Esse é o Meu Pai escrita por Virgo


Capítulo 4
Insônia




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Fukano ficava esperando Shun voltar da faculdade até altas horas da noite, o menino não dormia, sempre inventava uma desculpa para continuar acordado. Não afetava seu desenvolvimento na escola, mas afetava seu desenvolvimento como cavaleiro. Shun percebeu essa mudança no menino, ele estava mais lento, acertava menos golpes e era acertado por todos os golpes, aquilo o deixava preocupado.

Maldito seja o coração mole que Shun possuía, como podia querer manter distancia, se toda vez que o menino caía era socorrido? E pra piorar ainda mais, Shun começou a sentir um pouco de apego pelo menino, de início tinha sido algo estranho, mas ele logo se acostumou a viver de verdade com Fukano, dava até para dizer que era uma convivência saudável.

Depois de um dia de treino, Fukano encostou-se em uma árvore para descansar e comer um pouco, mas acabou adormecendo. Shun, que já tinha consciência da “insônia”, o pegou no colo e o levou de volta para o apartamento, já tinham treinado o bastante. Deixou o menino dormindo enquanto pensava no que fazer, não gostava de vê-lo naquele estado, não gostava de ver ninguém naquele estado.

Ele ficava esperando Shun voltar, não dormia por se preocupar. Talvez a experiência de perder a mãe de uma forma tão repentina e trágica, o tenha marcado de tal maneira que não possa mais ficar em paz consigo mesmo, enquanto uma pessoa importante para ele não esteja em “segurança”.

Shun não tinha a ideia de como fazê-lo parar, talvez se mostrasse que isso não tinha sentido.

Fukano acordou horas depois, levantou e se arrastou até a cozinha, já elaborando uma desculpa para Shun, não queria deixar ele pensando que aquilo era desleixo ou preguiça. Não encontrou Shun na cozinha, só encontrou seu prato coberto, então imaginou que este já tinha ido para faculdade.

Se colocou a comer, enquanto se preparava psicologicamente para mais uma vigília. Comia com desanimo, quase forçando a comida garganta abaixo. Não gostava de ficar sozinho. Mesmo sabendo que Shun sempre voltava e que, vez ou outra, Ikki aparecia, quando eles saiam, o menino se sentia triste e sozinho.

Carência!? Talvez. O menino nunca pode chamar Shun de pai e Ikki de tio, não só sua mãe, como as outras Amazonas e a própria Atena o proibiam, sem contar que os treinos não deixavam muito espaço para qualquer tipo de afeição. Sua mãe morreu e agora só lhe restara aqueles a quem foi proibido contato, querer ser amado e querido, querer ter por perto, querer ser feliz junto de quem tinha o mesmo sangue não era pedir demais, mesmo que a convivência fosse bem limitada.

Fukano podia não conhecer tio e pai como deveria, mas ele era uma criança. Uma criança confia e ama aqueles que lhe apontam e dizem: “Acredite nele”. Não queria ficar sozinho no apartamento, queria estar perto de Shun e Ikki, e não queria que algo de ruim acontecesse com eles.

¬ Ah. - o menino soltou o garfo na hora e se virou. - Que bom que acordou. Fiquei com receio de fazer isso, você parecia exausto. - era Shun, ele estava colocando um casaco capaz de enfrentar o frio lá fora. - Termine de comer, tome um banho e se vista, vamos sair.

O menino nada disse, estava de cabeça baixa, ainda não tinha elaborado a desculpa. Fez tudo o que o mais velho disse, mas não deixava de pensar para onde iriam, afinal, Shun devia estar na faculdade.

Saíram do prédio e pegaram o metro. Shun não soltou a mão de Fukano um só minuto, a última coisa que queria era que o menino se perdesse, já Fukano estava espantado, não parava de olhar para as mãos dadas.

Logo eles chegarão ao destino, mesmo que Fukano não tivesse ideia de onde estava. Andaram mais um pouco e entraram em um prédio enorme, pelo menos, o prédio era enorme aos olhos de Fukano. Adentraram uma sala, ela não estava cheia, mas também não estava vazia, e chamaram a atenção de todos os presentes.

Fukano ficou branco em segundos, ele sabiam onde estavam, aquilo era uma escola, ou melhor uma faculdade. O que entregou foi a lousa gigante.

¬ Sr. Amamiya. - um homem na casa dos 40 falava com Shun. - O que significa isso?

¬ Gomen. - Shun tinha um sorriso envergonhado no rosto. - É meio difícil de explicar, mas foi preciso que eu o trouxesse. Juro que ele não vai atrapalhar, ele é um amor de criança.

O homem avaliava Fukano, parecia poder enxergar os confins da alma do menino. Enquanto se encolhia perante o olhar severo, foi capaz de sentir Shun apertar sua mão, como se o encorajasse.

¬ Tudo bem. - Shun pareceu aliviado. - Mas terá que se explicar para seus colegas, que parecem muito curiosos, aproveite os intervalos de aula para fazer isso.

¬ Arigato. - Shun se curvou com respeito e Fukano o imitou.

Os dois foram até a terceira fileira e se sentaram. Como não queria ficar o tempo todo de pé e como tinha receio de se afastar, Fukano se sentou no colo do mais velho, este ficou surpreso, mas não colocou o menino no chão, muito pelo contrario, só o ajeitou de forma que podia se encostar para dormir e não machucasse Shun. E assim como o prometido, Fukano se comportou.

A primeira aula passou rápido para Shun e durou uma eternidade para Fukano, que entendeu absolutamente nada. Assim que o professor saio a classe explodiu em comentários e todos sobre Fukano. Logo o menino se viu cercado de olhares curiosos, instintivamente ele abraçou Shun na esperança que este o protegesse. Shun ficou, mais uma vez, surpreso, mas retribuiu o abraço, o que arrancou “Owwnn...” de seus espectadores, em sua maioria, mulheres.

¬ Shunny... - uma das garotas presentes o chamou de forma manhosa. - Quem é essa fofura?

Shun olhou para Fukano, que tentava se esconder ainda mais entre suas vestes, com aquela visão Shun desistiu de perguntar se o menino não queria se apresentar.

¬ Este é Fukano. - olhou novamente para o menino. - E acho que ele está mais do que profundamente constrangido para se apresentar.

Fukano se encolheu ainda mais quando outro “Owwnn...” foi solto. Tinha quem insistia em tentar pegá-lo no colo, aquilo além de constrangedor, era irritante. Quantos anos pensavam que ele tinha?

¬ Ele é o que seu? - perguntou um dos rapazes.

¬ Ele é meu pai!

Fukano respondeu de forma agressiva e possessiva, talvez fosse resultado da forma como tentavam arrancá-lo de Shun, porém, assim que o menino percebeu sua atitude, ele corou e voltou a se esconder nas vestes do mais velho. Quando as palavras de Fukano foram assimiladas, ninguém pode falar nada, afinal o outro professor havia entrado. Por hora, eles foram poupados.

Mais tarde, quando o intervalo começou, Shun foi mais uma vez rodeado, Fukano nem se importou, estava encostado no peito de Shun, se esforçando ao máximo para não dormir, não aguentaria por muito tempo. Tanto que adormeceu pouco tempo depois.

¬ Shunny! - outra garota. - Explique-se.

Shun suspirou, não podia fazer nada contra a curiosidade dos colegas, então contou tudo o que sabia. Contou de seus atos irresponsáveis, da morte de June, do surgimento de Fukano em sua vida, de como estava a situação entre os dois – evoluindo, como ele mesmo preferiu descreveu – só não contou de como não queria se aproximar do menino, por ter medo de apegar-se e depois perdê-lo, o que estava cada vez mais difícil.

Também não foram poucas as perguntas sobre a aparência do menino e haja paciência para explicar a genética, ainda mais sobre o cabelo, que era uma misturo do castanho esverdeado de Shun com o loiro de June. A parte mais fácil de explicar foi a cor dos olhos, como eram mais voltados para um tom índigo, foi atribuída semelhança com Ikki.

Fukano chegou a acordar algumas vezes, porém sempre voltava a dormir. Com o termino das aulas e com o surgimento de fofocas sobre Fukano, Shun levou o menino no colo até em casa, já que ele não dava sinais de que acordaria tão cedo. Quando pegou o metro e se sentou, pode ver que estava enganado.

¬ Oe. - a voz de Fukano estava sonolenta e arrastada. - Aquele lugar é chato. Não entendo nada. - Shun não conseguiu evitar um sorriso. - Você tem mesmo que ir pra lá todo dia?

¬ Tenho. - respondeu calmamente.

¬ Naze?

¬ Porque eu tenho que cuidar de você. - Fukano quis ter esperanças, mas não se deixou levar. - E para cuidar de você, eu tenho que me formar para poder conseguir um bom emprego e assim poder cuidar de você da melhor maneira possível.

¬ Hun... E você fica bem fazendo esse caminho todos os dias? - ele segurou as roupas de Shun com mais força. - E se alguém tentar te machucar?

Shun não conseguiu evitar de rir com a inocência do menino, ele era um Cavaleiro, não um saco de batatas.

¬ Sou um Cavaleiro de Atena. - respondeu pouco depois. - Não há homem na Terra, sem ser outro Cavaleiro, que pode me enfrentar. - o que não deixava de ser verdade, porém Shun nunca gostou de lutar. - E mesmo assim, eu apenas me defendo.

O menino sabia o quão forte era um Cavaleiro, afinal estava treinando para se tornar um, sabia que Shun era muito forte, ele já tinha virado lenda no Santuário quando o menino nasceu, só não conseguia deixar de se preocupar. Com as palavras de Shun, ele se sentiu mais confortável, se ele dizia que podia se cuidar muito bem, então era verdade e não havia razões para tanta preocupação. Mas não custa nada exigir uma confirmação mais confiável.

¬ Promete que ninguém vai te machucar? - o menino fazia bico, não desencostava de Shun, mas tinha erguido a mão, mostrando o dedo mindinho. - Promete que nada vai te acontecer?

Fazia muito tempo que Shun jurara algo de mindinho, costumava fazer isso com o irmão quando eram pequenos, mas essas memorias, essas pequenas maravilhas, se perderam no tempo, tanto que de inicio ele não soube o que fazer. Quando foi que esses pequenos gestos se perderam? Em qual das guerras? Em qual das batalhas? Em qual dos ferimentos? Pouco importava.

Shun enlaçou o dedo mindinho de Fukano de forma firme.

¬ Prometo.

O menino relaxou nos braços do mais velho e pareceu se acomodar melhor.

¬ Assim posso dormir melhor. - encostou a cabeça, enquanto falava de forma ainda mais arrastada, e voltou a fechar os olhos. - Boa Noite,... - ficou em duvida por segundos. - Papa.

Shun se surpreendeu com o peso da palavra sobre seus ombros, pensou em contestar, porém essa ideia se foi quando viu a serenidade de Fukano, o que fez um sorriso enfeitar seus lábios.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado ^.^



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