Faça Suas Apostas! escrita por Gabriel Campos


Capítulo 2
No Escurinho do Cinema


Notas iniciais do capítulo

Oi ;) -- Como eu já disse, a história é narrada por cinco pessoas diferentes, peço que prestem atenção porque sempre eu vou colocar o nome da pessoa que está narrando pra não confundir.



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Fortaleza, Setembro de 2001.

PALAVRAS DE LARA PACHECO.

Gabriela Carvalho, a Gabi, era a minha melhor amiga. Eu até que gostava da Valeska Soares, mas ela tinha a carne fraca, não tinha coragem para fazer loucuras. O Márcio Ferrari, o Q.I, era um chato de galochas e não deixava nem que ninguém chegasse perto dele por puro medo de ficar gripado.

Gabi e eu costumávamos fugir da escola quase sempre; as tias não estavam nem aí. Da primeira vez, foi no dia do desastre das Torres Gêmeas: Valeska começou a gritar, alarmou as outras crianças, fez até xixi nas calças. Márcio Q.I apertou o botão de emergência no corredor, e algo que aconteceu em Nova York ocasionou quase que um terremoto na nossa escola.

Ali foi a primeira vez e, para mim, valeu à pena. Gabi foi comprar pipoca, pois era morta de fome e não consegue ficar em um lugar sem comer. Fiquei sozinha no cinema, e os garotos que também fugiram da escola me reconheceram. Douglas Loreto avançou uma cadeira, ficando no lugar onde Gabi estava. Senti um frio na barriga.

“[...] Se por acaso alguma nuvem encobrir teu céu

Eu vou buscar no arco-íris aquarela e pincel

Pintar sorrisos nas palavras que você disser

Te dar magia e alegria é meu jeito de dizer te amo, que eu te quero

Do fundo do meu coração...” - Sandy e Júnior - No Fundo do Coração.

Apesar das minhas traquinagens, eu tinha sete anos e não tinha contato com outros meninos, nem mesmo os da escola. A não ser meu pai e o Márcio Q.I, mas este último parecia não ter nem órgãos genitais. Ele era muito neutro.

Eu prestava atenção no filme, ou ao menos fingia estar prestando atenção. Douglas Loreto parecia tomar toda a minha sanidade. Um friozinho bom veio à minha barriga, e não era pelo ar-condicionado da sala do cinema. Pareciam borboletas voando no meu estômago. Encolhi-me na cadeira.

Douglas, por sua vez, tentava se aproximar de mim ao máximo. Minha mão estava apoiada no braço da poltrona do cinema, e ele, sem querer ou não, não sei, pôs a sua mão em cima da minha. Levei um susto, tentei retirá-la do lugar, mas ele a pressionou contra o braço da poltrona. Fechei os olhos tentando me teletransportar dali, mas não deu, claro. Douglas relaxou a mão e, na primeira oportunidade eu corri.

Gabriela ainda estava na fila da pipoca.

— A gente não vai ver o filme? — perguntou Gabi.

— Melhor a gente voltar pra escola. — respondi.

Chegamos atrasadas na escola, pois queríamos chegar antes do horário da saída. Gabi e eu pensamos que lá estariam estacionados vários carros de polícia à nossa procura, mas percebemos o quão insignificantes éramos no colégio. Isso só contribuiu para eventuais e futuras fugas.

“[…] I’m just sippinon chamomile

Watching boys and girls and their sex appeal

With a stranger in my face who says he knows my mom

And went to my high school” – No Doubt, Hey Baby.

No sábado daquela mesma semana, Gabi, Valeska e eu nos encontramos na minha casa. Deixamos Márcio Q.I de fora, pois seria uma espécie de “festa das meninas”, mesmo ele pouco se importando. Eu queria contá-las sobre a experiência que eu tive com o Douglas no cinema. Gabi parecia saber sobre alguma coisa, contudo preferiu ficar calada. Todos sabiam que eu vivia suspirando pelos cantos, corredores, salas de estar. Mamãe, naquela época, achou que eu estivesse ficando doente.

Eu não sabia explicar o que era aquilo. Não era amor, não era desejo carnal. Eu era muito nova! Algo em Douglas, contudo, me deixava de pernas bambas e com borboletas no estômago. Gabriela falou ainda algo que me deixou muda quanto a isso por boa parte da nossa vida.

— Vamos fazer um pacto? — propôs Gabi, enquanto penteávamos nossas barbies.

— Que tipo de pacto? — perguntei.

— Vamos prometer que nenhum menino vai acabar com a nossa amizade. Eu tô falando que a gente não vai arrumar namorado nunca e seremos amigas para sempre. Ok?

— A gente vai ter que cortar os pulsos? — perguntou Valeska. — Eu vi na TV uma vez que usavam sangue para fazer pactos. Ah, não, eu não quero.

— Não, Valeska, a gente vai mijar dentro de um pote e cada uma vai beber um pouquinho. — brinquei, mesmo engolindo a seco as palavras de Gabi.

— Então... vamos lá? — Gabi retirou uma agulha de máquina de dentro do bolso e espetou o polegar. Saiu uma gotinha de sangue. Ela então me entregou a agulha e, na pressão, fiz o mesmo. Valeska hesitou um pouco, mas também furou o polegar.

— Ai! Ai, nêga do dentão! Você viu o que me fez fazer? — bradou Valeska.

Gabi deu um tapinha de leve na cabeça de Valeska e pediu para que todos nós colocássemos a gotinha de sangue em um pedaço de papel. Em seguida, colocamos este pedaço de papel dentro de uma caixinha de fósforos e a enterramos em um terreno baldio, perto de minha casa.

— Ui, gente, que medo! Senti até um arrepio na espinha agora. Tô me sentindo uma bruxa. — disse Valeska.

— Grande coisa. — falei. — Só aceitei participar dessa besteira pra deixar vocês felizes.

— A gente é irmã agora, Lara, bestona. Irmãs de sangue. E agora quem descumprir o nosso pacto, um espírito muito maligno vai vir buscar e puxar o pé quando estiver dormindo.

— Ah, tá. Todo mundo sabe que espíritos não existem, Gabi. — falei.

— Ah, existe sim. Uma vez eu vi um com uns cabelos lá em cima igual aos da Gabi. Parecia uma moita.

— E tenho certeza que tu se mijou todinha quando viu ele, Valeska. — disse Gabi, revidando.

Papeamos besteira até as mães das garotas virem buscá-las. E agora, eu não conseguia dormir pensando no Douglas e o episódio no cinema, assim como o “pacto” de sangue que eu e minhas amigas fizemos.

PALAVRAS DE DOUGLAS LORETO.

Lara Pacheco era a menina mais bonita da nossa escola. Sempre andava com duas meninas, a Gabi Carvalho (uma das valentonas do colégio onde estudávamos) e a Valeska Soares. Andavam também com o nerd da sala, o Márcio Ferrari, vulgo Q.I.

Eu gostava dela. A Lara era legal porque ela desafiava os professores e aquilo fazia dela uma pessoa cada vez mais popular. As professoras se aguentavam para não meter a mão na cara dela. A ruivinha era indisciplinada e mimada.

Só toquei na mão dela naquele dia, no cinema, por impulso. Nunca fui tão fodão com as mulheres. Eu tinha muitas sardas no rosto, era muito magro e meus cabelos eram longos por opção da minha mãe e do meu pai, muito adeptos dos anos 90, quando o legal era os meninos terem cabelos compridos. Depois isso virou opção minha, eu gostava de ter os cabelões.

Minha aparência exótica impedia qualquer aproximação com qualquer garota e até com qualquer pessoa. Eu só tinha um único amigo: o João Paixão, que era excluído da turma também. Aprendemos desde cedo a fazer panelinhas, e logo, logo viramos grandes amigos.

João Paixão era negro e, desde cedo, sofria com o preconceito racial. Seu pai era pedreiro; sua mãe, manicure. Vindo de uma família muito humilde, ele sempre se revoltava por seus pais não darem sempre o que ele queria. Quase nunca ele ficava na escola e, por ela ser pública, seus pais sofriam com a negligência das professoras e da direção. Eles nada podiam cobrar. João começou roubando pertences das outras crianças, menos os meus, pois mantínhamos uma espécie de respeito. Logo mais tarde, ele se tornaria um dos braços direitos do chefe do tráfico de drogas no nosso bairro.

— Meu celular sumiu! — escandalizou Lara, certa vez, na escola. — Quem roubou meu celular?

Não era muito comum, em meados de 2002, uma criança ter um celular. Mas Lara Pacheco tinha tudo, tudo o que queria. E, pelo jeito que seus pais eram, fariam com que a polícia revistasse aluno por aluno se fosse possível. Ela não era de uma família rica. Aliás, nenhum aluno daquele colégio era rico. Apenas seus pais se matavam de trabalhar para realizarem os caprichos da filha.

Muitas daquelas professoras nem celular tinham. Elas ficaram desesperadas. Todos olharam para João Paixão, principalmente quando Lara o acusou aos quatro ventos:

— Foi ele quem roubou meu celular. Ele, o negrinho!

A professora pediu a João para olhar em sua mochila. Ele deixou sem problemas. O celular não estava lá. Contudo, eu sabia que estava com ele. Foi por isso que o pedi que deixasse o telefone debaixo da carteira de Lara ou em qualquer outro lugar estratégico a fim de evitar qualquer evento indigesto. Ele aceitou, me respeitava. O celular estava dentro de suas calças.


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Notas finais do capítulo

Eu sei que o capítulo foi meio curto e não teve nada demais, mas garanto que a história ainda vai ficar quente (eles ainda vão crescer) '0'

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