Filho da Mentira escrita por Sirena


Capítulo 20
Kill a Prince- Part 1


Notas iniciais do capítulo

#Goodbye Balder...



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/490297/chapter/20

Capitulo Vinte

Kill a prince

Hoder

Por dois anos eu vivi o mais próximo do que as pessoas classificam como felicidade.

Não era a felicidade propriamente dita, mas era o suficiente para mim. Como um naufrago que após tanto tempo privado de agua quando consegue algumas gotas, o suficiente para deixar seus lábios levemente úmidos e que sua garganta pare de arder. Não era muito, mas era o suficiente.

Não me envolvi romanticamente com Hrethel, embora meus sentimentos por ela fossem intensos. Eu não poderia simplesmente dormir com a mulher do meu amigo, por mais distantes que fossemos. Ele que agora estava deprimido, afogado em magoas por ter perdido a esposa e o garoto. Que se culpava todas as noites pela morte de ambos, considerando-se responsável pelo massacre de sua família.

Por mais de uma vez, vi-me tentado contar a verdade a ele, porém tinha medo do impacto que minhas palavras poderiam produzir. Que elas viessem causar a “real” morte deles, incluído o próprio Garret.

Então me enterrei no silencio.

Nos últimos anos distanciei-me um pouco do exercito. Isso não quer dizer um afastamento, apenas que eu voltava para casa e conseguia ficar uma tarde e uma noite inteira nela. Mesmo dormindo no chão da cozinha, depois que ela havia sido ocupada pelo garoto e sua mãe- e até meu cachorro (quem diria que o desgraçado iria ter mais conforto que eu um dia?) estava feliz. Tinha um lugar que gostaria de voltar, que gostaria de ficar. Mais do que isso tinha um proposito de vida. Mantê-los vivos, protege-los. Era isso que me motivava continuar vivo, tão necessário como o oxigênio ou quanto meu coração estar batendo.

Aos poucos comecei a criar laços com o garoto. Numa noite quando passeávamos pela floresta, olhando para as estrelas que salpicavam o céu, cintilando como joias em uma caverna, solicitei para que ele se sentasse em um canto para que pudéssemos conversar.

–Eu gostaria de dar uma coisa para você. Duas para ser mais exato- Falei, os braços em formato de cruz acima dos joelhos flexionados.

Ele me olhou, curioso.

–Iria dar isso para meu filho, porem como não tenho nenhum herdeiro consanguíneo e obviamente Escuro não é digno de nenhuma herança- O cão virou a cabeça para o lado, como se estivesse em desaprovo da situação- Vou dar para você uma coisa muito especial.

–O que é?

–Algo que meu pai deu para mim- Comecei a retirar o colar de prata do pescoço, um adorno precioso que carreguei em meu corpo desde os cinco anos de idade, antes da minha vida se afundar em desespero- Acho que você vai gostar... - Opinei.

Entreguei para ele o cordão. Beowulf o examinou com curiosidade, tateando a todo o momento o pingente.

–O que isso significa?

–O pingente?

Ele assentiu.

–Esse é o símbolo da força e do poder para as tribos nômades. Esta vendo o circulo que o molda com três triângulos intercalados, se unindo no que parece uma cruz com as hastes cortadas? Isso é a força para eles, o modo como a representa. Eles não usam as runas para se comunicar como nosso povo, mas através desse tipo de gravura e desenho.- Passei meu indicador sobre o circulo, sentindo o metal contra a pele- Eles chamam isso de Nan- Yo. Uma das minhas palavras preferida neste dialeto, após Shen- Lin: Sobreviver. E...- Agarrei um objeto, envolta de trapos de cor esverdeada, entregando-o imediatamente para ele- È exatamente o que isso significa.

Ele desembrulhou o conteúdo, amarrando as cordas finas de tecido na própria mão, fazendo aparecer diante de si uma adaga feita de um antigo mineral, semelhante ao metal, porém mais duro e afiado. O cabo de madeira era marcado com símbolos semelhantes ao cordão, o mesmo circulo, mas ao invés de triângulos era preenchido com linhas transversas , curvas e retas.

–Shen-Lin- Ele repetiu,ainda sentindo o peso do objeto na mão.

–Por mais de uma vez eu pensei em retirar a minha vida, em colocar uma corda no pescoço e acabar com tudo, mas eu não podia fazer isso. Às vezes, eu sentava a noite e ficava olhando para esse inscrito até que os primeiros raios de luz surgissem no céu, rasgando a escuridão. Então eu lembrava das promessas que tinha feito no passado, nos juramentos que tinha feito e eu desistia. Eu lembrava que tinha que viver, não importa o que fosse ou quão dura e horrível fosse minha vida. Não importava o estigma, o peso do meu passado em minhas costas que parecia me contorcer a cada passo, a cada pensamento e quebrar minhas costelas lentamente. Eu precisava, eu tinha que sobreviver.- Confessei- E agora quero dar isso para você. Talvez isso te ajude um dia.

–Obrigada- Ele murmurou.

–Você tem um grande proposito, Beowulf. Não se esqueça disso, não importa o que acontecer. Sobreviva- Acentuei, colocando a mão no seu ombro.

–Eu não esquecerei- Prometeu o menino, ainda absorto nos inscritos nômades.

–Confio em você- Falei, preparando-me para levantar.

Antes mesmo que pudesse flexionar os joelhos, Ben envolveu seus braços envolta do meu pescoço, os membros pequenos e leves se sobrepondo em meu ombro num gesto afetuoso.

–Obrigada por tudo, pai- Balbuciou, chamando-me por um nome que jamais pensara ouvir em minha vida.

Retribui o gesto, sentindo uma lagrima correr pelo meu rosto; pela primeira vez não de tristeza, pesar ou ódio, mas de felicidade.

Eu nem imaginava que aquela seria a ultima vez, a ultima noite que veria Hrethel e Beowulf.

Se eu soubesse, se tivesse a mínima noção, certamente não teria saído aquela manhã. Teria ficado com eles cada segundo, cada momento.

Justamente o dia que deixaria tudo para trás. O exercito e as batalhas, abandonado tudo para poder me aproximar mais deles, protege-los.

Que ironia do destino, não?

Lembro de voltar feliz aquele dia, me sentindo livre pela primeira vez em muito tempo. Como se um grande peso houvesse saído do meu peito. Algo que me sufocava, impedia-me de respirar, havia sido retirado, substituído pelo alivio, a sensação do ar entrando novamente nos pulmões.

Uma sensação que foi rapidamente dissipada no momento em que voltei para casa.

–Beowulf? Hrethel?- Gritei. Antes mesmo de entrar já sentia que algo estava errado, estranho.

A porta se abriu com um rangido gutural, alto e rouco. Agarrei a faca presa em meu coldre, preparando-me para qualquer um ou qualquer coisa que estivesse ali. Arrastei-me para dentro com passos largos, os olhos abertos, atentos, fixos ao meu entorno.

A verdade estava aos meus pés, apenas não queria ver, desejando que o dom da visão fosse tirado de mim.

Escuro, meu cão, estava morto.

Em meio ao silencio e as trevas, lúgubres como um milhão de corvos, estava o cadáver do animal, a língua pendente, o corpo duro, sem vida, sem batimentos, frio como uma rocha no fundo do oceano. Sangue saia sem controle da região abdominal, o liquido rubro com cheiro férrico usado para escrever uma mensagem em rúnico em frente às patas dianteiras.

“MATE”

–Matar o que?- Perguntei, olhando perplexo a palavra a minha frente. Era como se tudo que aconteceu um dia estivesse voltando. O dia em que encontrei minha família, o que restava dela, sem vida, seus olhos penetrantes me culpando por não ter feito nada.

E aquele peso, aquela dor estava voltando. Uma reprise do meu erro, da minha impotência.

–Você não sabe como foi divertido escrever essas palavras na parede...- Disse uma voz atrás de mim.

Retirei a faca presa no coldre, a raiva tomando conta de mim.

–Desgraçado- Gritei, levantando-me cambaleante, pronto para desferir quem quer que fosse com minha simples arma.

Virei-me, andando um passo em cada vez em direção ao meu algoz. Cinco homens estavam parados na porta todos trajando o mesmo capuz negro, muito semelhante ao de nosso exercito cobrindo a parte superior do seu rosto, enquanto uma mascara de pano deixava oculta a outra parte. Uma longa espada fúnebre pendia nas costas de cada membro, como se fizesse parte do uniforme, as extremidades cintilando com um brilho singular e medonho.

–Eu não faria isso se fosse você- Exclamou a voz rouca e distorcida o membro central, aparentemente o líder do grupo.

–Me dê um bom motivo...

Ele deu um único passo, o som das suas botas ecoando pelo ambiente silencioso.

– Primeiro, eu estou com sua as pessoas que você gosta. Segundo, estamos em maior numero e sua faquinha não iria resolver absolutamente nada e... Terceiro se você ousar tocar num fio do meu cabelo jamais irá vê-las, as pessoas que você ama de novo.- Ele fez uma pequena pausa- Sabe, eu classificaria isso como um bom motivo.- O estranho disse irônico.

Eu hesitei, abaixando minha faca lentamente, centímetro por centímetro.

–Onde eles estão?

–Acho que a pergunta correta seria: O que eu preciso fazer para ter eles de volta?

–Eu suponho que a mensagem na parede tem alguma coisa a ver com isso...- A raiva distorcia minha voz, deixando-a fraca e grotesca.

–Menino esperto- Zombou. Quase podia ver o sorriso de escarnio, oculto por toda aquela camada de pano.- Então você sabe o que tem que fazer...

–Por que você acha que eu faria isso para você?- Indaguei.

–Eu não acho, Hoder eu sei. Você é um assassino não é? Já matou tantas outras vezes antes. O que seria uma ou duas pessoas a mais?

Permaneci em silencio.

–Uma vida por uma vida. Você cumpre o serviço, então você os terá de volta. O que você acha?

–Quem eu tenho que matar?- Grunhi. Podia sentir o calor em meus olhos, um olhar psicopata, assassino.

Ele deu mais um passo.

–Agora estamos falando a mesma língua.- Murmurou, meneando a cabeça- Você conhece Willio?

–O irmão bêbado e moribundo do rei?- Falei, sem pensar muito. Eu não sabia muita coisa sobre o sujeito, apenas os boatos sujos que os plebeus e os soldados contavam.

–Exato. Essa noite ele vai se encontrar com uma garota no rio Nhyter. Quero que mate os dois.

–E qual seria o motivo?- Perguntei.

–Os motivos não interessam- Rangeu- Apenas cumpra o maldito serviço, como o assassino bastardo que você é- Podia sentir o ódio em suas palavras.

Eu suspirei, me controlando.

–Apenas isso?

–Nada é tão fácil, Hoder. Existe mais uma coisinha que você precisa fazer, mais uma vitima especial que eu quero a cabeça decepada.

–E quem seria?

–Tem uma caixa em cima da cama contendo o nome da sua terceira vitima. A mais importante.- Ele falou, meneando a cabeça- Assim que terminar tudo me encontre na ponte próxima ao palácio.

–Somente isso?- Ainda não acreditava que estava concordando com tudo isso, mas estava.

–Só isso e terá eles de volta- Prometeu.

Ele caminhou até mim, a mão estendida como se fossemos “velhos conhecidos”

–Temos um acordo?

Eu levantei a mão, os olhos frios e a expressão ríspida, deixando o gesto grosseiro e forçado.

–Foi bom fazer negócios com você- Agradeceu o estranho, se distanciando aos poucos. Ao longiquo era possível ouvir o som dos cavalos, provavelmente o meio de transporte que utilizaram para vir até aqui.

Então eles desapareceram tão rápidos quando como surgiram.

Lentamente me dirigi até ao meu quarto, contornando o cadáver do animal; cada passo, cada toque no chão era como um martelo batendo em minha cabeça, o som da proximidade, como um grito para o fim.

Entrei no quarto olhando diretamente para cama, tentado afastar a visão antiga de memorias que queria enterrar na escuridão da minha mente naquele momento. Concentrando-me no presente, olhei a caixa marrom simples, a tampa presa apenas com uma corda feita de crina de cavalo.

Com as mãos tremulas, um reflexo claro dos meus sentimentos atuais; puxei um dos lados da corda, o nó se desfazendo instantaneamente.

Então a caixa se abriu, revelando algo que me surpreendeu e me feriu de muitas formas.

Uma mão humana.

A mão de Hrethel.

Ela estava fina e pálida, com a pele e os músculos tensos, provavelmente pela pressão da dor e do impacto. Os dedos permaneciam flexionados em uma estranha posição mórbida; a mancha amarronzada de nascença, sua marca em formato circular que eu vira tantas vezes. Detalhes que não pareciam se encaixar naquela bagunça vermelha e lúgubre do membro decepado.

Virei à cabeça para o lado, vomitando, expelindo todo o conteúdo estomacal. Aquilo era muito mais do que eu podia aguentar.

–Por que fizeram isso?- Gritei, engasgado por um acesso de tosse que parecia que iria rasgar os meus pulmões ao meio.

Uma pergunta reciproca, cuja resposta eu já sabia. Aquela mão era um aviso. Um aviso do que eles poderiam fazer caso eu falhasse.

Limpei a boca suja com as costas da mão, minha atenção se desviando momentaneamente daquela imagem aterradora e se concentrando no interior da caixa.

Uma caixa com um nome delineado em uma tinta preta, embaçada pelo vermelho.

Apenas um nome:

Balder.

O filho do rei.

Guiado pela ira e pelo meu dever soturno, coloquei a roupa que por tantos anos usei no exercito. A roupa negra que usei para aniquilar vidas e que hoje usaria para matar mais algumas.

No canto do quarto segurei um par de machados de lenhador e as facas de caça que rapidamente coloquei em minhas costas, assim como a aljava contendo aproximadamente vinte e cinco flechas. E por ultimo e não menos importante o arco, meu inseparável amigo nas horas mais sombrias. Todo o material em perfeito estado, polido e afiado, pronto para o serviço.

Por que agora eu tinha algumas pessoas para matar. Pessoas que não iriam mais ver a luz do dia, que não iriam ver o futuro. E para ser sincero, não me importava com isso.

Eu... Iria...Matar... Todos...Eles...

Incluindo um príncipe.

–Adeus, Balder- Murmurei fechando o punho, os tendões sobressalentes e, por um segundo já consegui sentir a sensação do seu sangue em minhas mãos


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

#Parte Um de Dois.
Bem, fiquei triste pelo numero de comentarios. Estou me sentindo meia deprimida. Sabe, poucos comentários, sem mais recomendações... Não sei ao certo se devo continuar...
E então eu devo? Vocês querem ler mesmo o resto da fic?