Sentimentos insanos escrita por Freddie Allan Hasckel


Capítulo 2
Capítulo 2




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Domingo,

7 de Junho de 1953

Caro confidente,

Confesso que não gosto de relembrar o passado, quando você chega ao fundo do posso e acredita que a vida não pode ficar pior, tudo aquilo que foi bom machuca fundo na alma, no meu caso, no que resquício de uma que ainda me pertence. Um dia eu fui livre assim como você que lê essas páginas, e já tive a felicidade em minhas mãos. Felicidade essa que tem nome, sobrenome e endereço. Independente a quantos homens ela pertença, ou mesmo de quantos a levarão para a cama, ela sempre será a minha, somente minha, Claire Walters. Tenho certeza de que é o meu semblante que surge em sua mente todas as vezes que ela fecha os olhos antes dormir, e que é o toque das minhas mãos que ela imagina quando se sente, ou talvez eu seja só mais uma pessoa cega de paixão.

Vale ressaltar que na ocasião em que me encontro as lembranças boas ferem bem mais que as ruins, logo que não tem como meus dias ficarem piores do que já são, mas eu nunca imaginei que seria ela, a pessoa que tanto amei, e que pensei ser recíproco, a responsável pela minha desgraça. Prefiro me iludir acreditando que a culpa foi minha, que se talvez eu estivesse agido de forma mais cautelosa, hoje nós estaríamos juntos em um lugar melhor.

Recordo-me como se fosse foi ontem o dia em que os novos vizinhos se instalaram. Eu cheguei da escola e meus pais estavam à minha espera, sempre ótimos anfitriões, minha mãe vestiu-me com a minha melhor roupa, a de costume de todas as manhãs de domingo quando íamos à igreja, e então fomos recebê-los.

A cena que mais me marcou foi a jovem menina que brincava com seu coelhinho de pelucia em uma mesinha no centro da sala, ela tomava seu chá da tarde como uma legitima britânica. Eu viajei nas curvas perfeitas de seu cabelo cacheado, tão douradas quanto ouro, aqueles olhos verdes como duas esmeraldas, não existe uma joia equivalente, e a pele branquinha como jamais vi, tendo dois pontos rosados de destaque em sua bochecha.

Aquela menininha foi crescendo, e ano após o outro seu corpo foi ganhou curvas cada vez mais definidas, os seus seios, que antes inexistiam, agora preenchiam perfeitamente o vazio das minhas mãos. A inocência da infância passou, dando lugar ao desejo inconseqüente da adolescência. Seu corpo foi dono de tantos dos meus orgasmos, assim como sei que o meu causou os dela. Conhecíamos perfeitamente cada centímetro um do corpo do outro. Nego-me a acreditar que tudo o que vivenciamos foi uma completa farsa, ninguém consegue fingir o tempo todo. Não no banheiro do supermercado, no banco de trás do carro, na calada da noite enquanto nossos pais acreditavam que dormíamos sozinhos, atrás das arquibancadas do ginásio de nossa escola; e em tantos outros que marcamos com nosso amor. Todavia, dizem que o pior cego é aquele que não quer ver, talvez eu tenha sido.

Há tantos detalhes que almejo lembrar, mas parece que as sessões de eletrochoque fritaram alguns de meus neurônios, eu simplesmente não consigo, restando-me apenas uma nuvem negra. Contudo, ‘o passado é uma roupa velha que não se usa mais.’

Retornando ao presente, onde os acontecimentos de fato interessam. Thomas é o único interno que eu ainda não questiono a sanidade, acho que temos bastante coisas em comum, apesar de nunca temos tentado uma aproxímação. Pelo que se ouve nos corredores temos mais em comum do que desejamos, afinal fomos jogados nesse buraco pelo mesmo motivo. Amor. A única diferença é ele chegou há três semanas e ainda resiste ao tratamento, tolice na minha opinião, entretanto, eu o compreendo perfeitamente, agi da mesma maneira nos meus primeiros dias, levou tanto tempo para que eu pudesse entender a dinâmica desse lugar. Eu queria poder ajuda-lo, dizer que não vale a pena resistir, e que quanto mais ele se fizer de louco, melhor será, mas acontece que ele tem esperança de um dia receber alta, doce ilusão, é um homem bastante teimoso.

Fazia aproximadamente quinze minutos que ele foi arrastado para o equipamento, e isso me gerou certa preocupação. As sessões de tortura não costumam demorar tanto. Foi então que vejo dois enfermeiros, vestidos completamente de branco, entrarem no salão social carregando o homem pelos braços. O rapaz belo e sadio que vi no primeiro dia já não existia, não que ainda não fosse belo, acredito que isso seria impossível com todos os seus traços marcantes perfeitamente delineados. O seu corpo esguio estava oculto por uma camisola, mas mesmo assim ainda era possível ver o adorno de seus músculos. O cabelo miticulosamente ajeitado como o de Elvis Presley, já não estava mais tão arrumado; e na lateral de seu rosto, na altura dos olhos ele possuia duas marcas negras como queimaduras que não estavam lá antes de o levarem. Exageraram na voltagem, previ. Assim que os enfermeiros o largaram em uma das poltronas corri em direção ao meu futuro aliado. Eu ja passei por esse tratamento tantas vezes, sei exatamente como é torturante, desejo apenas ao meu pior inimigo,

Como não tenho muita força, só consegui levanta-lo após a terceira tentativa, e então, já na cadeira, repousei seu rosto sobro meu peito.

– Thomas, Thomas, acorda! – disse em desespero enquanto estapeava o seu rosto levemente, mas nenhuma palavra saiu de sua boca por um longo período, ele parecia vagar em outro mundo, todas as vezes que me submeteram a tal tortura, nunca voltei em estado tão deplorável, até seus olhos azuis que possuíam uma tonalidade tão vívida, estavam opacos. – Nós vamos sair daqui, te dou a minha palavra! – prometi sem hesitar enquanto agarrava as suas mãos que eram tão grandes perto das minhas. Eu me senti tão frágil ao seu lado que chega ser patético.

O meu plano egoísta já não era mais tão egoísta. Eu não podia deixá-lo assim, largado na mão daqueles homens sem alma. A partir daquele momento eu tinha com quem dividir os meus planos, os meus medos, alguém que me entendia, alguém para me cuidar, por mais que quem precisasse de cuidados fosse ele, e que passava por coisas semelhantes, mesmo que esse alguém possuísse 1,90m de pura teimosia. Acima de tudo, achei alguém com quem eu pudesse dividir a loucura de uma vida pós esse lugar.


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