Era madrugada, fazia tanto frio que dava pra ‘ver’ nossas respirações, a cada fala o ar branco e puro saia de nossas bocas como se nossa expiração fosse pesada a ponto de vê-la. As ruas estavam devidamente limpas, algum carro já tinha retirado toda a neve, mas havia vestígio dela em alguns cantos da calçada. Não havia muitas pessoas naquele ponto de ônibus que ficava ao lado de uma grande lavanderia, exatamente um casal, uma velhinha, um senhor mal murado, uma moça com uma bolsa de balé e eu e Elizabeth. Ela vestia seu casaco amarelo com um grande capô que cobria sua cabeça. A luz do poste a frente piscava de dez em dez segundos, a rua só era iluminada pela lavanderia ao lado que ficava aberta vinte e quatro horas por dia. De repente duas luzes fortes apareciam no final da rua e ia se aproximando cada vez mais, era o tão esperando ônibus. Alguns suspiravam aliviados murmurando um “até que enfim!”. Enquanto todos se ajeitavam na fila, uma sombra de um homem se forma atrás. Elizabeth puxa meu braço, sinalizando para que eu olhe para o tal homem e em estantes eu escuto sua voz rouca e um pouco sombria:

– Sam não vá!

– Você não manda em mim Freddie Benson – Uma velha frase.

– Você não pode leva-la de mim, você não pode se afastar de mim Sam!

Suas lágrimas percorriam seu rosto, seus olhos castanhos estavam tão negros e profundos. A voz rouca e quase falha não me fariam mudar de ideia e quando todos já haviam entrado no ônibus, um simples “Adeus Fredward” foi o desfecho que faltava para nós. Lizzy segurava seu capô enquanto subia os degraus e logo em seguida, ouvindo súplicas de perdão, entrei naquele ônibus sem olhar para trás.

Mas como ele não conseguiu evitar isso antes? Não foi capaz de evitar que aquilo acontecesse, não foi capaz de impedir que tudo aquilo acontecesse. Covarde era como eu o definia, mas no fundo eu sabia que também era covarde e meu coração se apertava ao olhar para aquela janela embaçada e vê-lo em desespero naquele ponto de ônibus – que agora se encontrava vazio – e ouvir seus clamores de perdão.

E de repente certo “bip, bip, bip”... Ecoa no fundo...

– Droga de despertador, pra que diabos precisa me despertar em pleno sábado?

Pelo menos me acordou desse sonho horrível – Penso. Tentar voltar a dormi é uma tarefa difícil. Depois de passar meia hora tentando, resolvo levantar. Liguei para Cat e pedi para que ela viesse aqui. Esse sonho me deixou meio perturbada, preciso de um café bem forte.

Lizzy acordou pouco tempo depois. Vinha correndo com seu ursinho de pelúcia que ela apelidou de “Senhor Urso” por ficar assistindo reprises de Três é Demais comigo, sabe não se faz mais séries como antigamente... Então logo ela reclamava por eu ter dito que não tinha biscoitos e ela tinha que comer cereal.

– A senhora disse que ia fazer biscoitos!

– De tarde eu faço Lizzy, agora não da...

– Por quê?

– Porque não da!

– Mas eu não quero esse cereal, tem gosto de terra mamãe!

– E você já comeu terra?

– Não

– Então não pode dizer que o cereal tem gosto de terra se você nunca comeu terra antes.

Cat chegou alguns minutos depois e trouxe uma cesta de bolinhos.

– A mamãe queria que eu comece Funo’s – Reclama Lizzy para Cat

– Sam! Aquilo tem gosto de terra! – Reclama Cat

– Mas em? O que isso? Um complô contra o cereal ou contra mim?

Enquanto Lizzy assistia TV, Cat me falava sobre o “encontro” com Robbie na noite anterior:

– Robbie foi pra Florida hoje... – Ela dizia meio cabisbaixa

– Era isso que ele queria falar com você ontem? – Pergunto

– Não, – Ela faz uma breve pausa – ele me pediu pra marcamos o casamento pra Agosto.

– Mas é daqui a dois meses

– Eu sei, ele disse pra eu arrumar tudo.

– Mas como? Ele acha que é fácil arrumar um casamento em dois meses?

– O problema não é esse Sam! – Ela diz em tom de desabafo

– Então qual é?

– É que... Sinto que sou um problema pra ele, um problema que ele quer resolver logo sabe...

– Não! Não sei! – Digo sem entender

– Por que ele quer mudar a data do casamento? Por que assim do nada ele quer que a gente se case?

– Ann... Será que é porque ele te ama?

– Não é assim Sam, o que eu to querendo dizer é que, sabe eu sinto como se ele estivesse forçando nosso casamento. Ele estava tão estranho ontem à noite.

– Estranho como?

– Tão frio sei lá.

– Talvez ele esteja estressado com o trabalho Cat.

– Pode ser...

– Anda, deixa de ser paranoica, não tem motivos pra isso, eu tenho – Confiro se Lizzy está vendo TV mesmo – sabe que sonhei com aquela pessoa hoje à noite?!

– Sonhou com quem?

– Com aquela pessoa que você sabe quem, mas não posso falar porque tem crianças presentes – sussurro apontando pra Lizzy.

– Calma ai, você sonhou com a Lizzy? – Pergunta Cat confusa

– Ah não Cat! – Sussurro irritada – Com o Freddie, eu sonhei com o Freddie!

Cat se assusta e quase da um grito

– Fica quieta, Lizzy não pode escutar esqueceu? – repreendo antes que ela surte

– Pensei que não podíamos falar dele – Ela diz

– Eu preciso falar agora...

– Tá, o que você sonhou?

– Ah – suspiro – Eu não sei exatamente... Foi meio estranho, sonhei que estava em um ponto de ônibus com Lizzy e Freddie aparece me pedindo pra não ir embora...

– Hum, deve ser sua consciência te acusando.

– Cat você não está me ajudando em nada! É sério droga, eu achei meio estranho.

– O que?

– Eu ter sonhado com ele, sabe que eu nem penso nele faz tanto tempo... Não tem motivo pra eu sonhar com ele agora.

– Aham, sei... Não pensa nele né...

– Cat! – Digo irritada

– Tá bom! Mas não acha que esse sonho quer dizer alguma coisa ou sei lá?

– É justamente isso que me incomoda, mas quer saber? Tanto faz! É só um sonho e eu não posso ficar paranoica com isso.