Filho da Mentira escrita por Sirena


Capítulo 17
Look through the eyes of a killer


Notas iniciais do capítulo

Primeiramente, obrigada a todos os leitores que estão acompanhando a fic.
Este capitulo irá explicar algumas coisas do passado de Hoder. Questões vitais para o prosseguimento da estória.
Prestem atenção nos detalhes. Serão úteis no futuro.
Alguém sabe fazer capas?Preciso de uma bacana para a fic



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Capitulo Dezessete

Look through the eyes of a killer

Hoder

Ainda lembro-me do dia que quase fiquei cego.

Foi há quase vinte anos, quando ainda era um jovem, um inocente garoto que ainda não conhecia as trevas. Que conhecia apenas a luz.

Mas a luz, ela é limitada, como tudo na vida. Eu ainda tinha absorvido muito dela, sugado sua energia, mais do que a maioria das pessoas, um privilegiado.

Já estava mais do que na hora de ser apresentado a escuridão.

Claro tudo que aconteceu aquele dia foi exclusivamente a minha culpa. Era proibido atravessar os limites da Floresta das Sombras, porém como qualquer jovem eu era uma criatura teimosa. Não apenas por esse único e simples motivo. Fui levado também pelo dever. O dever do filho mais velho, o único homem da casa.

O dever de levar o alimento, a caça para casa.

Estava a mais de um dia perambulando pela floresta sem conseguir nada há não ser alguns frutos apodrecidos e raízes velhas cobertas de terra e poeira. Era como se os cervos e os marsupiais houvessem repentinamente desaparecido por completo, simplesmente se extinguido.

Como se houvessem migrado para outra parte da floresta.

–Tenho que tentar- Balbuciei, fraco, a vertigem me alcançando pela privação de alimento.

Olhei para a fronteira da floresta, a parte proibida. Não era muito distinta da minha localização atual, apenas mais escura, como se o sol claro e límpido, sua luz dourada não conseguisse tocar, não pudesse chegar naquela parte.

Caminhei com passos lentos, sozinho, sendo minha única proteção um arco e uma aljava com cerca de sete flechas rusticas, moldadas com o material da própria floresta, esculpido com minhas próprias mãos durante a madrugada. A única arma que tinha, tudo que poderia fazer, tudo que poderia fabricar naquele período de desespero.

Mesmo tendo uma flora variada e extensa o local não parecia ser rico em fauna. Os galhos escuros e podres estavam vazios, sem nenhum pássaro, nem mesmo um comum pardal. Nada que pudesse levar como alimento para casa.

Continuei percorrendo a trilha, um caminho incerto e indefinido, observando sempre o chão à procura de rastros de cervos que poderiam ter passado por ali outrora. O solo estava úmido, seria fácil descobrir se alguma coisa houvesse corrido, trotado (ou seja, qual for o termo correto) naquele local; haveria pegadas, marcas de cascos impossíveis de serem ignoradas.

Conforme eu adentrava nas entranhas da floresta, a escuridão se propagava, aumentava, assim como um frio, um frio intenso e sobrenatural. Uma ou duas vezes, cheguei a olhar para trás, pensando em retornar e enterrar esta ideia louca. Mas todas às vezes a lembrança da minha irmã, pálida e raquítica, pequena e fraca demais para uma garota de dez anos, fazia-me persistir.

Eu... Não estava aqui por mim.

Estava por ela.

“Pense em Bree” Pensei, encontrando forças e coragem onde aparentemente não existiam.

E então, como se os deuses houvessem escutado minhas preces dos céus, o primeiro sinal de vida, esperança, surgiu.

Uma pegada. Poderia parecer pouco, mas foi o melhor que conseguira aquela tarde. Animado, agachei-me diante da marca, analisando sua origem de maneira profissional, como meu pai havia ensinado para mim nas poucas caçadas que realizamos juntos, antes dele falecer. Pode parecer difícil descrevendo apenas com palavras, mas era possível notar muitas coisas através de uma marca, como a idade aproximada, se ele estava claudicando e o principal: a direção.

–Um veado jovem, saudável- Analisei, os olhos semicerrados- Norte- Conclui, observando a trilha de pegadas.

Retirei a flecha da aljava, preparando-me com antecedência. Ele ainda estava aqui. Muito perto. Não iria demorar a encontra-lo. Para o primeiro sinal surgir.

Silencio.

Um passo de cada vez.

–Ali- Afirmei, o arco e a flecha estavam prontos quando o arbusto se mexeu, derrubando algumas folhas no chão.

Bastou esse pequeno sinal para que eu atirasse. Um tiro certeiro. As chances para não tê-lo acertado eram mínimas, quase nulas.

E como sempre a sorte estava contra mim.

–Merda- Xinguei, assim que notei minha falha.

O animal havia escapado.

Ainda firme, sem me curvar, sem desistir, segui a trilha de pegadas e galhos esmigalhados, repartidos. Uma trilha rápida e curta que tudo indicava me levaria a caça.

Mas não foi isso que ela me levou.

Um deslize, uma simples distração no meio do caminho ocasionou minha queda. Em certo ponto, meus pés simplesmente não encontraram o chão, algo que pudesse pisar, me fixar. Sem controle escorreguei no buraco fundo, minhas mãos ainda tentando arranhar a parede de terra fria, tentando impedir a queda iminente.

Minha cabeça bateu no chão duro, um baque surdo. Um grito rouco saiu dos meus lábios pela dor, tanto pelo ferimento na cabeça quanto pela minha mão, o membro torcido, quebrado pela força do impacto.

–Ótimo- Gemi, tentando me levantar, a dor invadindo meu corpo assim que meus dedos rasparam o solo, a cabeça latejando. Podia sentir um fio de sangue se desmanchando na têmpora, se enrolando em meu pescoço.

Virei à cabeça para o lado, ofegante, tentando examinar o local onde me encontrava. Não era exatamente um buraco. Não havia a forma circular habitual, era mais retangular e fundo, como uma espécie de vala. Havia algumas pedras cinzentas no fundo e galhos repartidos, quebrados provavelmente pelo próprio tempo, deteriorados pelos séculos, porém o que predominava era terra, uma terra densa e escura.

Olhei para cima, estreitando os olhos para poder absorver o pouco de iluminação que entrava, uma faísca, uma partícula de luz que me fazia enxergar nada além de desesperança. A altura grande, aproximadamente acima de dez metros e a estrutura arenosa, quase impossível de escalar diminuía consideravelmente a possibilidade de escapatória.

Empurrei meu corpo para trás com dificuldade, permanecendo numa posição quase sentada, o tronco apoiado na parede, à cabeça jogada para trás. Estava na hora de pensar, raciocinar em uma maneira de sair desse lugar rapidamente. Não poderia pensar em ajuda exterior, demoraria meses, anos, décadas até alguém se opor a me procurar nessa floresta proibida. Eu iria morrer e virar uma carcaça de carne e ossos, muito antes que isso acontecesse.

–Tenho que sair daqui- Disse para mim mesmo, tentando manter a minha mente clara.

Fiquei alguns minutos parado, apenas ouvindo o som dos batimentos cardíacos e da respiração regular. Não havia trazido cordas ou equipamento necessário para uma escalada. Tudo que tinha eram um maldito arco e algumas flechas, instrumentos que certamente não me ajudariam a sair desse buraco.

Fechei os olhos por alguns segundos. Parecia mais fácil pensar na escuridão, como se minha consciência clareasse nas trevas, iluminando meus pensamentos nebulosos.

Apenas alguns segundos. Foi tudo que eu consegui. Tudo que me permitiram.

Pois um som, um som alto e claro obrigou que meus olhos abrissem.

Obrigou-me a entrar na verdadeira escuridão.

–O que?- Perguntei com a voz débil, virando minha cabeça em direção ao misterioso ruído. Um ruído que parecia não vir de cima, ou dos lados, como poderia se esperar, um local possível.

O som vinha de baixo.

Prendendo a respiração, arrastei-me alguns centímetros, menos que um metro, colocando minha cabeça no solo, a orelha encostada na terra úmida, lambendo minha pele. A curiosidade dominava meus sentidos primários de sobrevivência, enterrando-os, deixando-os encobertos.

Tudo que me importava agora era aquele descobrir de onde vinha e o que era o que ele som.

No inicio, baixo e indecifrável, como se alguém tivesse gritando e tudo que conseguia ouvir era um pequeno eco. Mas não era uma voz. Uma voz humana. Isso era possível notar desde o inicio. Porém não parecia ser o grito de um animal, um rugido de uma fera, os passos de um cervídeo. Também não era o som da agua corrente ou algo comum. Algo que se ouviria em baixo da terra.

Era algo que nunca havia ouvido. Que apenas aumentava. E aumentava. Até o som se transformasse em batidas, como se a terra fosse se abrir.

E foi o que aconteceu.

Tive tempo apenas de levantar a cabeça, quando notei que a terra estava se partindo, como se simplesmente tivesse ganhado vida. Um grito gelado e abafado saiu da minha garganta seca, enquanto observava horrorizado que algo impossível saia das entranhas do mundo.

Morcegos, milhares deles, muitos mais que a mente humana poderia contar planaram para fora da rachadura, guinchando, enquanto voavam sem uma direção certa, se batendo uns nos outros, fazendo gotas de sangue cair de seus ferimentos como se fosse uma chuva. Uma tempestade negra e vermelha, enquanto os seres da escuridão voavam em direção à luz.

Fugindo de algo.

Mesmo com os olhos abertos, não fui capaz de observar toda a cena. Como se estivesse em transe, não totalmente lucido dos fatos presentes.

–Não está acontecendo- Murmurei após o ultimo morcego desaparecer no horizonte. Não havia logica naquele acontecimento. Nada que alguém normal pudesse explicar.

–Você parece estar com medo, Hoder- Sibilou uma voz fina e doce como um sino de uma catedral.

Bree. Era a voz da minha irmã caçula.

Ela estava ali naquele buraco fétido, encolhida, os cabelos castanhos e enrolados caindo sobre a face suja, escondendo os olhos azuis-esverdeados. Bree ainda usava a mesma camisola velha e branca grande demais para seu corpo fino.

–O que você está fazendo aqui Bree?

Ela arregalou os olhos.

–Por que você não voltou para casa?

–Eu caí, Bree- Respondi com a voz débil- Mas em breve eu estarei em casa para ajudar você e a mamãe.

Minha irmã negou com a cabeça.

–Mas você não voltou Hoder. Você nunca voltou para nós.

–O que?-Eu engasguei.

–Mamãe ficou tão triste que você não voltou. Ela ficava todo dia te esperando, olhando pela janela, esperando seu retorno. As coisas que estavam ruins pioraram, não somente para nós, mas para todos os habitantes do vilarejo. Como se uma tempestade houvesse chegado, sem raios, sem chuva. Apenas miséria e fome. - Ela olhou para baixo- Um dia, após quase quatro dias sem sentir o gosto, o sabor do alimento, num ímpeto voraz mamãe roubou o alimento, apenas um pedaço de pão seco do mercado.

–O que aconteceu?- Perguntei, olhando sua expressão triste, os olhos repentinamente ficando escuros.

–Eles nos puniram. Eu e mamãe. Arrastaram-nos pelos cabelos, enquanto nos debatiam e nossas roupas se fragmentavam pela estrada. Quando chegamos à praça central, nossa pele estava num estado quase tão deplorável quanto nossas vestes.- Uma lagrima caiu do seu rosto- Fomos amarradas na torre central, nossas mãos em carne viva com cordas grossas, pressionando até sentirmos o osso. Mamãe gritava, pedindo clemencia, implorando por um perdão não concedido...

–O que houve com vocês?- Minha voz estava embargada, engasgada com as lagrimas.

–Eles nos queimaram, Hoddie.- Ela disse cobrindo a face com ambas as mãos- Eu ainda sinto o fogo devorando minha pele. Sinto-o me tocando...

–Não- Eu afirmei agarrando o punho de Bree com a mão boa- Você está mentindo. Você não é a minha irmã.- Eu estreitei o olhar. Era claro que não era ela.

–Como pode ter certeza?

–Bree nunca me chamou de Hoddie. E acho que mesmo depois de morta, ela não adotaria esse habito.- Respondi fincando a unha nos braços da criatura que se passava por minha irmã.- Você não é ela.

–Sabe por que essa floresta é proibida?- Sibilou.

Eu não respondi.

–Por que todos que entram nessa floresta morrem pelo medo. Os medos os prendem aqui, impedindo-o de sair e voltar para suas casas. Ele os corroí, os cega. Os transforma- Sua pele se dissolvia, queimava enquanto ela falava, os pedaços negros caindo no chão- Eu sei o que você tem medo. Sei que quando era pequeno foi assombrado pelo bater de asas dos morcegos. Você teme perder as pessoas que você ama. Teme que assim que seus olhos se fechem sua irmã se definhe a apodreça como um rato morto na calçada. Teme perder sua mãe, assim como perdeu seu pai.

Ela sorriu, perante meu pânico.

–Mas não é só isso, não é mesmo, Hoder? Você tem outros medos... - Sua face se partia enquanto falava, como se fosse vidro, quebrando em mil pedaços- Claro que tem. Eu controlo este lugar... Sei de tudo. Assim como sei que você irá vê-los todos hoje. Irá os ver e rever até que você entregue sua alma para mim- Concluiu a criatura se desfazendo em cinzas.

Observei perplexo as cinzas se infiltrando dentro da cratera. Meu corpo parecia estar congelado, duro, sem reação perante aquele acontecimento.

Algo que certamente não havia terminado.

Havia concluído este pensamento antes que sentisse uma mão me puxando para baixo, uma mão cinzenta com garras curvas como as de um animal selvagem, dilacerando minha pele e me arrastando para a cratera onde os morcegos haviam escapado, onde o medo era tão intenso e visível que era quase possível toca-lo.

Onde as trevas reinavam.

Mesmo a altura sendo grande, não senti quando meu corpo tocou o chão. Vi-me apenas deitado sobre uma superfície fria e úmida, não como o buraco que me encontrava, mas algo diferente, como uma caverna subterrânea.

–Hoder.

Eu pisquei, aturdido.

–Você não é real- Respondi para a voz, tentando me concentrar na direção oposta.

–Um filho não deveria dizer isso há um pai- Retrucou.

Virei-me para ele. Meu pai. Derek. Ele estava agachado, com as mãos apoiadas nos joelhos. Ainda parecia o mesmo homem que conheci e me inspirei. Alto, forte, os olhos avelã pálidos que se encaixavam perfeitamente no rosto confiante.

O homem que havia partido, falecido há mais de três anos.

–Vamos abrir o jogo, garoto. Eu não estou aqui. E você sabe disso, não é? Agora me conte... Como você tem certeza?

–Você está morto.

–Isso não é nenhuma novidade, garoto. Quero que me conte detalhes.

Eu mantive o silencio.

–Não seja tímido. Eu quero que fale, quero que sinta aquele dia novamente.

Eu permaneci calado.

–Tudo bem. Eu começo. Bem, vamos pular toda a parte do inicio. Embora ser interessante não será crucial para a história. Vamos logo para o final, quando você mata seu próprio pai com um machado...

–Por favor... Não...

–Você já contou para sua irmã? Acho que sua mãe, Hanna, jamais contaria para ela. O que ela acharia disso? O que ela falaria se soubesse que o irmão teve que matar o próprio pai para que ela continuasse viver? O que ela diria, Hoder? Será que ela ainda te veria como seu herói?

–Você me disse para tomar essa escolha.

–Que escolha? Tínhamos uma divida com a corte. Uma divida que perante o rei, perante Odin só poderia ser pago com sangue. Uma vida que só poderia ser tirada pelo primogênito da família. E quem você escolheu, filho?

–Eu não sabia o que fazer...

Abaixei a cabeça. Mesmo uma parte de mim sabendo que tudo aquilo não era real, outra parte, a predominante ainda acreditava, ainda sentia que era ele.

–Olhe para mim, Hoder- Berrou. Eu obedeci- Você me matou. Você nem lutou! Não fez nada que garantisse a vida, a integridade de sua família. Deixou que Odin o manipulasse a matar o próprio pai.Agora você permanecerá a vida nesse maldito buraco, enquanto o resto da sua família e você próprio apodrece. Murmurou – Quero que veja... Quero que lembre quando eu morri. O próprio medo... Seu inferno particular. - Ele respondeu, agarrando um machado, largo e grande.

Ele sorriu.

–Quer fazer as honras?- Ele ofereceu o machado, a lâmina cintilando na escuridão.

–Não... - Balbuciei. Não sabia ao certo o que dizer.

–Então apenas fique parado... Vendo todo o sofrimento do seu pai- As luzes se intensificaram, o foco se tornou maior- Até não suportar mais...

–Não... Eu não preciso. - Disse antes que o machado perfurasse seu estomago, rasgando suas vísceras- Não darei este gosto para você.

Num ato de desespero, agarrei uma das minhas flechas, a ponta de pedras lascada extremamente afiada. Fechei os olhos e, num golpe rápido, transpassei o objeto desde minha sobrancelha até que esta chegasse ao olho, enfiando-a na orbita.

Um grito de fúria expeliu-se dos meus lábios, enquanto me preparava para realizar o mesmo movimento no olho esquerdo. Assim que terminasse, seria um cego, um garoto sem visão. A criatura jamais poderia me atormentar sem esse sentido.

Eu estaria livre.

Joguei a flecha no chão, um tinir vibrante e alto envolvendo o local. Imediatamente levei uma das mãos à face, sentindo o sangue escuro manchando-a.

–Acha mesmo que é tão fácil, Hoder? Que se você furar seus magníficos olhos brilhantes e tudo estará acabado?- Sua mão roçou em meu queixo- Você está na minha casa, no paraíso do medo. E nela sou eu e apenas eu que faço as regras...Agora abra os olhos, querido.

Meus olhos abriram sem meu comando, como se fosse uma espécie tola de marionete e a criatura estivesse me controlando.

E depois de todo o sangue, depois de sentir meus olhos se explodindo em uma dor cinzenta, ainda estava enxergando. Não apenas vendo. Era como se tudo tivesse clareado, se tornado mais límpido.

A criatura não apenas devolvera minha visão, mas a deixara melhor... Muito melhor...

–Você acha que deixaria meu pequeno brinquedinho escapar- Ela não estava mais com a forma do meu pai. Sua aparência agora era de uma mulher branca e alta, os cabelos negros e lisos caiam pelas costas nuas, o vestido vermelho realçando suas curvas- Faz mais de cinco décadas que não me alimento. Que não vejo o medo... E agora que encontrei você, não irei deixar minha refeição escapar tão facilmente.

–Não- Agarrei a ultima flecha inteira do coldre, retirando o arco preso nas costas, preparando-me para o ataque- Sei que não vai.

Atirei a flecha mirando na cabeça da criatura, o trajeto perfeito, ampliando pela minha visão aguçada. Faltava apenas um centímetro para que ela atravessasse o seu crânio quando esta explodiu no ar, desmanchando-se.

–Você não é um hospede muito gentil. Deveria ser mais bondoso com sua anfitriã- Rangeu- Sou governante do medo. Acha que será tão fácil se livrar de mim, Hoder?- Gritou, fechando sua mão direita. Imediatamente me joguei no chão, ajoelhando-me, sentindo minha garganta sendo pressionada; o sangue vermelho correndo pelos meus lábios e me engasgando. Ela estava me matando. Me sufocando com meu próprio sangue.

–Gostaria que seu coração se padecesse, parasse, pelo medo. Mas você está se tornando demasiado enfadonho para mim. Como um espinho. Um espinho que serei obrigada a arrancar.- Ameaçou, os olhos verdes faiscando de raiva.

A criatura retirou uma adaga curva do próprio braço, o membro se reparando imediatamente. A pele se unindo, folículo por folículo.

–Fique tranquilo Hoder, o Cego- Apelidou, fazendo um movimento ameaçador com a arma- Irei arrancar todo seu medo de você. Toda sua dor- Sua voz era doce, afável- Todo o desespero. – Ela retirou outra faca do seu braço, a lamina feita de metal e osso- E você, menino irá ver bem nitidamente seu fim. Quando arrancar seu coração em pânico.

Ela avançou com uma fúria incontrolável, os dentes afiados a mostra. Pronta para atacar, pronta para matar.

Foi então que o imprevisível aconteceu.

Uma faca fina, vindo do nada cortou o ar adentrando no braço da criatura. Ela arregalou os olhos impressionada.

Alguém havia invadido os seus domínios.

–Não devia estar aqui, cavaleiro- Sibilou, estreitando o olhar.

A pessoa não respondeu. Mesmo assim pude ouvir o barulho da espada saindo da bainha, seguido por passos regulares.

Virei à cabeça, aturdido. Deparei-me com um homem de longos cabelos louros, soltos, com exceção de uma pequena trança atrás da sua orelha. O rosto era duro e inexpressivo, assim como os olhos verdes, imóveis e concentrados. Um líder nato, um guerreiro.

Antes que ela tivesse alguma reação, ele a atacou, brandindo sua katana em direção ao pescoço da criatura, bloqueado pela adaga veloz de sua algoz.

– Porque o interesse repentino por uma das minhas presas? Você sempre admirou meu trabalho. Gosta quando elas morrem...

Ele a ignorou, atacando-a novamente, acertando-a de raspão no rosto. A pele maculada logo se regenerou. O ferimento apenas servindo para aumentar sua fúria.

–Acha que eu preciso de uma arma para matar o menino?

Senti o aperto no meu pescoço aumentar, enquanto o sangue saia com mais velocidade, agora dos lábios e do nariz. Respirar se tornou um desafio, enquanto a minha visão se tornava opaca. Ainda consegui ver mais alguns deslumbres da luta, giros e abraços mortais, faíscas produzida pelo encontro das armas dos adversários. Uma visão rápida antes da escuridão me sobrepor.

Não sei ao certo quando ou como acordei. Sei que estava deitado na grama, o orvalho da chuva molhando a minha pele úmida e suja de vermelho.Minha mão ferida estava envolvida por um velho pano azul escuro que além de estabilizara, diminuiu consideravelmente a dor. Ouvia o som do vento e o frescor das folhas no que parecia ser um prado aberto.

–Não devia ter entrado na floresta proibida- Alertou um voz masculina.

Levantei a cabeça, deparando-me com o mesmo soldado que enfrentara a criatura no buraco. Ele estava agachado, iluminado por chamas de uma fogueira que crepitava ao luar.

–Estava apenas...

–Buscando alimento para sua família. Sei.- Ele meneou- È deste modo que os tolos morrem.

–Os desesperados- Corrigi.

–Tudo bem- Ele concordou, passando a mão pela barba curta- Mas sabe que estaria morto se eu não tivesse ali.

Fui obrigado a admitir.

–Por que me ajudou?

Ele demorou um pouco para responder.

–A cortar o pescoço de Grethel ¹? - Ele disse, referindo-se a criatura- Por que você será útil para mim. No futuro você será o responsável por salvar um garoto. Um menino que irá me substituir em meu oficio.

–Como você...

–Sabe?- Ele completou- Não é necessário para você esse conhecimento.- Ele jogou um galho seco na fogueira, alimentando as chamas- Apenas saiba que não sou um guerreiro. Um cavaleiro normal como imagina que sou. Eu sou alguém com uma função única. E preciso deste menino para dar prosseguimento a ela.

–E quer que eu o salve?

–È sua sina. Mais do que isso seu dever. Consigo e comigo... A pessoa que salvou sua vida.

Acenei. Isso realmente era informação demais para que pudesse absorver de uma única vez.

–E se eu não conseguir salvar o garoto?

Ele se afastou das chamas, se aproximando lentamente do local onde estava deitado, carregando um objeto, quase tão comprido quanto quem a segurava.

–Você sabe o que é isso?

Olhei para o objeto, enrolado por um pano cinzento costurado. Mesmo oculto, era possível ver seu formato fino e pontiagudo o que delimitava minhas opções em apenas uma:

–È uma espada- opinei, dando de ombros.

–Sim, mas não é apenas uma espada. - complementou o desconhecido, com um sorriso discreto no rosto.

Ele colocou suas mãos sobre o pano, retirando-o lentamente. Aos poucos era possível ver a cor de bronze enferrujado surgindo do metal afiado. O cabo de madeira, apenas dois centímetros mais largo era feito das raras arvores negras, a coloração azul acinzentado típico de uma região onde o sol raramente tocava, deixando alguns traços negros feitos das sombras esculpidos nos juncos. Eu jamais vira uma espada como aquela.

–Se algo der errado. Se ele morrer... Enfie essa espada no coração do menino. Irá trazê-lo de volta a vida. –Ele jogou a espada ao meu lado- Mas existe um preço. Assim que usar há espada você terá apenas alguns meses de vida. Como uma troca. Sua vida pela dele- Ele explicou.

–Por que eu faria isso?- Perguntei. Não havia logica em suas palavras. Por que eu trocaria minha vida por um estranho?

–Você irá fazer. Não apenas porque tem que fazer. Você irá querer fazer isso.

–E como irei saber se é ele?- Indaguei, curioso.

O estranho já estava distante quando fiz-lhe esta pergunta.

–Você o reconhecerá pelo nome.- Ele explicou.

–E qual é o nome desse garoto que estou destinado a salvar?

Ele se virou para mim, os cabelos louros pálidos serpenteando sua face.

–Loki. Seu nome é Loki.

E então o estranho desapareceu.


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Notas finais do capítulo

1- Grethel (mãe Grendel- eu dei um nome para ela já que achei enfadonho chama-la apenas de "mãe Grendel) mitologia nórdica- Beowulf.
#O proximo irá contar o motivo do porque ele ter matado Balder. Fiquem tranquilas.
## Tomarem que depois desse capitulo vocês continuem acompanhando a fic...
###Se continuarem, por favor, mandem reviews