Filho da Mentira escrita por Sirena


Capítulo 5
Escolhas


Notas iniciais do capítulo

Gostaria de agradecer a Yasmin, Puella, Carolizzy e aos leitores anônimos que estão acompanhando e me inspirando a continuar a historia.



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Capitulo Quatro

Escolhas

Loki

Fiquei sozinho esperando Garret.

Não diria sozinho, pois o corvo estava ali. Quieto, parado, solitário, os olhos vermelhos penetrantes vidrados nos meus, como se me observasse.

Como se soubesse o que estava pensando.

–Garret em breve estará aqui- Mencionei, como se minha voz pudesse reconfortar de alguma maneira o corvo- Ele irá nos ajudar.

–Odin... -Disse o animal repentinamente, uma das asas erguidas, balançando, enquanto ele dizia com entonação- Odin... Odin...

Abri a boca, surpreso. A perda de sangue deveria ter me enlouquecido. Animais... Animais simplesmente não possuem o dom da fala. Aquilo era impossível, louco, doentio.

Uma mentira.

–Odin... - Ele continuou falando, se debatendo em meio a palha do celeiro, gritando- Odin... Odin... Odin... Odin... Odin...

Arrastei-me um passo para trás, cambaleante. Por que ele estava falando? Por que estava falando isso?

–Cala a boca!- Ordenei, falando baixinho.

–Odin... –Repetia o corvo, dando saltos, enroscado na palha molhada enquanto tentava bater a asa quebrada.

–Cala a boca!- Gritei com todo meu folego. Aquelas palavras frias ditas pelo animal despertaram as piores lembranças, as mais sombrias do meu passado. Tudo que desejava naquele maldito momento era que elas se dissipassem. Que ele apenas parasse de falar.

Eu sei do que você tem medo, gemeu o corvo em meus pensamentos.

–Como?- indaguei, entre suspiros.

Passos próximos cortaram o silencio tangível daquele segundo. Vagarosamente virei à cabeça para trás, o coração nos lábios, temendo a aproximação de quem quer que fosse.

–Loki?- Perguntou Garret, olhando minha expressão de pânico- O que... O que aconteceu?

–Nada- disse apressado, desviando o olhar.

Pude sentir sua aproximação, o som dos vidros na bolsa que carregava na mão esquerda.

–Vim o mais rápido que pude- Disse ele agachando-se ao meu lado. Garret era um homem grande; cerca de um metro e oitenta e cinco, pele azeitonada e cabelos castanhos escuros, espessos, cortados na altura do ombro, a barba a fazer-E pensar que eles estavam quase todos mofando e deteriorando naquela sala apertada.

–Posso imaginar- Afirmei com um sorriso fraco.

Ele abriu a mochila, retirando um vidro escuro, contendo um liquido espesso e denso, cuja coloração parecia ser um tom mais clara que o vidro.

–Sabe o que é isso?- Ele indagou, balançando o vidro.

–Não.

Ele levantou a sobrancelha.

Isso é sangue de dragão vermelho do leste de Asgard. Foi retirado do grande dragão na era negra, no epicentro da Primeira Grande Guerra, seu sangue guardado por gerações. Este é o sangue pertencente ao ultimo desses repteis desprezíveis a ser abatido.

–Dragões?- perguntei curioso.

Ele mergulhou o liquido em um pedaço de pano quadriculado, formas geométricas que se intercalavam entre cinza e o branco.

–Eles estão instintos agora- Afirmou, aplicando o medicamento em minha pele exposta- Muito antes de você ou Thor nascer, pelos seus antepassados, eras atras. Foram sacrificados por um bem maior, para que todas as raças de todos os reinos pudessem sobreviver

– Mas- Disse, interrompido por um gemido involuntário. Embora prático e eficaz o cataplasma fosse demasiado dolorido- Não é errado?

–O que é errado?

–Matar alguém ou algo. Uma raça toda. Isso parece tão... Cruel.

Ele pressionou o fármaco com um pouco mais de veemência.

–Se for para que milhões de vidas sejam salvas não. Isso não é errado.

–Você faria isso?- questionei- Mataria alguém se soubesse que ele mataria milhões de pessoas?

Ele soltou o pano por um segundo, suas mãos pendentes. Seus olhos escuros se encontram com os meus por um mínimo momento, cheios de dor.

–Antes de servir seu pai, o grande rei, como Conselheiro era um soldado da cavalaria de Asgard. Um soldado leal, forte e destemido, admirado e até odiado pelos meus companheiros de equipe. - Afirmou, colocando um segundo liquido no pano- Porém eu tinha um segredo. Por trás do homem perfeito que aparentava, existia o que para muitos era um pecado.

Ele suspirou.

–Eu amava. Amava minha família mais do que a guerra, mais do que meu rei. Muitas vezes regressei da batalha antes do esperado para poder passar um tempo mais longo e adequado com eles.

Garret retirou um pano branco longo e fino, aerado e começou enrola-lo pela minha cintura.

–Um dia pedi para seu pai um tempo para ficar em casa. Não apenas pelo cansaço, mas dia após dia, ficava cada vez mais longe de casa. Tentava esconder a dor na espada, mas a lâmina não suportava mais meus lamentos. Eu tinha que partir.

–E Odin permitiu?

–Ele queria que travasse uma ultima batalha ao seu lado. Afirmou que em três noites atacaríamos um vilarejo do leste, oculto pelas montanhas, cujas sombras serviam como esconderijo para elfos negros e alguns asgardianos contaminados com a praga. Indivíduos que deveriam ser eliminados.

–O que você fez? Você os matou?

–Estava tão cego e desesperado pela paz que concordei com a proposta. Passamos os três dias seguintes planejando com fervor nossos próximos passos. Coletamos mapas e planejamos como seria o ataque perfeito. Ninguém poderia sair dali respirando.

Garret levantou os olhos, me encarando.

–E ninguém saiu . O plano foi um extremo sucesso. Em pouco tempo tudo se reduziu a um mar de chamas e sangue. Não poupamos ninguém, nem crianças, nem mulheres, animais, nada. Aquilo era apenas o melhor para o mundo. Acho que não para o mundo. Não. Para mim o mundo que se ferrasse. Tudo que queria era voltar para casa.

–E você conseguiu?- perguntei, curioso.

–Consegui. Duas noites depois eu retornei para meu vilarejo. Para minha pequena casa na escuridão da floresta. Mas ao invés de encontrar minha mulher e meu filho, encontrei uma casa vazia. Sem nada. Sem ninguém. Voltei para o exercito desesperado no dia seguinte atrás da benção e da sabedoria de Odin, esperando que ele me auxiliasse em minha busca interminável. Jurei que entregaria minha alma para ele, uma servidão eterna, caso encontrasse minha família. - Garret mordeu o lábio, parecia reprimir a raiva- Odin confessou então que jamais encontraria minha família, não nesse mundo, não em Asgard. Eles haviam sido mortos no massacre do vilarejo. Ele próprio havia mandado eles, as pessoas que amava, naquele inferno maldito para que fossem mortas. E sabe por que ele fez isso? Sabe por que foram mortas?

Não consegui responde-lo. As palavras pareciam presas, estagnadas na minha garganta.

–Odin afirmou que elas estavam me atrapalhando. Que pessoas estavam morrendo pela minha falta de comprometimento com meu serviço. Duas pessoas, dois corações eram poucos em comparação a outras centenas. Ele estava salvando vidas.

Garret parecia destruído, acabado. Havia uma lagrima em seu olho direito que ameaçava a escorrer, desfilar pela cicatriz que cortava a parte inferior de sua pálpebra.

–Qual era o nome dele? Do seu filho?

Ele pareceu surpreso com a pergunta.

–Ben. Um nome incomum e estranho para um asgardiano.- Ele balançou a cabeça em negativa- Um nome atípico, porém sugestivo. Combinava perfeitamente para ele. Meu pequeno garoto...

Garret sorriu, um sorriso triste e pensativo, cortando o pano de sobra, guardando-o em sua mochila, junto com seus demais equipamentos e medicamentos.

–Vamos cuidar do seu corvo agora. – Ele disse o clima de pesar visivelmente mais ameno.- Quer ir lá pega-lo?

Depois dos fatos que se sucederam mais cedo, minha resposta quase foi negativa. Porém embora não soubesse o que, algo naquele corvo despertava minha curiosidade. Não. Tratava-se de algo mais forte, como uma ligação.

–Vem cá- Solicitei, ao invés de caminhar este curto espaço até ele.

–Você realmente acha que o corvo vai...

Garret engoliu suas palavras, quando observou o corvo caminhando lentamente para onde minha mão estava estendida. Ao fim do trajeto ele pulou, fixando as garras afiadas no dedo indicador.

–Bem inteligente- Observou.

–È- Concordei- Inteligente.

“Não. Algo mais do que isso” Pensei.

–Vem- incitou Garret- Vamos cuidar de você.

A mão do conselheiro estava amostra, esperando que ele fizesse a mesma coisa que fez comigo. O mesmo gesto agradável e gentil, como um animal doméstico do palácio.

Mas ele não era um animal domestico.

Ao invés de subir em sua mão, como esperado, o corvo projetou o bico para frente, acertando seu polegar e arrancando um pequeno pedaço de sua carne.

–Merda!- Xingou, cobrindo o local ferido imediatamente.

“Morra... Morra... Morra...” ordenou o corvo em meus pensamentos.

Olhei para o corvo, estarrecido.

–Acho que ele não gostou de mim- Opinou, colocando uma gota de sangue de dragão sobre a carne, o liquido escuro se misturando com o vermelho.

Talvez ele só não esteja acostumado. - Rebati.

“Ou queira que você pare de respirar” pensei.

–Você quer cuidar dele? Talvez ele se sinta mais confortável com você.

Meneei em acordo.

–Talvez. Mas não sei ao certo o que devo fazer. Eu nunca fiz isso antes. – Declarei. Na verdade, havia ficado poucas vezes em contato próximo com um animal, seja qual fosse à espécie. Depois do incidente com o lobo, me limitei a olhar os animais á distancia. Claro, quando era permitido, ainda montava os cavalos, embora não fosse uma relação mutua como um animal de estimação e obviamente, não precisava cuidar deles quando ficavam enfermos.

–Não é difícil. Fiz isso uma vez com um falcão das montanhas quando era menino- Garret cortou um pedaço relativamente pequeno de pano com a adaga- Foi meu irmão mais velho que me ensinou como proceder numa ocasião como essa.

Ele me entregou o pano.

–Está úmido- Observei.

–Coloquei algumas gotas de erva da noite para ajudar na reconstituição óssea – Esclareceu- Agora quero que você posicione isso entorno da asa da ave.

Segui seus conselhos de maneira meticulosa. Não era muito difícil. Após envolver o local quebrado, foi necessário apenas pressionar com delicadeza a asa, antes de dar um forte nó para que esta não pudesse se mover.

–Apenas isso?

Ele acenou.

–Dois ou três dias serão suficientes para ele estar em perfeitas condições.

–Obrigada, Garret. Eu nem sei como agradecer o que você fez.

E era verdade. O conselheiro foi uma das primeiras pessoas que se opôs a me ajudar.

–Apenas fique bem. È tudo que lhe peço.

–Vou tentar- Disse, levantando-me com o corvo posicionado gentilmente em meu braço.

–Já escolheu o nome? Ele precisa de uma personalidade. Creio que não gostara de passar a vida sendo chamado de “o corvo”.

–È Valravn- Não foi algo que pensei. Não era um nome que havia conhecimento prévio ou algo do gênero. Simplesmente parecia adequado a ele.

Como se esse fosse realmente seu nome.

–Valravn?-Ele deu de ombros- Bem, ele é seu, certo?

–Obrigada mais uma vez - Fiz uma rápida mesura, preparando-me para partir.

–Ei, Loki- Ele me chamou assim que cruzei a porta.

Virei à cabeça para trás.

–E sobre o que você me perguntou mais cedo.- Ele suspirou- Aquela fora a escolha de Odin. Uma escolha errônea pela minha concepção.

–Então o que você teria feito?

Ele cruzou a distancia que nos separava, colocando a mão esquerda sobre meu ombro.

–Não importa se isso me trouxesse desgraça ou não. Ia fazer o máximo para resgatar a pessoa das trevas. Tentaria salva-lo.


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Notas finais do capítulo

Duvidas, comentários, xingamentos, agradecimentos, etc....etc...

PS:A sinopse (finalmente) esta correta