Em Família escrita por Aline Herondale


Capítulo 9
Traga-me Mais Vinho, Por Favor


Notas iniciais do capítulo

Adorei escrever esse capítulo, apesar dele ter ficado menor do que o costume.
Espero que gostem.



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Teria visto mais se a criada não tivesse fechado a porta com força demais, assustando minha mãe e fazendo-a olhar para trás. Eu havia entrado sem fazer barulho algum – uma das habilidades dos anormais, passar despercebidos pelos lugares. Ela pegou uma toalha limpa e me entregou, depois pôs se a limpar a trilha de poças que eu havia deixado.

Lena primeiramente me olhou assustada mas depois deixou a indiferença tomar seu semblante. Voltou o rosto para as teclas do piano.

– Estou ensinando seu tio a tocar piano. O tio Charlie é um iniciante. – Ela simplesmente respondeu sem notar que Charlie também havia se virado mas que, agora, sorrida de modo safado para mim.

Naquele momento não me importei estar usando minha blusa branca de cambraia de algodão e estar toda ensopada – fazendo com que minha roupa se tornasse transparente e estivesse revelando meu sutiã de renda branca, com bojo. Não me importei da minha tiara de trança estar semelhante a um ninho de passarinho. E não me importei se pegaria uma bronquite e morreria, o que eu não admitia era minha mãe – depois de tantos anos – estar sentada no piano em que meu pai havia me ensinado a tocar. Mesmo depois de ter feito o maior escândalo, anos atrás, por causa de uma suposição idiota de que Bryan preferia ensinar à mim do que à ela e feito a promessa perpétua de nunca mais sentar para tocar naquele piano. E se isso não bastasse, ali estava ele,dividindo o mesmo banco com minha mãe.

Precisei respirar muito fundo para não perder as estribeiras.

Tentei ignorar o fato do meu tio não parar de correr aqueles olhos cinzentos de forma preguiçosa por todo o meu corpo, se divertindo e deliciando ao mesmo tempo, com a minha imagem. Mas a raiva não me deixava prosseguir até meu quarto.

– Vista uma roupa seca e venha tocar com a gente. – Ele sorria de canto, intrigado com toda aquela cena. Minha mãe sequer conseguia enxergar o que acontecia ali, praticamente de baixo do seu nariz. Ela preferia manter a compostura de que não estava fazendo “nada demais”.

– Tome um banho quente antes ou vai pegar um resfriado. – Falou Lena, sem virar o rosto para mim. Charlie continuou me observando até ter a atenção chamada pela minha mãe, que tornou a “ensiná-lo” piano.

Enxuguei, com a toalha entregue pela criada, meu rosto, braços e outras partes descobertas pela roupa. Depois joguei-a no chão e pisei forte até chegar ao meu quarto.

Optei pela banheira e coloquei excesso de sais e óleo – pretendia ficar ali por muito tempo. Foi o meu banho mais demorado. Eu tinha um propósito.

Quando cheguei á sala de jantar, a mesa continuava posta mas todos os pratos já tinham sido retirados, menos o meu. Eu me negava a ter que almoçar com eles após aquela cena então bastava demorar o máximo que conseguisse no meu banho para fazer com que não agüentassem de fome e almoçassem sem mim. Havia dado certo.

Suspirando vitoriosa sentei no meu lugar de costume e comecei a me servir.

– Pensei que não almoçaria hoje. – Escutei uma voz embargada dizer atrás de mim, provavelmente vinda da porta da cozinha. Revirei os olhos, tinha sido bom demais para ser verdade. Não respondi e continuei a me servir dos legumes. O escutei caminhar até mim e, parando ao meu lado, colocou uma garrafa de vinho sobre a mesa. Devolvi a colher para a travessa e virei o rosto devagar.

1995.

– Espero que aprecie tanto quanto eu. – Ele disse, forçando a voz para que saísse mais rouca do que de costume. Demorou mais alguns segundos ao meu lado e saiu indo em direção à sala do piano.

– Ah. – Disse, parando na divisão dos recintos, virando apenas o rosto. Tinha as mãos nos bolsos da calça. – Cuidado com o suflê. Ele tem pedaços de tomate. Á pedidos de sua mãe. – Acrescentou.

Arregalei os olhos. Minha mãe sabe que sou alérgica a tomates desde criança. Tomamos um grande susto quando, aos quatro anos, provei um pedaço e no segundo seguinte já estava sem respirar. Foram três dias internada no hospital. Ela tinha total conhecimento dessa minha vulnerabilidade.

– Mas sou alérgica a... – Não terminei a frase. Porque raios estava dividindo isso com ele?

– Eu sei. – Disse com um sorriso e sumiu, dobrando para o outro recinto.

Contentei-me em comer cenoura e batatas com tiras de cebola fritas amanteigadas. Peguei a taça, deixada para mim, e servi o vinho. Antes de beber, fiz como nos filmes e balancei o líquido e inalei seu cheiro. Era suave e doce. No momento em que meus lábios encontraram o líquido carmesim uma melodia reverberou por toda a mansão.

Alguém estava tocando o piano.

Não precisei de maiores esforços para adivinhar quem era.

Nuvole Bianche acompanhou o final do meu almoço – combinando perfeitamente com o toque adocicado do vinho, o qual mais bebi do que comi a comida que havia servido.

Aproveitei minha solidão e enlargueci meu sorriso sem receios.


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Notas finais do capítulo

NÃO DEIXEM DE COMENTAR.
E aquela recomendação?
XOXO