A Guerra dos Imortais escrita por Cora, O Raposa, Camille M P Machado, PinK Ghenis, Mr Viridis, Mr Viridis, Julia, H M Stark, SuzugamoriRen, Joko


Capítulo 3
Capítulo 03 - Alexandra


Notas iniciais do capítulo

Capítulo escrito por Joana Castro.



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Aquele dia parecia ser como qualquer outro. Um dia comum de escola, entediante, sem o menor tipo de valor. Pelo menos foi isso que Alexandra Di Angelis pensou. O sol já havia nascido na cidade de Barcelona, Espanha, a mais ou menos cinco horas. O vento, um pouco frio, rodeava a cidade e o céu ainda estava nublado. Havia chovido bastante na noite anterior, o que fazia com que Alexandra sentisse ainda menos vontade de levantar.

Seu despertador tocou e ela o esbofeteou para pará-lo. Sentou-se na cama e olhou para a janela. Em dias comuns, ela não levantaria, mas algo dizia que aquele prometia e, pelo o que ela descobriu durante os seus dezessete anos, quando isso acontecia, era porque algo bom podia acontecer, pelo menos algumas vezes era bom.

Ela se levantou e direcionou-se para o seu banheiro. Banhos quentes não eram exatamente o seu forte, mas, devido ao tempo frio, seria o melhor. Fez sua higiene pessoal e se vestiu, colocou uma blusa de lã vermelha, calça jeans, botas de cano longo marrom e casaco na cor marfim.

Pegou sua mochila e desceu as escadas, foi em direção a cozinha, onde se encontrava seus pais, Edgar e Valentina, e seu irmão, Lucas. Na maior parte do seu tempo com eles, ela aproveitava, pois acreditava que algum dia pudesse ser separada injustamente deles, por mais que jurasse ir até o fim do mundo para encontrá-los de novo. Ela sentou-se à mesa desejando bom dia a todos.

─ Bom dia, Alexandra - seu pai respondeu enquanto lia o jornal.

– Então, mana, vai me deixar no colégio ou vai dar uma de irmã mais velha marrenta e me mandar de ônibus? - Lucas perguntou comendo cereal.

Lucas tinha catorze anos e quase o mesmo tamanho de sua irmã, 1,56 metro. Os dois possuíam cabelos pretos e pele bronzeada, a diferença era que Alexandra tinha os olhos cor de âmbar e Lucas, verdes.

– Ainda não sei, estava pensando em te levar... Da última vez, você foi de ônibus porque fez exatamente o que eu disse para não fazer - Alexandra respondeu calmamente enquanto comia torrada com geleia de morango.

Valentina riu da pequena briga casual dos filhos, era assim todos os dias, os filhos discutiam calmamente por algum castigo que a mais velha impôs no caçula, o qual sempre ficava com raiva. Porém, mesmo que todos reclamassem, Alexandra sempre castigava quem fez algo errado, até mesmo os pais.

Alexandra pegou uma maçã, levantou-se e jogou a fruta na mochila. Olhou para o caçula.

– Vamos ou vai dar uma de lesma? – Perguntou, fitando-o - Alias, da próxima vez que entrar no meu quarto, eu te mato - e deu uma piscadela. - Tchau pai, tchau mãe.

Ela foi para a garagem e o caçula a seguiu. Eles entraram no carro, colocaram os cintos de segurança e Alexandra deu a partida. Na Espanha, adolescentes podem dirigir desde os catorze anos, mas, no caso dela, só ganhou o próprio carro quando fez dezesseis, um ano atrás. Lucas resolveu por uma música que não fosse do seu país, então colocou uma Americana.

O trânsito em Barcelona, especificamente naquele dia, estava um horror. Alexandra estranhou nunca era tão ruim assim. Pensou que talvez fosse algum acidente, mas, quando consegui passar, não tinha nada além de carros passando tranquilamente. Isso a irritou, pensou em gritar com todos, então repensou e decidiu que era melhor deixar sua voz onde estava. Lucas nem se quer prestava atenção, apenas mexia a cabeça no ritmo da música e via seus e-mails pelo celular.

Alexandra estacionou o carro em uma vaga bem embaixo do sol, pois dizia que, quando saísse da aula, ele estaria na sombra. Entretanto, naquele dia, o sol tinha apenas dois raios para toda a cidade.

– Por que não deixa o carro embaixo de uma árvore? Assim não pega sol e, se acontecer, nem chuva - Lucas disse em um tom cansado, como se estivesse falando pela milésima vez.

– Eu já disse: quando eu sair da aula, ele, provavelmente, estará na sombra - ela disse gesticulando. - Agora, para de falar e vamos, a aula já vai começar - então saiu com a mochila nas costas.

Lucas a seguiu até a entrada, depois se juntou aos amigos. Ela continuou andando e foi até seu armário enquanto pensava nos últimos acontecimentos em sua vida. Nos últimos dias, ela estava vendo coisas estranhas, até disse para a mãe, a qual disse que era apenas falta de sono.

Sábado, foi o passeio do seu colégio para o museu de ciência CosmoCaixa. Quando sua turma foi ver a parte de aquários, notou que tinha um homem lá, muito bonito por sinal: louro escuro, olhos verdes, pele bronzeado, não tão musculoso e um sorriso magnífico e totalmente branco. Ele estava olhando fixamente para o vidro, como se aquilo fosse a coisa mais linda de todo o mundo.

Alexandra, curiosa, se aproximou dele e notou que não tinha nada dentro daquele tanque a não ser água. Olhou para o homem confusa e lhe perguntou o porquê de estar olhando para aquele tanque. O homem respondeu, ignorando a pergunta da jovem, que ele era realmente muito lindo, não precisava de mulheres, pois nenhuma era boa o suficiente para ele. Alexandra se distanciou do homem e perguntou a uma colega se o vira, a garota disse que não tinha homem algum ali.

Desde esse dia, ela não parava de vê-lo, longe ou perto, encarando-se em algo, seja vidro, água ou espelho. Isso estava a deixando maluca e, principalmente, nervosa. Já tinha pesquisado sobre alucinações, pesquisou sobre o cara ficar se encarando em várias coisas e se vangloriando, mas nada que pudesse ser algo realmente aceitável.

Ela chegou a seu armário, remexeu no cadeado colocando a senha. Quando o abriu, pegou o livro de matemática e álgebra. Assim que fechou, deu de cara com a garota sorridente, sua melhor amiga, Clarisse Sanchez. Uma garota de 1,50 metro, cabelos loiros, olhos negros e pele branquinha. Ela estava com um vestido tomara que caia azul florido, botas de cano médio de couro cor marfim e casaco de couro preto.

– Oi, Alex - ela disse animada.

Alexandra fechou a porta do armário com força.

– Já falei para não me chamar assim, Clarisse. Parece nome de homem - bufou.

– Ai, Alexandra, acordou de mau-humor foi? - Perguntou revirando os olhos.

– Não – respondeu. - Apenas estou estressada, teve o maior engarrafamento para chegar aqui - reclamou e, então, começou a andar.

Clarisse a seguiu o mais rápido que pôde.

– Engarrafamento? Alexandra, não tinha engarrafamento - disse e parou na frente da amiga. - Está tendo alucinações de novo? - Perguntou colocando a mão na testa da outra.

Alexandra tirou a mão de sua testa brutamente revirando os olhos.

– Não, eu não estou com alucinações. Eu e Lucas vimos o engarrafamento, pensei até que fosse um acidente - explicou voltando a andar, assim como Clarisse.

– Eu não vi engarrafamento nenhum. Aliás, queria até te dizer que meu pai é psicólogo, podia ir nele ver essas suas...- Antes que pudesse terminar, fora interrompida com um grunhido alto. Alexandra a fuzilou com os olhos fazendo Clarisse se encolher.

Alexandra abriu a boca para falar algo, escutaram um grito ensurdecedor vindo da direita. As duas olharem na mesma hora. O grito vinha de um menino de dez anos no máximo. Dois rapazes do tamanho de um troglodita perturbavam o menino, um segurava-o pela gola da camisa enquanto o outro ria. Eles eram altos e musculosos.

Alexandra grunhiu.

– Odeio quando os irmãos González atacam tão cedo - murmurou e começou a caminhar na direção deles, mas não se aproximou tanto, queria saber o que estava acontecendo.

O que segurava o garoto era o menor, chamava-se e era o caçula, já o outro era o Ramon, o mais velho.

– Então, seu nerd, vai ou não nos dá o que pedimos ou teremos que chutar o seu traseiro? - Carlos perguntou em tom ameaçador.

O garoto se encolheu e tremeu de medo.

– Mas... Eu já lhe dei semana passada... - tentou negociar. - Minha próxima cota é só semana que vem.

– Acontece, Hugo De La Vega, que queremos hoje– Ramon disse com um sorriso maldoso.

Alexandra se aproximou fervendo de raiva. Odiava quando os irmãs González faziam isso. Achava injusto, pois eles eram três vezes maiores que suas vítimas, além de serem mais velhos, o que lhes dava mais chances de serem obedecidos.

Ela parou de frente para as costas de Ramon, com Clarisse logo atrás. Cutucou o ombro do brutamonte com força, fazendo parecer que seu dedo indicador fosse uma vareta. O grandalhão se virou com um sorriso sarcástico e irônico nos lábios.

– Oh! Di Angelis, veio nos ajudar a fazer o imbecil do La Vega pagar a cota semanal? - Perguntou calmamente.

Alexandra deu um sorriso irônico.

– Na verdade, vim lhe ensinar uma lição importante - disse em um tom de falsa doçura. - Você sabia que seres brutamontes e grandalhões como vocês não deveriam fazer mal a um ser pequeno como esse? Acho que não, né? Afinal, apenas o corpo é grande, a mentalidade, o cérebro e as ações são de uma criança de dois anos de idade - Ramon ficou vermelho de raiva ao ouvi-la.

– Olha aqui, Di Angelis...- Mas ele foi interrompido por um soco na cara - AI- colocou a mão na boca.

– Ops, acho que sua capacidade de pensar rápido também é pequena - ela disse com desdém, então, ficou séria e encarou Carlos. - Larga o garoto se não quiser levar um soco igual ao seu irmão.

Carlos largou o garoto, tremendo de medo. Não por ter medo do soco, mas porque Alexandra estava com um olhar mortal, seus olhos cor de âmbar ficaram mais escuros e sua pupila ficou tão dilatada, que quase cobriu toda a íris cor de âmbar. Ela nem percebeu nada disso.

Os irmãos González saíram correndo pelos corredores. Alexandra sorriu e caminhou até o garoto, seus olhos estavam voltando ao normal pouco a pouco. Clarisse olhava para ela espantada, afinal, nunca vira a amiga com os olhos daquela maneira, mas já vira ela brigar por justiça ou por vingança, que sempre fazia quando achava que mereciam.

Alexandra se ajoelhou na frente do garoto e sorriu.

– Oi - disse docemente - Já pode ir, eles não vão mexer com você de novo. Eu mesma cuidarei para que isso não aconteça - e se levantou, dando as costas para o garoto e saindo.

Clarisse correu atrás da amiga quando saiu do transe em que se metera. Conseguiu a alcançar, mas decidiu não falar nada, pois notou que a amiga estava nervosa e planejava o castigo para os Gonzáles. Não era a primeira, nem a última vez que os González eram vítimas dos castigos vingativos da amiga, mas isso todos já sabiam, tinha até virado hobby do colégio.

Quando as duas jovens entraram na sala de aula, foram direto para o fundo da sala, ao lado da janela. Elas não gostavam de sentar na frente, porque sempre que a professora perguntava algo era para os da frente.

Alexandra, assim que sentou, pegou seu caderno que foi nomeado por ela de “Caderno de Castigos ou Vinganças”. A capa dele era de um cachorrinho poodle branco e um preto. Para cada um dos dois itens era uma cor: vermelho de vingança e azul de castigo.

Ela pegou a caneta vermelha para planejar a vingança, e marcou com uma linha embaixo na cor roxo, de González. Só desviou o olhar do caderno, quando a professora entrou em sala. Alexandra, por mais que negasse, era estudiosa.

Quando a aula acabou, arrumou suas coisas e saiu, com Clarisse ao seu lado.

– Então? Já tem a vingança? - Clarisse perguntou a amiga.

Um sorriso cruel apareceu nos lábios de Alexandra.

– Sim, e você está inclusa - avisou como se fosse normal.

– O quê? Você resolve se vingar do povo e eu, que estava no meu canto, quieta, tenho que participar das suas loucuras? - Perguntou incrédula - Ok, só não quero me ferrar, beleza?

– Pode ficar relaxada, você só vai ser a isca - esclareceu sorridente e entrou na sala de sua próxima aula.

– Ah! Odeio ser a isca, por que não colocamos o seu irmão? - Clarisse perguntou se lamentando.

– Porque o que eu quero fazer Lucas jamais aceitaria fazer, fora que ele nem se quer estava lá para saber o porquê de eu querer me vingar daqueles imbecis. Ele é completamente inocente - explicou escolhendo entre a cadeira da janela ou perto da saída de emergência – Janela... – murmurou.

Ela e Clarisse sentaram despreocupadas, Alexandra pegou o caderno e voltou a escrever enquanto Clarisse tentava ver o que iria fazer. Na verdade, as vinganças de Alexandra nunca eram de um modo exclusivo, não, ela fazia em público, para que todos apreciassem a humilhação e, as vítimas, entendessem que o que fizeram foi errado e nunca mais fizessem de novo.

Alexandra começou a se vingar e castigar publicamente apenas quando fez 5 anos, quando entendeu que as pessoas mau educadas, más ou que faziam coisas que ela não gostava mereciam castigos mais severos do que apenas: bater, arranhar, brigar. Sua primeira vítima foi um garoto dois anos mais velho que ela, ele ficou tão traumatizado que os pais o transferiram de colégio.

No final do primeiro tempo das aulas, as duas colocaram o plano em ação. Clarisse correu para exercer sua parte da vingança, por mais que achasse injusto sua presença nela. Alexandra foi para a entrada do colégio, como todos estavam no refeitório para comer algo ou papear, ninguém veria ela preparando sua armadilha.

Pegou o que precisaria no porta malas de seu carro, coisas como tinta, fita, bolinhas de gude, uns dois baldes e um potinho com um liquido verde. Depois foi até a entrada da colégio e certificou-se de que não tinha exatamente ninguém. Sorriu e começou a arrumar sua vingança.

Estava colocando o balde na posição certa, quando escutou passos de alguém correndo na sua direção. Ela olhou para trás e viu que era Clarisse, sorrindo abertamente. Alexandra se levantou e a olhou com expectativa.

– E então? Conseguiu o que eu pedi? - Perguntou esperançosa.

Clarisse sorriu travessa.

– Sim, mas eu ainda não sei o que vai fazer, por isso me inclua fora dessa.

Alexandra soltou um gritinho fino, animada, e abraçou a amiga.

– Valeu, agora me ajuda aqui, esse balde está muito pesado – sorriu -, e bem fedorento - encolheu o nariz em uma careta.

As duas riram.

Clarisse ajudou a outra nos últimos detalhes e, quando acabaram, ainda dava tempo da vingança entrar em ação.

Ela fez sinal para que Clarisse fizesse sua segunda parte da vingança. A loira saiu correndo e Alexandra se escondeu atrás de uma pilastra grossa de ferro. Contou até dez e escutou pisadas fortes e raivosas no chão. Sorriu.

Ela se abaixou devagar e deu um rápida olhada. Os Gonzáles estavam descendo as escadas para chegarem ao estacionamento, suas caras estavam vermelhas de raiva e com as mãos em punhos. Jogou uma pedra na cabeça deles e saiu de seu esconderijo.

– Ai, galera, olha só os Gonzáles - gritou com um tom de voz levemente cruel.

Todos os alunos se encontravam na entrada. Os Gonzáles olharam para Alexandra e, novamente, os olhos da menina estavam alterados. As pupilas dilatadas, as íris mais escuras. Um sorriso maldoso cresceu em seus lábios.

– Di Angelis, o que está tentando fazer? - Ramon perguntou com um medo visível em sua voz.

– Só lhe ensinando uma lição - falou tranquilamente.

Alexandra deu um leve chute em um prego preso ao chão, fazendo uma linha se soltar e, consequentemente, um balde com tinta rosa e algo que a tornava mal cheirosa. Os irmãos tombaram para trás, tropeçando em uma cordinha, o que os levou a caírem escada a baixo. Ela correu para a ponta e prendeu o riso. Os irmãos estavam conseguindo se levantar, mas tombaram em um balde que entornou várias bolinhas de gude pelo chão. Os irmãos agora tentavam não cair, mas estava praticamente impossível.

Ela desceu as escadas correndo e parou os dois, que tentavam limpar suas caras. Pegou um spray de tinta vermelha, sacudiu e apertou escrevendo “Vingança” na cara deles. Ela se distanciou com um sorriso estampado no rosto.

Quando Alexandra passou pelos alunos, todos a olhavam maravilhados. Ela encontrou com Clarisse, que segurava sua mochila e alguns livros. Pegou suas coisas e as duas foram para a sala de aula.

– Certeza de que a tinta e o cheiro sai? - Clarisse perguntou sentando na última cadeira da última fileira da esquerda da sala de aula.

– Tenho, era tinta e água de peixe cru - respondeu sorrindo e sentando em uma cadeira na frente da amiga.

– Como conseguiu água de peixe? - Perguntou intrigada.

– Ah! Mamãe queria fazer uma paella, ai foi comprar os peixes e alguns frutos do mar e me mandou ir com ela. Eu fui e, bem, peguei um pouco da água dos peixes para poder usar em qualquer coisa que eu fosse fazer - disse sorrindo e dando de ombros - Agora, é só esperar a injusta bronca do diretor Martines – então olhou para frente, onde alunos entravam.

Ela pegou o livro que estava lendo e começou a ler, enquanto esperava a professora entrar, pois ela estava atrasada. Clarisse pegou o celular, os fones e ficou escutando música.

Alexandra estava em contagem regressiva para começar a sua bendita bronca com o diretor, era sempre a mesma coisa, os caras aprontavam, ela dava uma lição neles e o diretor brigava com ela. Já tinha virado rotina.

A professora entrou em sala e as meninas guardaram suas devidas coisas. Ela olhou para Alexandra e suspirou.

– O diretor Martines está lhe chamando na sala dele, senhorita Di Angelis - disse com um tom cansado.

Alexandra guardou suas coisas, jogou sua mochila nas costas e olhou para Clarisse.

– Te vejo mais tarde, no fim da aula - e deu as costas saindo da sala.

Era óbvio que ela seria chamada, sempre era. Alexandra foi para o segundo andar, no final do corredor, onde se encontrava a porta da sala do diretor. Ela já estivera lá tantas vezes que nem precisou se identificar para a secretária do diretor.

O diretor Martines era um homem de cinquenta e oito anos, altura mediana, cabelos grisalhos, corte estilo soldadinho, pele branca e gasta. Ele sempreestava com seus modernos ternos italianos de cor preta. Isso frustrava Alexandra, pois achava que, se você tem grana para comprar os ternos caros de outros lugares, pode comprar os ternos mais caros de onde mora.

– Di Angelis - o diretor disse apontando para a cadeira em frente a sua mesa.

– Martines - balbuciou se sentando na cadeira.

– Sabe por que está aqui, né? - Perguntou pegando uma pasta em uma gaveta. - Já é a terceira vez este mês com os Gonzáles - lembrou abrindo a pasta.

A tal pasta era um dos únicos jeitos que o senhor Martines encontrou de lembrar quantas vezes dera castigo, advertência ou suspenção para a garota. Eles tinham uma boa relação, o problema era que o diretor sempre achava que a garota fazia isso apenas para chamar a atenção, mas o que acontecia era apenas um modo de castigar quem ela achava que merecia.

Tinha vezes que Alexandra achava que um bom castigo o fizesse bem, pois o homem era chato, metido, mentiroso, traidor e, o pior de tudo, achava-se o melhor. O senhor Martines é casado, mas todo o mundo sabia que ele tinha uma amante, até a esposa sabia. Ela sentia repulsa dele, mas não podia pregar vingança ou castigo nele, por mais que quisesse.

– Vejamos o que fez hoje - ele murmurou ao pegar um papel. - Nossa, se superou hein? – analisou-o. - O que usou para fazer o mal cheiro? - Perguntou curioso.

– Não me leve a mal, Martines - O diretor a repreendeu com o olhar, mas ela ignorou - Mas eu realmente não posso dizer quais são os meus segredos - deu de ombros e cruzou os braços, recostando-se na cadeira.

– Ok, senhorita Di Angelis, não perguntarei mais sobre suas pegadinhas - falou suavemente.

– Já disse mil vezes que não são pegadinhas, são castigos para as pessoas entenderem que o que fazem está errado – tentou explicar.

– Ok, ok - ele levantou as mãos em sinal de rendição. - Agora, vamos ver, sabe que terá que ficar aqui até o final da aula, certo? - Alexandra assentiu revirando os olhos - Ótimo, então sinta-se a vontade, tenho coisas para resolver- o diretor se levantou sério enquanto ajeitava seu terno cor creme.

– Espera - chamou se levantando confusa - Não vai me dar bronca? Castigo? Detenção ou qualquer uma das injustiças que sempre faz? - Perguntou estranhando.

– Não, tenho mais coisas para fazer - o diretor saiu.

Alexandra revirou os olhos e se levantou, andando de um lado para o outro pela enormesala. De todas que não eram de aula e auditório, a do diretor era a maior. Tinha vista para Barcelona de uma janela que ia do chão até o teto toda de vidro. Sua mesa feita de mogno estava no centro, mais especificamente, no meio da janela. Tinha um enorme sofá na cor chocolate encostado no canto e, claro, para dar exemplo, uma enorme estante de livros. Algo que nuncapoderia faltar na sala do diretor era um espelho, então tinha um enorme em cima da mesinha com café e biscoito.

Ela pegou seu caderno e se sentou no sofá, era meio óbvio que ela podia sair dali sem ser notada, mas não faria isso, não hoje. Resolveu escrever um castigo para o irmão, que entrou no seu quarto, mesmo ela tento o proibido de entrar lá depois de ter quebrado uma coleção de perfumes.

Estava quase terminando quando escutou um barulho. Ela desviou o olhar do caderno olhando na direção do ruído e lá estava o dono de suas preocupações. Ele encarava-se no espelho em cima da mesinha de café, deixando Alexandra preocupada.

– Ah, não, de novo não - murmurou irritada.

Ela guardou o caderno e andou calmamente até o pentelho seguidor de garotas que nem se quer sabia o nome - era como Alexandra pensava dele. Cutucou-o com força, mas ele nem se deu o trabalho de olhá-la pelo espelho. Isso não ajudou a acalmá-la.

– Olha cara, eu não sei quem você é, não sei o que você quer, e tenho certeza que não tenho nada do que você quer - ela falou nervosa.

O homem, sem olhá-la ou se mover, disse com uma voz rouca e sensual.

– Eu sou realmente muito lindo. Acho que se algum dia eu tivesse que me apaixonar, seria por mim mesmo - ele parecia tão seguro daquilo que Alexandra sentiu ânsia de vômito.

Ela lhe deu as costas e fechou os olhos com força, tentou acariciar as têmporas em uma tentativa inútil de fazer a dor de cabeça, que acabara de aparecer, passar.

– Ele não existe, ele não é real. Isso é uma ilusão - murmurou para si mesma.

Balançou a cabeça tentando fazer parecer que era exatamente isso que acontecia. Quando ela olhou para trás viu que o homem sumira. Bufou de frustração e voltou ao sofá.

Foi exatamente isso que aconteceu durante os últimos dias. Alexandra já estava ficando farta disso, então jurou a si mesma que, quando o visse de novo, perguntaria a ele quem ele era e não o deixaria ir até ter respostas.

Ela encarou o teto. Depois, resolveu ir escutar música, então, pegou o celular e os fones, e colocou uma qualquer. Fechou os olhos e curtiu-a.

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Assim que o sinal do fim da aula tocou, Alexandra pegou suas coisas e saiu da sala. Ela não queria correr o risco de encontrar o rapaz da ilusão novamente, pois, se o visse, iria surtar e fazer algo que realmente não seria bom.

Clarisse lhe esperava na escada do segundo andar. As duas não voltariam para casa na hora do almoço, tinham combinado de almoçar fora, iriam para uma praça muito popular em Barcelona.

– Então? O Martines te colocou em algum trabalho voluntário? - Clarisse perguntou andando lado a lado com a amiga - Quero dizer, foi pesado desta vez? - Acrescentou olhando fixamente para os olhos da outra.

Alexandra parou e a olhou, confusa.

– Por que está me olhando assim? Parece até que tem um sapo na minha cabeça - indagou. Então ela esbugalhou os olhos - Ah, deuses, não tem nenhum sapo na minha cabeça não, né? - Perguntou balançando a cabeça.

– Não, Alex...Alexandra, não tem nada. Mas vamos concorda, você é linda, não acho que com um sapo você ficaria feia - Clarisse elogiou enquanto voltavam a andar.

– Deixa disso, Clarisse, é óbvio que não sou tanto assim. E com um sapo na cabeça, até a rainha da Inglaterra ficaria cômica - disse sorrindo.

As duas riram.

Foram caminhando até o estacionamento e encontraram Lucas encostado no carro, mexendo no celular. Alexandra achava isso ridículo, pois Barcelona era linda, não precisava ficar o tempo inteiro no celular.

Quando se aproximaram, ela tomou o celular dele e desligou. Lucas olhou para ela incrédulo.

– Por que fez isso? Devolva – irritou-se.

– Porque você tem que curtir mais o mundo e deixar de lado um pouco esse celular - ela disse e devolveu o celular. - Já sabe como vai voltar para casa? - Perguntou preocupada.

– Sim, vou de carona com um amigo meu - respondeu emburrado. - Só vim dizer que mamãe e papai já souberam sobre o seu problema com tintas - ele disse dando aspas.

– Ok - Alexandra imitou o ato - Tchau e manda o garoto não correr - ordenou quando o irmão a abraçou e se distanciou.

Ela e Clarisse entraram no carro da garota e se direcionaram para a praça. Antes, passariam em um drive-tru para comprar o almoço.

Alexandra contou para a amiga sobre o ocorrido na sala do diretor, mas Clarisse estava muito pensativa, pensava em uma possibilidade razoável para os olhos da amiga terem mudado tanto. Algo que não fosse o fato dela estar tento alucinações.

Alexandra, quando aprontava, não ficava com os olhos daquela maneira, o máximo que acontecia era ela ficar vermelha e ter que jogar água na cara para que se acalmasse. Clarisse dizia que, se algum dia não tivesse água por perto, ela fritaria o próprio rosto.

Durante anos, Alexandra não ligava para os pedidos para sair junto com garotos, pois achava que isso era ridículo. Não vou perder tempo com garotos tão idiotas, era o que ela sempre dizia. Clarisse dizia que ao menos desse uma chance, mas ela negava. Assim como ficava nervosa com as injustiças, Clarisse ficava nervosa toda vez que a amiga recusava um pedido para sair.

Ela estacionou o carro e depois desceram com os lanches em mãos, direcionaram-se para um canto que elas, particularmente, achavam perfeito. Ficava embaixo de uma árvore grande, os galhos enormes, plantas verdes e brilhantes, a grama verdinha e macia. Um ótimo canto para ler um pouco.

Mas, ao se aproximar do local, Alexandra notou que, por todo o lado, tinha poças de chuvas. Ela ficou meio hesitante, achando que o homem apareceria novamente e ignoraria todas as suas perguntas de novo.

Respirou fundo e acompanhou Clarisse até a árvore. Clarisse não deixou esse ato passar despercebido, mas decidiu não dizer nada, a amiga já estava estressada o suficiente.

As duas sentaram e cada uma pegou seu sanduiche. Quando Alexandra ia dar a sua primeira mordida, viu, ao longe, o mesmo homem outra vez. Era esse ser que estava a deixando louca, o cara que não parava de persegui-la e ficar se encarando em algo que tivesse reflexos. O homem que ignorava suas perguntas. O homem pelo qual a fez salivar com desejo de vingança.

Ela o olhava com tanto ódio, que nem notou a temperatura subir. O local, que antes estava frio, ficou quente. Os olhos dela alteraram de novo. Clarisse a olhou e esbugalhou os olhos ao ver o estado da garota.

– Ficou quente de repente, né? - Tentou chamar a atenção dela, mas nada adiantou - Alexandra? – Chamou, mas sem sucesso.

Clarisse seguiu o olhar da garota, mas não encontrou ninguém.

O homem, que apenas Alexandra via, começou a se abanar. Ele tirou a camisa social e se ajoelhou em uma das poças, poucos segundos depois, ele nem piscava mais. Isso provocou fúria nela, que se levantou e marchou na direção do homem.

Quando estava de frente para ele, ajoelhou-se e apontou o dedo na sua cara. Ela não sabia, mas o tempo estava ficando cada vez mais quente.

– Escuta aqui, cara, para de ficar me seguindo. Eu nem sei quem você é, fora que me dá nos nervos você ficar se encarando em algo o tempo todo – reclamou, nervosa. - Para com isso, caramba – gritou, mas o homem nem se moveu. - Pelo menos me diga o seu nome - cruzou os braços.

As pessoas que passavam a olhavam como se ela fosse uma louca, afinal, apenas elao via.

– Desculpe, senhora. Sou Narciso, o homem castigado por vossa senhoria - ele disse nem se mover.

Alexandra arqueou a sobrancelha.

– Ah! Era só o que me faltava. Eu nunca te castiguei cara, já devo ter batido, mas castigar não - Alexandra disse procurando em sua memória sobre o garoto.

E sim, ela encontrou. Mas não foi real, foi em uma das vezes que dormira na aula de história e sonhara com um garoto que ficava se encarando na água até ele amofinar e morrer.

– Sim, a senhora me castigou, sabe que é verdade - ele tinha a voz neutra, sem emoção alguma. - Sei que é a senhora, pois nenhum mortal me veria além da senhora - ele sussurrou.

Alexandra olhou para cima e viu que todos que passavam a olhavam torto. No mesmo momento ela ruborizou.

– A beleza de Afrodite, mas a timidez de um mortal. Magnífico - o homem murmurou.

– Olha, eu não sei de quem você está falando, e eu realmente não quero papo com você, então vê se me deixa em paz - então, o sol simplesmente sumiu e uma tempestade caiu.

– Realize, realize sua cede de vingança, sei que quer. Foi por esse mesmo motivo que me castigaste da primeira vez. Não foi, minha senhora? Eu era belo demais, ignorava o amor de donzelas que bajulavam. Elas clamaram por justiça, e minha senhora realizou tal justiça - ele murmurou, ainda sem se mover.

Clarisse olhava tudo de longe, observando cada movimento.

Alexandra estava ensopada, vendo pessoas correndo de um lado para o outro para se protegerem e o homem, ali, parado. Ele não parava de se encarar e respondia como se estivesse no automático.

– Não sei do que falas, mas sei que, se me pedissem, eu faria justiça, sim- Alexandra confirmou.

Foi então que Narciso, como acabara de descobrir, olhou-a primeira vez.

– Minha senhora, seu poder clama por chances. A justiça e a vingança juntas, lado a lado – e, então, Alexandra entendeu.

– Eu... - Ela tentava formular palavras, pois sua cabeça acabara de ser invadida por lembranças e mais lembranças - Sou Nêmesis, a deusa da vingança - murmurou incerta.


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