto. Ele olhava para mim, avaliando a minha reação com certa dúvida.

  - Por que você fez isso? – Desci os olhos até as mãos entrelaçadas. Eu não compreendia, eu precisava de explicações. Apesar de Dave dar algumas informações a mais que forneçam dados de “oi, eu estou afim de você”, eu não chego a acreditar muito porque alguém não se apaixona acidentalmente num único e monótono dia. Quem acredita em amor à primeira vista, afinal? Eu não.

  - Você não entenderia. – ele cochichou, soltando a minha mão, levando-a para longe de mim, coisa que (eu vou admitir, tudo bem) eu não queria. Puxa vida, sempre que demonstraram essa reação por mim, eu me afastei, com medo de trair uma pessoa com quem eu nunca estive junto.

  Eu não permiti que ele arrancasse aquela mão tão gostosinha de mexer de mim, por isso a agarrei de volta e a fechei com força para deixar claro que eu não queria que ele soltasse. Era estranho fazer isso, coisa que eu não costumo aceitar. Eu ainda tenho restos de pensamentos que eu jamais queria ter, mas eu quero dar uma folga nesse papo tão impossível. “Será que ele ainda está vivo?”

  Dave virou o rosto após observar cada ato que eu fazia, para prender a mão dele na minha e não soltar. A bochecha dele estava levantada, e eu podia apostar que o vi sorrindo. Mas também, qual é a hora que ele não leva algo que eu digo na brincadeira e cai na gargalhada? Bem, ele está feliz. Isso é bom.

  O sinal bateu e eu levei um susto. Ê, beleza. Estremeci e Dave sentiu. Por isso virou o rosto para mim com um sorrisinho e soltou a minha mão, levantando da sua cadeira. Quando levantei da minha, uma mão agarrou meu braço e me levou para longe, me guiando e tal.

  - Luan, o que foi? – perguntei enquanto ele me puxava.

  - Eu disse que iria te apresentar para umas pessoas no intervalo, e é isso o que vou fazer, ora. – foi diminuindo a velocidade.

  Aproximamo-nos das três loiras, Cristina, Amélia e Yolanda. Alarme vermelho, dê meia volta agorinha!

  - Ei, gente. – Luan chamou a atenção delas que agora me analisavam com nojo. – Essa é a Kristal, vocês já devem saber. Eu fiquei sabendo de umas coisas... Esqueçam. Kristal é linda e seria ainda mais adorável andando com vocês.

  - Bem, Kristal. – falou Yolanda, erguendo a mão em minha direção. – Vamos esquecer o dia de ontem?

  - Tá. – dei de ombros, pegando a mão estendida. – Sem ressentimentos.

  - Eu sou a Amélia. – A loira baixinha me deu um abraço, cumprimentando com um jeito amigável. – Eu acho que você já sabia, mas tudo bem!

  - E eu sou Cristina. – A loira alta também me abraçou. Eu olhei Dave passar pela porta me encarando sem expressão, frio como um cubo de gelo. – Você também já sabia, não é? Todos sabem.

  - Sabia. – sorri. Você poderia achá-la metida e arrogante por ser tão convencida e mesquinha, mas lá no fundo ela dizia com um tom amistoso, coerente.

  - Venha. – Yolanda me puxou.

  Ela me apresentou à sala toda; não somente à minha, mas as do Ensino Médio inteiro e Ensino Fundamental. Eu estava cheia de nomes para decorar, e isso estava me deixando louca. Luan foi dócil comigo. Ele me avisava o nome de cada um antes de me apresentar cara a cara. Isso vai me ajudar a lembrá-los.

  O sinal finalmente tocou, e eu me arrastei para a sala de aula. Luan me acompanhou e perguntou se eu queria sentar perto do povo “de verdade”. Eu pedi para que ele não se preocupasse comigo, e que eu estava bem com Dave.

  Dei um suspiro fraco enquanto me sentava. Dave se aproximou e me deu um pequeno sustinho. Colocou os lábios entre os meus cabelos mais uma vez, e sua voz rouca saiu tão fraquinha, tão delicada.

  - Se divertiu com as pessoas “melhores do que o patético Dave”? – perguntou com um toque de nervo, que juntando com os outros adjetivos ficava a voz sedutora mais perfeita que qualquer pessoa tivesse escutado.

  - Do que você está falando? Você não é nem de perto um patético. – Inclinei de leve a cabeça, e ele tirou seus lábios de perto do meu ouvido. – Eu só conheci outras pessoas. Mas eu aposto que eles vão se esquecer de mim rapidinho, é tão simples.

  - Esquecer? – Ele se aproximou de meu rosto, não de meu ouvido. Estava inclinado, olhando diretamente em meus olhos, soprando um hálito de menta ao falar. Eu agradeço tanto pela aquela garota do nono ano ter me dado um chiclete, meu Deus. Qual era o nome dela? Gisele. Sim, era ela. Ou era aquela outra, a Jéssica? Eu lembraria, eu sei que lembraria. – Eu não acho o mesmo. Por onde eu passava, tinha gente falando de uma Kristal. E pelo que eu saiba, você é a única por aqui com esse nome. Caso contrário, todos saberiam.

  - Isso não é bom. – murmurei. – Eles estavam esculachando demais? Eu estou acostumada a ver gente falando mal de mim o tempo todo, só não esperava que fosse o mesmo nesse colégio. Não diga nada detalhado, por favor, só diga se estavam falando coisas péssimas ou ruinzinhas. Ou horríveis, ou más. Ou essas coisas.

  - Não estão falando mal de você, Kris. – sussurrou. – As garotas se perguntam que xampu você usa para ter um cabelo tão lindo, e os garotos ficam fazendo apostas para ver se você vai ou não olhar para um deles durante mais do que três segundos. Isso é esculachar? Eu não acho.

  - Estão... falando isso? – me impressionei. – Nunca fizeram isso comigo. Ou falavam mal ou não falavam. Hayley sempre dizia que ouviu algumas pessoas falarem que gostaram da minha roupa, mas eu duvido, já que ela disse que essas roupas de combate que eu uso atraem mulheres. – disse revirando os olhos.

  - Eu adoro o modo como se veste. – falou baixinho e se afastou um pouco, olhando as minhas roupas. – Eu não acho isso masculino, e a única coisa em você que atrai a atenção das mulheres é o seu cabelo. Essas garotas morreriam para ter um cabelo como o seu, Kris.

  - Grande coisa. – Olhei para o lado. Tive uma visão muito estranha do Luan e seu amigo conversando e olhando para mim. Dave seguiu o meu olhar, e depois virou para mim. Ele desaprovou.

  - Andar com Luan e os descolados deve ser ótimo. – comentou. – Mas não se iluda. Você vai se enganar se for na onda deles.

  - Não estou me deixando levar pelas aparências. Eu não sou burra. – confirmei. – Mas eles não são chatos, e também não parecem estar tão mal intencionados quando você pode estar pensando que eles estejam.

  - Luan ainda quis acabar comigo, Kris. – falou baixinho. – Queira eu ou não, com você aqui ele acabou descobrindo outra coisa valiosa. Mas ele não sabe disso, pois se soubesse eu estaria acabado e todos saberiam do meu maior segredo.

  - Que outra coisa valiosa? – eu quis saber. – Esse seu jeito ainda misterioso vai me deixar pirada. Você sabe disso.

  - Eu sei sim. – ele aumentou só um pouquinho o volume, se afastando um tico. – Você vai saber o mínimo possível dessa história. Infelizmente, você sabe que eu tenho um site, que uso um nome falso, e a informação que Luan acaba de conseguir. Mas nem você sabe disso, e eu espero que nunca saiba. Você nasceu com essa informação, você é praticamente a causadora dessa informação. Ah, eu falei demais...

  - Ninguém nasce sabendo de informações, Dave. – interrompi. – Se eu tenho alguma noção do que é esse seu site, eu estou em outro planeta, porque eu não faço a mínima ideia do que isso seja. Você não pode me segurar se eu quiser descobrir, mas eu não quero. Eu não tenho a ver com isso.

  - Certo. – ele murmurou, virando a cabeça para o outro lado. – Só não tente nada que seja demais. Esse site faria de mim um famosinho metido, isso chega a ser verdade. Mas faria de mim um criminoso também. Se existisse alguém que quisesse me ferrar sério, de forma que seria capaz de mais do que espalhar um simples boato pela escola, como me matar, por exemplo, essa pessoa já teria conseguido. Eu cometo um crime sendo administrador desse site, Kris.

  - Que tipo de crime? – zuni. – Algo sério demais?

  - É algo sério... – mordeu o lábio inferior.

  - Eu não gostaria de saber então. – rumorejei.

  - No fundo você gostaria. – falou naquele tom misterioso que eu não gosto, e no tom de alguém que contava um segredo. Tecnicamente, ele estava contando mesmo, mas essa ideia não me atraia.

  - Eu não entendo você. – Observei um professor que eu não conhecia se aproximar alegremente para dentro da sala.

  Ele tinha no máximo vinte e seis anos de idade. Era jovem, de cabelos escuros e olhos da mesma cor. Sua pele parecia ser bem cuidada, e ele era... bonito. Olhou pela sala já com um sorriso, pronto para anunciar sua chegada.


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