Páginas Esquecidas escrita por Napalm


Capítulo 7
Aquele das Tranças


Notas iniciais do capítulo

Desculpem a demora!



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O túnel do nível abaixo de onde estávamos mostrava-se uma simples passagem de pedra, com formato circular acidentado e meros dois metros de diâmetro. Estendia-se num único caminho escuro para um destino desconhecido.

– Será que os guardas da Grande Cidade ainda estão na ilha? – Jess perguntou, sua voz ecoando no local cavernoso. – Espero que já tenham ido embora.

– Melhor tomarmos precauções e não passarmos perto de Gaela ou da estrada para sua vila. – Fergo comentou.

Depois de uma caminhada longa, deparamos com o fim do túnel ao longe: uma claridade anunciava a saída do subterrâneo.

– Esse barulho… – Jess disse. – É o mar!

Ela correu até o fim do túnel, alcançando a ponta da abertura onde nos encontrávamos. Alcançamos ela e olhamos através da abertura. Estávamos numa caverna um pouco acima do nível do mar, cujas ondas quebravam ao pé da planície alguns metros abaixo.

– A praia está logo ali. – Reeve comentou, olhando para oeste da caverna. Olhei também e vi que estávamos um pouco acima do nível da areia.

– Vamos pular e nadar até lá.

– Tentem pular o mais longe possível. Pode haver pedras ou ser raso demais. – Fergo disse.

– Eu vou na frente. – Eu pronunciei, pedindo que se afastassem. Voltei um pouco alguns passos para tomar impulso. Inspirei e expirei, tentando me preparar fisicamente. Então desatei a correr e pulei quando meus pés alcançaram a beirada, o mais longe que pude. Mergulhei na água salgada e olhei através dela, encontrando um terreno subaquático algoso e majestosamente liso. Até mesmo a saída secreta do laboratório havia sido planejada com cuidado, pensei.

– Podem vir tranquilos. – Eu os chamei, assim que voltei à superfície. – Não há pedras e é relativamente fundo.

Pularam um a um ao mar e então nadamos em direção à areia. Estiramo-nos encharcados na praia. Fergo retirou sua túnica, que aparentemente era impermeável, para que as roupas que usava por baixo secassem ao sol. Por falar em sol, ele nascia bem a nossa frente, tornando belo o cenário onde nos encontrávamos, por mais impropícia que fosse tal paisagem.

– Teremos que ir para Tulipa. Conheço alguém lá que pode nos ajudar. – Disse Fergo.

Onde fica isso? Perguntei-me mentalmente. Reeve acabou por responder.

– Podemos seguir pela praia, indo para o norte. É uma das vilas litorâneas.

– Pela praia é arriscado. – Fergo comentou, olhando para o céu, provavelmente procurando algum sinal dos helicópteros de Grande Cidade. – É muito aberto. Melhor cruzarmos os bosques da estrada.

Jess havia corrido até a orla e catava conchas na areia.

– Jess, o que está fazendo? – Perguntei ao longe.

– Resolvi que vou começar uma coleção! – Ela gritou.

– Temos que ir, agora!

– Já estou indo.

Ela enfiou as conchas nos bolos da jaqueta que usava e voltou correndo.

Deixamos a praia e seguimos pelo matagal que havia ali perto, rumo a noroeste. Nosso estoque de comida havia terminado. Felizmente, Fergo compartilhou conosco alguns suplementos alimentares em cápsulas. Não era agradável e nem tinha sabor, mas pelo menos era prático e amenizava a sensação de fome. Havia a opção de caçarmos algo pelos bosques, alguma lebre ou esquilo e assá-los. Porém, ora ou outra ouvíamos barulho de hélices e tínhamos que nos esconder sob as copas e uma fogueira nos denunciaria.

– Eles não vão desistir? – Jess perguntou, quando um dos helicópteros se distanciou. – Será que a Ni é uma criminosa tão perigosa assim?

– Jess! – Exclamei, indignada.

– Pode ser que a criminosa seja você, Jess, e está escondendo da gente. – Reeve falou, enquanto levantava um galho baixo de uma árvore para que passássemos.

– Seria até legal. – Jessica comentou, refletindo por alguns momentos. – Mas é a Ni a dona dos planos macabros, você sabe, Reevys.

Reeve fez como se pensasse por um instante.

– É verdade.

Olhei para ele encabulada. Os três riram da minha cara e me dei por vencida no final, rindo também.

Quando caiu a noite, desviamos um pouco a rota e começamos a seguir em direção a vila Ezenda para arranjarmo-nos uma estalagem. Porém, assim que deparamos com a entrada do local, tivemos que dar a volta.

– São os caras da Grande Capital. – Fergo disse, olhando por um binóculo a entrada de Ezenda. – Provavelmente estão montando guarda em todas as vilas próximas.

– O que a gente faz agora? – Jess perguntou cochichando, embora não seria possível que nos ouvissem àquela distância mesmo que falássemos gritando.

– Vamos continuar andando até Tulipa. Talvez cheguemos antes do amanhecer.

Jess deixou um gemido de decepção escapar. Não só ela, mas todos nós estávamos contando em descansar numa cama boa durante a noite.

– Que saudades do meu cavalo… – Jess disse.

Voltamos tristes a estrada.

– E se os guardas estiverem às portas de Tulipa? O que faremos?

– Não se preocupem, não precisamos entrar pelo portão principal. – Fergo respondeu. – Estamos indo para um lugar escondido em Tulipa, não exatamente na vila.

– Outro laboratório? – Reeve perguntou.

Fergo mexeu nos óculos com a ponta do dedo indicador.

– Eu gostaria de saber dizer…

Estávamos de volta a parte densa do bosque agora.

– Quem exatamente estamos indo encontrar? – Perguntei a Fergo.

– Já ouviram falar de Targo Araguile?

Balançamos a cabeça negativamente. Porém após alguns segundos de reflexão, Reeve se anunciou:

– Estranho, mas tenho a sensação de que já ouvi este nome antes. Embora possa ser apenas minha imaginação.

– Bom, ele é bastante conhecido pelos foras-da-lei, se vocês me entendem.

– Não é seu amigo, Ni? – Jess perguntou inocente. Olhei para ela brava.

– Ele é o “quebra-galho” do pessoal. – Fergo continuou. – Porém ele costuma pedir coisas estranhas em troca e muita das vezes, está metido em algum projeto bizarro. Pergunto-me o que será que ele está aprontando dessa vez.

– E como você o conheceu? – Perguntei.

– Ah… – Fergo hesitou por um momento. – Ele era conhecido de alguns amigos meus. Faz muito tempo, se você quer saber. Ele morava no outro continente também, mas acabou tendo que sair de lá por causa de alguns probleminhas com o governo na época. Desde então ele se instalou em Tulipa.

– Se não me engano, – Reeve começou – Tulipa é conhecida por ser uma das vilas mais perigosas da Ilha de Zedd.

Fergo deu de ombros.

– Estou aberto a sugestões caso queiram tomar outra medida.

– Qualquer lugar que formos vai ser perigoso no momento. – Comentei. – Se esse Targo puder nos ajudar a cruzar o mar, então que seja.

Eu ainda lembrava do que Reeve me dissera, que todos os portos haviam sido fechados e o contato entre continentes era praticamente inexistente. Se tal contato acontecia, o faziam escondido e era de se imaginar que teríamos que nos deparar com pessoas de índole questionável se quiséssemos alcançar o continente oriental.

A noite se estendia bela, as estrelas bem visíveis ao céu. E era assim que ela se encontrava quando finalmente nos aproximamos de Tulipa. Assim como suspeitávamos, os guardas da Grande Cidade já faziam ronda pelo local. Demos a volta pela cerca da cidade, até pararmos diante a parte traseira de uma das casas. Fergo alcançou uma pedra e tacou de leve na janela, onde um homem de idade apareceu, xingando ao vento, aparentemente por ser acordado.

– O que é? – Ele grunhiu pra nós da janela.

– Precisamos nos encontrar com Targo Araguile! – Fergo disse.

O homem nos olhou desconfiado.

– O que eu ganho em troca? – Ele perguntou ranzinza.

Fergo tirou do bolso alguns objetos redondos.

– Explosivos.

O homem abriu um sorriso banguelo. Logo estávamos escalando a casa dele e entrando pela janela.

– A entrada fica aqui perto, – Ele começou, depois de examinar bem seu pagamento. – Andem nessa rua e virem no segundo beco a esquerda. No final vocês poderão encontrar o poço.

– Obrigado, senhor! – Fergo agradeceu por nós.

– O que essa menina tá fazendo? – O velho perguntou zangado ao deparar com Jess dormindo em sua cama.

– Perdão! – Eu respondi e a tirei de lá. – Jess, o que é isso? Você tá louca?

– Eu preciso dormir… – Ela dizia com os olhos fechados enquanto se apoiava em mim para andar.

Deixamos a casa do nosso informante pela porta da frente e seguimos sorrateiros até o local indicado. Havia mesmo um velho poço no final do beco.

– Eu vou primeiro. – Eu disse. Agarrei-me a corda que descia para a escuridão e com os pés apoiados na parede fui descendo até o final. Não havia água no fundo e apesar da escuridão, era visível uma porta de madeira ali.

Logo estávamos todos no fundo do poço. Minhas esperanças era de que aquela situação não fosse uma representação poética do nosso estado de espírito.

Tentei abrir a porta, mas ela estava trancada. Reeve apertou a campainha que havia ao seu lado.

– Mas como assim tem uma campainha? – Perguntei, ao notar tal dispositivo que passara despercebido. Todos deram de ombro.

A porta soltou um rangido e se abriu para dentro. Olhei por ela e não vi ninguém.

– O que trazem os pombos aqui a esta hora? – Perguntou uma voz rouca desconhecida.

Olhei para baixo e me assustei ao ver um anão idoso trajando um roupão de algodão branco, com tranças grisalhas de cabelo descendo pelos ombros, olhando para nós sonolento.

Fergo pigarreou e disse:

– Olá, senhor Targo. Receio que não se lembrará de mim.

Ele examinou Fergo por um instante. O garoto parecia inquieto, talvez esperançoso de que ele não se lembrasse mesmo. O anão balançou a cabeça:

– Conheço tanta gente, meu caro. Não fique muito triste por isso. – Ele cedeu espaço para que entrássemos. – Mas vamos, entrem. Se me procuraram provavelmente estão na pior.

Entramos na “casa” de Targo. Seu interior era inesperadamente belo e luxuoso. A sala de estar era vasta e bem aquecida por aparelhos eletrônicos nas paredes. A iluminação dava ao ambiente um toque excêntrico, quase mágico. Sentamos no sofá maior de frente a uma mesinha e Targo se moveu até o sofá na outra extremidade após buscar uma caneca de café, que à sua mão parecia ser gigantesca.

– Pois dig… – Ele começou, mas foi interrompido por um barulho ensurdecedor.

Jess havia recostado a cabeça para trás no sofá e roncava como um monstro.

– Precisamos atravessar o mar para o outro continente. – Eu disse então.

Targo riu e ao fazer isso cuspiu o café que estava tomando um gole na minha cara.

Ele limpou o queixo e depois de se recompor de altas gargalhadas, falou:

– Impossível. O mar é vigiado, minha querida. Não tem como.

– Não precisa garantir nossa travessia. – Falei, tentando esquecer os respingos na minha face. – Só precisamos de algo para chegarmos lá.

– Claro, que seja por sua conta e risco. Nisso eu posso ajudar vocês. Mas terão que fazer uma coisa por mim.

Bom, eu já esperava que ele dissesse isso.

– Diga, senhor Targo.

Ele deu uma risadinha amarga.

– O que sabem sobre o Coliseu?


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