A Maldição do Cálice escrita por Hidemi


Capítulo 1
Capítulo Unico


Notas iniciais do capítulo

Boa Leitura!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/479876/chapter/1

1995- Afeganistão

A Monarquia acabou há vinte anos. A vida de milhares de pessoas melhorou, com mais vagas de emprego e um salario mínimo foi estabelecido. Por outro lado, porém, muitas vidas foram dificultadas, assim levando a pobreza e miséria de centenas de civis.

Oktay Demerkian costumava ser o comandante de sua cidade. Casado com a bela professora de literatura, Tanya Khan, levava uma vida tranquila, na parte nobre de Jalalabad. Após a República ser imposta, vendeu sua mansão e seus dois belos carros em pouco tempo, e alugou um apartamento quarto-sala no centro da cidade. A mulher ainda dava aula na escola municipal, cujo salario era suficiente para pagar o aluguel, mas ainda faltavam muitas coisas, e às vezes comida. Mas ainda assim, felicidade não faltava naquela casa.

No dia de 19 de agosto de 1975 Tanya declarou estar grávida. A noticia foi considerada a melhor daquele ano. Determinado, Oktay voltou a procurar um trabalho fixo, a fim de poder oferecer um lar melhor para seu primogênito. Começou a trabalhar como jardineiro, nas casas de pessoas ricas, e ate mesmo em sua antiga moradia. Três meses depois, sua mulher adoeceu. Todo o dinheiro que estavam guardando fora usado pagando o tratamento de quimioterapia. Logo, recebeu uma oferta praticamente irrecusável. Servir ao exercito combatendo civis em cidades vizinhas, e o tratamento seria pago pelo estado. Sem pensar duas vezes, aceitou a proposta. Semana seguinte, mais precisamente no dia 09 de Dezembro, partiu em um tanque de guerra em direção a Cabul. O transporte cheirava a gasolina e cigarros.

Ao chegar ao seu destino, foi abordado por um morador de rua. “Um trocado, por favor, meu senhor.” Oktay vasculhou seus bolsos e achou uma única moeda, e entregou ao sem-teto. ‘Com certeza, ele precisa mais disso do que eu. ’ ele pensou. O velho agradeceu, e disse para pegar um de seus ‘tesouros’, então abriu um saco que carregava nas costas, cheio de louças e utensílios de cozinha velhos. Ele tentou negar, mas o homem insistiu. Após vasculhar rapidamente o saco, achou um cálice dourado de latão com detalhes em pérolas de plástico. Agradeceu e seguiu seu caminho até a base. Cerca de um mês depois, recebeu um telegrama:

“Caro Sr. Demerkian
É com alegria que lhe informamos que sua esposa, Tanya Khan está melhorando relativamente rápido, mas também devemos lhe informar que o bebê que ela trazia em seu ventre não sobreviveu.
Com todos os pêsames,
A equipe do Hospital Municipal de Jalalabad.”

Após ler, lagrimas rolaram de seu rosto, mas em vez de se derramar no chão, elas produziam um som agudo, como uma pequena pedra caindo sobre metal. Ao perceber isso, olhou para baixo e percebeu a taça que havia ganhado do sem-teto assim que chegou a Cabul. O recipiente estava reluzindo como ouro e cheio de pérolas. Ele se esforçou em soltar mais uma lágrima, que se esbranquiçou enquanto escorria e se transformou em uma pérola perfeitamente redonda caindo sobre as outras, que já estavam no cálice. Ele logo se esqueceu de seu falecido filho.

No dia seguinte, pediu demissão, foi até a cidade, e comprou uma passagem até sua cidade natal. Lá, pegou um táxi até o hospital. Ao entrar no quarto, abraçou sua esposa bem forte, e pediu para que as enfermeiras se retirassem. Sentou-se ao lado de Tanya e a contou tudo, sobre o mendigo, sobre a taça. Logicamente ela não acreditou. Logo, ele começou a ofendê-la por estar doente e inútil, e por ter perdido o filho que ele já amava. Os olhos dela marejaram aos poucos e quando a primeira lagrima escorreu, ele apoiou o cálice sob seu queixo e deixou a lagrima cair e se transformar em uma pérola negra, a espécime mais rara de pérolas. Ele a abraçou e pediu perdão, disse que havia mentido e que a amava muito, só havia dito aquilo para provar que o cálice funciona e testar sua teoria.

“Quanto mais inocentes são as lagrimas, mais valiosas serão as pérolas.”

Logo, ele e a esposa choravam todos os dias, lamentando a morte ate mesmo de desconhecidos. Abriram uma loja de joias e ganhavam dinheiro como se fosse agua. Certo dia, eles não tinham mais pelo que chorar. Com as tais lagrimas forçadas e gananciosas, só se formaram pérolas tortas e grudadas umas nas outras. Vendo que seu negócio estava chegando ao fim, chorava cada vez mais e mais dentro da velha taça, mas as pequenas joias ficavam cada vez mais feias. Nesse tempo eles haviam tido dois filhos, Eray, de quatro anos e Diyar, de três meses. Oktay enlouqueceu completamente, a ponto de machucar seu filho mais velho para que ele chorasse dentro do cálice, e produzisse belas pérolas, que não conseguia mais fazer sozinho. Tanya tentava impedi-lo, mas acabava sendo agredida também e obrigada a chorar. Logo as lagrimas do garoto deixaram de ser belas também.

Ingredientes para uma boa pérola:
-Lágrimas de dor
-Lágrimas de medo
-Lágrimas de tristeza

*PS: Raiva, Nervosismo ou Lagrimas falsas podem deixa-las defeituosas.”

Cheias de raiva, as lagrimas de Oktay, Tanya e Eray não funcionavam mais. Então, envolvido em sua ganância e loucura, ele começou a pensar em um jeito de trazer dor, medo e tristeza novamente.

No dia seguinte, Tanya ouviu o bebê chorar, às três horas da madrugada. Quando estava colocando a mão sobre a maçaneta para abrir a porta, Diyar parou de chorar. Então abriu a porta lentamente, e pode enxergar a silhueta de seu marido, com o bebê no colo e uma mamadeira na mão. Sentiu um alivio. “Ele está voltando ao normal... espero” pensou ela. Mas então ela percebeu que algo pingando e um brilho metálico vindo do que antes julgara ser uma mamadeira. Ao acender a luz, ela gritou. Gritou e chorou muito. Nos braços do homem jazia o corpo sem vida de seu filho.

“Agora, com certeza teremos pérolas pretas para vender” disse ele com um sorriso psicopata no rosto, empurrando a taça na direção da mulher. Seus olhos arderam em cólera. Empurrou o homem e saiu correndo com o pequeno cadáver no colo, acordou o mais velho e saíram em disparada rua afora, tentando fugir daquele homem a quem um dia amaram. Alguns quarteirões depois, nem sinal dele. Tanya desmoronou no chão, chorando abraçada ao corpo frio que começava a endurecer com a luz da manhã.

Logo a mulher e o garoto caem no sono, no meio da rua. Oktay chega, e leva os dois para a casa. Deixa a mulher deitada na cama de casal, bem coberta e leva o filho para o porão.

“Você é o motivo da minha ruina! Por sua causa, não podemos mais chorar!”

Tanya acorda deitada em sua cama. Com dificuldades, ela levanta e procura por seu filho, com temor de que seja tarde demais. A casa toda parece estar vazia, mas ela ouve um som abafado vindo do porão. Com medo, ela desce as escadas silenciosamente e encontra o homem de costas, com seu filho no colo, o rosto vermelho e um pano no pescoço.

“Você vai chorar para mim agora?”

Ela se recusou e tentou fugir, mas a porta estava trancada. Oktay a alcançou e a apunhalou pelas costas, fazendo com que ela caísse em seus braços. Após seu ultimo suspiro, a loucura foi embora, e ele percebeu a mulher que tanto ama morta pelas suas mãos. Começou a chorar copiosamente, e o cálice apareceu abaixo de seu queixo. E ele chora, chora eternamente fazendo com que as pessoas de todo o mundo chorem para ele.

Acho melhor você começar a chorar agora.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "A Maldição do Cálice" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.