A Caçada escrita por Senhorita Ellie


Capítulo 2
1 - Kreist




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Aproximadamente 10 meses antes, algum lugar da União Soviética

As festas eram sempre ótimas — desde que descobrira isso, ele não perdia nenhuma.

Era difícil encontrar festas em tempos tão ruins como aqueles, onde o medo de uma bomba cair na sua cabeça estava no imaginário de todos, e por isso aquele bar era o tipo perfeito para ele. Era ali que soldados relaxavam bebendo whisky até caírem, na companhia de mulheres livres que se importavam muito pouco em serem julgadas quando estavam tão próximas da morte — e dentro do que podia ser chamado de libertino na época, aquele bar exalava a libertinagem em níveis críticos.

Naquele exato momento, ele terminava o terceiro copo de whisky, e estava começando a se sentir ligeiramente alterado. Em um canto do bar um soldado mais velho dedilhava uma melodia animada no piano, e vários pares dançavam juntos no meio do espaço. As risadas eram a coisa mais autêntica e curativa da festa, estando espalhadas por todo o cômodo, desde as rodinhas de soldados com cara de criança que jogavam carteado até os casais que conversavam no canto mais privado, onde os drinks chegavam com dois canudinhos e embebedavam anormalmente mais depressa.

Ele amava aquilo ali.

—Mais um drink. — ele bateu o copo teatralmente no balcão. —Pode me dar rum, dessa vez. Hoje eu estou a fim de me embebedar.

—Você... Você tem vindo aqui bastante nas últimas semanas. — o dono do bar, um homem mais velho que tinha se safado da guerra por causa de uma mão amputada, chamado Vlad, sorriu torto pra ele. —Porque ao invés de se embebedar, você não vai dançar? As mulheres aqui são receptivas.

—Rum não me deixa bastardos. Mulheres sim. Encha o copo, amigo.

—Você é engraçado. — Vlad derramou o rum no copo com displicência. —Qual é o seu nome, forasteiro?

Ele demorou alguns minutos para se lembrar qual era o nome da vez. Já tinha sido Harry, o inglês órfão, Tobias, o espanhol perdido, Gerard, um francês fugitivo... Os nomes se embaralharam em sua mente de modo confuso antes que ele se lembrasse.

—Sou Kreist. Um alemão que não concorda com essa merda... Então eu fugi.

Vlad sorriu mais calorosamente desta vez.

—Se você está contra eles, você é automaticamente um dos nossos. Seja bem-vindo, Kreist. Essa porção fica por conta da casa.

E se afastou.

Durante um segundo, o homem que durante algum tempo era Kreist se sentiu culpado por trair a confiança de um homem como Vlad — era o tipo honesto de quem todos gostavam. Mas ele tinha um alvo — um homem que com certeza não deveria estar ali, dançando despreocupadamente com uma mulher alegre de contornos joviais. Olhando pra ela, Kreist se lembrou de sua irmã mais nova antes da guerra começar; um tipo inocente que despertava sorrisos em todo mundo.

Não. Ele não passaria daquela noite.

Kreist consumiu o rum com cautela, bebericando-o lentamente para não perder a consciência do que estava fazendo. O homem bebeu com vontade, a mulher ao seu lado rindo de suas piadas cada vez mais engroladas sem tocar em seu copo uma única vez. A festa queimava com alegria, e os soldados mais animados estavam realmente bêbados quando finalmente ele se despediu de sua acompanhante e tropeçou para fora do bar, sem pagar a conta e sem se despedir de ninguém.

O falso alemão esperou alguns minutos discretos para pagar a conta e ir embora, depositando disfarçadamente uma quantia razoável de dinheiro nas mãos da mulher. Ela lhe mandou um sorriso enviesado, o qual ele não retribuiu, mais preocupado em focalizar o bêbado nas ruas já muito escuras da cidade. Trôpego, ele não tinha conseguido andar nem 500 metros, e Kreist sorriu ao caminhar para alcançá-lo — calmamente, alisando as próprias roupas, penteando os cabelos. Ele gostava de estar apresentável ao matar.

—Yure? — chamou, vendo o bêbado parar. —Como você anda, Yure? Já fazem alguns anos. Como anda Natasha?

Kreist se deliciou ao vê-lo empalidecer imediatamente, mesmo de costas. Lentamente, muito lentamente, Yure se virou para encará-lo, os olhos saltados de pavor no rosto suado de embriaguez.

—Quem é você? Eu não faço a menor ideia de quem seja Natasha.

—Não? — Kreist se aproximou, tirando o canivete do bolso. —Natasha foi a mulher que você matou. Só uma delas, não é, seu filho da mãe? Uma das que você deixou grávida e matou, seu desgraçado.

—Mas... Eu... Eu... Eu não matei ninguém.

—Não. Você só a deixou traumatizada, muda e com uma merda de criança pra cuidar. Não dá na mesma? — Yure tentou se afastar, mas a bebida tinha sido o seu determinante; não sairia vivo daquele confronto, não enquanto o falso alemão se aproximava tão firmemente, o canivete brilhando com as luzes fracas da rua. —Yure, Yure, Yure... Você nunca aprendeu.

O soco foi certeiro, e o bêbado foi ao chão sem levantar um dedo para se defender. Seguro de que não corria nenhum risco, Kreist ajoelhou-se em cima dele, tirando um isqueiro do bolso e acendendo-o logo abaixo de seu rosto. A luz um pouco mais forte tornou suas feições claras o suficiente para que Yure pudesse nota-las.

—Você... Você!

—Isso, Yure... É sempre melhor quando vocês me reconhecem.

Kreist sorriu, e desceu o canivete com extrema precisão. Não houve som naquela rua vazia e escura quando ele se levantou, limpando o canivete com um pequeno lenço antes de guardá-lo. O cadáver sangrava discretamente, e não demoraria muito para ser notado — era inteligente partir, e foi exatamente isso o que ele fez. Logo, desaparecera nas sombras, e Kreist não existia mais.


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Notas finais do capítulo

Obrigada por terem lido, até o próximo.



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