Facilis Densensus Averno escrita por Heosphoros


Capítulo 18
Doces Pesadelos Sombrios


Notas iniciais do capítulo

"Há quem diga que todas as noites são de sonhos. Más há também quem garanta que nem todas, só as de verão. No fundo, isso não tem importância. O que interessa mesmo não é a noite em si, são os sonhos. Sonhos que o homem sonha sempre, em todos os lugares, em todas as épocas do ano, dormindo ou acordado"

William Shakespeare



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Primeiro branco. A pálida cor-luz, parecendo algodão em todos os lugares. Branco, branco, branco. Como nadar em leite. Então Clary sentiu frio; a sensação de gotículas de gelo caindo por seu corpo inteiro. Ela caiu de joelhos, onde quer que estivesse, e os cachos vermelhos se tornaram visíveis - a única cor no meio daquele branco.

Ao colocar uma mecha do cabelo atrás da orelha, ela olhou para o chão frio. Não era branco - como pensava - e sim transparente. Parecia um enorme espelho, que reluzia o céu completamente branco e também a própria Clary.

E Clary não parecia ela mesma.

Os cabelos estavam mais escuros, mais da cor de sangue, e eram tão grandes que se arrastavam no chão de vidro; ela vestia um vestido branco como neve, que não possuía; e asas brancas saíam de suas costas, dobrando-se no ar com a graciosidade de um anjo.

Os olhos verdes de seu reflexo a encararam, confusos com a aparência diferente.

– Clarissa - uma voz a chamou, como sinos distantes, em algum lugar.

Ela ergueu a cabeça, fazendo seus olhos saírem de sua imagem angelical para encontrar outra. Jace. Vestia-se de branco, como ela, mas uma luz dourada e amanteigada o rodeava como uma áurea. Os cabelos dourados se moviam se forma imperceptível como a brisa que os movia; asas também saíam de suas costas - douradas como raios de sol.

Ela inspirou, pronta para responder seu nome na forma de um sussurro apaixonado... e então algo a conteve. Um frio na barriga e uma súbita lembrança desperta. Como se a tivessem ordenado a fazê-lo, Clary virou os olhos verdes para o lado e outra visão a esperava.

Sebastian se encontrava diante dela, a alguns metros de distância. Os cabelos eram da cor daquele céu estranho, da cor da neve e de algodão. Seus olhos negros como ébano estavam fixos no rosto dela, brilhantes e profundos. Ao contrário de Clary ou Jace, suas asas eram negras como penas de corvos e sangue escorria delas - fazendo poças escarlates no chão espelhado.

Algo estava de errado e Clary sentiu. Ela deu um passo - um único movimento na direção daqueles olhos negros sofridos - e sentiu pequenos pedaços de vidro racharem sob seus pés. Ela olhou para baixo, assustada, e rachaduras começaram a cortar o chão como um espelho se quebrando lentamente.

– Clary, venha até mim! - era a voz de Jace, urgente e cheia de desespero - por favor, não faça isso consigo mesma.

Ela olhou para ele, para os braços brilhantes e seguros estendidos para ela. Olhou para os olhos da cor de âmbar que sempre a atraíram como o mel para as abelhas e para as divinas asas douradas. Olhou tudo pela segunda vez, e foi forçada a se virar. Porque havia uma decepção ali. Uma traição. Como podia Jace se preocupar com ela assim? E Sebastian?

E Clary não conseguia ficar tanto tempo sem olhar para Sebastian. Não mais.

O irmão mais velho parecia tão desesperado quanto Jace, e todos os músculos tensos em seu corpo distante parecia gritar para que Clary corresse na direção oposta. Para que se salvasse daquele gelo que se rachava embaixo dos dois.

"Vá", seus lábios murmuraram em silêncio. Vá. Era o que ela deveria fazer.

– Não - foi o que murmurou de volta, obrigando as lágrimas a ficarem presas no desejo de gritar. Deu mais um passo, cauteloso, e cada vez mais perto de Sebastian.

Seus pés começaram a sangrar e doer. O chão de vidro parecia querer que ela recuasse tanto quanto os irmãos e a feria. Pedaços de vidro passaram rápidos como flechas por ela, riscando seu rosto e seu braço. Não houve ferimentos graves, mas Jace gritava como se ela estivesse saltando de um abismo.

Clary ficou tão perto de Sebastian que o alívio quase pairava sobre ela. Podia esticar o braço e tocar em seu rosto - o que mais queria - e sentir mais uma vez a pele pálida e morna do irmão, passar os dedos pelos seus cabelos de neve e desenhar seus lábios com os polegares. Só queria tocá-lo, ter certeza que tudo ficaria bem.

Ela deu mais um passo, um pedaço de vidro se enterrou na sua coxa mais ela ignorou a dor. Agora agarrava a mão de Sebastian com toda a força que seus ossos conseguiam, sentindo que iria perde-lo, sentindo que nem seus dedos firmes poderiam mantê-lo consigo.

Ele deu um passo.

– Não devia ter vindo, anjo - sua voz era um lamento e uma dor. Clary notou que suas penas negras caíam e se despedaçavam, como as asas de Ícaro sendo derretidas e queimadas pelo sol.

– Eu devia - ela disse, esticando a outra mão para aprofundar na raiz dos cabelos dele - queria.

– CLARY, VOCÊ TEM QUE SAIR DAÍ! - Jace continuava gritando, a léguas de distância.

Olhos negros como ébano fitaram os dela.

– Eu te amo, meu anjo - inclinou-se e seus lábios tocaram com delicadeza os dela - minha irmã, meu amor.

– Pare de falar como se estivesse se despedindo - ela pediu, apertando seus cabelos e beijando seus lábios com desespero entre suas palavras - só... pare.

Os lábios dele contorceram-se num meio sorriso, seus dentes estavam sujos de sangue.

– Olhe ao redor, Clary.

Ela olhou. E rachaduras e fendas se abriam no chão de espelho, separando-se na distância de abismos. Ela sentiu o frio e então a angústia. Apertou seu corpo contra o de Sebastian, como se seus braços fossem o bastante para salvá-los.

– CLARY, É UM ÚLTIMO AVISO - Jace avisou, cada vez mais desesperado.

– QUE SEJA ENTÃO - ela gritou, os olhos nem se desviavam de Sebastian, mas ela se afastou para erguer o queixo na direção de Jace e mostrar que não era mais a garotinha medrosa que chorava quando lhe tiravam seu anel.

Então um zunido. E seguido dele um arquejo de surpresa e dor. Clary virou-se, movida pelo reflexo protetor, mas era tarde demais. Sebastian tinha a mão firme em uma flecha que atravessara sua barriga e depois veio mais uma que se pôs ao lado da outra.

Com seu sangue rubro escorrendo da ferida como lágrima, o irmão caiu de joelhos. Seus olhos negros só saíram dos dela quando o peso esmagador do destino o puxou para baixo e ele se deitou de costas, a cabeça virada para o céu branco.

Uma poça de sangue foi se formando, e o líquido vermelho escorreu por entre as rachaduras no vidro como um rio fino sem rumo. Clary caiu de joelho naquele sangue, sujando suas asas e vestido com a vida que escapava do irmão na forma de rio.

Ela se arrastou até ele, agarrou seus dedos e os entrelaçou nos dela.

– Sebastian. Sebastian! - chamou com urgência - Sebby, por favor.

Olhos negros perdidos a encontraram. Ele suspirou, como se aquela última visão fosse a melhor que alguém pudesse ter.

– Clary - disse como se respirasse - fuja...

– Não - ela balançou a cabeça freneticamente, os cachos vermelhos indo de um lado para o outro - eu vou para onde você for. Você é Só Meu, lembra? E eu sou sua.

Ele sorriu, então tocou o rosto dela com o polegar, onde as lágrimas já alcançavam. Sebastian desenhou corações na bochecha dela, depois vários "S" e "M".

– Para onde eu vou você nunca irá, meu anjo - lamentou.

– Sempre irei - ela sorriu - meu lindo demônio.

Antes que ela a impedisse (e ela sabia que impediria se pudesse), Clary tirou uma adaga prateada como a lua do vestido e a usou para cortar as próprias asas num movimento rápido e bem elaborado. E, num giro do punho, enterrou a arma na própria barriga.

Logo seu sangue também se tornou um rio. E nem ela nem Sebastian tinham forças vitais suficientes para falarem, então depositaram um último beijo nos lábios do outro e ela sentiu a última rachadura fendir-se embaixo dos dois.

E caíram.


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Notas finais do capítulo

Demorei? Sim, BP, três semanas demoníacas.
Então gente. Eu fiz um intercambio nessas férias e não pude entrar em redes sociais durante a experiência (uma belíssima tortura) e acabei de voltar!!!!!! Decidi usar um poquinho do meu tempo pra postar esse pequenino capítulo ;)

Espero que tenham gostado.

O próximo será maior e com Clastian o/ E até um pouquinho de Clace.. acho que vocês merecem tudo depois da minha ausência!!!

Beijoos



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