Pompeii escrita por Liza Maia


Capítulo 1
Prólogo - Surdo, não mudo


Notas iniciais do capítulo

Ahoy!:)
Espero que gostem da fic. Toda quinta-feira tem capítulo novo.
Essa história já foi postada no AnimeSpirit por mim (no mesmo nome de usuário).
Boa leitura!:)



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Um vento forte e impetuoso entrou pelas janelas fazendo com que eu puxasse as cobertas para mais perto. Aconcheguei-me no colchão e fiquei abraçado aos lençóis tentando aquecer meu corpo naquela manhã fria de dezembro.

Não me lembro de ter dormido, e muito menos de ter acordado. A última coisa de que me recordo é a cena de um filme chamado “Questão de tempo”. Uma frase marcante que ficou em minha memória grudou, por isso lembro-me do filme. Eu geralmente esqueço do que assisto, já que diferentemente da maioria das pessoas eu não ouço realmente o que a televisão fala.

Não, eu não sou nenhum desses caras hippies que odeiam eletrônicos e vivem ao ar livre. Sou apenas surdo. E, se quer saber, sou assim desde os seis anos de idade.

Não por ter sofrido um trágico acidente de carro, ou qualquer outra desgraça do gênero. Pelo amor dos Deuses, não. Meu acidente auditivo foi um pouco menos traumatizante.

Minha irmã tinha dezesseis anos na época, e nossos pais tinham ido viajar. Ela queria muito ir á este show de uma banda de rock, a sua favorita. Era a primeira, única, e última vez que eles cantariam ali, então desperdiçar uma chance dessas era o mesmo que recusar ganhar sorvetes grátis por cinco anos.

Meus pais não queriam de jeito algum deixá-la ir, já que isto implicaria em ela ter que me deixar em casa, sozinho, assistindo TV a noite inteira. E acredite, o fato de eu assistir á televisão durante uma noite inteira era pior que o fato de eu ficar sem nenhuma outra pessoa por perto. Pais educacionais e saudáveis, vai entender.

Como minha irmã não queria nem por um milhão de dólares desistir assim tão fácil de convencê-los, sua esperteza apitou, dando-lhe um plano que pareceu infalível; em vez de me deixar sozinho em casa, eu iria ao show junto dela! Simples.

Bem, nem tanto.

O problema principal não foi nossos pais – que por mais incrível que pareça, concordaram – e sim o fato de que o show era para maiores de quatorze anos, e, como já disse, na época eu tinha apenas seis. Minha irmã teve que rodar a bolsinha na esquina pra poder conseguir com que eu entrasse com ela, acreditem.

Acontece que o pai do irmão do primo da namorada do melhor amigo dela era o encarregado pelo show da banda em nossa cidade, por isso ela conseguiu com que uma criança baixinha e magricela como eu entrasse junto. E a aproveitadora ainda conseguiu entradas VIP, alegando que no meio da galera perderia o “irmãozinho” dela. Aposto que se eu tivesse sumido no meio do show, a desgraçada só teria percebido uma semana depois, quando nossos pais chegassem de viagem e perguntassem: “Ué, cadê o Nick?”.

Nos despedimos de nossos pais e na mesma semana seria o tal show. Ela estava tão animada que nem dormiu direito; ficava ouvindo músicas deles pela madrugada afora, sem se importar com o barulho alto da música que ecoava pela vizinhança inteira. Era até engraçado, porque muitas vezes eu a via sair de seu quarto e começar a dançar no meio do corredor.

Finalmente, no grande dia, ela não parava de cantar músicas deles e a surtar por não ter uma roupa adequada. Mulheres, por favor, me expliquem isto: porque vocês têm cem milhões de roupas e nenhum nunca serve? De verdade, qual o problema de vocês?

Se eu tivesse o número exagerado de roupas que Amy tinha, pelos Deuses, já teria doado dois terços para a caridade sem dó nem piedade. Não vejo o porquê de ter tanta roupa acumulada no armário e usar apenas três ou quatro. Tantas pessoas sem roupa na rua e vocês aí falando que não tem nada para vestir.

Quando ela finalmente se decidiu entre um vestido vermelho de xadrez e uma blusa branca e um short preto com um casaco cinza, eu já tinha dormido. Amy me acordou esbaforida, gritando e falando que faltavam apenas alguns minutos para a abertura dos portões, e que era melhor a gente correr se quisesse um lugar perto do palco. Claro que ela não disse “a gente” e sim, eu.

Sempre se referindo á si mesma.

Corremos e no final alcançamos os portões cinco minutos antes de sua abertura. Eu sinceramente estava achando tudo aquilo muito divertido. Principalmente o fato de que todos na fila me achavam super fofo. Sentia-me mais famosos que os caras que iam tocar.

Quando entramos, foi aquela correria toda. Garotas e surpreendentemente alguns garotos também empurravam e se desesperavam para chegar á zona da frente antes que os outros. Amy me colocou em suas costas e correu como o vento.

Não era á toa que naquele tempo ela era a melhor corredora de nosso colégio. Ganhou vários campeonatos nacionais, sempre em primeiro ou segundo lugar, no máximo.

Conseguimos chegar á frente, e eu percebi que ali era onde a gritaria era mais intensa.

Em determinada parte do show, eu precisei ir ao banheiro. Mas nem se os músicos fizessem uma pausa ela iria comigo, então apenas puxei a barra de seu vestido e a avisei:

– Ams, vou ao banheiro. – falei gritando o mais alto que pude para que ela soubesse onde eu estava.

– Ok, mas volte logo. Não quero problemas por perder você, Nick. – falou com uma cara entediada.

Assenti e saí correndo em direção ás cabines sanitárias o mais rápido possível, do contrário ei faria xixi nas calças, e mesmo sendo uma criança de seis anos, eu não queria isso de jeito algum. Quando cheguei lá, a fila das filas, a mãe das filas, me esperava. Arregalei os olhos e mordi o lábio inferior. Eu não poderia esperar tanto!

Avistei um arbusto afastado das pessoas, bem alto. Eu poderia me enfiar ali e me aliviar o quanto quisesse, então foi isso mesmo que fiz.

Naquela época, aquele foi o melhor xixi da minha vida. Ah, como criança de seis anos ás vezes tendem a ser mais estúpidas que uma mula.

Voltei andando tranquilamente até o meio da multidão, e percebi que não havia mais música alta. Talvez eles realmente tenham feito uma pausa, pensei naquela hora. Avistei Amyno meio do palco, conversando animadamente com uma garota de cabelos coloridos, e me senti aliviado por encontrar a minha irmã. Acenei para ela, pulando o mais alto que pude. Ela acenou de volta, e depois voltou a tagarelar com a nova amiga.

Como ela sabia onde eu estava, decidi ficar por ali mesmo. Eu sabia que Amy gostava de mim, mas apenas longe de seus amigos, então decidi sentar ali no chão e esperar que o show acabasse para ir embora com ela. Apoiei-me em uma grande caixa preta, toda cheia de buraquinhos.

Ah, como eu era idiota. Eu tinha acabado de me sentar bem em frente á uma caixa de som superultrahipermega potente, mal sabia eu como aquilo doeria.

Assim que as garotas começaram a voltar seus olhares para o palco, me preparei emocionalmente para o som alto que estava por vir. Mas o correto era ter me preparado auditivamente, me afastando daquele local.

Porém eu apenas fiquei ali, sentado. E o som veio. E como doía aquela música. Doía mais do que sessenta elefantes pisando em meus ouvidos. Doía mais que um enxame de oitenta abelhas picando meus tímpanos. Percebi que aquilo não doía apenas internamente, mas também externamente.

Coloquei as mãos nas orelhas, e senti algo quente saindo delas. Pensei algo como “ai, que nojo!”, achando que era pus ou algo do gênero. Mas assim que tirei as mãos e as observei para descobrir melhor o que era quase desmaiei.

Era sangue. Sangue saindo de meus ouvidos. E, após alguns minutos sangrando, eu comecei a parar de escutar a música. Um certo alívio me entupiu até a tampa, até eu perceber que nem se quisesse realmente ouvir novamente, conseguiria. Levantei-me correndo e fui até Amy chorando. Falei para ela o que estava acontecendo, mas não ouvia minha própria voz. Comecei a chorar mais ainda quando percebi que não ouvia mais nada, e Amy começou a ficar preocupada. Eu não era o tipo de criança que chorava por qualquer coisa, mesmo eu sendo bem mais fraco que meus colegas da escola. Fiquei falando, falando, tentando explicar para ela que meus ouvidos haviam explodido, ou algo do tipo, e agora estavam sangrando, mas Gemma não me ouvia devido a alta música do show.

A puxei até um lugar bem longe de toda a multidão, coloquei as mãos novamente nos ouvidos, e as mostrei para ela.Amy ficou assustada e pegou-me no colo num movimento brusco. Saiu correndo até o hospital, que era a apenas algumas quadras do local do show, ironicamente.

Assim que chegamos a enfermeira ficou muito preocupada. Ela falava comigo, mas eu apenas via seus lábios se mexerem e não ouvia nada. Chorei mais ainda.

E foi a partir deste dia que percebi que eu nunca mais escutaria nada ou ninguém, desde o mínimo e baixo sussurro até o mais alto grito.


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Notas finais do capítulo

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