Lembranças escrita por Natalia Beckett


Capítulo 65
Three attempts


Notas iniciais do capítulo

Florzinhas e cravinhos, tudo bem?

Galera, já aviso que o capítulo ficou suuuuuuuuuper gigante. Estejam preparados ok? Mas garanto que está bem legal de ler. Garanto também que está divertido. ;)

Muito obrigada por todos os comentários.

Pessoal, no meio do capítulo vão surgir dois links de música, quem puder acessar para interagir melhor com a história, deixo meu agradecimento. ;)

Enfim pessoal, sem prolongar... Boa leitura!



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Advertências. Advertidas pelo diretor do dormitório pelo som alto durante horas. Ok, nós passamos do limite. Eu nem sei que horas a gente se cansou e resolvemos dormir de uma forma induzida pelo álcool. Acordei péssima, há tempos eu não bebia tanto. Eu deveria estar preocupada ou ao menos me importar com a advertência, mas não, simplesmente não consigo me importar. Não consegui comer nada durante toda a manhã, apenas água era o possível. Vick ainda ficou dormindo durante toda à tarde. Eu preferi sair, levantar, tomar um banho e caminhar pelo campus. Conforme o efeito da ressaca ia passando durante o caminhar, as lembranças retornavam. Algo me corroía por dentro. Senti saudades, saudades do que já não tenho mais. Corri mais rápido, não queria deixar que as lágrimas caíssem, precisava aumentar a adrenalina em minhas veias. Acabei parando exausta num banco de praça isolado, próximo a um estacionamento. Aos poucos tentava recuperar o folego e manter-me longe das lembranças. Missão impossível! Senti alguém sentar ao meu lado.
– Você está se sentindo bem? – Um cara com olhar meigo, cor de íris azul, com algumas espinhas no rosto me abordava. Ele também estava suando, vestia roupas de práticas esportivas.
– Estou ótima, só quero ficar um pouco sozinha tá legal?
– Desculpa, não queria incomodar. É que... Cruzei com você na pista – ele apontou com o dedo. – logo ali. Você quase me derrubou na velocidade que você vinha. Pensei que estava fugindo de alguma coisa e aí...
– Aí você resolveu me seguir e vir perguntar se estou bem? É isso? – Perguntei arredia. – Já respondi não é? Agora pode ir embora...
– Kevin, Kevin Ryan... – Ele respondeu, como se o nome dele fosse algo que me interessasse. Além disso, estendeu a mão direita sugerindo um cumprimento.
– Ok, Kevin. Tchau! – Levantei-me ignorando sua mão estendida e voltando para a pista. Ele não ia me deixar em paz mesmo. Melhor eu voltar para o dormitório. A fome também começa a me incomodar.
– Um pouco mais de educação não iria doer não é?! – Ele gritou.
– Até a próxima Kevin Ryan! A gente se esbarra por ai. – Gritei enquanto corria de volta ao meu caminho. Que garoto estranho! Ele tinha gel no cabelo... Quem usa gel no cabelo para correr?
Cheguei ao dormitório para chamar Vick para almoçar. Saímos juntas e sentamos em uma das mesas do refeitório que ficavam próximos a porta. Conversávamos enquanto comíamos.
– Vai, não foi tão ruim assim... – Vick perguntava.
– Daquela cerveja eu não bebo mais. Ponto final!
– Putz! K-Bex, foi só um treino. De primeira, as coisas podem dar errado.
– Esquece Vick. Nem sei o que aconteceu comigo ontem para ter topado aquilo tudo.
– Ah! Nem venha com arrependimento! Você se divertiu pra caramba! Fala sério!
– Me diverti... Mas foi muito inconsequente. Não posso fazer isso de novo. Isso me fez mal. Literalmente. – Fiz cara ruim e apontei para a comida. Eu ainda estava passando mal.
– Você conhece a regra de 3 tentativas? – Vick parou de comer e me encarava indagando. – Conhece?
– Onde você está querendo chegar?
– Conhece ou não conhece? Daí eu te explico onde eu quero “chegar”.
– Como no baseball? – Perguntei sem vontade enquanto cutucava pedaços de verduras com o garfo.
– Isso!
– Então? Aonde você quer chegar?
– Você tem três tentativas. Apenas três.
– Tentativas do quê? – Perguntei sem querer ser debochada, mas acho que não adiantou.
– Ai, como você tá lenta! – Ela bufou. – Três tentativas para curtir o meu mundo. Ontem foi sua primeira. Você só tem mais duas tentativas. Essas serão guiadas por mim. Prometo que você nem precisará chegar à terceira. Vai ser convencida antes mesmo que você pense em dizer não.
– Não viaja Vick! Eu não sou obrigada.
– Não é, mas vai querer. Tenho certeza.
– Não pode ter certeza. Você nem me...
–... Conhece direito... blá blá blá! – ela gesticulava com as mãos. – Que se dane. Eu não estou a fim de desvendar seus segredinhos Kate. Eu só estou querendo que você conheça uma boa diversão. Só isso. E eu desconheço alguém que com sua idade, vinda de Nova York e que bebeu como ontem, não curta o que eu vou lhe apresentar.
– Já até imagino...
– Há-há! Duvido!
– Então fala logo Vick! Quanto mais cedo você disser, mais cedo eu recuso!
– Não vamos com tanta sede ao pote. De noite eu te conto. – Dei de ombros e sugeri mudar de assunto. Isso não vai dar certo mesmo.
– Quero ir ao depósito agora, depois que nós terminamos de almoçar. Quer vir comigo? Não é lá que tá a “tal surpresa”?
– Hum! Bem lembrando K-Bex. Vamos sim. Mas não espere grande surpresa, eu só tentei te animar ontem. Lá no depósito não tem nada demais.
– Você é ridícula sabia? – Eu ri.
– Eu sei. Por isso você me dá crédito. – Ela respondeu também sorrindo.
Terminamos o almoço e fomos direto a caminho do depósito. Pegamos a moto e voltamos ao campus, estava com saudades de pilotar minha moto. Peguei o caminho mais longo, queria exercitar o motor e minha habilidade. Chegamos relativamente cedo à Stanford. Os raios de sol ainda se despediam. Estacionei a moto no estacionamento próximo ao dormitório. Resolvi então abordar a Vick novamente.
– Nova temporada do Nebula-9? Não foi tão ruim quanto eu esperava.
– Sabia que você ia curtir “pra caramba” a “grande surpresa”! – Ela piscou debochada. Demos risada. Então do nada ela me encarou maliciosa.
– Vai dizer finalmente a segunda tentativa? – Perguntei já imaginando o motivo daquele olhar. Mas tentei recuar, eu tinha que ser cuidadosa. – Não que eu esteja assim tão interessada.
– Ah, tá bom... Se fazendo de desinteressada... – Ela voltou a sorrir. – Vem cá... – Ela me puxou para o canto do jardim. – Você tem meia calça preta?
– Quê?!
– Meia calça preta?
– Tenho. – Respondi assustada.
– Ótimo! E short jeans? – Arquei a sobrancelha. – Ok, claro que tem. Então vamos lá... Temos que nos arrumar. – Ela virou as costas e saiu a caminho do dormitório.
– Espera ai! – Caminhei atrás dela. – A gente vai aonde?
– Segredinho. – Ela respondeu ainda caminhando.
– Você acha mesmo que eu vou confiar em você? Nem pensar!
– K-Bex, você não tem escolha. – Ela parou de andar e virou-se para mim. – Está vivendo a regra de 3 tentativas. – Pontuou e retornou a seguir o caminho.
– Toda regra tem uma exceção! – Respondi segura.
– E você quer me fazer acreditar que você é a exceção? Tá de sacanagem!
– Ótimo! Você não acredita em mim e eu não acredito em você. Estamos empatadas.
– Para de ser ridícula! Eu não mordo sabia? Confia em mim. Caramba! – Ela parou de andar e ficou me encarando. Engoli seco.
– Vai ser só desta vez tá me ouvindo? – Falei dando-me por vencida.
– Beleza. Então para de reclamar e anda logo. Suas roupas vão me dar trabalho para arrumar...
– Você vai arrumar minhas roupas? Como é que é?
– Vai começar de novo? – Ela perguntou apoiando as mãos na cintura.
– Tá, tá, tá! Que saco!
– Assim está melhor. – Ela virou-se e voltamos a caminhar. Isso não estava me cheirando bem.

Uma hora para “arrumar” toda minha roupa. Que roupa? Meia calça, jeans, camiseta, tudo está rasgado de alguma forma! E cá estou eu, de frente ao espelho e não sei onde arrumar coragem para sair na rua vestida como a Vick. Ela bate na porta insistentemente. Já não tenho mais desculpas para dizer por que não saio logo do banheiro. Finalmente abro a porta e encaro uma Vick com um mega sorriso no rosto.

– Ficou demais! Cara, se eu não conseguir me formar em direito, já sei que tenho grandes chances no mundo da moda. Eu sou demais! – Ela pulava contente.

– Tem certeza? – Ela me olhou incrédula. – Assim... Digo... Tem certeza que ficou bom em mim? Kate Beckett?

– Como não? São suas roupas, elas apenas ganharam um look a mais. – Ela se virou para seu lado da cama procurando a maleta de maquiagem. Enquanto eu revirei os olhos.

– Mas as botas são suas. – Sussurrei.

– E você acha que de toda sua roupa o problema único é a bota? Não me envergonhe K-Bex. Relaxe!

– Vick, eu nunca me vesti assim...

– Tudo nessa vida tem uma primeira vez. Falando nisso... Rick não iria ficar zangado por causa disso, iria? – Eu gelei. Esqueci-me de dizer à Vick que nós não existíamos mais.

– Vick, eu rompi com o Rick. – Soei amedrontada.

– Sério?! – Ela então se virou totalmente para mim. – Puxa, pensei que vocês fossem para sempre. Apesar de que eu o acho muito imaturo e tal...

– Chega Vick! Muda de assunto ok?

– Foi mal. – Vick desculpou-se sensibilizada.

– Então eu posso fazer minha própria maquiagem ou você vai interferir...

– Não senhora! Nem pense em fazer essa sua maquiagem fajuta com um mero delineador nos olhos. Isso não serve nem para o dia-a-dia de um grunge.

– Eu não sou grunge Vick, você é!

– Ah, então lá vai mais uma parte do plano da segunda tentativa: só por hoje você vai ser uma grunge.

– E lá vai tudo de novo... – Sentei-me na beira da cama suspirando. Dei-me por vencida mais uma vez.

Prontas finalmente, saímos em ponta de pé do dormitório por volta de dez e meia da noite. Ameacei Vick que se alguém que me conhece me visse assim, ela estaria morta. Antes que ela dissesse algo, caminhei em direção ao estacionamento com chaves em punho atrás da minha moto quando fui interrompida.

– Vai aonde?

– Pegar a moto. – Fiz gesto de obviedade.

– Relaxa K-Bex. Temos companhia... – Assim que ela disse isso, surgiram atrás de mim dois garotos dentro de um opala quatro portas. O carro até que por fora estava em boas condições, mas os aspectos dos meninos me deixaram mais uma vez assustada. Vick percebendo meu recente congelamento veio até mim abraçando-me pelo ombro e caminhando em direção ao carro. – Festa grunge. – Ela sussurrou.

– Amiguinha nova Vick? – O cara no volante perguntou.

– É isso ai. Ela é realmente nova pessoal, então vamos devagar beleza? – Vick respondeu. Eu sorria fraco.

– Tranquilo. Sou o Rogan e esse aqui... – Ele falou apontando para o garoto no banco de carona.

– Sou o Joe. Entra ai... – Vick abriu passagem e nós entramos no carro.

– Oi pra vocês, sou a Kate. – Disse tentando não soar tímida.

– Kate. – O motorista me olha pelo retrovisor. Os olhos de Rogan parecem que estão me devorando. – Já foi em alguma festa antes?

– Já! Mas eu nunca fui numa festa grunge...

–... Aqui em LA. Não é isso K-Bex? – Vick me interrompe e me belisca. Entendi o recado.

– Sim. – Respondi.

– E de onde você é Kate? – Joe pergunta.

– Nova York. – Digo sorrindo.

– Wow! As festas de Nova York devem ser demais. Sou louco pra ir ao CBGB.

– Qual de nós não é? – Vick brinca.

E você nunca foi Kate? – Rogan questiona.

– Não. – Eu tinha que me deter a respostas curtas.

– Qual é? Nunca? Nunquinha? – Joe me testa.

– Não. Eu... – Olho para Vick. Ela me dá uma espécie de autorização para falar. – Eu levava uma vida bem diferente da qual vivo agora.

– Me deixa adivinhar, estilo “certinha”? Acertei? – Rogan me instiga.

– É, estilo “certinha”. – Respondi com um tímido sorriso.

– Vira ai na esquerda O’Leary! – Vick diz batendo no banco do Rogan.

– Porra Vick, não me chama pelo sobrenome!

– Cala a boca e vira logo... – Vick comanda.

– Uhul! Já dá pra ouvir o som... – Diz Joe enquanto abaixa o vidro do seu lado do carro.

– Segue o som Rogan... – Vick manda.

– Só existe uma coisa no mundo que me faz não seguir o som. – Rogan sorri malicioso. E me dá uma olhada pelo retrovisor. Baixo a cabeça e mudo meu campo de visão. Vick dá uma tapa no topo da cabeça dele. – Ai! Que droga! Eu paro esse carro agora e você vai a pé!

– Pare o carro, então seus planos com minha amiga irão se findar antes mesmo do tempo exato do seu fim. – Vick responde afiada.

– Ai! Essa doeu... – Diz Joe gargalhando. Eu acabo cedendo e rindo também. Não demora muito e paramos em frente a uma casa com vários carros parados em sua frente. O som é muito alto. Mal descemos do carro e a caminho da entrada da festa já é possível ver vários copos de bebidas no gramado.

https://www.youtube.com/watch?v=fNZooFfxW48

– Ah, isso tá com cara de uma festa do caramba! – Rogan comenta animado. Meio atormentada eu reconheço o som que toca. Ao adentrarmos pela porta tenho certeza, The Offspring tocava a todo vapor. Vick colocou o novo CD deles para tocar na noite de ontem no momento em que ainda estávamos sóbrias. Pessoas com roupas bem mais “estilosas” que a minha circulavam pela casa. Algumas dançavam freneticamente, outras pareciam preferir ficarem no ponto estratégico, próximo às bebidas. O cheiro de álcool e cigarro invadia meu nariz. Não era um ambiente feito para qualquer um, mas ao mesmo tempo em que eu pensava isso, também pensava como os assustadores amigos da Vick pareciam de certa forma legais. Se permitir, eu precisava me permitir.

– Relaxa Kate, parecem que morde, mas não. – Vick fala se aproximando de mim. – Vem comigo, vamos pegar alguma coisa pra beber e dar um giro por aqui. Pelo menos você fica mais adaptada ao ambiente. – Ela piscou e eu a segui.

– Como foi sua primeira festa? – Perguntei quando já chegávamos ao quintal da casa.

– Nada demais... – Ela disse timidamente.

– Eu estou me sentindo uma idiota. – Revelei.

– Ok, minha primeira festa eu estava um pouco pior que você agora. Eu fui sozinha. Era afim de um carinha que curtia essas coisas. Eu fui porque achei que iria encontra-lo lá e que finalmente eu ia conseguir beijá-lo. Acabei me envolvendo numa pequena confusão e então outro cara me salvou.

– Por causa desse cara então você voltou outras vezes.

– Exatamente. Acabei viciando. As músicas, os amigos, as festas. Tudo me preenche. – Ela sorriu com sinceridade.

– Entendo. Já fiz isso. – Revelo.

– Como assim? Ir pra festa por causa de um garoto?

– Basicamente sim. – Inspiro devagar e me aproximo. – Eu tive um momento rebelde, não fui sempre certinha como todos pensam. Tinha um cara, irmão de uma amiga de escola, ele tocava numa banda. Guitarrista. Às vezes eu e minha amiga, a Madison, entravamos escondidas no show para vê-lo tocar. Queríamos parecer descoladas para chamar a atenção dele. A Madison era afim do baixista. Deu certo, por uns 3 meses, até meu pai descobrir tudo. Ainda fiquei um tempo na tentativa, mas desisti. Não valia a pena. – Dei de ombros.

– Uau! Estou chocada! – Ela faz cara de espanto, eu dou uma gargalhada. – Sério! Difícil de acreditar nessa sua versão.

– Tem o direito de achar que é mentira, mas não é. – Continuei sorrindo.

– Ok, vamos lá! Quero uma demonstração.

– Demonstração do quê?

– Se você já foi a festinhas de rock, sabe como se comportar e também sabe como dançar... Portanto senhorita Beckett... A pista lhe aguarda. – Vick diz abrindo passagem em reverência.

– Eu não tenho que lhe provar nada. Acredite se quiser. Não vou dançar só porque você acha que posso estar mentindo. O que importa é que... – Vick começa a rir e logo percebo o porquê ao sentir meu braço sendo puxado em direção aonde todo mundo dançava. – Ei! Espera aí!

– Anda logo kit-kat, você tá precisando se soltar, se divertir. – Rogan diz e antes mesmo que eu possa expressar alguma reação ele me gira e rapidamente me prende pela cintura. Dou um grito. – Isso ai! Agora você está se divertindo.

– Você me chamou de quê?! – Pergunto indignada.

– Qual é Kate? Você é uma gata, kit-kat super combina com esse seu... – Ele me olha de cima a baixo. Eu não o deixo terminar a frase e me solto bruscamente de seus braços.

– Eu não sei se você não se tocou ou se faz de burro!

– Adoro gatas raivosas.

– Se toca garoto! Se pra você isso quer dizer diversão, pra mim é sinônimo de tormento. Cai fora, me deixe em paz! – Gritei e virei as costas em direção ao outro lado da casa.

– A gente ainda vai se esbarrar kit-kat, pode esperar! – Ele grita malicioso e todos que estão na pista começam a gritar o incentivando. Caminho em passos largos até o banheiro. Que situação constrangedora! Abro a porta repentinamente, mas logo de imediato me arrependo. Um casal seguia muito animado em movimentos nada santos. Fecho a porta em alta velocidade e tento achar outro esconderijo. Todas as portas apresentam um ruído nada convidativo no interior dos quartos. Dou meia volta e corro de volta ao quintal. Vick já não está mais lá. Sussurro um palavrão para mim mesma. Não acredito que estou sozinha nessa. Que garoto babaca! A Vick me paga! Observo o quintal por míseros segundos e vejo ao longe, bem ao fundo, um local isolado e com pouca iluminação. Santo local que ainda não foi descoberto por esses casais insaciáveis. Fico ali, tentando me acalmar e bolar um plano para voltar ao dormitório, mas não antes de pensar involuntariamente em mil maneiras de como matar a Vick. Eu sou uma idiota, como fui cair nessa?

– Quer dizer que você sempre costuma fugir, se esconder, sei lá como você chama isso...

– Era só o que me faltava... Você aqui? De novo? Tá me seguindo?

– Kit-kat? É assim que seus amigos te chamam?

– Kevin, não é esse seu nome?

– É sim.

– Em primeiro lugar, aquele babaca não é meu amigo. Em segundo lugar, não devo nenhuma explicação pra você. E em terceiro, o que você, com gelzinho no cabelo e roupa engomadinha faz aqui nessa festa de loucos?

– É! Muitos loucos, começando por vo... Enfim... Também não te interessa o que eu vim fazer aqui.

– Ótimo, então me deixa em paz, mais uma vez! – Digo cruzando os braços.

– Você que tem que me deixar em paz. Eu cheguei aqui primeiro. Estou aqui desde o inicio da festa. Daqui eu consigo observar perfeitamente todo o movimento e daqui também vejo onde minha irmã está e o que ela está fazendo.

– Ah não! Fala sério! Você veio até essa festa seguindo sua irmã? Quantos anos você tem, hein garoto?

– Droga! Tenho quase 15, mas não conta pra ninguém tá legal? – Dou uma gargalhada.

– Seus pais então nem sonham que você está aqui, né?

– Não, eles pensam que estou na casa do meu amigo.

– Deixa sua irmã em paz, assim como eu. Acho que ela já deve ser bem crescidinha para ter um irmão com ciuminho a seguindo. Ela sabe se virar.

– O namorado dela é um babaca! Não vou deixar de protegê-la. Ela precisa de mim!

– Sério? De você, um menor de idade, com gel no cabelo e todo engomadinho? Garoto, pelo que já andei nessa festa, qualquer cara desses fazia você comer poeira. Se manda vai... Aproveita que ninguém te viu ainda e vai pra casa.

– Você não manda em mim!

– Céus!

– Eu já disse o que eu estou fazendo aqui. Mas e você? Você não tem o perfil das amigas da minha irmã. Não imaginei que curtia essas coisas. Você não está aqui porque quer não é?

– Pelo visto vou ter que arrumar outro esconderijo...

– Ah! Que isso! Eu não estou perguntando nada demais! Eu nem sei seu nome, queria saber o que você faz aqui. Sem o seu nome eu não vou poder difamar você depois se é isso que te preocupa.

– Kevin, o que eu faço ou deixo de fazer, ultimamente, nem eu sei o porquê. Eu nem deveria ter colocado meus pés nessa festa e muito menos me vestir desse jeito.

– Você queria se divertir não é? Mas aqui não é um local legal para isso.

– E o que você sabe sobre isso? Você nem poderia ficar aqui. Que outras festas você já foi?

– Realmente, posso ainda não ter o direito de ficar aqui. Mas eu conheço locais que realmente valem a pena para se divertir. O boliche, por exemplo... O hambúrguer que servem lá é dos deuses. E o milk-shake então? Nossa!

– Diversão pra você é sinônimo de comida? – Pergunto cruzando os braços e arqueando a sobrancelha.

– Quase por ai, mas não com tanta ênfase. – Ele responde sem vacilar.

– Até que pra um garoto da sua idade você tem um vocabulário bem trabalhado.

– Estudo numa escola católica, mas não aqui. Estudo em Nova York. Estou aqui apenas por motivo de trabalho dos meus pais. Gosto mesmo de ir até a biblioteca e gosto de ficar caminhando pelo campus. Sabe? Minha irmã é que tem dado trabalho para meus pais. Como sou um dos homens da casa, tenho o dever de proteger ela. A mais velha graças a Deus já não faz essas coisas. – Eu ri.

– Você é engraçado Kevin. – Estendi minha mão direita a ele. – Kate, Kate Beckett.

– Finalmente, prazer! – Ele responde apertando minha mão. – Ei Kate, eu estou morrendo de fome. Tem alguma coisa pra comer ai nessa festa? Se você pudesse fazer esse favor...

– Se tinha alguma coisa para comer, com certeza já acabou. Não tem nenhuma lanchonete aqui perto?

– Ah, pensando bem tem sim. Quer ir lá comigo? Eles têm um hot-dog...

– Fica pra próxima, Kevin. Eu preciso achar minha amiga. Preciso de carona para voltar para o campus.

– Beleza então. Mas antes de eu ir... – Ele diz pegando a carteira do bolso. – Aqui... Essa é minha irmã. Daqui você não vê-la, então... – Ele fala mostrando a foto. – Pode, por favor, ficar de olho nela?

– Kevin, eu não sou babá de ninguém.

– Eu sei, só que... De repente, se você a vê em algum apuro...

– Também não sou dedo duro.

– Por favor! Eu estou pedindo com educação. – Ele implorava com aqueles olhinhos pidões e azuis.

– Nem adianta fazer essa cara. – Olhos azuis. Kate! Foco!

– Por favor... – Ele insiste.

– Tá, tá, tá! Qual seu número? – Perguntei ao jovenzinho. Ele me convenceu.

– Não precisa. Se você me ligar meus pais vão saber onde eu estava. Faz o seguinte. Encontra-me amanhã, na biblioteca central do campus. Eu sempre passo por lá. De duas horas da tarde, pode ser?

– Vou pensar no seu caso. Se der eu apareço... – Falo já me distanciando, eu precisava encontrar a Vick.

– Tchau Kate!

– Tchau Kevin. – Digo me despedindo e retornando ao centro da zona. Mal entro no salão e avisto Vick na parte das bebidas, ao me aproximar vejo que ela já sofre efeitos do álcool.

– Ai está você! Você sumiu! O Rogan também... Até pensei que...

– Cala a boca! Ele é ridículo! Nem se fosse o último homem da face da terra!

– Olha que tanto ódio assim pode se transformar em paixão rapidamente.

– Vick! – Disse cerrando o cenho. – Eu preciso ir embora. Agora!

– Ah, espera ai... A festa mal começou. Você não viu nada ainda. – Ela diz soando bêbada.

– Já vi o suficiente e algo me diz que muito em breve você vai assumir outra personalidade. É hora de ir Vick. – Disse a pegando pelo braço.

– Me solta! – Ela grita. – Não vim aqui com babá.

– Vick... – Digo a soltando.

– O Joe vai pegar a guitarra. O Jack, o dono da casa, coisa assim sei lá, tem uma bateria. Rogan prometeu cantar... Relaxa a festa tá só começando. – Ela sorri cinicamente e adentra na pista de dança pulando ao som de outra música frenética. Só me resta esperar e torcer para essa tortura acabar logo. Resolvo beber, me sinto muito tensa. Talvez isso ajude. Ou melhor, sempre ajuda. Um pouco distante eu avisto novamente o Rogan. Tento me esconder no meio das pessoas, mas é em vão. Ele já me avistou e rapidamente me alcança.

– Ei, eu sinto muito ok? Desculpa pelo lance na pista. Você não é como as outras amigas que a Vick já trouxe. – Ele parecia estar realmente arrependido, mas eu não podia dar mole para esse cara.

– Próxima vez presta mais atenção.

– Realmente eu deveria ter prestado mais atenção em você. – Ele tenta seduzir. Ele é tão ridículo!

– Você vai cantar não é? Que horas você acha que vai acabar tudo isso aqui?

– Bom, da última vez acabou na hora que a polícia chegou. Mas normalmente isso só acontece quando os Donovan’s estão em casa, mas Jason disse que eles viajaram. Então, tá tranquilo. Temos até o amanhecer. – Ele tenta parecer simpático, mas o cheiro de álcool que exala dele me deixa zonza.

– Que ótimo. – Digo petulante.

– Se quiser eu dou um jeito e te levo em casa se não estiver gostando de ficar por aqui.

– Não se dê ao trabalho, acho que eu posso aguentar. – Deus que me livre entrar no carro desse maníaco, ainda mais sozinha.

– Tudo bem então. Olha... – Ele diz se aproximando e eu sinto vontade de deixa-lo falando sozinho. – Eu não vou te fazer nada, nada que você não queira. Digo... Eu sou péssimo falando com garotas bonitas como você. Às vezes eu faço idiotices, mas não sou um babaca ou louco. Talvez um pouco atrapalhado.

– Tá tudo bem Rogan, só não repita isso que aconteceu. Nunca me trate como se já me conhecesse. Fazendo isso nós podemos tentar conviver em paz. – Disse tentando um acordo.

– Certo, pode confiar, não faço mais o que fiz. – Ele sorri. Parece feliz, mas eu não sei ao certo. Sei apenas que eu deveria estar ignorando esse garoto. – Eu vou cantar alguma coisa para o pessoal, mas também vou cantar algo para minha mais nova amiga.

– Por favor, acabamos de acordar que você não deve me tratar como se já me conhecesse.

– Eu sei. Isso não é nada de mais. Ninguém vai saber que a canção é pra você, só eu e você.

– Se eu disser que não, vai adiantar?

– Não.

– Sabia. – Inspiro e expiro de maneira estressada.

– Eu vou arrumar o som agora. Um bom lugar é ali perto do canteiro de flores. De lá você vai poder ver eu a galera tocando. Espero que se divirta. – Ele sorri. A tentativa de ser simpático está sempre falhando comigo.

Ok.

– Você vai saber quando o som for pra você. – Sorri forçada. Quando ele vai entender que da amizade isso aqui nunca vai passar? Ele se afasta e em pouco tempo a tal banda estava preparada. Pelo microfone Rogan anunciava a toda galera para se reunir no gramado do quintal. Animados, Joe puxa na guitarra uma nota rasgada e o baterista logo começa a acompanhar. Uma música nunca ouvida por mim começou a agitar a galera. O som da bateria e da guitarra era a única coisa que eu consegui distinguir entre os guturais testados pelo Rogan. Mais umas duas músicas foram tocadas, dentre elas uma com um tom mais agradável aos meus ouvidos. Do nada uma pausa. Rogan pede atenção de todos.

– Essa vai ser uma velha música para novas oportunidades. – Ele olha para o canteiro de flores, eu estou bem do outro lado e posso ver sua reação. – Você nas sombras, curta esse som.

https://www.youtube.com/watch?t=73&v=JpMt_YqVbhw

As pessoas começam a gritar ao som das primeiras notas. Nirvana, About a girl. Que clichê, eu penso. Tem algumas meninas bem à frente dele. Elas tentam de alguma forma chamar a atenção do Rogan, mas o cara com olhar malicioso só faz cantar e me catar no meio da galera. Não consigo evitar um riso que se prolifera em minha face. É uma situação engraçada no fim das contas. O cara se apaixonou por mim de primeira. Isso parece filme de comédia romântica. Tão clichê! Uma pena isso não ser recíproco. Ele merecia uma garota que fosse tão boba quanto ele. Estou rindo sozinha quando volto meu olhar para onde Rogan canta, ele me encontrou e estende um sorriso a me ver olhando em sua direção. Eu também estou sorrindo, mas acho que ele não entendeu que não estou rindo para ele e sim dele. A alegria se expande em volta de sua atmosfera. Deus, ele realmente é lento. Ao falar em lento, lembro-me da minha mãe que volta e meia dizia essa mesma frase para meu pai. Algo em mim desmorona e toda minha atmosfera se despedaça. Ando por meio de pessoas dançantes, meus passos estão meio descompassados. Na varanda da frente da casa, beirando a porta de entrada, lembro-me de ver um banco em meio a jarros de flores e é para lá que vou. Sento-me tentando por os pensamentos em seu devido lugar. Não consigo me dar conta de quanto tempo por ali eu fiquei entre vai e vem de pessoas. Mais uma vez alguém se senta do meu lado.

Kate, tá tudo bem? – Vick pergunta. – A gente já tá indo.

– Tudo bem. – Digo desanimada. – Vamos lá então.

– Não liga pro Rogan, ele é bobão assim mesmo, mas é boa gente. Sempre nos ajuda quando precisamos. É um bom amigo.

– Eu já entendi. Tá tudo bem. – Digo tentando me fazer de forte. – Só estou cansada. Uma boa noite de sono vai me fazer nova em folha.

– Mas diz pra mim... Você gostou? Nem que seja um pouquinho de nada.

– Gostei um pouquinho só. – Não tive coragem de ser sincera. E pra dizer a verdade, eu não tinha certeza de nada.

– Beleza! Meu plano então funcionou, mesmo que um pouquinho só. – Ela ri sozinha. Acho que o álcool ainda está em pleno vapor nela. Logo o Rogan aparece carregando um Joe muito bêbado.

– Vamos, esse aqui já caiu. Deixo vocês e depois cuido desse cara. Ajuda-me a pôr ele no carro, Vick. – Vick levanta meio zonza. – Você também? Cara, eu sou mesmo duro na queda.

– Eu te ajudo. – Digo. Eu me compadeço de tal situação.

– Valeu Kate. Apoia o Joe ai desse lado. – Juntos caminhamos até o carro. Depositamos Joe na parte traseira e Vick o acompanha. No banco do carona eu ajusto o cinto de segurança. Chegamos vivos no campus. Agradeço a carona e antes de descer do opala, Rogan segura minha mão. – Obrigada por ter vindo. Foi muito legal te conhecer. Espero te ver de novo. – Sorri fraco.

– De nada. Até a próxima Rogan. – Quis ser ao mínimo, educada. Eu distribuí tanta grosseria com ele hoje. Não que ele não merecesse, mas tanta grosseria me fez sentir certo dó. Com a porta já aberta desço do veículo. Abro a porta e acordo uma Vick quase “desmaiada”. Ela se levanta e me acompanha até o dormitório. Foi uma luta fazer o percurso pelo corredor com ela em silêncio. Eram quatro horas da manhã. Depois de um banho quente me depositei na cama. Uma “boa noite” imaginário fora dado à minha mãe. Adormeci sem saber como, mas eu dormi. Apenas dormi.


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Notas finais do capítulo

Amores, e aí? O que acharam?
Sei que a leitura foi enorme, mas deixa um comentário pequeno, pelo menos para eu entender os seus pontos de vista tá legal?
Sei que muita gente tá esperando ver uma Kate alopradinha, mas vamos lá, para essa "segunda tentativa" o que acharam? Como devem estar nossos conhecidos em Nova York?
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