Dead Inside escrita por Valentina


Capítulo 2
A Louca e suas Memórias


Notas iniciais do capítulo

errata do capítulo anterior: um par de olhos azuis. Lol, falei dois pares. Imaginem o Carl com quatro olhos azuis agora.
Enfim.
Obrigada aos sete lindos seres humanos que estão acompanhando a história. *irradia felicidade*
Boa leitura!!



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Três pessoas me encaravam. Um adolescente de olhos azuis, um homem moribundo estatelado no sofá e uma mulher amedrontadora. Porém, eu não encarava ninguém. Eu sentia o olhar de cada um deles recair sobre mim, mas ao contrário do que eu queria e do que se esperava, eu não podia fazer o mesmo. Meus olhos focavam-se na parede à minha frente. A tinta estava descascando e os poucos porta-retratos ali pendurados estavam quase caindo.

Em minha mente tudo o que eu via era a morte. Não sei por quê, mas suspeito que depois do alívio de me sentir “segura”, próxima de pessoas que não querem comer minhas tripas, eu me permiti a vagar pelas lembranças que empurrei durante todas as horas enquanto caminhava pela estrada, travando uma batalha comigo mesma para descobrir se valia à pena ou não continuar andando.

Blair. Você tem que atirar. Dizia meu pai, segurando um revólver. Ele estava relaxado, como se estivesse deslumbrando uma belíssima paisagem. Respirava normalmente e não havia nenhum sinal de medo em sua voz. Como se ele pertencesse àquilo.

Não consigo. Não posso matá-lo. Em minha frente, a algumas jardas de distância, um menino estava preso a uma árvore. Ele se contorcia, rosnava, gemia. Ele parecia sofrer, mas não dava sinais de que tinha consciência disso. Fechei um dos meus olhos, tentando mirar inutilmente em sua cabeça. Aquilo seria uma perda de tempo, conclui, já que eu sabia que não conseguiria.

Blair, não é matá-lo. É matar isso. O menino era um isso. Aquele isso costumava ser o filho do nosso vizinho, e se chamava Jamie. Era um bom garoto. Vivia andando por aí segurando mais revistas em quadrinhos do que seus braços magrelos podiam carregar. Ajustava os óculos enormes e quadrados constantemente. Ao notar que aquela coisa presa a árvore não os usava, tomei coragem. Aperte o gatilho, disse meu pai, notando a fagulha que se acendera em meus olhos. Ela logo se apagaria se ele não a incentivasse.

Apertei. O tiro atingiu seu estômago, mas não provocou nenhum efeito em Jamie. Ele continuava a rosnar, gemer e se contorcer da mesma forma que antes. Respirei fundo. Fechei os olhos e contei até três. Apertei o gatilho novamente, e dessa vez, meu tiro foi certeiro. Bem no meio da testa daquele pobre menino. Daquele pobre isso.

O som do tiro fez minha mente pular para outra lembrança, dessa vez mais recente. Inicialmente, não percebi que estava falando com alguém além de mim mesma, mas fui notando minha própria voz narrando os acontecidos para as três pessoas presentes no cômodo.

“O bebê está chorando” – eu digo. Ouço o choro irritante e interminável de uma criança atingir meus ouvidos, fazendo-me tapá-los de imediato. – “Papai, tem um bebê chorando” – eu falo, mas não vejo as pessoas que me abrigaram. Vejo um rosto cauteloso e curioso, com as rugas da testa franzidas, um nariz arrebitado e lábios finos. Ele parecia se concentrar em apenas um de seus sentidos, sua audição. – “Começamos a correr” – eu sussurro, enquanto vejo tudo acontecer diante dos meus olhos. – “Um vulto na floresta. O bebê ainda chora. Chegamos a uma estrada. Mortos, mortos, mortos. O bebê ainda chora” – a princípio, eu não sabia que soava como uma pessoa que possui problemas mentais. Não me importei com isso quando me dei conta do fato. – “O vulto é uma mulher. Magra, cabelo rente à nuca. Ela foge com o bebê e mais duas crianças. Eu estou imóvel, e a mulher me chama. Eu não consigo sentir minhas pernas, e meu pai pede socorro. O vulto caminha para longe, e então, meu pai morre. Saio correndo” – as palavras atropelam umas as outras, tamanha velocidade com que escapam de mim.

De repente, estou de volta à sala. As três pessoas ainda me encaram, espantadas. Eu não as vejo propriamente, embora saiba que elas estão ali. Eu apenas vejo fantasmas passando, bebês chorando, pais sendo mortos. Fecho os olhos porque quero evitar tudo aquilo desesperadamente.

Quando eu os abro, estou de volta à realidade. Agarro o braço da poltrona na qual eu me sentei com força, como se estivesse me certificando de que tudo aquilo era real. Não havia mais ninguém na sala, nem mesmo o homem ferido. Ouço vozes, e pelo jeito como elas ecoam, presumo que estejam sendo originadas da cozinha, graças aos azulejos.

Ela está em choque” – disse uma voz masculina. Parecia cansada, e reconheci o sotaque igual ao do meu pai; tratava-se do homem ferido.

Se ela continuar assim, não vai ser útil” – disse a voz do adolescente. Eu a reconheceria a milhas, já que eram tão repletas de ódio como nenhuma outra viria a ser.

Ela não vai sobreviver se continuar assim. Deixe que o pânico vá embora. Ela é jovem, pode ajudar” – disse o homem, mais uma vez. Parecia convencido.

“Eu vou conversar com ela. Ela só precisa de um tempo” – disse uma voz feminina, cheia de autoridade e de... Solidão.

Eu sei o que vocês estão pensando. Só porque ela falou sobre um bebê, acham que é a Judith. Esqueçam. Ela não passa de uma louca e só vai nos atrasar” – disse o adolescente. O nome dito não me era nem um pouco familiar, mas só consegui me ater nas palavras louca e atrasar. Era melhor eu ir embora.

Carl. Olhe em volta. Tudo o que vamos conseguir ao expulsá-la é culpa. E eu já tenho culpa o suficiente” – o homem disse calmamente. Sua voz tropeçou, e pensei que fosse chorar. No entanto, nenhum ruído a mais foi emitido.

Eu vou buscar mais suprimentos” – Carl, como deduzi ser seu nome, disse friamente.

Alguns passos começaram a se tornar mais audíveis, produzindo um baque surdo contra o piso de tacos. Tentei me levantar, mas eu não tinha forças. Eles não me queriam ali e eu não queria ser um incômodo. Contudo, não conseguia fazer nada além de piscar.

Carl passou por mim, evitando qualquer tipo de troca de olhares. Arrastou o sofá novamente e abriu a corrente da porta. Assim que saiu, fez questão de batê-la com força. Estava chateado, ou talvez irritado. Ou os dois.


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Notas finais do capítulo

Bom, por enquanto os capítulos podem parecer sem graça mesmo, mas é só questão dela se entrosar com o 'grupo'. Reviewss e espero que tenham curtido! (:



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