Páginas Esquecidas escrita por Napalm


Capítulo 4
Irmãzinha


Notas iniciais do capítulo

Oi, gente! Aqui está o quarto capítulo. Boa leitura.



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Comparamos o mapa antigo com o mapa atual. Acordando-se ao mapa, havia apenas um vão entre duas vilas espaçadas no mapa atual no ponto onde Gaela estava no mapa antigo.

– Não é tão longe daqui. – Eu disse. – Fica logo depois da Vila Nael.

– Está pensando mesmo em ir lá?

– Não deveria? – Perguntei. Reeve percebeu que a pergunta era para mim mesma e ficou apenas me observando refletir. Eu estava simplesmente fazendo o que Emmet queria, era óbvio. Eu detestava admitir isso, mas estava jogando o jogo dele. Eu só podia esperar que o garoto não tivesse más intenções.

– Este Emmet – Começou Reeve, como se estivesse lendo meus pensamentos – parece conseguir deixar as pessoas com o psicológico meio abalado. Podemos estar aficionados com algo que estamos superestimando.

– Mesmo que seja uma armadilha ou uma brincadeira, eu já tomei minha decisão.

Reeve sabia qual era a minha decisão.

– Se precisar de ajuda…

– Quero emprestada a sua bússola. E se puder, deixe os mapas comigo.

Ele balançou a cabeça em acordo e deixou minha casa.

Peguei algumas coisas que seriam úteis para a viagem e joguei na mochila da escola, tirando de lá o que eu não fosse usar. Encimando a mesinha, havia um lindo porquinho rosa do qual eu tinha ganhado de presente de décimo segundo aniversário, dado pela Dona Marta. Lembrava-me bastante ela. Agarrei-o e o taquei no chão, catando as moedas que se espalharam e enfiando num saquinho de pano.

Saí do meu quarto e ao passar pela sala que dava acesso à parte de fora da casa, despedi de minha mãe, sem parar para fazer contato visual:

– Mãe, vou viajar. Não me espere.

– Fique longe do outro continente. – Ela respondeu, sem me levar a sério.

Reeve já voltava de sua casa, também com uma mochila nas costas.

– Niele, eu vou com você.

– Acho melhor você não…

– Não importa o que você diga. Eu não vou deixar você ir ao encontro daquele maluco sozinha.

Abri a boca pra contradizer, mas pensei melhor.

– Tá bem.

– É melhor a gente levar a Jess também. Se ela descobrir que viajamos sem ela, vai entrar em depressão.

– Não estamos indo nos divertir, tenho certeza disso. É melhor que ela fique. Você pegou tudo que precisa?

– Está tudo aqui. – Ele disse, dando uns tapinhas na mochila às costas.

– Vamos, antes que nos vejam e façam comentários desnecessários.

Já estávamos cruzando o portão da vila, quando uma voz agudíssima gritou de lá:

– NÃAAAAAO!

Jessica vinha correndo e gritando, seus braços abertos contra o vento. Quando se aproximou, pulou em cima de mim, indo nós duas ao chão.

– Não, não me abandone! – Ela dizia chorosa, se negando a me largar.

– Para com isso! Jess, me solta!

– Não vai embora da vila, Ni! Eu faço aquele bolo que você gosta! Eu juro que eu faço!

– Não estou indo embora! Vamos ficar foras por uns dias e logo vamos voltar.

Ela me largou e nós duas nos levantamos. Ela me olhou, agora calma e falou:

– Eu vou com você.

– Não, Jess. Dessa vez, você tem que ficar. Vai ser perigoso.

– Não tenho medo! Com vocês eu não tenho medo!

Jessica sempre teve algo dentro de si que atraía as mais improváveis confusões. Certa vez, na escola, ela tinha se encrencado com um grupinho de valentões que a encurralaram e covardemente bateram na garota.

– Isso é por você ser estúpida! – Eles rugiam, enquanto chutavam seu rosto e ela rolava no chão.

– Perdão… – Ela dizia, embora sua voz não conseguisse sair suficientemente alta para que a ouvissem. Mesmo dolorida e sangrando, não havia uma lágrima escorrendo de seus olhos e seu semblante ainda parecia risonho, mesmo entristecido.

– Retardada, escrota! – Outro dizia e a puxava pelos cabelos. – Quem raios prende o cabelo dessa maneira?

– Perdão…

Eu estava ali vendo aquilo e me arranjando mil motivos e porquês para não reagir. O que eu, frágil e despreparada, poderia fazer? Reeve os olhava, paralisado também.

Até que eu acordei daquele devaneio estúpido.

– Reeve, – eu começara. Apertei-lhe a mão. – Foi bom te conhecer.

Dei-lhe as costas então e avancei contra os agressores, acertando-os com socos e levando murros de contra-ataque. Eu caía e me levantava, os agarrava pela perna e os derrubava também. Reeve entrou na briga e imobilizou um dos maiores, tomando alguns golpes feios também. Saímos da confusão quebrados, carregando Jessica semiacordada pelos ombros para a enfermaria onde nós três seríamos atendidos.

Desde então, percebi que havia algo muito forte em mim que não admitia que Jess sofresse. Eu sentia as dores dela como se fossem minhas. Mesmo eu nunca tendo grande compaixão por outros, por alguma razão, eu tinha essa necessidade de protegê-la. Proteger a minha irmãzinha.

E ali estava ela dizendo aquelas palavras.

– Com vocês eu não tenho medo!

Eu estava decidida. Eu a protegeria.

– Pegue o que precisar. – Respondi enfim.

Ela abriu um sorriso surpreendentemente maior do que os habituais e correu para sua casa. Esperei até que ela sumisse de vista.

– Vamos. – Eu disse para Reeve.

– Não vai esperá-la?

Não respondi. Apenas continuei andando na direção que levaria a estrada.

Nael ficaria ao norte de Cersa. Teríamos que passar por uma estrada de pedra até chegarmos na cidade. Caminhamos pela paisagem verde e chãos ladrilhados da Ilha de Zedd, ora subindo rampas barracentas para cortar caminho na estrada.

– Acho que a última vez que visitei Nael, eu tinha uns quatro anos. – Reeve comentou. – Como será que está aquela vila agora?

Conversamos coisas banais para passar o tempo. Vez ou outra, sentávamos sobre alguma pedra e nos alimentávamos com o que tínhamos trazido. Chegou a tarde, passou o crepúsculo. E finalmente nos deparamos com a entrada de Nael, sob o singelo luar.

A vila tinha um predominante tom de cinza e eu pensaria que estaria deserta se não houvesse uma barulheira de sons e risos vindos de uma das casas próximas.

– Parece que está tendo uma festa ali.

– É um pub. – Reeve constatou, apontando uma placa alta com os dizeres Marechal Pub.

Fomos nos aproximamos e os sons ficaram mais inteligíveis. Várias vozes graves entonavam uma cantiga ritmada por palmas.

E vinha de longe a trazer o feno

O rei braceava com garra o remo

Sorria e tomava um gole da cerva

Fungava e bradava e fumava a…”

Adentramos sorrateiros no local e vimos uma cena bem pitoresca. Vários homens, a maioria grandes como cavalos, cantavam e ressonavam gargalhadas altíssimas, outros batiam com os pés no chão ao som das cantigas, enquanto todos se entupiam de cerveja. As moças que estavam no local, dançavam em cima das mesas, balançando seus vestidos longos enquanto eram rodeadas pelos rapazes abaixo.

O mar balançava de leve a canoa

Pesado era o rei, entalada a coroa

Na alta maré ou na parte profunda

Na madeira continuaria a sua...”

– Niele. – Reeve me cutucou no ombro, apontando em seguida uma as moças que dançavam sobre a mesa. – Olha aquilo!

– JESSICA! – Gritei surpreendida. Mas o grito foi abafado pelos outros sons do local e ninguém, se não ela mesma, percebeu que eu a chamara.

– Ni! – Ela gritou de cima da mesa acenando com os braços e sorrindo ao me ver.

– Mas, como…? – Perguntei ao Reeve, que balançava a cabeça sem entender também. Como ela poderia estar em Nael?

Ela se aproximou de mim saltitante. Agarrou-me pelo braço e sem hesitar, me puxou pro meio da multidão.

– Jessica, não! Jessica… – Tentei me livrar, mas as outras pessoas ao redor fechavam o caminho de volta por onde Jessica me puxava.

Estávamos agora bem no centro de uma roda de gente bêbada cantarolante.

– Vamos, Ni! Se anime! – Ela sorria e balançava meus braços para que eu dançasse.

– Jess, isso é constrangedor.

– Não seja tímida, Ni! Sorria! – E fez uma careta para me fazer rir.

Acabei cedendo e deixei que ela me rodasse um pouco. Senti-me leve por alguns instantes.

Venha para casa…”

Fiquei encabulada com o pensamento repentino e deixei a roda.

Por fim, estávamos os três sentados numa das mesas onde não tinha ninguém dançando.

– Como você chegou aqui tão rápido? – Reeve perguntou a Jessica.

– Pedi ao Sr. Peter dos Estábulos três cavalos! Ele me emprestou os dele, mas quando cheguei com os bichinhos vocês já tinham ido. Mas não faz mal, eu entendo o porquê de terem ido sem mim. Eu tive que chorar muito para o sr. Peter e devo ter demorado.

Olhei para Reeve e ele para mim, consentidos.

– Infelizmente, tive que deixar os outros cavalinhos lá e só pude trazer o meu, já que não dá pra montar três daqueles de uma vez. Desculpem, eu juro que tentei!

– Como sabia que vinhamos para cá? – Perguntei.

– Eu peguei a estrada por onde vocês estavam indo. Daí, tinha uma pessoa no meio do caminho que me disse que tinha visto vocês vindo para cá. – Jess dizia, sentindo-se sortuda.

Não lembrava de ter visto sequer uma pessoa além de mim e Reeve na estrada para Nael.

– Jess, quem exatamente disse para você… – Comecei, mas antes que eu pudesse terminar, um homem da altura de um poste apareceu e tirou Jess para uma dança, a qual ela aderiu sorridente.

– Você lembra de ter visto alguém na estrada além de nós, Reeve?

– Não. Não vi ninguém.

– Mas essa pessoa nos viu. E viu Jessica. Talvez eu esteja ficando paranoica, mas não acha que é coincidência demais?

Reeve balançou os ombros.

– Não acho que tenha nada demais nisso. Vamos, você precisa relaxar. Estou começando a achar que você está tendo uma crise de mania de perseguição.

Talvez eu estivesse mesmo. Até mesmo naquele momento, eu tinha a impressão de que alguém nos observava de algum canto escuro.

– O que vai fazer com ela? – Reeve perguntou, se referindo a Jess.

Suspirei.

– Não posso mandá-la de volta e não posso voltar com ela.

Ficamos no pub até que Jessica se fartasse da festa. Procuramos pela estalagem da vila. Algumas pessoas que saíram da Festa do Marechal Pub nos deram algumas direções e seguíamos por elas. Ao chegarmos perto da estalagem, Reeve me chamou atenção para o lado oposto da construção.

Ali, um pouco camuflado pela tonalidade cinza predominante de Nael, estava um extenso tubo metálico preso com as duas extremidades ao chão, com dois “cês” desenhados à tinta azul-celeste, idêntico ao de Cersa.

– Eles têm um igualzinho! – Jessica constatou.

– Você se lembra de ter visto este tubo aqui quando veio a Nael, Reeve? – Perguntei.

– Eu não sei dizer. – Ele disse, após tentar puxar alguma coisa da memória. – Eu era muito novo…

Percebi uma estranha hesitação nas palavras de Reeve, como se ele quisesse falar alguma coisa, mas não pudesse. Tentei deixar esse pensamento de lado.

– Vamos dormir, gente.

Amanhã vamos conhecer Gaela. E também as respostas para as nossas perguntas.


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Notas finais do capítulo

E vinha de longe a trazer o feno
O rei braceava com garra o remo (8)



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