Caretrisse escrita por Millena


Capítulo 4
Capítulo 4




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4

Estou sentada no sofá da sala e meu pai deve estar no quintal, pelo que ele falou ficar aqui é um castigo temporário que só acaba quando a minha mãe chegar do trabalho. Depois que ele me tirou da confusão, veio me segurando pelo braço, mas não falou nada até chegarmos em casa. Me mandou sentar e sentou em um das poltronas, ficando distante de mim, ele estava de cabeça baixa e passava as mãos pelo cabelo várias vezes.

Sabia que ele estava decepcionado, porém não sabia se estava com raiva ou triste, e nenhuma opção era boa. Eu estava nervosa sim, mas não deixava isso transparecer, sempre fui mais firme do que emotiva. Ele olhou para mim, e senti muito medo, devo admitir.

“O que você diz sobre isso? Você acha legal? Tudo que eu e sua mãe te ensinamos todos os dias, TODOS OS DIAS”, ele levanta a voz. “Acho que não serve de nada, não é? Porque você simplesmente decide sair por aí, brigando na rua com as pessoas, não sei por que motivo, aliás, não sei mesmo qual é o motivo que leva alguém a socar outro na cara, ou chutar suas canelas.”, eu deixo escapar uma risadinha quando ele fala ‘chutar suas canelas’ e ele me olha com mais raiva ainda, o que me faz ficar séria de novo.

“Pai”, eu digo, porém ele não me deixa continuar.

“Não, não tem conversa. Você não vai sair dai antes de sua mãe chegar. Quando ela entrar por aquela porta, então resolveremos isso.”, depois de dizer isso ele levanta.

“Posso pelo menos tomar um banho?”, falo, porque sei que devo estar com uma aparência horrível.

“Não. Castigo.”, ele responde.

Deve fazer mais de duas horas que estou aqui, olho para as minhas mãos e percebo que os meus punhos estão feridos, e que eu acabei limpando o sangue na minha calça, sem nem perceber. Sinto uma dorzinha nas costas e na barriga também, então levanto um pouco a blusa e vejo algumas manchas vermelhas. Escuto um barulho e viro para olhar, é minha mãe, ela sorri pra mim. Eu não sorrio de volta.

“Aconteceu alguma coisa?”, ela pergunta, enquanto coloca uma sacola com cartolinas e folhas de papel em cima do sofá. Continuo olhando pra ela.

“Aconteceu.”, meu pai responde.

Viro e o vejo na porta da cozinha, ele caminha e faz um gesto apontando pra uma das poltronas, para minha mãe sentar. Ele continua em pé.

“Beatrice socou o rosto de uma garota até sangrar.”

Minha mãe tira os olhos dele e olha pra mim.

“Ela me chutou na barriga”, puxo as mangas da blusa para cobrir os meus punhos. “E nas costas.”, acrescento.

“Não é desculpa!”, ele fala.

“Só achei que era importante que ela soubesse.”

“Não brinque comigo.”

“Pai, eu não tenho mais 13 anos.”, é o que eu digo depois de ter me levantado e percebo que saiu mais alto do que eu queria.

“Eu não sei, Beatrice. Porque uma hora você está com seus amigos agindo como se tivesse menos do que isso, ou quando o seu irmão está aqui. Outra hora você bate em pessoas na rua e depois quer me desafiar!”, ele fala gritando e seu rosto fica um pouco vermelho, minha mãe levanta.

“Chega! Acabou.”, ela fala balançando os braços.

Minha mãe olha pra mim e depois pra o meu pai.

“Você parece criança, Andrew.”, ela diz, ainda olhando pra ele.

“Mãe, posso tomar banho?”, falo bem rápido, e ela olha pra mim.

“È melhor mesmo.”

Caminho para o meu quarto e caio na cama, primeiro tiro minha blusa, quando puxo minha calça sinto de novo aquela dor na perna que senti quando Isabela me chutou. Olho no espelho e percebo que as manchas vermelhas na barriga não são bonitas, viro e vejo que também tenho umas nas costas. Pego minha toalha e ouço os meus pais discutindo, antes de entrar no banheiro escuto a minha mãe dizer: “Você está sendo egoísta!”.

Enquanto tomo banho penso porque bati em Isabela, e chego a conclusão que foi ela quem começou mesmo, o que é verdade, então só o que fiz foi me defender. Queria muito que o meu pai entendesse isso. Depois penso em Miguel, como ele pode ser amiga daquela garota? E sinto raiva dele, por ser amigo dela e ficar dando risadinhas das coisas que ela fala.

Saio do banheiro, penteio meu cabelo e visto um vestido azul-claro, que foi o meu pai que me deu de presente no meu último aniversário. Lembro da primeira vez que fui na casa de idosos onde o meu pai faz trabalho voluntário aos sábados. Eu devia ter seis ou sete anos e fiquei muito alegre quando ele disse que podia me levar, o que fez ele feliz também. Eu conversava com as senhoras, e brincava de dama com os velhinhos, e me divertia o dia todo. Ia todos os sábados sem falta, eu tinha amigos lá, e meu pai também. Quando completei 14 anos decidi que não ia mais de jeito nenhum, meu pai ficou muito chateado.

Caminho até a porta do quarto e a minha mãe me chama da cozinha, ela está preparando o jantar sozinha. Está de avental e cortando uns legumes. Era a vez do meu pai de cozinhar.

“Oi.”, digo.

“Por que você bateu na garota?”, ela pergunta.

“Ela bateu em mim primeiro.”, respondo.

“Então você só se defendeu?”, ela levanta uma sobrancelha.

“Exatamente.”, falo. “Pena que o papai não acredita em mim.”

Ela solta a faca que tinha nas mãos em cima da mesa e me abraça. Sinto algo descendo na minha bochecha, demoro um pouco pra perceber que estou chorando.

“Vai ficar tudo bem.”, minha mãe diz.

Papai só chega pra jantar depois que já começamos, mas ele senta a mesa. Ninguém fala nada e ele evita olhar para mim. Eu lavo a louça e minha mãe seca, vou pra cama e olho no meu despertador, ainda não é nem nove horas. Sinto algumas dores então pego no sono rápido.

No outro dia acordo bem cedo, logo consigo chegar a tempo de pegar o ônibus. Quando entro e passo pelos alunos, alguns olham para mim desconfiados e outros dão risadinhas. Vejo Isabela e levo um susto, seu olhos estão inchados e ela tem esparadrapo no nariz, ao lado dela está a garota ruiva. Passo perto delas e Isabela levanta, todos colocam os olhos em nós duas.

Mas ela me ignora e caminha para falar com uma garota que está em um dos bancos da frente, o que me deixa aliviada. Cristina está no fundo acenando pra mim, ando em direção a ela.

“Não acredito que você surrou a minha coleguinha.”, ela diz.

“Não fiz isso”, sento no banco. “Só dei uns socos na cara dela.”, acrescento.

Cristina ri sem parar do que eu disse, e alguém me cutuca do banco de trás.

“Oi.”, digo.

“Bom dia.”

Não conheço a voz então me viro pra descobrir quem é. O rosto dele está bem próximo do meu e ele sorri pra mim. È o namorado de Jeanine.

“Qual seu nome?”, pergunto rápido, sem pensar.

“Lucas.”, ele responde, e não tira o sorriso do rosto.

Acho que nunca tinha olhado para ele de verdade.

Ele é bonito, principalmente quando sorri.


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