Facilis Densensus Averno escrita por Heosphoros


Capítulo 4
Alegrias Violentas


Notas iniciais do capítulo

"Essas alegrias violentas têm fins violentos; falecendo no triunfo, como fogo e pólvora. Que num beijo se consomem"

William Shakespeare



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Jace vestia um traje preto formal. Seus cabelos estavam jogados para trás e ele até mesmo ponderou usar uma cartola, mas mudou de ideia. Não gostava muito de chapéus ou bengalas, embora estivessem na moda.

Em seu paletó havia um relógio de bolso dourado como seus olhos, de acordo com as palavras de Clary. Ela havia dado a ele de presente no ano passado, junto com o sorriso mais radiante do mundo. Jace adorava vê-la sorrir, embora não fosse comum...

E, claro, isso era culpa dele.

Ele não gostava de magoá-la o tempo todo, mas acabava fazendo sem nem perceber. As palavras que gostava de usar para atingir o irmão, Sebastian, acabavam por feri-la também. Clarissa sempre tomava as dores de “seu Sebby”, embora ele nem sentisse dor alguma com o veneno nas falas de Jace.

Ás vezes, Jace pensava que seu irmão só sentia ódio. E, ainda assim, ódio somente dele.

– Jonathan? – alguém chamou seu nome na grande mesa branca no jardim, ocupada por Morgesterns e Lightwoods ricamente vestidos para o chá das cinco.

Jace virou o rosto na direção de seu pai, cujos olhos carregavam um brilho irritado que só ele conseguiria enxergar por baixo da máscara de calmaria. Uma máscara que ele conseguiu passar para os filhos homens.

– Perdão, pai – falou cordialmente – o que disse?

– Estava dizendo, meu filho, que os Lightwood têm muita intimidade com os Penhalow, cuja filha é solteira e um ótimo partido para você.

Jace piscou duas vezes, olhando do pai para a mulher alta com cabelos negros presos num coque que o observava. Estariam falando sério? Queriam casá-lo? E Sebastian? Por que não enchem o saco dele com essas responsabilidades desnecessárias?

Jace limpou a garganta. Embora todas as perguntas pairassem em seu consciente, só uma coisa conseguia ocupar sua mente por completo com aquela sugestão: Clary.

Sim, ele nutria esperanças de casar com ela. Desde pequeno nutria sentimentos doentios pela irmã mais nova, e mesmo depois que soube ser adotado, a coisa não se tornou menos proibida. Valentim jamais permitiria um casamento entre os dois, mesmo que toda a Inglaterra já saiba que não são irmãos de fato.

Talvez fosse o fato de que Jace nunca conhecera outra garota como ela... Na verdade, em seus primeiros onze anos, ele nunca conhecera sequer outra garota. E já era tarde demais! Nenhum outro ser do sexo feminino parecia preencher seus olhos como ela.

– Pai – Jace falou com sinceridade – acho que ainda é cedo para conversarmos sobre isso – passou os olhos pelo jardim – onde está Clarissa?

Valentim olhou para a própria xícara, e Jace jurou ser visto o lampejo de um sorriso em seus lábios.

– Não faço ideia – ergueu os olhos para o outro filho, sentado ao lado de Isabelle Lightwood, que apreciava as longas unhas com atenção – onde está sua irmã, Sebastian?

Sebastian levantou os olhos escuros de um longo gole de chá, e repousou a xícara na mesa. Ele e Valentim trocaram um longo olhar que até foi mal educado, considerando a quantidade de pessoas à mesa.

– Se arrumando – Sebastian, finalmente, respondeu.

– Por Deus – Isabelle exclamou – que demora.

– Isabelle! – sua mãe, Maryse Lightwood, exclamou e olhou a filha com dureza. Seu marido, Robert, estava sentado ao seu lado. Todos tinham os mesmos olhos azuis como safiras e cabelos pretos como penas de corvo, incluindo Alexander e Maxwell Lightwood; que estavam sentados lado a lado e conversavam sobre algo.

– Tudo bem, Maryse – disse Valentim – Clarissa tem esse costume de se atrasar para coisas importantes.

– Oh, Isabelle também é assim – disse Robert – precisa de um marido para se pôr na linha.

Isabelle revirou levemente os olhos. Jace notou que usava um vestido muito singular, que chamava total atenção para seu busto. A cor era de um vermelho como sangue.

– Ainda não encontrei um partido ao alcance, papai, e você sabe – e embora ela tenha dito isso, seus olhos azuis se desviaram para Jace numa fração de segundo.

Era só o que me faltava...

– Papai – disse uma voz ligeiramente trêmula ao se aproximar – desculpe o atraso.

Jace virou o rosto e viu Clary de pé, parecendo uma de suas pinturas, com os cabelos vermelhos caindo em suas costas e reluzindo com o sol. Atrás dela, a paisagem de morros e planícies verdes, como seus olhos, poderia até ser uma composição artística.

Ela usava um vestido azul como o céu.

Por um momento, Jace encontrou seu olhar, mas Clary desviou rapidamente.

– Não é educado deixar nossos convidados esperando sua ilustre presença, Clarissa – disse Valentim.

– Eu sei – ela falou, e Jace percebeu o quanto lutava contra o impulso de olhar para os próprios sapatos, como fazia quando era bem pequena – desculpe, pai.

– Muito bem. Sente-se.

Sem jeito, Clary se acomodou na cadeira ao lado de Jace, que era a única disponível.

– E Jocelyn, como está? – Maryse perguntou a Valentim.

– Ah, você sabe...

Uma conversa se iniciou na mesa, junto de uma outra entre Isabelle e seus irmãos. Jace nem sequer prestou atenção, apenas virou-se para olhar Clary (que encarava fixamente seu chá intocado).

– Perdeu uma conversa incrível sobre casamentos arranjados – Jace disse a ela, baixinho – iria adorar.

Ela nem sequer olhou para ele.

Jace franziu levemente o cenho.

– Clary, está tudo bem?

Ela abriu levemente a boca, hesitando entre dizer a ele ou não. Então a fechou, e depois abriu de novo.

– Está – disse por fim.

Ele não estava convencido.

– Eu sei que não está... é o papai, ele tem passado dos limites?

Ela balançou a cabeça, negando.

Então Jace percebeu, e sentiu os olhos escurecendo.

– É o Sebastian, não é? O que aquele pedaço de rocha fez agora?

Clary o encarou, assustada.

– Fale mais baixo – sussurrou.

Jace olhou para o lado. Ninguém pareceu escutar.

Voltou-se para a irmã.

– O que ele fez? – repetiu.

– Nada – ela disse, parecendo um rato enjaulado, olhando para todos os lados – tenho que sair.

Clary levantou-se bruscamente e correu para dentro de casa, os cabelos rubros voando atrás de si como ondas de um mar escarlate.

Jace olhou para o pai, que parecia estar controlando-se desesperadamente para não ir atrás de Clary com uma faca.

– Desculpe – Jace disse a todos – ela está passando mal...

Alexander, que era um de seus únicos amigos fora de casa, o encarou.

– Vá lá, pode ser algo grave.

Jace olhou ansioso para o pai, aguardando um consentimento.

Valentim assentiu.

– Vá logo, Jonathan.

Pediu desculpas novamente a todos, percebendo um olhar decepcionado em Isabelle e algo que ele definitivamente não conseguiu identificar em Sebastian. Mas, por um instante, pareceu raiva.

Virou de costas e correu pelo caminho que Clary traçara.

_

Clary nunca se sentira tão tonta em toda a sua vida. Entrou cambaleando no próprio quarto e caiu no chão, enquanto o chão girava num redemoinho da cor da madeira. Ela foi se arrastando até o meio do quarto, onde se deitou com a barriga virada para cima e encarou o teto.

Ela parecia prestes a vomitar toda vez que se lembrava das falas de Sebastian e até mesmo o olhar de seu pai na mesa. Ninguém a amava, ninguém a queria por perto. Ela era um erro, foi assim que nasceu e viram que na verdade era mulher. Nem a mãe se importa com ela, pois vive trancada na própria solidão.

Clary imaginou se não seria melhor viver assim, sozinha num quarto escuro. Esquecer-se de seus sentimentos errados e de sua existência horrenda. Esquecer que o pai a odeia, Sebastian a odeia e que Jace... Deus, Jace. Será que ele a odiaria também?

Clary? Clary!

Seu nome pareceu ecoar no fundo da própria mente, dito com urgência e preocupação. Ela piscou os olhos devagar, confusa. Quem a chamaria? Quem estaria preocupado com ela?

O alguém se ajoelhou ao seu lado, no chão, e pegou suas mãos. A visão dela entrou em foco, e encarou com incredulidade os olhos cor de âmbar de Jace. Uma lágrima única descia por sua bochecha, e ela sempre imaginou se suas lágrimas também seriam douradas.

– Clary – ele disse.

Ela fixou o olhar no irmão adotivo. Tão lindo... Os cabelos dourados caíam pelo rosto, que se inclinava perto do dela. A pele poderia brilhar como os raios de sol adentram numa floresta fechada.

– Jace... – ela sussurrou, trêmula. Estava fraca, tonta e sentia as vozes do pai gritando no pé de seu ouvido. Mas, perto dele, seus fantasmas pareciam começar a se afastar – Jace, por favor...

Ele segurou os rosto dela, e o apoiou em sua perna. Ela quase rira, pois estavam do mesmo jeito que anos atrás... quando ele apoiara a cabeça no colo dela e chorou por não ser totalmente parte da família.

– O que foi, Clary? – ele perguntou – o que está sentindo?

– Eu... – ela engasgou, não aguentava mais aquele aperto em torno do peito – eu te amo, Jace.

Ele piscou, por um momento confuso.

– Eu também te amo, Clary. Nos amamos, como amamos o papai e a mamãe...

– Não! – ela disse, emitindo um ganido como o de um cachorro que se machucara. Clary não fazia ideia do quanto aquele sentimento era desesperador – eu te amo como nunca amei ninguém... é... errado...

Ela imaginou que Jace a soltaria e a deixaria sozinha no chão frio do quarto, para morrer dentro da própria angústia. Ao invés disso, ele apenas a encarou por um longo instante.

– Diga... alguma coisa – ela implorou. As lágrimas ardiam em seus olhos.

Mas Jace não disse nada. Apenas inclinou-se na direção de seu rosto, e a boca dele foi de encontro com a dela.

Primeiramente, Clary nem conseguiu acreditar, e apenas sentiu os lábios macios de Jace contra os seus e suaves como ondas de um mar tranquilo. O coração dela parecia ter diminuído o ritmo, e depois acelerado. Ela segurou seus cabelos dourados, cujos cachos se enrolaram nos dedos dela, e então sentiu que poderia morrer de tanta felicidade.

Não há nada certo no que você sente!

Clary se afastou, os olhos arregalados ao perceber o que fizera. Jace a olhou, um instante parecia que eram apenas duas pessoas que se amavam, até que ela lembrasse que foram criados juntos. Que eram como aquele casal de Morro dos Ventos Uivantes (livro que sua mãe insistia que ela lê-se), que foram criados juntos e se amavam.. Mas tudo era proibido.

Então Jace, como se também tivesse tomado um choque de realidade, se afastou dela. Arrastou-se para um canto na parede, e os dois se encararam como se fossem duas pessoas estranhas.

– Jace? Clary?

Ela se virou e viu Alec Lightwood na porta, segurando um envelope branco.

Olhou para os dois, confuso, então colocou o envelope em cima da mesinha de cabeceira.

– Leiam depois – disse – é da Rainha e é muito importante... E, espero que melhore, Clary.

E saiu.

Clary levantou-se e pegou o envelope com as mãos trêmulas, e saiu do quarto para ler aquilo em qualquer lugar, desde que fosse longe de Jonathan.

E ele, por sua vez, ficou sentado no chão. Encarando-a como se fosse um anjo caído que, após um toque divino nos lábios, se fora levando todo seu esplendor consigo.


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Notas finais do capítulo

Sei o que alguns devem estar pensando: "Cadê Clastian?" "Onde estão os assassinatos?" "E o triangulo amoroso?"

Acalmem-se, Shadowhunters... tudo tem seu tempo ;)