- Recomeçando escrita por HungerGames


Capítulo 3
Capítulo 3


Notas iniciais do capítulo

...''– Ou você luta por ela pra valer ou você parte pra outra! – ele fala e dessa vez é ele quem se afasta me deixando ali parado absorvendo o que ele falou''...



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Eu continuo parado no meio do caminho olhando na direção da casa dele, as palavras dele me atingiram de uma forma que eu nem sei explicar, só sei que me machucam e esfregam na minha cara algo que eu tentei me convencer durante todos esses meses. Eu não sei o que fazer, as palavras do Haymitch ecoam pela minha cabeça e por mais que eu queira ignorar não posso por que essa é a verdade, eu sempre estive e vou continuar apenas pelas beiradas da vida dela, sempre serei descartável como disse o presidente Snow, tudo aquilo que aconteceu foi uma farsa e quanto antes eu aceitar isso melhor será pra mim, o único problema é que eu não consigo parar de pensar nela, eu não consigo excluir ela da minha vida e da minha mente, não consigo. Mas preciso conseguir.
Eu olho na direção da casa dela e vejo que apenas uma luz no andar de cima está acesa, onde eu acredito ser o quarto dela e continuo parado ali, até que uma rajada de vento frio me lembra que eu estou no meio do caminho ainda, então eu sigo meus passos até em casa, abro a porta e quando a fecho a realidade me atinge novamente, me deixando sozinho em uma casa extremamente silenciosa, as luzes estão apagadas mas ainda não está totalmente escuro, então eu subo as escadas, entro no quarto, coloco os papéis da padaria sobre a cômoda e vou pro banheiro, tiro minha roupa e entro no chuveiro, enquanto a água escorre pelo meu corpo as palavras do Haymitch latejam na minha cabeça e por mais que eu queira ignorá-las eu não posso, por que é tudo verdade, cada palavra dele me atingiu por que eram reais, desde que eu voltei pra cá há oito meses atrás a principal coisa que eu faço da minha vida é viver pela beirada da vida dela, eu estou sempre por perto mesmo que ela não saiba, eu a observo mesmo que de longe, eu tentei não fazer isso, eu tentei viver uma vida onde ela não fosse o centro dela mas sem muito sucesso, só que agora com as palavras do Haymitch eu não consigo mais ignorar isso, eu preciso fazer alguma coisa da minha vida que não seja esperar por ela, por que isso nunca vai acontecer, ela não vai me enxergar e não vai me amar, nunca, e eu preciso aceitar isso, preciso continuar uma vida mesmo que ela não esteja nela, depois do que eu acho ser muitos minutos eu fecho o chuveiro e saio do banheiro, coloco uma calça e desço as escadas novamente em direção a cozinha, abro a geladeira e começo a preparar alguma coisa pra que eu pudesse comer, mesmo sem estar com animo pra isso, mas como eu não almocei hoje estou realmente com fome, então preparo um macarrão rápido, pego meu prato e vou pro sofá, ligo a televisão em um noticiário e começo a comer enquanto assisto as ultimas noticias do país, imagens de outros distritos estão aparecendo, onde mencionam quais serão os próximos passos a serem realizados em cada um deles, falam sobre a construção de um hospital aqui no 12 e a ampliação de um no Distrito 13, continuo vendo as reportagens enquanto termino meu jantar, quando a foto dela aparece, ela está com o uniforme que usou durante a revolução, seu arco nas costas em uma imagem que parece me hipnotizar, ela está ainda mais linda do que qualquer outra vez, seu rosto, os olhos que parecem enxergar através da TV, tudo nela me prende, me fascina e eu continuo parado olhando pra ela sem nem ao menos saber sobre o que estão falando, até que a imagem dela sozinha muda e entra uma imagem de nós dois, pela roupa eu reconheço que foi no programa do Ceasar logo após nós vencermos os primeiros jogos, agora eu consigo prestar atenção no que diz, a mulher está relembrando o quanto nós fomos importantes pra Revolução e pra onde nós estamos hoje, por alguns segundos olhando aquela imagem e vendo aquela legenda ‘’Os amantes desafortunados’’ um pequeno sorriso se forma no meu rosto, algumas lembranças boas também aparecem mas logo eu fecho a cara de novo, pego o controle e desligo a televisão.
– Não é real! – eu falo em voz alta enquanto me levanto e vou pra cozinha, lavo o prato, arrumo as coisas e subo as escadas novamente, me deito na cama e tento dormir, me mexo na cama algumas vezes antes de conseguir fechar os olhos.
Eu estou novamente naquela cadeira amarrado e incapaz de mover um único músculo sequer quando eu ouço a voz dela, eu viro a cabeça rapidamente, olhando ao redor a procura dela, quando ela surge na minha frente, ela está ainda mais linda do que eu me lembrasse, seus cabelos estão soltos, ela está com um vestido amarelo, seu rosto está suave e tem um sorriso que consegue afastar qualquer dor ou incomodo que eu pudesse estar sentindo.
– Katniss! – o nome dela escorrega dos meus lábios enquanto eles formam um sorriso, ela sorri novamente pra mim e se aproxima, ela já estava a ponto de me soltar quando outra voz surge chamando ela.
– Katniss! Vamos! – eu procuro a voz e o vejo parado ao lado de uma porta que eu não tinha visto antes aberta.
– Gale! – ela para e se vira pra ele, ele estica a mão esperando por ela que volta a me olhar dessa vez ela não está sorrindo, o rosto dela está sério como se ela pensasse em algo.
– Katniss, me solta! Anda, me solta, eles vão voltar – eu peço tentando manter minha voz calma mas ainda é possível sentir um certo desespero, ela afasta dando um passo atrás e negando com a cabeça.
– Katniss, não! Por favor – eu peço ainda mais urgente que antes – Não me deixa aqui – eu peço pela ultima vez.
– Nós temos que ir agora! – ele fala com a voz firme e ela se vira pra ele e aceita a mão dele.
– Katniss! – eu grito quando ela começa a se afastar com ele, ela apenas se vira pra me olhar mais uma vez, mas sem nenhuma expressão no rosto, ela volta a olhar pra frente e segue seu caminho me deixando ali naquela sala, ainda preso, vozes começam a surgir por toda a sala, a voz do Haymitch e do Snow se misturam, as frases invadem minha cabeça e ecoam por todo o espaço.
‘’Ela não se importa’’ ‘’Você foi apenas parte do plano, até se tornar descartável’’ ‘’Ela ama ele’’ ‘’Ela não te ama’’ ‘’Ela matou sua família e agora vai matar você’’...
Eu abro meus olhos e vejo que não estou amarrado aquela cadeira, estou deitado na minha cama, suando e com as mãos tremendo, meu coração está batendo fortemente e minha respiração está ofegante, eu passo as mãos pelo cabelo enquanto me sento na cama, as vozes continuam pela minha mente mesmo agora que eu já acordei, minhas mãos vão instintivamente para os ouvidos tentando bloquear as vozes, respiro fundo tentando me convencer que não é real e aos poucos as vozes vão parando e o silencio assume o seu lugar, eu continuo sentado até que nenhuma voz e nenhum som pode ser escutado, eu pego o abajur do lado da cama e o jogo com toda força, o estalo dele batendo na parede e se multiplicando em vários pedacinhos no chão invadem o quarto e quebram o silencio mas apenas por poucos segundos, eu me encosto na cama sabendo que não vou conseguir dormir.
Enquanto estou ali parado olhando pela escuridão do quarto eu me sinto ainda mais perdido do que qualquer outra vez que eu me lembre, eu daria qualquer coisa pra esse inferno acabar, pra tudo isso parar, eu só queria não ter que lidar com esses flashes e essas vozes toda noite, eu só queria ser ... Normal!
No meio disso me lembro do que o Dr. Aurelius disse uma vez quando eu ainda estava na Capital, durante uma das minhas consultas com ele, ele mencionou uma forma de realizar um "tratamento radical" para os flashes, eu lembro que me interessei por que eu estava disposto a tudo pra acabar com aquilo, mas ele se recusou a dizer na época, preferiu que eu tentasse outras técnicas que acabaram dando certo, por que eu conseguiu e tenho conseguido até hoje desvendar as imagens reais das modificadas o que ele disse ser um grande avanço, mas antes de voltar para cá eu insisti com ele para saber que tipo de tratamento radical seria aquele, foi quando ele me explicou, que o tipo de tortura e telessequestro que eu sofri foi umas das formas mais fortes e "bem sucedidas" que já aconteceram, por isso a única opção seria acabar de uma vez por todas com aquilo que seria nas palavras dele: "Zerar a minha memória!'", ou seja, eles iriam apagar todas as minhas lembranças, o que incluiria as imagens implantadas, eu seria como um caderno em branco pronto pra ser escrito novamente, no momento que ele falou isso eu nem ao menos pensei em aceitar essa proposta, eu não queria esquecer, não queria apagar tudo que eu era, tudo que eu vivi, as pessoas que eu conheci, mesmo com as coisas do jeito que estavam eu queria me lembrar, queria lembrar do sorriso do meu pai, das mãos dele fortes e firmes me ensinando a fazer a massa do pão, seu olhar concentrado enquanto me observava, eu queria me lembrar dos meus irmãos mesmo quando nós discutimos, queria lembrar da escola, dos colegas e amigos que eu fiz lá, queria me lembrar de quem eu era de tudo que eu vivi e acima de tudo eu queria me lembrar dela, da primeira vez que eu a vi, do modo como ela me abraçava quando nós dormíamos juntos, do sorriso dela no dia que nós ficamos no terraço, dela dizendo que precisava de mim, eu precisava me lembrar dela, essa era a minha decisão. Até o momento que eu me vejo sem nada, não tenho nenhuma esperança das coisas melhorarem, eu não tenho nada a perder por que eu já perdi tudo, talvez hoje essa seja a melhor opção pra mim, não lembrar de nada, não ter nada pra sentir falta, eu realmente estou reconsiderando essa opção, Dr. Aurelius não disse mais nada mas eu tenho certeza que se eu optar e exigir isso eles farão, a única coisa que ainda me faz vacilar é pensar que a padaria já está quase pronta e o meu ‘’novo eu’’ talvez não queira continuar com ela, ou talvez nem volte para o 12, o que vai fazer o nome do meu pai morrer junto com a minha memória, esse ainda é um dos poucos motivos que me farão pensar mais um pouco nessa opção. Depois de fazer minha lista mental das coisas positivas e negativas que essa decisão me trará eu me levanto da cama e saio do quarto, entro no quarto que virou o ateliê, paro no meio do quarto olhando ao redor, todos os quadros e desenhos que eu já fiz, os rostos tão familiares que permeiam em minhas lembranças, é como se toda a minha memória estivesse aqui exposta na minha frente, minha infância, os jogos, a turnê, o massacre, tudo, inclusive ela que está por toda parte e enquanto eu observo sinto minha certeza se escorrendo de mim, eu não me lembrarei de nada, absolutamente nada, mas talvez seja o melhor, é o que eu penso tentando me convencer, então levanto e saio do quarto, olho pela janela e ainda está tudo escuro lá fora. Eu estava na minha cama novamente encarando a escuridão quando o telefone tocou, eu me assustei procurei o relógio e me assustei novamente quando vi que eram 2 da manhã. Quem me ligaria esse horário? Desci as escadas correndo e cheguei no escritório em poucos segundo mas já na quarta chamada.
– Alô?! – eu atendi com a respiração ainda ofegante .
– Ah Peeta !! Que bom que você atendeu! - a voz nervosa e chorosa dela me despertaram mais ainda.
– Delly! O que foi? O que aconteceu? - eu perguntei já imaginando que algo grave aconteceu.
– Aí Peeta foi horrível... Eu não sabia o que fazer, o Dylan passou o dia inteiro passando mal e de repente ele começou a vomitar, estava queimando em febre, gemendo e tremendo de dor, suando frio, eu fiquei desesperada, corri pro hospital, aí meu Deus, foi horrível - ela fala entre choros e eu escuto atentamente
– E como ele está agora?– eu pergunto nervoso.
– Agora ele tá bem! Quer dizer ainda vai ter que ficar no hospital em observação, está tomando soro, já foi medicado, tiraram sangue dele mas o médico disse que não deve ser nada grave, apenas uma virose que está tendo por aqui! - ela fala um pouco menos angustiada.
– Que bom! Vai dá tudo certo eu tenho certeza! - eu falo com toda a coragem e firmeza que eu consigo.
– Eu precisava falar com alguém e você é a única pessoa que eu tenho além dele, me desculpa te ligar a essa hora, mas eu precisava ouvir uma voz amiga e a sua é a única que me restou! - ela fala e volta a chorar – Eu pensei que ele... Eu pensei que... - ela gagueja sem conseguir terminar a frase.
– Ele vai ficar bem! Ele tá bem! Não chora Delly! Você tem que ser forte - eu peço e tento encorajá-la.
– Eu sei. Eu sei! - ela fala respirando fundo – Obrigada - ela fala com a voz mais alegre.
– Você não tem que agradecer! - eu falo rapidamente.
– Eu tava aqui no hospital, nesse corredor vazio, frio, tava tudo quieto e eu só conseguia pensar em você, eu precisava falar com você! Você é a minha família agora! Você e o Dylan são tudo que eu tenho! - ela fala as palavras de forma sincera e isso me paralisa, eu também a considero muito, ela foi uma das poucas pessoas que me sobraram, mas ouvir ela falando assim, mexe comigo e abala tudo que eu pensei anteriormente, ela percebe meu silêncio– Aconteceu alguma coisa? - ela pergunta preocupada – Você tá com sono né?! Desculpa, eu já to bem! Vou deixar você descansar... - ela começa a falar e eu a corto.
– Não. Eu realmente to sem sono. Na verdade você salvou minha noite, eu tava deitado olhando o teto! - eu falo tentando amenizar.
– Os flashes? - ela pergunta mesmo já sabendo a resposta, nós já conversamos sobre isso outras vezes.
– É... Não consigo dormir - eu simplifico tudo.
– Sinto muito!- ela fala com sono voz baixa e sincera.
– Eu também! - eu repito com o tom de voz baixo também.
– Mas é só isso? - ela pergunta sem acreditar muito– Aconteceu mais alguma coisa não aconteceu? - ela insiste e eu penso no que falar pra ela mas o silêncio confirma a resposta.
– Peeta, nós somos amigos. Você é meu irmão! Não tenta esconder nada de mim, ouviu bem? - ela briga comigo mas com uma leve diversão na sua voz.
– Eu não to te escondendo nada! - eu falei sorrindo da reação dela– Só não é uma boa hora! Depois a gente conversa. Você tem que cuidar do Dylan agora - eu falo tentando encerrar o assunto.
– O Dylan está bem e está sendo bem cuidado! Quanto a você eu ainda estou esperado - ela fala decidida e eu já ouvi esse tom de voz antes e sei que ela não vai desistir, mesmo assim eu fraquejo pra falar – Peeta Mellark eu estou esperando! O que está te preocupando? - ela pede novamente, eu solto a respiração e como estava realmente querendo falar com alguém eu falo com ela.
– Bom, acho que você não vai desistir não é? - eu pergunto mesmo já sabendo a resposta.
– Não. Não vou! - ela se mantém firme.
– Tem um jeito de acabar com os flashes! - eu solto a frase rapidamente antes que eu desista de falar, e ela solto um som de alívio com surpresa.
– Oh meu Deus! Isso é fantástico Peeta! Que bom! Eu fico muito feliz por você - ela comemora mas percebe meu silêncio – Você não tá feliz? - ela de comemorar.
– É que tem um problema! - eu falo tentando diminuir a gravidade.
– Que problema? - ela pergunta preocupada.
– É que tem uma grande chance de ... - eu gaguejo mas volto a falar logo – posso perder a memória - eu termino a sentença com a voz firme, na verdade não é uma chance é uma certeza, é exatamente o que eles irão fazer, apagar minha memória mas eu não falo isso pra ela, apenas a deixo pensar que é um risco.
– Oh não! - ela parece em choque e começa a chorar.
– Delly? - eu chamo por ela e só ouço o choro.
– Oh não Peeta, isso não pode ser... - ela chora – Qual é a chance disso acontecer?– ela pergunta.
– 100% - eu penso em falar mas não consigo – Mais de 80% - eu continuo deixando ela pensar que é apenas um risco.
– Oh não! - ela parece chocada.
– Eu sei! É um risco grande! - eu falo tentando parecer confiante - Mas os flashes acabariam!
– Isso é horrível!! - ela chora e eu deixo ela se acalmar depois de alguns minutos ela parece mais calma - Você é meu irmão! Meu melhor amigo! Eu... Eu, não consigo imaginar encontrar você e você não se lembrar de mim, não se lembrar de tudo que nos já fizemos juntos! Eu só tenho você e o Dylan...
– Eu sei! Ainda não é nada certo! Eu só... Eu não devia ter falado - eu me recrimino – Você tá no hospital e eu não devia ter falado nada! Foi burrice - eu estou me odiando nessa hora, como eu pude falar isso com ela nessa situação.
– Para com isso - ela fala firme e me surpreende – Claro que você devia ter falado. Você pode me falar tudo e eu ficaria muito mal se você não falasse - ela explica – Eu só levei um susto! Não espera por isso - ela volta a voz preocupada de antes.
– Imagino - eu sussurro.
– Peeta eu te amo! Você sabe disso e eu não consigo pensar que você não vai se lembrar de mim nem da nossa infância. Mas por outro lado essa é uma decisão sua, eu não posso te proibir mesmo que eu queira fazer isso - ela fala sincera – Mas pensa bem Peeta! Isso é muito radical! Se você esquecer tudo... eu não consigo nem imaginar... - ela para de falar e eu percebo que ela realmente ficou abalada com isso.
– Ainda não é nada certo. Eu só estou pensando! - eu tento acalma-la.
– Então pensa bem! É toda sua vida Peeta! Você tem que pensar muito mesmo- ela pede mas calma.
– Eu prometo que eu vou pensar- eu garanto a ela.
– Você pode sempre contar comigo! Mesmo de longe você ainda é meu melhor amigo! - ela fala e eu sorrio com isso – Promete que você vai conversar comigo se precisar - ela pede com a voz suave .
Eu prometo! - eu afirmo sinceramente.
– Eu tenho que ir ver o Dylan agora mas pensa bem... Eu não quero perder você também - ela fala e novamente as palavras dela me atingem.
– Melhoras pro Dylan e tenta descansar - eu aviso e peço.
– Você também! Boa noite e Obrigada - ela fala.
– Eu que agradeço - eu falo e desligo.
Eu desligo o telefone e fico o encarando, eu sempre considerei a Delly uma grande amiga, ela sempre me apresentava a todos como irmão dela mas ouvir essas palavras tão direta e sincera me fez de certa forma vê que tem alguém ainda, que me restou ainda uma pessoa. Eu me levanto da cadeira e saio do escritório, quando eu olho a escuridão e o silêncio dessa casa novamente as dúvidas surgem, um lado meu quer manter as lembranças, manter quem eu sou, mas outro lado simplesmente não aguenta esse vazio e esse silêncio perturbador, não aguenta mas ser sozinho e infeliz toda noite! Eu subo as escadas e me jogo na cama, os pensamentos se misturam com lembranças e imagens, todas são reais e a maioria são boas, mas a maioria também tem a Katniss e isso me perturba. Eu não consigo me livrar de nada dela, ela sempre está na minha mente. De alguma maneira eu acabo pegando no sono apenas pra ver mais lembranças surgindo e se confundindo com sonhos, quando acordo na verdade é como se não tivesse dormido, vou até o banheiro lavo o rosto, escovo os dentes e desço, pego os pães e os coloco em uma cesta. Ainda não decidi nada sobre apagar ou não minha mente mas decidi que eu não posso continuar desse jeito que eu estou. Haymitch está certo, eu simplesmente estou cansado de viver pelas beiradas, a partir de hoje por mais difícil que seja eu não vou mais fazer isso, por isso levo apenas uma cesta e vou direto pra casa ao lado, entro sem bater por que mesmo que eu fizesse não adiantaria, entro pela mesma bagunça de antes, mas não o acho no sofá nem na mesa, já estava me aproximando d mesa quando o barulho chamou minha atenção, algo caindo no chão e quebrando.
– Inferno - a voz arrastada e bêbada pragueja.
Eu coloco a cesta na mesa e sigo as reclamações pelo corredor, paro na porta do banheiro e o vejo em pé na frente do espelho, o rosto cheio de espuma branca que agora está marcado de vermelho por causa do sangue que desce pelo seu queixo e pescoço, ele está segurando uma navalha e me encara pelo espelho.
– O que você tá fazendo? - eu pergunto encarando ele.
– Não é óbvio? - ele fala dando de ombros e volta a passar a navalha no rosto, sua mão treme visivelmente.
– Tentando se matar? - eu falo pegando a navalha dá mão dele ele nega.
– Eu posso fazer isso - ele resmunga.
– Não. Não pode - eu nego e ele resmunga novamente mas solta a navalha na minha mão.
Eu me aproximo mais dele e indico que ele se sente no vaso, ele me olha furioso e eu devolvo o mesmo olhar, ele senta mas não sem reclamar, eu pego a navalha e começo a fazer aquilo que ele não conseguiu.
– Você tava certo! - eu falo enquanto me livro da barba dele, ele me olha em silêncio e eu continuo a fazer o trabalho– Eu acho que vou aceitar o tal tratamento radical do Dr. Aurelius - eu falo e ele intensifica o olhar em mim, não preciso explicar pra ele por que ele sabe exatamente do que se trata, termino a barba dele sem mais nenhum corte – Pronto você já não parece mais um mendigo e continua vivo! - eu falo lavando as mãos na pia ele continua parado me olhando, então se levanta.
– Você tem certeza? - ele pergunta e então lava o rosto.
– Vai me dizer que você também não gostaria de se esquecer alguma coisas? - eu devolvo com outra pergunta ele me encara pelo espelho.
– Algumas sim! Todas não! - ele fala fortemente
– Eu não tenho essa opção - eu falo dando de ombros.
– Você tem certeza que é isso que você quer? - ele pergunta se virado pra mim.
– Não, mas não tenho outra opção - eu falo sinceramente.
– Sim. Você tem outra opção. Você tem a mesma opção que você leva durante esse tempo- ele sugere.
– Eu não posso continuar assim - eu falo sem querer parecer desesperado.
– Então faça algo mas não apaga tudo que você é por causa dela - ele fala irritado mas sem desviar o olhar do meu.
– Isso é por mim! - eu me irritei também - Você acha que é fácil ficar naquela casa sozinho! com aquele silêncio frustrante, tendo que lidar com todos esses pesadelos e flashes, tendo que convencer a mim mesmo que eu não sou um louco, sabendo que não tenho mas ninguém na vida, ninguém que me ama, que se preocupa comigo? - eu falo alto e no momento que a palavras saem da minha boca e eu vejo a expressão no rosto dele eu me dou conta de que ele sabe, sabe exatamente o que eu passo, não a parte do flashes mas todo o resto, eu paro de falar e apenas o encaro.
– É eu sei! - ele fala baixo – Mas você não pode matar tudo que ainda restou de você, e é nós dois sabemos que o motivo principal é ela sim - ele afirma sério – Garoto, presta atenção no que você quer fazer, você quer apagar tudo só por que ela não te enxerga? Deixa de ser idiota! É ela quem está perdendo, é ela quem devia está desesperada atrás de você e não o contrário. Aquela garota não te merece - ele fala apontando na direção da casa dela – Para de se matar por ela! Vai viver! Se ela não te quer eu tenho certeza que tem quem queira. Vai conhecer outra pessoa. Você ainda tem tempo, você ainda é um garoto e não um velho - ele fala claramente mas sem auto piedade apenas preocupado. Eu estou sem ação.
Tudo o que ele falou ainda está sendo digerido, essa é uma das raras vezes que ele não está sendo irônico e foi a primeira vez que ele mostrou mesmo que do jeito torto dele que ele se importa comigo. Eu fico parado observando ele sem saber o que falar, quando ele se aproxima de mim coloca a mão no meu ombro.
– Ela quem tá perdendo! - ele confirma me olhando nos olhos – Não abre mão de tudo por ela, você ainda tem uma vida além dela! - ele fala e balança meu ombro, então se afasta e vai na direção dá mesa, ele pega o pão e se senta – Você já tomou café? - ele pergunta e eu que ainda continuava parado no mesmo lugar me desperto.
– Não! - eu respondo me virando pra ele, vou até onde ele está e puxo uma cadeira, quando eu ia sentar ele me impede segurando meu braço, eu olho pra ele sem entender.
– Faz o café primeiro! Odeio comer pão puro e minha cabeça está explodindo– ele pede quase como uma exigência e então eu volto a reconhecer o antigo Haymitch, eu vou até a cozinha e coloco a água pra ferver, dentro de minutos o café forte já está pronto, coloco em duas xícaras e volto pra mesa, colocando a xícara dele na frente dele, ele pega e tira um gole.
– Viu, se você esquecer tudo quem vai fazer meu café! - ele fala naturalmente e ri depois continua comendo. Eu também continuo até que término o café e me levanto, coloco minha xícara na pia e vou na direção da porta.
– Você devia cortar o cabelo também - eu falo quando passo por ele.
Ele ri, eu fecho a porta e escuto ele resmungar algo mas não entendo o que é, saio da Aldeia e pela primeira vez nesses últimos meses eu mudo meu caminho e sigo direto pra padaria mesmo tendo uma vontade enorme de cortar a metade do caminho e ir para o Prego esperar ela passar, mesmo assim eu sigo o caminho repreendendo a mim mesmo mentalmente me lembrando de que não posso mais continuar assim e que mesmo que eu continuasse não adiantaria por um simples motivo.
– Ela não te ama! - meu pensamento grita pra mim e eu não posso discordar dele.
Perdido nesses pensamentos eu nem percebo quando chego a padaria, ainda não tem ninguém, mas eu já esperava por isso, então abro a porta e entro parando no meio dela, eu olho ao redor e observo cada pedaço do que já está pronto e me sinto satisfeito com o que vejo. Não há muito o que se fazer agora por que depende do restante das coisas chegarem, hoje todo os móveis chegarão, o que significa a mesa do escritório, cadeiras, dois armários de madeira, duas poltronas que ficarão aqui no salão para o caso de alguém querer se sentar, também deixarei três mesinhas com cadeiras pra quem quiser ficar por aqui, a geladeira e a caixa registradora. Ainda assim com essas coisas faltando um sorriso escapa dos meus lábios, um sorriso de satisfação, me sento no meio da padaria abraçado as minhas pernas encosto a testa em meus joelhos e já posso ouvir os passos das pessoas entrando e saindo daqui, crianças rindo e correndo porta a dentro, senhoras sorrindo e saindo satisfeitas, agora que a maioria das pessoas tem um salário decente isso não será apenas um sonho e sim uma realidade. Estou perdido nesses pensamentos quando verdadeiramente escuto os passos, levanto a cabeça e me viro pra encontrar Philip e Benny entrando, Benny vem até a mim.
– Fala Patrão! Já cansou? - ele pergunta enquanto bagunça meu cabelo e para ao meu lado, ele é sempre assim, extrovertido, animado, com um sorriso no rosto, esse foi um dos motivos que eu tive pra chamá-lo pra poder ficar no atendimento, essa é a principal diferença dele e do Philip, que mesmo eu já conhecendo a mais tempo ainda fica tímido e retraído, por isso ele ficará comigo na cozinha. Eu me levanto do chão e paro ao lado deles.
– Tá ficando bom né! - Benny fala animado.
– Tá - eu confirmo sorrindo e olhando pra ele.
– E ai Philip o que tá achando? - eu pergunto olhando pra ele.
– Está ótimo! Melhor que antes - ele fala tímido mas sincero.
– E o que a gente vai fazer agora? - ele pergunta me olhando.
– Agora não tem muito o que fazer, acho que o trabalho duro só a tarde. A gente tem que esperar a entrega - eu falei e antes que ele pudesse falar o barulho do caminhão parando nos faz rir.
– Acho que já temos trabalho - ele fala e nós vamos até lá fora, apresento os papéis e começamos a esvaziar o caminhão e encher a padaria. Cerca de uma hora depois as coisas já estão espalhadas pela padaria, o caminhão se vai e ficamos eu Benny e Philip, nos trocamos um olhar e Benny é quem fala primeiro.
– Acho que merecemos um minuto de pausa - ele pede fingindo um cansaço ainda maior do que realmente está.
– Um minuto - eu falo mas sorrio.
Nós nos sentamos pelo chão mesmo. Depois de alguns minutos descansando nós nos levantamos e vamos começar a arrumação das coisas, arrastando os moveis e os colocando em seu lugar, chega o horário do almoço e temos que parar, eles saem pra almoçar e eu fico pela padaria, vou até o escritório e começo a organizar as coisas por lá, depois volto para o salão e arrasto as mesas e poltronas para os lugares que eu acho melhor. Olho ao redor e sorrio mesmo cansado, então me lembro de algo e volto ao escritório e pego a fotografia, uma das poucas que sobraram de toda a minha família, eu a coloquei em um quadro, volto para o salão pego o martelo na caixa de ferramenta junto com o prego e me empenho em procurar um lugar adequado, opto pela parede do lado do balcão assim todos que entrarem poderão ver, eu a coloco ali pendurada e me afasto pra olhar melhor, aprovo. Volto pra cozinha e pego um livro de receita que meu pai mesmo fez, está na família a anos e eu nem acreditei quando o vi no meio dos escombros da padaria quando começaram as reformas, a capa estava queimada e rasgada assim como algumas folhas mas em sua maioria ele estava bom, eu refiz uma capa e preservei o restante dele, agora ele ficará aqui comigo como um pedaço do meu pai sem falar que realmente tem ótimas receitas ali, decido fazer uma delas até mesmo pra de certa forma testar os fornos, estava começando a verificar os ingredientes quando os garotos chegaram.
– Fala patrão! - Benny entra e vem até a mim.
– Oi. - eu falo ainda procurado pelos ingredientes que não estão completos por que ainda não chegaram a entrega de mantimentos.
– Algum problema? - Philip pergunta quando me vê.
– Eu ia fazer uma receita pra testar o forno mas tá faltando material - eu falo meio decepcionado.
– Eu posso ir comprar se o Senhor quiser – ele sugere.
– Em primeiro lugar não tem essa de " Senhor", sou eu, Peeta!- eu falo firme, ele me dá um sorriso sem graça – Em segundo, eu agradeço se você for, eu queria mesmo fazer alguma coisa ainda hoje - eu complemento.
– É só me falar o que precisa - ele fala mais natural do que antes.
– Vou anotar - eu aviso e entro no escritório procurado caneta e papel, acho e anoto o que falta.
– Tá aqui! - eu falo e entrego o papel em seguida pego algumas notas que tinha no bolso e o entrego – Eu acho que é só suficiente se não for avisa que eu passo lá mais tarde - eu peço e ele concorda e logo sai.
Ficamos eu e Benny por lá enquanto isso ele me conta sobre uma garota que ele tá afim mas que ele não quer nada sério por enquanto e é impossível eu não pensar em Katniss, mas tenho que afastar esse pensamento.
Continuamos conversando até Philip voltar com o restante do material, eu e ele nos encarregamos de fazer a receita que é uma broa de milho com erva doce, nós estamos trabalhando na massa quando alguém chamando nos desperta.
– Benny, dá uma olhada lá! – eu peço já que estou todo sujo de farinha e ainda trabalhando na massa junto com Philip, ele concorda e vai atender, logo depois ele entra no escritório e sai com alguns papéis, eu continuo na cozinha mesmo curioso por que já estou colocando os pães no forno, quando termino e vou até ele, ele está entrando na cozinha arrastando uma caixa grande.
– Quê isso? – eu pergunto sem me lembrar que tinha outra entrega pra hoje.
– As embalagens! – ele fala abrindo a caixa e puxando uma das sacolas de papel marrom, eu pego da mão dele olhando melhor, um sorriso aparece no meu rosto novamente e eu observo cada detalhe, o desenho de uma cesta com pães com o nome Mellarks Padaria, prendem minha atenção.
– Ficou ótimo! – Philip fala também olhando as embalagens, eu confirmo com a cabeça.
– Eu ainda acho que podia ter uma foto nossa! – Benny fala rindo e fazendo uma pose ridícula que faz eu e o Philip caímos na risada.
Nós ficamos ali rindo das poses que o Benny faz e do discurso dele do quanto uma foto na entrada da padaria poderia melhor a reputação dele o que atrairia os olhares femininos pra ele, eu e Philip rimos e tentamos manter os pés dele no chão, nós voltamos pra cozinha e enquanto Benny guarda as embalagens, eu e Philip retiramos os pães do forno, o cheiro invade a padaria e Benny reaparece rapidamente.
– Acho que vocês levam jeito mesmo ein! – ele entra na cozinha vindo direto para os pães.
– Espero que sim, investi meu dinheiro todo aqui – eu falo rindo e dando de ombros, ele concorda e nós repartimos um dos pães, comemos e ele aprova novamente dizendo que não era apenas o aroma mas que o sabor também está muito bom, a tarde já está caindo e como já não tem mais nada pra fazer, nós arrumamos a cozinha e eu mando pães pra ele e pro Philip, por que apesar das coisas estarem melhorando ainda não estão perfeitas, Benny por exemplo mora com a avó e mais três primos, o mais velho com 11 anos ele é o único que trabalha portanto o único que leva dinheiro pra casa é ele, por isso eu faço questão que ele leve os pães e ele aceita sem reclamação, também mando pro Philip que mesmo morando sozinho ainda manda dinheiro pra mãe e pra irmã que preferiram ficar no 13.
Eles se despedem de mim e saem da cozinha, eu continuei por lá enrolando o tempo, mas logo Benny me grita.
– Peeta! Visita! – ele anuncia com a voz alta, eu estranho por que afinal não tem ninguém que poderia vir aqui, a não ser Haymitch mas ele só veio aqui uma vez e mesmo assim por que eu praticamente o arrastei já que ele mal saia de casa, eu termino de guardar o tabuleiro que usei e vou lá ver quem é, saio da cozinha ainda sujo de farinha, com o avental amarrado na cintura, esfrego minhas mãos nele enquanto entro no salão e quando eu vejo quem é eu paro no meio do caminho, minhas mãos ainda no avental e meus pés parecem esquecer como se anda. Ela está de costas mas eu a reconheceria mesmo a quilômetros de distância, ela está olhando a vitrine de vidro logo na entrada, eu respiro fundo antes de acreditar que é real.
– Katniss? – eu chamo confuso sem entender o que ela veio fazer aqui, ela se vira e para de frente pra mim, tenho que me controlar e manter minha voz e meu comportamento normal, mas eu sinto meu coração parecer disparar, há algum tempo eu não a via assim de frente pra mim, me olhando nos olhos, eu ainda não sei se isso é bom ou ruim, mas um sorriso surge no meu rosto mesmo contra a minha vontade.


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Notas finais do capítulo

Me pediram um capítulo grande, bom aí está! kkkk...
Espero que gostem!