Tomoeda High escrita por Uma Qualquer


Capítulo 2
Desafio




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/481738/chapter/2

O tom agudo do despertador havia feito Sakura quase pular dos lençóis.

Dormia num futon decente agora; havia sido um saco de dormir apenas no primeiro dia de mudança, enquanto Touya providenciava um novo futon. Mesmo assim, ela morreria passando na cara do irmão que ele não tinha lhe cedido o futon dele na primeira noite.

Não que ela realmente ligasse, mas todas as oportunidades de infernizar a vida do irmão deviam ser aproveitadas. Era uma regra que ambos seguiam à risca.

Esfregou os olhos, sonolenta. A janela entreaberta mostrava mais um dia ameno que iniciava. Sua primeira semana sob o céu de Tokyo ainda estava na metade. Ela enrolou o futon e o guardou junto com o do irmão no armário.

Além do móvel, a única mobília a dominar o recinto era o tatame de vime forrando o assoalho e uma mesinha baixa num canto, enfeitada por um vaso comprido com pequenas mudas de bambu ainda nascentes. Aquele era apenas um quarto de pensão para universitários, com uma cozinha e banheiro minúsculos e uma sala de jantar e estar que virava quarto de dormir à noite. O espaço era mínimo, a comodidade não passava do estritamente necessário. Mas, mesmo tendo deixado o conforto e a familiaridade de seu lar em Enoshima, para vir morar naquele vão apertado junto com seu irmão irritante, Sakura estava satisfeita. Na verdade, estava mesmo feliz.

Debruçou-se sobre a janela, aspirando fundo o ar fresco que as árvores quintal da pensão filtravam. Podia sentir na brisa o cheiro de fumaça de fábricas e veículos, ouvir o ruído distante das engrenagens da cidade começando a se mover. Havia uma vibração diferente naquele ar poluído e viciante, naquele vento que lhe trazia tantos sons desconhecidos. A quietude e a brisa marinha de sua terra natal jamais sairiam de seu coração, mas a aura de Tokyo era capaz de tocar Sakura profundamente. Fazia-lhe sorrir, disposta para mais um dia novo, ao lado de sua melhor amiga, das novas amigas, naquele ambiente que começava a desbravar pouco a pouco, o ambiente conhecido como Colégio Tomoeda.

Seu uniforme estava pendurado na porta do armário. Ela já não tinha mais medo do pouco comprimento da saia – Tomoyo havia lhe mostrado algumas maneiras de se proteger de brisas inconvenientes. A enorme quantidade de gente que não conhecia, embora ainda a desconcertasse, não a intimidava mais. Pouco a pouco, dia a dia, ia se sentindo em casa.

Ao entrar na cozinha, teve que admitir que aquele sentimento de familiaridade vinha em boa parte do irmão. Touya tinha estado fora havia um ano, e embora vivessem embirrando eram, ao seu modo, carinhosos um com o outro. Sakura viu algumas panquecas num preto sobre o fogão e um vasinho de calda de ameixa ao lado, junto com um bilhetinho: “Seu bentou tá na geladeira. Tenha um bom dia, monstrenga.” Era o tipo de coisa que ele fazia quando ela era menor... acompanhando a saudação com um cascudo malfeito que tinha como único propósito despenteá-la completamente.

Desde que viera morar ali Sakura quase não o via, já que Touya tinha dois empregos de meio período durante o dia e a faculdade à noite. Mas aquelas pequenas coisas lhe faziam sentir em casa, o cuidado em deixar o café dela pronto antes de sair, aquele “montrenga” indispensável, e mesmo o cheiro dele pela casa pequena e a organização que ele conseguia manter naquele lugar.

Afixado na geladeira com um ímã havia um cronograma de tarefas, para eles dois. Enquanto Sakura mordia um pedaço de panqueca, ia olhando as coisas que deveria fazer antes de ir para a escola. Guardar seu futon, dobrar seus lençóis, pôr o lixo para fora. Moleza até então. Tomou o café, se arrumou e apanhou o saco de lixo. Já ia saindo quando lembrou-se da maleta da escola. Oh, cabeça. Voltou correndo para apanhá-la, estava quase atrasada.

No caminho para o colégio ia lembrando dos últimos três dias na Tomoeda. Para ela, não foram menos do que incríveis. Tomoyo e suas amigas não tardaram em lhe habituar ao novo ambiente, a lhe apresentar mais pessoas. As aulas não pareciam chatas quando havia tanta gente nova e disposta a ignorar solenemente qualquer coisa que os professores dissessem. Não que Sakura fosse uma aluna relapsa, mas jogar conversa fora no meio das aulas não deixava de ser divertido. Os professores em si também não pareciam muito exigentes ou intimidadores, o que a deixava ainda mais à vontade.

Só o que lhe incomodava na turma 4-O era a presença daqueles gêmeos. Não sabia discernir exatamente o que havia de errado neles, e nem as informações que conseguiu com os outros alunos lhe ajudaram a descobrir o motivo. Os irmãos moravam num templo budista, onde trabalhavam ajudando o monge responsável. Eram de origem chinesa, pelo sobrenome e o leve sotaque que possuíam. Mas não se sabia muito mais sobre suas famílias ou detalhes pessoais, pelo menos não mais do que os que eram mais óbvios a todos.

E o óbvio era que Tsubasa era o certinho da dupla, enquanto Syaoran era o delinquente. Ou, como as garotas gostavam de chamá-lo, o “clone” do irmão. Ambos eram populares, ótimos em qualquer esporte, embora apenas Tsubasa se destacasse nos estudos teóricos, e bastante cobiçados pelas garotas, embora apenas Syaoran se destacasse no número de “ficadas” por semana. Se Sakura parasse para pensar, aquele até que era um nível razoável de informações sobre eles, visto que era uma cidade superpopulosa e eles só estavam ali havia um ano. Mas mesmo assim, aquilo não diminuía seu desconforto quando se aproximava deles – algo que evitava fazer – ou quando eles se aproximavam dela – o que faziam constantemente.

— Acho que estão a fim de você— Naoko comentou enquanto aguardavam o professor na sala.— Imagina, dois gatos como aqueles a fim de mim? Porque né, vão ser lindos assim lá na China, que é isso gente...

— Você se empolga demais com aparências— Rika disse num sorriso. Não falou em tom de censura, aliás, Sakura não conseguia imaginá-la sendo severa com alguém. — Se bem que eu me contentaria só com um deles, desde que fosse algo mais profundo...

— Né, um romance de verdade...?— Chiharu suspirou. — Qualquer um deles seria o príncipe encantado perfeito, desde que um deles não fosse tão...

— ...galinha— Tomoyo sentenciou num risinho.— Mas ok né, não é como se as meninas que ficam com ele realmente quisessem algo sério. Se elas sabem quem é Li Syaoran, já devem saber que não podem esperar muito dele.

Quem é Li Syaoran? A pergunta espicaçava Sakura, enquanto ouvia as meninas listando todas as que sabiam que já tinham ficado com ele. Pela quantidade, ela estava surpresa que nenhuma garota do círculo de Tomoyo ou mesmo a própria também tivessem se envolvido com ele. Vai ver elas realmente queriam algo sério, e sabiam que, com pelo menos um deles, não iam conseguir.

Mas não era a tal fama de pegador do clone que a incomodava. Ele nem parecia ostentar tal fama, embora não tivesse o menor pudor em chegar nas garotas de quem estava a fim. Tinha um ar despreocupado, meio de deboche, meio de despeito, como se não se importasse com nada e ninguém ao redor. Não era um ar de superioridade, apenas de indiferença. Uma zombeteira indiferença.

— Divide um bentou comigo, Sakura-san?— a garota sobressaltou-se ao ouvir o rapaz, que se apoiou na parede ao lado do lugar dela, olhando-a com ar de desafio.

Foi tão repentino que as meninas se calaram de repente, e até a calma Tomoyo engoliu em seco. Alguns estudantes que estavam por perto também pararam, ou fingiram continuar o que estavam fazendo, para observar o que ia acontecer.

Naqueles últimos três dias todos testemunharam aquele fato inédito – uma garota recusar Syaoran. Fugia dele quando o rapaz se aproximava, deixava-o sem resposta quando era indagada sobre ir ao cinema com ele ou algo do tipo, e simplesmente saía correndo, deixando todos atônitos.

Quanto a Syaoran, da primeira vez ele apenas deu de ombros sem se importar muito. Era só uma garota, e Tomoeda estava cheia delas. Mas nos dias seguintes ele foi percebendo o que a diferenciava das outras. Não era que Sakura não estivesse a fim dele. Talvez realmente nem estivesse – ele podia ser do tipo pegador, mas não achava que todas as garotas do mundo estavam caídas aos pés dele. Aquela garota tinha medo dele, era isso. Medo, ou vergonha, ou algo pior. Algo que ele não sabia.

Algo que ele queria descobrir.

— Pergunta a ela, ora— Tsubasa resmungou de volta quando o irmão lhe indagou como fazer aquilo. Era noite, e os dois estavam varrendo as folhas secas no pátio externo do templo onde moravam.— Vai ver ela acha que você é amaldiçoado por causa dos seus olhos ou algo assim.

— Sério?— Syaoran negou com a cabeça imediatamente.— Nem, nada a ver. Meus olhos nunca afastaram ninguém. A maioria das conversas que eu tenho com mulher acontece por causa deles. E depois, se o problema é esse, por que ela foge de você também? Pelo que me consta, você não é o “clone defeituoso” da dupla —ele acrescentou num sorriso.

Não se incomodava em ser chamado daquele jeito: qualquer forma de despertar o interesse de alguma garota era válida para ele.

— Acontece que eu não vivo correndo atrás dela feito você.

— Não: você é mais discreto, isso sim. Mas você tenta sim, que eu vejo. — Ele segurou a vassoura, se empertigou e assumiu um tom exageradamente sério. – “Já entrou em algum clube, Kinomoto-san?” “Recebeu o cronograma do ano letivo, Kinomoto-san?” “Gostaria de fazer parte do comitê de voluntários da biblioteca, Kinomoto-san?”

Ele se dobrava de rir enquanto Tsubasa continuava a varrer imperturbável, embora o escuro da noite não escondesse um rubor leve no rosto. —Oh sim— disse— desculpa se minhas técnicas de aproximação não são sofisticadas como as suas. “Pegar um cinema”? Qual é, você nem conhece a garota, ela vive correndo de você, e você espera que ela fique duas horas do seu lado numa sala escura?! Do jeito que você é bizarro, qualquer dia desses vai chamar a Kinomoto-san pra dividir um bentou contigo.

— Sim, e qual o problema?

— O grau de intimidade entre vocês. Zero. Dividir bentou é coisa de namorados, ou pretendentes a namorados, ou gente lisa que tá a fim de filar boia de graça. O que exatamente você quer que ela pense de você?

— Ué, que eu to a fim dela. O que mais? Já reparou que ela é a maior gata?

— A Tomoeda inteira reparou, gênio— Tsubasa deu um suspiro cansado.— Sei lá, ela é meio estranha. Ou acha que a gente é estranho. Será que ela sabe que a gente...

— Sem chance— Syaoran sacudiu a cabeça enfaticamente. —Ninguém sabe, pelo menos ninguém que não precise saber.

— Tá— Tsubasa concordou e voltou ao serviço. —Mas tipo, eu não gosto de ver aquela cara de medo dela quando chego perto. Ela é linda e tal, mas se eu to perturbando ela de algum jeito e ela não quer nem explicar o porquê, então é melhor eu ficar de fora. Já tenho problema demais pra dar conta...

— Nossa, eu sabia que você era molenga, mas não tanto— Syaoran gargalhou.— Então, quer dizer que eu tô no páreo sozinho?

— Vai se ferrar, babaca— Tsubasa resmungou. —Se tá mesmo a fim dela, ou de descobrir qual o problema dela, ou só dar uns pegas nela...

— ...ou tudo isso, por que não?—Syaoran ajuntou empolgado.

— ...vá em frente. Desejo todo o azar e os foras do mundo pra você, que é o que você merece.

— Cara, valeu... Você é o melhor irmão do mundo!

Syaoran quase o pegou numa chave de braço, mas Tsubasa o derrubou numa rasteira. Ambos agarraram as vassouras e iam improvisar um duelo de espadas, mas uma voz irritada de dentro do templo berrou para que eles parassem de fazer corpo mole e terminassem o maldito serviço.

— Qualquer dia desses eu coloco um sonífero pra elefante no sake dele— Syaoran disse contrariado, voltando a juntar as folhas.

— Sei não, acho que ele vai perceber assim que sentir o cheiro.

— É, o desgraçado é bem capaz disso...

Sakura olhou para o rapaz de pé ao lado dela, sentindo a força daquela presença, a determinação no rosto dele. Queria uma resposta, uma resposta digna da ousadia dele em continuar a interpelá-la, mesmo sem obter resultados. Mesmo se sentindo extremamente incomodada com aquela intimidação, Sakura pensou que não seria gentil da parte dela continuar em silêncio. Baixou o olhar, os dedos entrelaçando-se com força sobre a mesa.

— Acho...— disse, num murmúrio quase inaudível— Acho que o que eu trouxe não dá pra mais de uma pessoa.

Syaoran deu um risinho, antecipando a vitória. —Nah, não disse pra você dividir o seu bentou comigo. Eu trouxe o meu também. Eu quis dizer, se você não quer comer junto comigo.

— Ah— ela corou até a raiz dos cabelos, baixando o olhar. Não, não havia nenhum buraco à vista onde pudesse enfiar a cara. Droga. —T-tudo bem então.

Syaoran não sabia o que tinha lhe agradado mais – a carinha de confusão e pavor dela, seu jeito tímido de aceitar a oferta, ou simplesmente o fato de ela ter aceitado. Só sabia que não podia evitar a própria alegria, e silenciosamente deu um sorriso de vitória, para os que o observavam vissem. Estes acenaram e sorriram em aprovação – realmente, Syaoran tinha dado duro pra conseguir aquilo. Mas ninguém soltou um pio. Todos na sala gostaram de Sakura o bastante para não quererem deixá-la mais constrangida do que já estava.

— Ehm, beleza então— Syaoran limpou a garganta e assumiu um tom mais sério, fazendo Sakura erguer a cabeça para olhá-lo. — A gente se encontra no intervalo, lá no terraço, certo?

— Certo— ela respondeu, com um pouco mais de firmeza na voz. Seu gesto pareceu ter lhe dado um pouco mais de coragem e ela até conseguiu ensaiar um sorriso leve. — No terraço, então.

Syaoran sorriu de volta, um sorriso enorme, de satisfação mesmo. E quando voltou para seu lugar, ao lado do irmão, percebeu que estava estranhamente ansioso pela hora do intervalo.

Tsubasa sacudiu a cabeça ao vê-lo chegar, sorrindo. —Miserável. Você não existe.

— Muito obrigado, irmão querido— ele lhe fez uma mesura discreta e debochada. —Realmente, você é o cérebro da dupla. “Dividir um bentou...” Eu nunca ia pensar numa coisa dessas.

— Até parece que você pensa.

Chiharu e Naoko fitaram Sakura, sem acreditar.

— Sério isso?— a de óculos indagou. —Vai sair com o maior pegador da China?

— Da sala, não exagera— Chiharu a censurou, e voltou para Sakura preocupada.—Tem certeza que quer fazer isso?

— Ah gente, é só um bentou... no terraço... no intervalo— uma aluna que estava por perto gracejou, fazendo Sakura esconder a cabeça dourada entre os braços de tanta vergonha.

— Calada aí, ô avulsa— Chiharu repreendeu a garota secamente, fazendo-a se afastar na hora. — Povo mais indiscreto. Que é que tem de mais um lanche no intervalo?

— Nossa Chi-chan, a firmeza de suas opiniões é admirável— Naoko ironizou.

— Ela tá certa— Tomoyo acariciou a cabeça da amiga, fazendo-a se levantar devagar.— Você sabe o que tá fazendo. Conhece a fama dele, e sabe que é verdade. E ele sabe que você tem amigas que arrancam os olhos dele se ele se atrever a te magoar.

— Ah, gente...— Sakura murmurou sem graça.— Valeu mesmo. Mas eu não quero pensar muito nisso, senão vou acabar ficando com medo de novo e indo embora.

—Tem razão— Rika ponderou. —Pense que é uma situação normal, e vai acabar sendo.

As outras concordaram enfaticamente e Sakura lhes sorriu agradecida, respirando fundo. Era ainda mais grata pelo fato de que nenhuma delas insistiu em saber o motivo de ela ter medo dos irmãos Li. Afinal, ela mesma não sabia o motivo...

Mas tinha que fazer o que Rika recomendou. Encarar a coisa como se fosse normal. Travar conhecimentos com aquele rapazinho, e quem sabe entender o que havia nele que a incomodava tanto.

O sinal tocou; ela pegou o livro de língua inglesa. O burburinho pela sala se desfez, todos voltaram aos seus lugares, sentando-se eretos nas cadeiras e aguardando a chegada do professor.

Quando ele entrou na sala, as garotas ficaram de boca aberta. Era um homem jovem, de porte alto e elegante, feições aquilinas no rosto pálido, emoldurado pelas franjas laterais de seu cabelo negro e liso. Usava um terno escuro e bem cortado; dirigiu-se à mesa, onde deixou sua maleta, e voltou-se para a turma, sorrindo cordialmente.

– Bom dia a todos– disse, sua voz grave e ressonante deixando escapar um inconfundível sotaque britânico. –Meu nome é Sebastian Michaelis, e neste ano, serei o professor de Língua Inglesa de vocês.

A classe estava em silêncio.

Deveriam cumprimentar o professor, algo que era feito depois do comando do representante da classe. Mas não era possível, uma vez que o representante estava de olhos fixos no professor.

– Aniue– Syaoran chamou o irmão num sussurro, chutando o pé dele. –Acorda aí.

– Ele...

Tsubasa estava vidrado, as narinas dilatadas, os músculos tensos. Parecia prestes a pular da cadeira a qualquer momento.

– É, eu sei– Syaoran voltou-se para o professor. –Ande logo.

Tsubasa levantou-se e ordenou que a classe se curvasse. Todos cumprimentaram o professor e sentaram-se novamente.

– Muito obrigado– Sebastian lançou um olhar suave aos irmãos. –Bem, antes de começarmos, há um novo aluno que irá se juntar a esta turma. Pode entrar.

A porta se abriu e um garoto entrou na sala.

Não aparentava ter mais de doze anos; era pequeno, magro e pálido, de traços delicados e uma franja negra cobrindo o olho esquerdo. Apesar do clima ameno, ele vestia o uniforme de inverno do colégio, com um blusão de mangas compridas. Tão pequeno naquele uniforme ajustado ao seu tamanho, ele mais parecia um cosplayer de colegial. As meninas não contiveram exclamações de admiração.

– Meu nome é Ciel Phantomhive– disse ele timidamente, também com um acento inglês. – Estou no Japão há pouco tempo, e ainda não sei como as coisas funcionam por aqui... Então, por favor, tomem conta de mim.

Ele curvou-se diante da sala, que estava cheia de murmúrios empolgados das garotas e olhares desconfiados dos garotos. Sebastian mostrou-lhe seu lugar – uma mesa vazia ao lado de Sakura. O olhar dos irmãos Li o acompanhou até que ele se acomodasse na cadeira, mas ele pareceu não ter notado.

Apenas Sakura percebeu. E isso deixou-a ainda mais confusa em relação àqueles dois...

O sinal tocou e todos se dirigiram ao campo de exercícios.

Àquela altura Ciel estava rodeado de garotas, atraídas pela aparência frágil e infantil dele. O garoto parecia ainda menor sem a roupa pesada, usando a regata de exercícios que deixava os bracinhos finos à mostra, quase tão brancos quanto a roupa. Em seus pulsos havia diversas pulseiras e faixas de bandas de rock britânicas.

– É sério que você só tem doze anos?

– Você é superdotado ou coisa assim?

– Conhece o Michaelis-sensei?

Ele respondia a todas atenciosamente, mesmo um pouco tímido. Não era superdotado, mas havia avançado bastante em seus estudos em Londres. E conhecia Sebastian de lá. Foi o professor quem ajudou sua família nos trâmites para a sua transferência para a Tomoeda.

Tsubasa e Syaoran, que seguiam o grupinho à distância, iam recolhendo as informações. Estavam vividamente interessados no novato, mas tinham o cuidado de não demonstrar, ainda mais diante dos colegas aborrecidos pela empolgação feminina exagerada.

– Britânicos têm um poder de atração estranho– Yamazaki, um rapazinho moreno de cabelos curtos, disse a eles.

– Sério? –Syaoran espreguiçou-se. – Nunca ouvi falar.

– Mas é verdade. Tem uma boy band de lá que faz bastante sucesso...

– Mesmo? Só vejo as meninas pirando com esses grupinhos coreanos.

– Isso é porque eles cantam em inglês muito bem– Yamazaki sorriu, como se tivesse provado seu ponto. –E então Syaoran-kun, o que fez pra Sakura-chan não sair correndo dessa vez?

Tsubasa tossiu muito falsamente para esconder um riso. Syaoran deu de ombros, despreocupado.

– Hipnotismo– disse.

A professora chamou os meninos para formarem times para partidas de vôlei e basquete, enquanto as garotas treinavam revezamento ao redor do campo. Syaoran e Yamazaki se tornaram capitães dos times e começaram a escolher seus integrantes. Naturalmente nenhum dos dois queria um membro de aparência fraca, de modo que Ciel ficou por último. Yamazaki acabou ficando com o garotinho, que, no entanto, não parecia se importar com a rejeição.

Sakura acabava de entregar o bastão a Naoko e continuou correndo, e então percebeu que estava na pista sozinha. Todas as outras garotas estavam paradas, assistindo ao jogo de basquete, boquiabertas.

– E pensar que nenhum time queria ele– Tomoyo disse admirada.

Na quadra, Ciel fazia o time adversário comer poeira. Os rapazes pensaram que podiam derrubá-lo só com uma bolada na cabeça, mas assim que o garotinho pôs as mãos na bola, dominou o jogo. Pequeno, ágil e veloz, controlava a bola com destreza quase fisicamente impossível. Surpresos, seus colegas de time faziam de tudo para limpar o caminho dele em direção à cesta. Num movimento gracioso, Ciel ergueu a bola no ar, fazendo-a cair direto no aro.

Tsubasa e Syaoran tentaram bloqueá-lo logo depois, mas o garoto passou por eles voando. Tomou impulso e enterrou a bola mais uma vez. Os irmãos Li ficaram sem acreditar.

– Acho que devia ter te escolhido primeiro– Yamazaki sorriu para o garoto.

Irritado, Syaoran tomou a bola e resolveu enfrentar Ciel. O inglês observou atentamente enquanto o outro batia a bola no chão, e quando o rapaz menos esperava, roubou-a.

– Atrás dele! –Tsubasa gritou para os outros, mas já era tarde. Mais uma cesta havia sido feita para o time de Yamazaki, enquanto as garotas formavam uma plateia agitada.

O time de Tsubasa acabou perdendo por quatro cestas. Na partida de vôlei, a coisa não foi diferente. Era impressionante ver aqueles bracinhos finos fazendo e rebatendo saques poderosos, além de sua altura ser compensada pela habilidade de dar pulos bastante altos. Ao final da aula todos estavam vermelhos e suados, as respirações ofegantes. E todos olhavam para Ciel, que estava igualmente cansado, como se ele fosse de outro planeta.

Especialmente os irmãos Li.

No vestiário todos corriam para a água gelada dos chuveiros. Ciel estava largado num banco, esvaziando uma garrafinha de água na cabeça. Alguns colegas chegaram para lhe cumprimentar pelo desempenho, ao que ele retribuiu modestamente. Quando ficou sozinho, os Li foram até ele.

– Grande jogo, hein– Syaoran comentou.

– Nem– Ciel respondeu educado, enxugando o rosto numa toalha. –Vocês foram muito bons.

– Mas você foi bem melhor. Nem parecia ser desse mundo.

O garoto levantou-se do banco, erguendo os ombros franzinos.

– Não exagerem– disse num sorriso leve.

Ia se afastando, quando Tsubasa o segurou pelo ombro.

– Corta o papo furado– falou em voz baixa. –Diz logo quem você é.

Ciel não se mexeu de onde estava. Apenas moveu a cabeça levemente, para o ombro que a mão de Tsubasa tocava.

– Achei que eu já tinha me apresentado.

– Você não falou quem é de verdade.

– E por que acha que não sou quem eu sou? Porque faço umas cestas a mais que vocês?

A voz dele, sempre dócil e gentil, agora tinha um inesperado toque de sarcasmo. Syaoran estreitou o olhar.

– Não dificulta as coisas, moleque– ameaçou. –Esse território é nosso. Não vamos deixar ninguém de fora estragar tudo.

O rosto calmo de Ciel tinha endurecido. Ele encarou Syaoran com um súbito desprezo, enquanto retirava a mão do outro rapaz de seu ombro. Tsubasa se surpreendeu ao sentir força nos dedos infantis, uma força que não podia vir de um menino como aquele.

– Realmente, não sei do que estão falando– replicou. –Não estou aqui para estragar nada. Sou um aluno como qualquer outro.

– Qualquer outro, o caramba– Syaoran resmungou indignado.

– Mas já que estão tão determinados– Ciel continuou– podemos resolver essa questão. Fora do território de vocês, se preferirem. O que acham?

Tsubasa franziu as sobrancelhas. –Tá chamando a gente pra brigar?

– É o que querem, não é? São os reis da escola. Estão aqui para me intimidar. Certo?

Os irmãos se entreolharam, confusos.

– Vamos resolver isso como pessoas civilizadas– Ciel propôs. – Tem uma fábrica abandonada a três quadras da escola. Vou estar esperando lá no intervalo. Irei primeiro, já que estou sozinho e em desvantagem em relação a vocês.

Sorriu discretamente, mas bastante irônico, como se não acreditasse que houvesse qualquer desvantagem.

– Não pode fugir da escola– Tsubasa começou a argumentar.

– Depois do que viu na quadra, achei que sabia que eu posso fugir da escola. Os muros da Tomoeda são mais baixos que a rede de vôlei. Mas de fato, eu não devo fugir. Gostaria que houvesse outra maneira de resolver isso, mas se for para me deixarem em paz, não me importo em violar algumas regras em meu primeiro dia de aula.

Ele foi embora, deixando os Li sem palavras por alguns segundos.

– Ele sabe por que estamos fazendo isso, não é? –Syaoran disse. –Tipo, não é como se estivéssemos tentando intimidar o moleque. É só que... bem, tem algo muito errado nele.

– É, mas não como com o Michaelis-sensei.

Eles baixaram a voz, quando um grupo de garotos passou por eles.

– Esquece o sensei. Se ele está num local público, com certeza já sabem disso. Acho que não é com ele que temos que nos preocupar.

– Então, vamos atrás do Phantomhive? Essa história tá muito estranha. Ele propôs o desafio muito rápido. Até parecia que ele realmente queria enfrentar a gente.

– Bom, seja por qual for o motivo, foi um acordo entre homens. Seria uma desonra não aparecermos. Além do mais, ninguém rouba uma bola de mim e escapa ileso.

– Você e suas prioridades.

Enquanto deixavam o vestiário, Tsubasa pensava na estranha coincidência que era dois ingleses chegarem à Tomoeda. O que ele estranhava também era o fato de Sebastian Michaelis, cuja identidade os irmãos reconheceram de cara, ser totalmente discreto em seu disfarce, enquanto o Phantomhive exibia habilidades incomuns sem se preocupar. Ele não era como Sebastian, mas os Li sabiam que ele também não era um simples humano.

– Pegue a espada– Tsubasa disse a Syaoran quando passaram pelo corredor dos armários.

– Acha que vamos precisar...? –o rapaz indagou.

– É– seu irmão sorriu. – Acho que isso vai ser bem interessante.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Tomoeda High" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.