Always With Me escrita por Menta


Capítulo 6
Auld Lang Syne/For Old Long Since - Parte Final


Notas iniciais do capítulo

Olá, minhas lindas! Capítulo beeeeeeeeeem triste, mas espero que cheio de feels. Tomara que se emocionem com o drama familiar do Sirius. Esse capítulo explica uma passagem mencionada pelos livros, e mostra que o Siriusinho não é tão indiferente à sua família quanto gostaria de ser. Temos menções a "Auld Lang Syne" que espero que gostem. E o uivo angustiado que a Cordelia ouviu no capítulo passado é explicado, hehe. :)
Espero que gostem!
Beijos e boa leitura!



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Retornando após horas e horas enfastiantes de uma noite de ano novo passada junto as companhias que menos pudera desejar, Sirius Black saía da lareira principal da mansão de sua família, localizada no Largo Grimmauld, número doze. Ironicamente, sentia-se aliviado de estar onde estava.

Jamais uma viagem de volta para casa lhe parecera melhor.

Depois de passar toda uma celebração hipócrita e desagradável junto a alta elite bruxa britânica na Mansão Malfoy, localizada em Wiltshire, no sudoeste inglês, Sirius sentia-se quase grato por engasgar com o pó de Rede de Flu. Logo que saiu pela lareira, recuperando-se da leve sensação de náusea que a viagem vertiginosa trazia a qualquer um, olhou com desprezo para as duas conhecidas caveiras enriquecidas com ouro localizadas em cada um dos extremos do batente do móvel.

Logicamente, seus pais e Regulus já haviam tido a honra de chegar em casa primeiro, deixando-o propositalmente por último.

Seu irmão, bocejando sentado em um divã prateado, esperava sua mãe usar a varinha para servir-lhe uma dose de licor – tentando melhorar a digestão após as festividades – enquanto seu pai sentava-se ao lado do garoto, na mesma expressão sonolenta e satisfeita. Orion fez, logo em seguida, um comentário elogioso sobre a celebração dos Malfoy, debochando da festa de Natal a qual haviam comparecido na Escócia, falando algo sobre “família com magia de elfo doméstico, de segunda classe”. Orion e Walburga riram do comentário preconceituoso, e Regulus esboçou um sorriso.

Aquilo apenas fazia aumentar a raiva já contida com muito esforço de Sirius, apesar de já ter passado pelos piores momentos daquele feriado. Ignorando e sendo ignorado por seus familiares, o rapaz subiu para seu quarto, desejando encontrar o espelho que usava para se comunicar com James, seu melhor amigo. Precisava conversar com alguém são, precisava se divertir ou colocar para fora toda a frustração, antes que ele mesmo terminasse louco.

Batendo os pés na escada, para propositalmente desagradar seus pais, Sirius, mal contendo sua fúria, empurrou para longe um pequeno móvel decorativo de madeira requintada, em formato de serpente, o fazendo quicar degraus abaixo. Aguentar mais um dia ao lado dos Black parecia tortura da pior espécie.

Ao enfim adentrar a porta de seu quarto, vislumbrou a pequena placa a qual continha seu nome, e bateu a porta com força, trancando-a com magia de forma que seus pais não pudessem lhe importunar.

A recepção fria por parte de seus pais quando vieram lhe buscar, junto ao irmão, para o Natal, não fora nada em comparação à festa daquela noite. Sirius passara o ano novo escutando as mesmas ladainhas de puro-sangue, bruxos mesquinhos tentando contar vantagem em cima de outros bruxos tão mesquinhos quanto, e outras conversas conspiratórias sobre o futuro governo do Lorde das Trevas, o que levava seu estômago a revirar em voltas de não apenas ira, como repulsa.

Diziam palavras tolas a respeito de uma ideia louca de nova era para o mundo bruxo, onde o poder seria distribuído para os realmente merecedores. Ninguém tivera coragem de declarar-se propriamente partidário do líder da “Revolução”, com exceção de sua prima, Bellatrix, que passara um bom tempo sugerindo que o Lorde das Trevas a havia marcado como uma igual, uma privilegiada digna de tamanha honra. Além de ter de ouvir tamanha loucura, tinha de escutá-la quieto, preso onde ele considerava ser uma espécie de “covil” frequentado pelos tipos que mais desprezava.

Aquele discurso de sua prima, porém, lhe deixara desconfiado. Ela era lunática, mas o rapaz se sentia convencido de que ela realmente tinha algum tipo de prestígio entre aquele meio deplorável. As capacidades mágicas de Bellatrix eram inegavelmente poderosas, por mais que ela usasse todo o tipo de força que tinha para propósitos desprezíveis. Não seria improvável que a bruxa realmente se destacasse perante um bruxo que valorizasse as artes mais destrutivas da magia.

Mas o detalhe que mencionara, a marca que ele lhe deixara... Sirius, de início, pensara maldosamente que o Lorde tivesse “se aliviado” no rosto de Bellatrix depois de uma longa sessão prazerosa, para deixá-la assim tão feliz e cheia de sorrisos. Mas era difícil manter o mesmo pensamento malicioso e debochado, quando ainda se sentia, de certa forma, agourado pelas palavras da prima. Aquilo era um péssimo sinal.

Se ele está marcando os seguidores... Significa que em breve precisará identificá-los e diferenciá-los. A guerra estava perto, e ele se sentia cada vez mais preso dentro daquela teia familiar de bruxos fascistas.

Sirius passou as mãos pelo cabelo, em um gesto simultaneamente raivoso e angustiado, e passou a procurar o espelho comunicador. Passou os olhos pelos pôsteres obscenos que havia colado com feitiço adesivo por quase todas as paredes de seu quarto, e quase pôde sorrir consigo mesmo, ao pensar em sua mãe tentando retirá-los furiosa quando finalmente estivesse livre.

Lembrou-se da conversa que teve com James, logo após uma das férias em que saíra de casa para passá-las com seu tio Alphard, que parecia ter um carinho enorme por si. Estavam no início do sexto ano, e Potter, solidário com as dificuldades do melhor amigo, disse-lhe que, se quisesse, poderia morar junto consigo, oferecendo-lhe abrigo em sua casa. Sirius era muito querido por seus pais, e não havia nada que James lhes pedisse que eles conseguissem dizer não.

Sirius Black, porém, recusara a oferta de James. Não gostava de depender de favores de ninguém. Se pretendia ficar independente da própria família, desejava que fosse por seus próprios meios. Porém, após alguns meses, e especialmente depois de tal semana, passada no limiar entre a raiva extrema e acessos de agressividade, percebia, pouco a pouco... Que a convivência havia se tornado impossível.

Depois de ouvir sua mãe, seu pai e seu irmão mais novo defenderem ferrenhamente ideais loucos que apenas trariam morte, horror, injustiça, desigualdes sociais ainda maiores, e a plena desolação do mundo bruxo... Sirius percebera que o único laço que ainda os unia era o sangue.

De imediato, o rapaz lembrou-se, a contragosto, de quando sua mãe colocara a pequena placa na porta de seu quarto. Ele era ainda tão pequeno que sua cabeça sequer batia na altura da placa, e Regulus, por sua vez, mal tinha idade para falar direito. Fora na tarde de um dia qualquer, mas que lhe ficara guardado na memória, sem que ele sequer tivesse consciência de tais lembranças até poucos momentos antes.

Consegue ler, meu amor? — Walburga perguntava, parecendo tão alta e bonita, sorrindo-lhe com carinho. Seus olhos castanhos de brilho rápido e esperto, tão parecidos com os de Sirius, pareciam resplandecer de orgulho.

— Si... Siri... Sirius. — O pequeno Sirius Black, com apenas três anos de idade, balbuciou as sílabas que já havia aprendido. Olhou para sua mãe, esperando a resposta para saber se havia acertado. Sua mãe lhe ensinara a ler e a escrever, e começara pelos nomes da família.

A mãe abaixou-se, ficando na altura do filho. Walburga sorriu, feliz, dando-lhe um beijo devagar na testa, e abraçando-o em seguida. O pequeno Sirius fechou os olhos, abraçando-a de volta, sentindo o cheiro reconfortante da mãe, que sempre o fazia sentir-se acalentado... Amado.

— Meu menino. — Sua mãe disse, abrindo-lhe um sorriso ainda maior, acariciando seus cabelos como se Sirius fosse a maior maravilha que já vira. — Meu menino tão inteligente. Vai ser tão grande, meu filho, tão grande! Deixará a mamãe ainda mais orgulhosa. — Walburga beijou-o com carinho transbordante por diversas vezes nas bochechas, apertando-o tanto que Sirius se desvencilhou. Logo em seguida, sentiu uma pontada de arrependimento pela expressão levemente desapontada da mãe.

— Posso acordar o Regulus, mamãe? Estou entediado. — Sirius pediu, sentindo falta de uma companhia para brincar.

— Pode, meu amor. Mas me dê um beijo antes. — Walburga pediu, e o garotinho deu-lhe um beijo estalado na bochecha.

Tentando evitar as memórias que se reavivavam em seu pensamento, que parecia querer traí-lo em meio a tentativas de auto-sabotagem, o jovem Sirius caminhava de um lado para o outro pelo quarto, apressado em sentir-se livre de todos os sentimentos distorcidos que o atormentavam em polvorosa.

Revirando seu malão, já pronto para quando retornasse a Hogwarts, o rapaz tentava encontrar o espelho, sua raiva plenamente angustiada e mal contida fazendo suas mãos tremerem durante o procedimento. Sirius empurrou o malão para o lado, deixando-o cair com estrondo. Rangendo os dentes, esforçando-se para respirar fundo e se acalmar, decidiu tentar ser o mais discreto possível para procurá-lo na sala de jantar. Tinha um esconderijo desconhecido por seus parentes e Monstro, ali, em meio a uma gaveta com fundo falso de uma cristaleira de luxo de seus pais.

Desceu as escadas, tentando fugir dos próprios pensamentos, e imaginar o que faria com James e os amigos quando voltasse à escola. Tentou focar-se no que planejariam para os futuros aniversários dos Marotos, sempre comemorados com esbórnia, a maioria deles ocorrendo no mês de março, até mesmo o seu próprio. Porém, as imagens dos amigos se misturavam com os pensamentos irritantes intrusos a respeito de sua mãe, pai e irmão, e as imagens hediondas de Bellatrix e outros Black tão desprezíveis quanto, em seus discursos de ódio e preconceito.

Ouvia o som abafado da conversa da sala de estar, onde se encontravam seus pais e irmão em algum assunto esnobe e enfastiante. Já percebendo que abrira as gavetas com estrondo, aferiu que houve uma pausa durante a conversa da família, um silêncio digno de desconfiança pairando no ar. Puta que pariu.

— O ingrato está roubando sua prataria, minha nobre senhora! — Monstro, que se esgueirara para perto de Sirius, sem que este o percebesse em meio aos seus tormentos internos, gritara de forma tão audível que seria uma questão de segundos para que Walburga adentrasse o cômodo.

— Tão baixo, Sirius? Foi mesmo tão baixo? — Walburga, movida pelas doses extras de gim tônica daquela noite, abria a porta da sala de jantar, encarando o filho mais velho com desdém, finalmente se manifestando, ainda que apenas para brigar. Seu rosto estava retorcido em uma máscara de gélido desprezo, que nem sequer parecia pertencer a mesma mulher das memórias do filho.

— Seu elfo doméstico de merda está delirando. — Sirius praguejou, ameaçando Monstro com o olhar, que o encarou, petulante. Logo em seguida, abaixou-se em uma reverência que beirava a idolatria para sua mestra.

— A única pessoa delirante deste núcleo familiar é você. — A mãe respondeu, torcendo o nariz. — Devolva o que tiver tomado, sabe que eu descobrirei. Não me obrigue a pedir para seu pai lhe azarar para ensiná-lo a se portar como gente. — Walburga disse, virando-lhe as costas, e ele abriu a boca para ofendê-la de volta, mas interrompeu o próprio gesto ao vê-la voltar-se para si mais uma vez.

— Será que tudo isso é inveja? Inveja por seu irmão, por ter se provado mais capaz do que você? Regulus acabou de nos contar, agora, que o Lorde das Trevas pretende dar-lhe o mesmo privilégio que Bella. — Walburga sugeriu quase sonhadoramente.

— Do que está falando? — Sirius perguntou, sentindo uma sensação de torpor desagradável subir pelo seu sangue. Sentiu seu coração acelerar, já supondo o que a mãe diria, mas que temera imaginar.

— Você a escutou. Não se faça de sonso. — A mãe o ofendeu. — Bellatrix, Rodolphus e outros elogiam muito o conhecimento e as capacidades mágicas de seu irmão. Ele é um aluno brilhante. - A mãe disse, ignorando o fato de que as notas de Sirius eram inclusive melhores do que as de Regulus, assim como seus feitos em magia. — O Lorde das Trevas está interessadíssimo nele. Quer... Marcá-lo como a um igual. — A mãe sorriu discretamente, parecendo mal conter sua alegria.

— Uma grande honra, Senhora. — Monstro concordou obediente.

Sirius ignorou a mãe e Monstro. Saiu a passos largos para a sala de estar, sentindo a cabeça zonza, e uma sensação de vertigem tão forte como se fosse regurgitar. Ignorando o pai, que parecia discursar para Regulus, o rapaz se postou na frente do irmão mais novo, e o puxou pelo braço para levantá-lo, arrastando-o pelo tapete ricamente bordado em fios de ouro. A raiva de Sirius repercutiu por sua magia pelos móveis enfeitiçados da sala de estar, movendo os objetos de vidro e cristal, fazendo-os tremer. Por um segundo, ouviu a pele de uma serpente, pendurada em uma das estantes da sala, sibilar como se estivesse furiosa.

— Está louco, Sirius? — Regulus perguntou, tentando desvencilhar-se do irmão, que, mais forte, o segurou com firmeza. Dentro de seu campo de visão, ele percebeu a figura do pai se levantando e aproximando-se dos dois.

— Você está, Regulus? Tem noção do que está fazendo?! — Sirius gritou para o irmão, devolvendo-o a pergunta e apertando-o pelo braço, sabendo que o machucava. Regulus o encarava como se tivesse enlouquecido. Sirius ouvira a mesma ladainha de seus pais da boca do irmão, mas ainda não pudera imaginar até que consequências o garoto iria.

— Solte-o, moleque. Solte-o agora! — Orion falou, sacando a varinha.

— Você... Você tem inveja de mim. Sempre teve. — Regulus repetiu o discurso da mãe, porém não conseguia encarar Sirius nos olhos, que apertou o braço do irmão ainda mais forte, enquanto este tentava a todo custo se soltar.

— Inveja? Inveja?! — Sirius riu, descrente, sentindo sua raiva, angústia e revolta subirem como uma grande onda descontrolada pelo peito. — Você vai se matar, Regulus! Vai morrer matando gente inocente, vai trazer sangue e sofrimento pela loucura que esses velhos dementes acreditam! — Sirius sacudiu o irmão, segurando-o pelos dois braços, sentindo que não podia mais controlar as próprias ações.

— Tenha um mínimo de respeito! — Orion gritou, e moveu a varinha em um gesto cortante. Sirius, soltando uma exclamação de dor, soltou Regulus, sentindo seu braço esquerdo ser azarado por um feitiço que fazia sua pele arder como se seu pai tivesse aproximado chamas acesas de seu braço.

— Vai deixar seu filho se matar, velho caquético? — Sirius respondeu, fora da razão para o pai, sacando ele mesmo a própria varinha. No mesmo momento, o rapaz percebeu a presença da mãe no ambiente, também apontando sua varinha para ele. Apenas Regulus não o ameaçara.

— Veja o que nos obriga a fazer. — Walburga balbuciou, fazendo coro às palavras do marido há alguns dias atrás. Mantinha a varinha apontada para o primogênito, seu braço tremendo levemente, seu rosto agora expressando alguma emoção. Parecia à beira das lágrimas.

— Vão sacrificar seu filho. Ele matará, torturará e será torturado e morto antes que a guerra termine. Ele tem apenas quinze anos! — Sirius quase rosnou, tentando trazer um mínimo de bom senso aos pais. Se já tinham-no abandonado, teriam enlouquecido o suficiente para fazer o mesmo com Regulus?

— Abaixe essa varinha, garoto. — Orion ameaçou, sua voz grave e séria impondo-se tons acima do que costumava usar.

— VÃO MATAR SEU FILHO! — Sirius gritou mais uma vez, movendo a varinha de Orion a Walburga. Ouvia, como se a voz viesse de muito longe, Regulus gritar a todos que parassem.

— EU MANDEI ABAIXAR! ESTUPEFAÇA! — Orion tentou estuporar o filho, que, rapidamente, conjurou um feitiço escudo. O feitiço ricocheteou por uma bandeja de prata, tocou em uma das paredes, e atingiu Monstro em cheio.

Sirius sentiu imediatamente as mãos de Regulus o empurrando para o lado, com uma agressividade que ainda não vira no irmão, que em seguida correu em disparada ao socorro do elfo doméstico estuporado por engano. Walburga chorava, descontrolada, seus ombros subindo e descendo convulsivamente, jogando-se em cima de uma poltrona. Orion, porém, se preparava para azarar Sirius mais uma vez, trazendo uma expressão selvagem em seu rosto que fez o filho sentir-se como se já tivesse realmente sido atingido por um feitiço de intensa dor.

Agindo sem realmente pensar, Sirius estuporou um dos armários da sala, fazendo suas portas voarem pelo ar, trazendo distração o suficiente para que pudesse enfim sair dali. Ainda quase sem raciocinar, usou um feitiço convocatório para trazer seu malão de Hogwarts à sala, e estuporou a porta para sair sem que pudesse ser impedido. Sua cabeça e ouvidos zuniam, sentia o sangue que subia por seu rosto ferver, e ele não prestava atenção em mais nada... Sentia-se vazio.

Com a adrenalina se espalhando por seu corpo e seu sangue fervendo, Sirius caminhou pela madrugada do Largo Grimmauld, acompanhado apenas pela neve que caía e por alguns trouxas bêbados ocasionais que nem sequer percebiam suas roupas senhoriais e seu nada discreto malão. Ao perceber que já estava longe o suficiente, sentindo-se alheio a si mesmo, como se estivesse dopado por alguma poção que o impedisse de sentir qualquer tipo de coisa, fez sinal para o Nôitibus Andante. O ônibus veio buzinando pela madrugada fria do primeiro dia daquele ano que tinha acabado de começar, como se surgisse do nada.

Ao subir as escadas do ônibus, foi saudado com votos de feliz ano novo por um trocador levemente alcoolizado, e sequer lhe respondeu a altura, dizendo-lhe apenas seu destino. Sentou-se à uma das camas espalhadas pelo veículo, passando em um gesto automático uma das mãos pelos cabelos, e acariciando a própria nuca. Logo que sentiu o sangue descer de seu rosto, lembrou-se de que esquecera de continuar procurando o espelho para se comunicar com James.

Atacado por uma pontada de ansiedade, revirou nos bolsos de seu casaco, o lugar mais previsível que esquecera de procurar, e o encontrou rapidamente, sentindo uma onda de alívio percorrer todo o seu corpo.

Assim, passou o resto da viagem aguardando chegar próximo aos terrenos da Mansão Potter, localizada em uma área rupestre e bucólica longe do centro comercial de Londres. Não pensava mais nos pais e irmão, lembrava-se apenas dos portões de ferro em frente a residência que era o lar de seu melhor amigo, mas, agora...

— Seu ponto. — O rapaz alcoolizado avisou a Sirius, que lhe respondeu com um aceno de cabeça. Arrastando o malão, ouvindo mais votos de feliz ano novo, o jovem desceu as escadas do ônibus, caminhando com dificuldades pela rua coberta de neve. Já estava amanhecendo, e o sol subia por uma alvorada nublada e entristecida, como o estado de espírito de Sirius.

Ao aproximar-se dos portões da mansão dos Potter, Sirius tirou do bolso o espelho, e chamou o amigo.

— James. — Sirius sussurrou, ouvindo muito ao longe um grupo de bêbados cantar:

— “Should old acquaintances be forgotten, and never brought to mind? Should old acquaintances be forgotten, and days of long ago!” — Alguns possíveis trouxas entoavam ao longe a clássica música de ano novo que já ouvira muitas vezes durante aquela época, em diferentes versões. Por alguma razão, as vozes enroladas e felizes dos desconhecidos lhe atingiram como um soco no estômago.

— James, me responde, caralho. — Sirius chamou, com mais urgência, vendo que o espelho sequer se modificara.

— “For times gone by, my dear, for times gone by, we will take a cup of kindness yet, for times gone by!” — O rapaz, irritado, os encarou ao longe, vendo que se aproximavam pela rua bucólica dos Potter, na qual não havia nada além de pinheiros e o terreno da mansão. Via seus contornos, e pareciam caminhar abraçados, em um grupo de quatro pessoas.

Mais uma vez, não obteve resposta do amigo.

— “We two have run about the hillsides and pulled the daisies fine, but we have wandered many a weary foot for times gone by. We two have paddled in the stream from noon until dinner time, but seas between us broad have roared since times gone by!" — Um grupo, que era evidentemente composto por familiares, todos com traços físicos similares, se aproximava dele, rindo e cantando desajeitados e desafinados a melodia tão conhecida.

— JAMES! — Sirius bradou, socando o portão que tremeu com um ruído reverberante. Respirou fundo, disfarçando o espelho em um de seus bolsos, para que o grupo que poderia ser trouxa não o descobrisse. A família parou de cantar por momentos, encarando Sirius com desconfiança, olhando-o com desprezo já por pré-julgamento. O rapaz sentiu sua garganta dar um nó, lembrando-se de imediato de outra família.

Ao se afastarem, Sirius viu suas costas sumirem ao longe, e ouviu suas vozes outra vez ecoar ali próximas:

— “And there is a hand, my trusty friend, and give us a hand of yours, and we will take a goodwill drink (of ale) for times gone by! And surely you will pay for your pint, and surely I will pay for mine! And we will take a cup of kindness yet for times gone by!” — Após a última estrofe, Sirius estranhamente sentiu-se vulnerável. Ainda mais irritado por tantas sensações confusas, puxou o espelho do bolso uma última vez. Surpreendentemente, antes que chamasse James, viu os olhos e os cabelos revoltos do amigo, que rapidamente sumiram da imagem. Sirius percebera que ele entendera.

Minutos depois, o portão foi aberto magicamente. Sirius adentrou os jardins do terreno da mansão, seu malão e seus sapatos marcando sua presença em meio à neve silenciosa. O ano começava em paz, exceto pelo que sentia dentro de si.

James correu de encontro ao amigo, mas não trocaram palavras. A expressão de James, sempre debochada e descontraída, estava naquele momento séria, solene quase. Sirius se recusou a aceitar a ajuda do melhor amigo, que apenas o acompanhou enquanto arrastava seu malão de Hogwarts para dentro. Sem registrar por onde passava, desatento, Sirius percebeu ter dado de cara com um dos quartos de hóspedes, depois de atravessar corredores e escadarias indefinidos.

— ...Obrigado — ele disse, sabendo que o amigo o compreenderia.

— Não precisa agradecer. — James deu-lhe um tapa amigável em um dos ombros. — Você é meu irmão — garantiu, com sinceridade e simplicidade, sorrindo cúmplice para Sirius. Em seguida, afastou-se, sem esperar resposta do amigo. Sabia que ele precisava ficar a sós por algum tempo.

Contidamente emocionado, Sirius adentrou o quarto de hóspedes, deixando seu malão parado de qualquer jeito dentro do cômodo. Subitamente, sentiu vontade de rir, por nervosismo e por alívio, simultaneamente. Conseguira o que sempre quisera: estava livre de seus pais. Enfim fugira de casa. Estava sozinho, longe deles, de tudo o que tivesse relação com sua família.

Caminhando pelo quarto, Sirius decidiu enfim deitar e tentar dormir um pouco. Fora provavelmente a pior noite de sua vida, e sentia-se exausto de corpo e alma. Ao chutar os sapatos para fora dos pés de qualquer jeito pelos aposentos, jogou-se na cama de casal que ali havia, cobrindo o rosto com os braços. Sua cabeça doía como se tivesse sido atingida por uma azaração, e ele não podia deixar de pensar na liberdade que afinal conquistara, e em como sua vida seria muito diferente a partir daquele momento em diante.

A luz da alvorada ia paulatinamente banhando o quarto, e ele sentiu-se relaxar. Ao se acalmar, devagar, pensando em tudo o que enfim poderia fazer sem mais ter de lidar com a influência pesada de seus pais, Sirius foi acometido por diversas memórias, mesmo tentando se concentrar em outra linha de pensamento.

Lembrou-se, sem desejar lembrar-se, de estar nos jardins de um castelo na Escócia, banhado por um lago imenso e envolto por florestas e montanhas que pareciam jamais ter fim. Lá, sua mãe e seu pai caminhavam com outros pais, e ele brincava com seu irmão e outras crianças, apostando corrida em suas vassouras, caçando gnomos de jardins e fadas mordentes com estilingues, e brincando com a água do lago, esta última brincadeira sempre acompanhada por uma menina loira de grandes olhos verdes, sempre risonha, quando sua mãe não os impedia de estarem juntos.

Lembrou-se do sorriso no rosto de seu pai quando o levou para comprar sua varinha, e de sua expressão orgulhosa de quando o ensinou a voar na primeira vassoura. Lembrou-se de Regulus e ele correndo pelos corredores da mansão Black, e escondendo dos pais os móveis que haviam quebrado, brincando de descobrir a própria magia. Lembrou-se dos poucos gestos carinhosos de Walburga, na época em que a mãe ainda o amava e se orgulhava do filho. Lembrou-se de ainda ser considerado um filho para seus pais, e o irmão de seu irmão.

Com os braços em cima dos olhos, odiando a si mesmo por isso, Sirius chorou sozinho, em silêncio, e por fim adormeceu.


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Notas finais do capítulo

Aguardo os reviews! Pobre Sirius! =((((



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