Durmo muito tarde, então, quando minhas criadas vem me acordar para o café, decido tomar café no quarto mesmo pois não estou com forças o suficiente para me arrumar e descer. Anne e Mary descem para buscar meu café, enquanto Lucy arruma minha cama.

Tomo meu café rapidamente e depois volto para a cama com o intiuito de só sair de lá quando me chamarem para o almoço. Infelizmente meus pensamentos não me deixam em paz. É óbvio que o sistema de castas foi implantado de modo injusto, mas eu nunca imaginaria que seria para controlar as pessoas. Ainda me lembro das palavras de Gregory Illéa sobre o conhecimento. Ele escondeu muito bem a história de nosso país, fazendo-nos acreditar que ele era um herói, sendo que ele era um ladrão vigarista.

O problema é que eu não sei bem o que fazer com o conhecimento que obtive lendo o diário. Estava confiante de que, quando os tivesse em mãos, saberia o que fazer, mas isso não aconteceu.

Permaneço deitada tentando dormir, mas sei que não conseguirei. Levanto-me e vou me arrumar para o almoço. Eu mesma preparo meu banho e fico deitada na banheira tentando organizar meus pensamentos.

Penso em Aspen e em Lucy. Penso em como não quero perdê-lo por que ele é tudo o que me resta da minha "antiga" vida e de como, ainda assim, desejo que ele encontre alguém que lhe dê o valor que eu não poderei dar e que me impessa de quebrar seu coração. Penso em Maxon e em como tenho certeza de que o amo, e que não posso falhar nesse plano porque não suporto a ideia de ficar longe dele. Não quero perdê-lo porque não saberei viver depois disso.

Sou despertada pelo som de minhas criadas entrando no banheiro.

– Estávamos vindo preparar seu banho, mas a senhorita foi mais rápida - Mary diz, sorrindo.

– Pois é... Eu precisava de um tempo para pensar um pouco.

– Por que vocês não vão buscar o vestido da senhorita America, enquanto eu arrumo o cabelo dela? - Lucy sugere.

Logo Anne e Mary saem, nos deixando sozinhas.

– Aconteceu alguma coisa, America? - Lucy pergunta, se sentando em uma cadeira ao lado da banheira.

– Não... É só que... Minha cabeça esta muito confusa.

– A senhorita conseguiu o que queria? - Lucy diz, se referindo aos livros.

– Sim... Já li um deles, mas não sei o que fazer com a informação.

– A senhorita só tem que ser paciente. Logo a resposta irá aparecer.
Lucy sorri para mim, passando toda a confiança que ela tem. Ela acredita em mim. Muitas pessoas acreditam em mim, até mesmo os rebeldes. Meu pai e May acreditam em mim. Maxon acredita em mim. Mas eu mesma não acredito. Tenho que fazer algo para mudar isso. Não posso decepsionar tanta gente assim. Não suportaria ver Maxon desapontado comigo outra vez e saber que eu falhei com ele.

– É só isso que te preocupa? - Lucy pergunta.

Eu gostaria muito de poder dizer que sim, mas existem muito mais coisas me corroendo, e Lucy é o mais próximo de amiga que tenho aqui.

– Bom... Na verdade não... Sabe Lucy, às vezes eu me sinto um pouco confusa com tudo o que esta acontecendo comigo agora. Me pergunto se a decisão correta seria ficar e lutar ou ir embora e encontrar outra pessoa. Tenho medo de ter alguém lá fora me esperando e, se eu não tomar uma decisão logo, essa pessoa desista e encontre outra pessoa. E se eu estiver fazendo tudo errado?

Espero em silêncio enquanto Lucy processa tudo o que eu disse. Depois de um período que me pareceu longo demais, ela suspira.

– Você ama o príncipe?

Sem nem precisar pensar, respondo:

– Claro.

– Então não deixe nada fazer você duvidar disso. O amor não é fácil America. Principalmente se ele for verdadeiro. Muitas pessoas tentarão intervir e atrapalhar. O amor é um salto no escuro e às vezes a queda é muito grande até você chegar em terra firme. Você pode até sair machucada e com alguns arranhões, mas vale a pena. Quando precisamos aceitar grandes desafios, desafios que nunca imaginamos que precisariamos aceitar, às vezes nossa mente tenta enganar nosso coração para que ele escolha a saída mais fácil, mas isso não é amor. Não deixe nada fazer você desistir de pular. - ela sorri e depois se levanta para buscar uma toalha pra mim.

Ela arruma meu cabelo em silêncio, deixando-me pensar no que ela acabou de me dizer. O desafio de agradar todas essas pessoas, ir de encontro com uma ordem do Rei, me tornar a princesa- e futura rainha- de Illéa e aceitar as responsabilidades que vêm com o cargo me parecem grandes demais. Minha cabeça continua mandando meu coração escolher Aspen porque é a saída mais fácil. Mas, como Lucy disse, isso não é amor. Eu não o amo mais. Só não quero perdê-lo porque estou com medo do que terei de enfrentar. Mas estou disposta a ir onde for preciso por Maxon, por que é ele quem eu amo.

Anne e Mary aparecem com meu vestido e eu logo o visto e saio para o almoço. Chegando lá, todos já estão presentes. Faço uma reverência em frente a mesa da família real, que conta com a princesa da França agora, e me sento. O almoço é servido, mas eu não consigo prestar muita atenção na comida. Só consigo olhar para Daphne conversando com Maxon animadamente. Maxon ri de algumas coisas que ela diz, e isso me quebra em várias partes diferentes. Não consigo segurar meu olhar de raiva para Daphne, e permaneço olhando-a por muito tempo.

Ainda a olho com raiva quando decido correr os olhos pelo salão. Meus olhos param nos pares de olhos me olhando com um sorriso no rosto. Ele está feliz? Por que o Rei Clarkson está tão satisfeito comigo? Com certeza deve estar curtindo uma com a minha cara, aproveitando cada traço da minha expressão furiosa para Daphne, provavelmente sabendo que eu sei sobre seu plano de acabar com a Seleção, de me separar de Maxon, e esta aproveitando enquanto pode ver minha derrota inevitável em meus olhos. Mas não vou desistir tão fácil quanto ele quer. Não vou me dar por vencida, não agora. Então, embora isso comprometa meus planos, retribuo o sorriso. Ergo minhas sobrancelhas com meu melhor sorriso para o Rei, e meu sorriso aumenta enquanto observo o sorriso dele diminuir ao ver minha expressão. Aposto que ele vai passar noites em claro tentando adivinhar o que estou tramando, mas eu não ligo. Eu quero mais que ele me odeie mesmo, porque eu o odeio ainda mais agora.

Após o almoço, Silvia começa uma pequena aula revisando tudo o que vimos desde que entramos aqui no castelo, mas dessa vez somos supervisionadas pela Rainha Amberly que nos observa minuciosamente. Dou meu melhor não só porque quero impressiona-la, mas também porque quero tirar da minha cabeça o sorriso vitorioso do Rei para mim durante o café. De vez em quando olho para a Rainha e ela sorri para mim gentilmente, como que me dando apoio e dizendo que estou me saindo bem, o que faz com que eu me sinta orgulhosa. Mas isso logo acaba quando Daphne entra no Salão das Mulheres.

– Desculpe interromper Silvia - ela diz sorrindo - Mas eu gostaria de acompanhar a aula hoje. Não precisam de mim hoje na reunião.

– Isso seria otimo Princesa Daphne - Silvia diz sorrindo e fazendo uma reverência - Talvez você pudesse ajudar as selecionadas. - ela pisca discretamente.

– Claro - Daphne sorri.

Meu sangue ferve. Olho para ela e os olhos dela me encontram enquanto ela passa por mim para ficar ao lado da Rainha Amberly. Abro um sorriso forçado para disfarçar minha cara e ela também. Continuamos com a aula de revisão quando Kriss sugere que treinemos novamente as reverências, pois agora que temos dois membros da realeza supervisionando, poderemos ver como é feita uma verdadeira reverência vinda de uma verdadeira dama. A Rainha e a Princesa Daphne vem até nós. Elas treinam as reverências com Celeste e Elise cada uma de frente para a Rainha e para a Princesa respectivamente. Então Silvia faz sinal para que Kriss e eu nos aproximemos. Faço meu caminho para ficar de frente com a Rainha, mas no ultimo momento Daphne troca de lugar com Amberly e fica de frente comigo. Ela me abre um sorriso simpático demais e, com muito sacrifício, eu retribuo. Então, enquanto fazemos a reverência uma para a outra, ouço sua voz sussurrar em meu ouvido.

– Se sentindo derrotada, America?

Levanto meu rosto subitamente a tempo de vê-la sorrir para mim. Ela esta me provocando. Meu sangue corre mais rapidamente pelas minhas veias e eu me sinto fervendo. "Se sentindo derrotada, America?" a voz dela ecoa em minha cabeça. Ela está insinuando que o perdi para sempre, que ela ganhou. Que garota ridicula, eu nem a conheço e ela esta me ofendendo aqui sem mais nem menos. Não posso deixar barato. Eu não estaria sendo justa comigo mesma. Eu a olho com um sorriso no rosto e com as sobrancelhas arqueadas. Ela tem suas cartas na manga? Eu também tenho as minhas.

– Muito obrigada pela demonstração, Princesa Daphne - digo, sorrindo simpática.

Me inclino e dou um abraço nela, apenas para sussurrar de volta em seu ouvido.

– Você não perde por esperar, princesa.

Ela me olha desafiadoramente. Então abre um sorriso. Achei que ela ficaria furiosa com o que eu disse, então não entendo o motivo do sorriso dela. Quando me viro para ver pra onde o olhar de Daphne parou, vejo Maxon na porta do Salão das Mulheres.

– Desculpe Silvia - ele diz sorrindo - Eu gostaria de conversar com uma das belas mulheres aqui com você, será que posso?

– Claro Principe Maxon - Silvia diz e percebo que nem mesmo ela esta imune ao charme dele. - Com quem gostaria de conversar?

Olho para Daphne e ela abre um sorriso para Maxon. Volto meu olhar para ele a tempo de vê-lo olhando para mim.

– Com a senhorita America. - ele diz sorrindo.

Sorrio de volta. Então olho para Daphne e vejo seu sorriso sendo desmontado aos poucos. Sorrio para ela vitoriosa e saio elegantemente do Salão das Mulheres, sentindo os olhares de Celeste, Kriss e Daphne queimando em minhas costas.

Viro um corredor onde Maxon está.

– Quero falar com você - ele pega minha mão.

– Sobre...? - digo, querendo saber o motivo, mas na verdade não me importo se ele não tiver nada para falar comigo porque consegui tirar o sorrisinho idiota do rosto da Princesa.

Maxon não me responde, apenas continua andando rapidamente por um caminho que eu nunca tinha visto antes. Vejo que ele está andando dificultosamente e isso me apavora, pois sei exatamente porque ele está assim. Ele vira por um corredor e entra em uma sala escura com duas grandes estantes cheias de coisas variadas como lâmpadas e pratos reserva. Há algumas cadeiras empilhadas encostadas na parede.

– Sobe ali nas cadeiras por favor - ele diz, respirando dificultosamente, o que confirma minhas suspeitas.

Não questiono, apenas subo nas cadeiras um pouco desajeitada e fico de pé.

– Esta em cima daquela prateleira. - ele aponta para a estante a minha direita.

Viro meu corpo e vejo, na ultima prateleira, bem escondido, um kit de primeiros-socorros com o nome dele gravado em cima. Desço o mais rapido que posso e pego uma das cadeiras da pilha para que ele possa se sentar. Retiro rapidamente seu terno e sua camisa para tratar de seus ferimentos. No fim das contas, eu preferia ficar no Salão das Mulheres sendo insultada por Daphne ao invés de vê-lo assim, machucado por causa de seu próprio pai.

Sua camisa esta vermelha e colando em suas costas por causa do sangue. Puxo com o maior cuidado que tenho, ouvindo o chiado que isso faz. Engulo em seco sentindo minhas costas arderem. Quando consigo tirar a camisa, deixo-a em uma das prateleiras mais baixas e abro o kit de primeiros-socorros procurando algo que me ajude a limpar seus ferimentos. Pego um dos panos de dentro do kit, umedeço com um dos vidros de remédios do mesmo e passo pelas feridas abertas pelo chicote nas costas de Maxon. Ele não se afasta, apenas geme de dor e isso corta meu coração. Termino meu trabalho e passo algumas bandagens pelas costas dele antes de colocar a camisa novamente.

Permaneço atrás dele. Então, subitamente tudo se encaixa em minha cabeça. O sorriso do Rei não era por causa de minha derrota. Ele sabia que eu tinha pegado os diários, com certeza sabia. O guarda que me barrou deve tê-lo avisado que eu estava na biblioteca. Ele não deve saber como, mas sabe que os diários sumiram e que estão comigo e que estou planejando acabar com as castas para que Maxon não tenha que se casar com Daphne. Ele sabe, como fui idiota, claro que ele sabe. Ele mesmo havia me dito antes de ir para a França que sabe de tudo o que acontece em seu castelo. O sorriso dele era pra me mostrar que ele não se importa de ferir as pessoas que eu amo para cumprir seu objetivo. Não imaginei que ele faria mal a Maxon para me atingir, mas se esse era seu objetivo, ele conseguiu. Não consigo segurar minhas lágrimas, mas faço um esforço enorme para fazê-las cair em silêncio enquanto Maxon abotoa a camisa.

Então, antes que ele se vire para mim, eu me ajoelho em sua frente.

– Maxon, por favor, me mande embora - eu sussurro ainda chorando muito - Por favor, eu não consigo vê-lo assim.

– Não foi por culpa sua - ele diz, passando as mãos em meu rosto para limpar minhas lágrimas.

– Eu sei que foi... - sinto mais lágrimas caírem violentamente e começo a soluçar - Eu sei que foi culpa minha... Eu sinto muito Maxon, Eu sinto muito... - então não consigo mais falar. Minha garganta se fecha completamente.

Estava tão empenhada em conseguir um plano para derrubar as castas, que me esqueci dos efeitos que isso teria nele. A dor em meu peito aumenta e eu choro cada vez mais. A culpa é toda minha, novamente. Não consigo parar de falhar com ele.