O telefone está tocando.

Abro os olhos lentamente, acreditando que esse som vem apenas da minha cabeça, mas quando acordo percebo que o telefone coninua tocando. Para a minha sorte, ele está na mesinha ao meu lado, então não preciso me esticar tanto para pegá-lo. Sento-me, então, na cama e atendo.

– Alô? - minha voz sai sonolenta e mal me reconheço.

– Effie? - reconheço imediatamente a voz de Peeta do outro lado da linha. Reviro os olhos imaginando se ele um dia não irá fazer isso. - Eu acordei você?

– O que você acha? - percebo que minha voz sai um pouco ignorante, mas com razão. Quem ele pensa que é para me acordar a essa hora...? Espera... Que horas são?

Olho para a mesinha novamente e vejo no relógio que são quase meio-dia e começo a me perguntar por que estava dormindo até agora. Por outro lado, não faço ideia de que horas eram quando fui dormir.

Me viro para o outro lado e vejo Haymitch ainda dormindo. Seu sono pesado o impediu de acordar quando o telefone tocou, mas ele se mexe devagar na cama.

– Desculpa, Effie – soa a voz um pouco tristonha de Peeta. Por um momento me sinto culpada por ter agido um pouco ignorante com ele. - Eu só queria chamar vocês para almoçarem conosco... Fiz pães, e um bolo também. Achei que vocês iriam gostar...

– Ah, claro, claro Peeta – respondo, tentando parecer ao menos um pouco animada para tentar quebrar o clima que ficou pairando entre nós alguns instantes atrás. - Nós iremos sim.

– Ótimo! - posso notar sua voz mudar um pouco o tom. Dou um pequeno sorriso ao ouvi-lo. - Então vejo vocês logo mais!

– Até mais, queridinho! - me despeço e em seguida desligo, pondo o telefone de volta na mesinha.

Volto meu olhar para Haymitch e o vejo ainda dormindo. Rio em silêncio e me curvo em sua direção. Passo a mão pelas suas costas e mordo o lóbulo da sua orelha.

– Bom dia, dorminhoco – sussurro no seu ouvido e começo a distribuir beijos pelo seu rosto até perceber que o acordei.

Haymitch abre os seus olhos inchados lentamente por causa do sono que ainda o consome. Seus olhos encontram os meus e ele deixa surgir um sorriso discreto.

– Peeta nos chamou para almoçarmos com eles – digo e volto a me sentar.

– Eu já imaginava – diz Haymitch, virando-se na cama. Meus olhos passeam pelo seu corpo até encontrarem seu braço.

– Haymitch, seu braço! - exclamo, surpresa ao vê-lo com os cortes cicatrizando. Haymitch para e olha para o seu braço também e eu o puxo para ver melhor. Passo a mão de leve por onde os cortes haviam deixado um verdadeiro estrago e percebo que Haymitch não reage. - Está sentindo alguma coisa?

– Só cócegas – ele responde e sorri, passando também sua mão pelos cortes. Admirando como ele está se curando.

– Ótimo – digo e balanço a cabeça sentindo orgulho do que fiz.

– Bom trabalho, princesa – diz Haymitch; e antes que eu possa dizer algo, ele me puxa de súbito para cima dele, mas consigo manter minhas pernas ao redor da sua cintura enquanto nos beijamos. Ele aperta as minhas coxas à medida que eu vou aprofundando o beijo.

Esta é a melhor parte em estar aqui no 12.

{…}

Haymitch entra sem bater na casa de Peeta, o que me deixa um pouco incomodada até lembrar que ele não se acostumou com bons modos, então permaneço calada apenas lançando-lhe um olhar de reprovação. Chegamos a tempo de ver Peeta já colocando a comida na mesa. Sorrio em resposta quando ele me vê e em seguida desvio meu olhar para a cozinha, onde vejo uma Katniss um pouco cabisbaixa, com o olhar distante, sem ter notado nossa chegada.

Faço um sinal para Haymitch ficar e vou em direção à cozinha, passando por Peeta para dizer um “oi” antes de chegar lá. É então que Katniss finalmente nota minha presença e, um pouco desconcertada, sorri desengonçadamente.

Sento-me na cadeira à sua frente e cruzo meus braços em cima da mesa, fitando-a. Katniss, por sua vez, desvia o olhar e o mantém fixo num ponto distante, mas não por muito tempo.

– Oi Effie – ela diz com uma voz nada animada. Me pergunto se ela realmente é assim com todos ou só comigo. Eu sabia que ela não ia muito com a minha cara antes, mas não temos motivos para agir assim.

– Aconteceu alguma coisa, queridinha? - pergunto, tentando fazê-la me encarar, mas parece quase impossível.

Katniss suspira antes de me responder. Parece escolher as palavras corretas para usar.

– Você sabe... - ela começa, passando a unha num canto da mesa, tentando se concentrar. - Nada mais vai ser como antes.

– Claro, Katniss – respondo com a voz aguda, confirmando o que já era óbvio. Meu tom de voz parece tê-la assustado e finalmente ela me olha nos olhos. - Nada mais será! A começar por mim, por exemplo! - noto o olhar indiferente de Katniss e retomo o rumo do assunto. - Tudo bem, não estamos falando de mim. Mas tudo será diferente agora. Graças a você.

Com o olhar preso no canto da mesa onde ela mexe com a unha, posso ver Katniss sorrir.

– Sei que para isso muita gente foi sacrificada – estico, então, minha mão para segurar a sua. - Mas pense que agora poderá ter seus filhos um dia, que poderá ter uma família feliz, sem se preocupar em um dia vê-los indo para a colheita.

Nunca me imaginei dizendo essas palavras, mas foram precisas. Desde que finalmente me dei conta do que se tratavam os Jogos Vorazes, me senti um lixo de pessoa, me colocando no lugar das famílias que perdiam suas crianças todos os anos.

Katniss balança a cabeça, concordando. Então ergue a cabeça e posso ver seus olhos úmidos me fitando.

– Vamos, queridinha – digo e me levanto, e Katniss me acompanha. Viro-me de frente para ela e ponho as mãos em seus ombros. - Eu sei que é forte para tudo isso. Vai ficar tudo bem, hm?

Katniss assente e, para a minha surpresa, me abraça, encostando a cabeça no meu ombro. Por essa eu realmente não esperava. Katniss nunca fora de demonstrar qualquer forma de carinho – muito menos por mim.

– Agora vamos – digo, dando tapinhas de leve nas suas costas e Katniss se afasta.

– Obrigada – ela diz e eu pisco em resposta.

Voltamos à sala de jantar, onde nos esperam Peeta e Haymitch sentados à mesa nos olhando com expectativa, após interromperem a conversa.

Sento-me ao lado de Haymitch e Katniss, ao lado de Peeta. Sinto o cheiro dos pães de Peeta tomarem conta do ambiente. Sinto algo estranho no estômago e deduzo ser fome. Me adianto, então, e pego um pão com queijo na minha frente, começando a comê-lo. Todos fazem o mesmo até que começo a ter vontade de pôr tudo para fora. Tento forçar a comida a descer, mas ela insiste em voltar e Haymitch começa a me encarar de uma forma estranha.

– Você está bem? - pergunta e eu o olho um pouco assustada, com a mão na boca.

Sem dizer mais nada, apenas balanço a cabeça negativamente e saio da mesa, correndo em direção ao banheiro, que não demoro a encontrar. Fecho a porta assim que entro e deixo toda a comida sair quando levanto a tampa do vaso. O sabor ácido do vômito piora a situação e minha vontade é que saia tudo para poder colocar algo de volta na barriga e acabar com esse gosto ruim na minha boca.

A porta se abre e tomo um susto ao ouvir a voz de Katniss:

– Effie? - ela chama e eu continuo no mesmo lugar. Meus olhos estão fechados. O pouco que comi hoje já está no vaso e não tenho mais nada para pôr para fora. Respiro fundo e me sento no chão, sentindo meus olhos lacrimejarem. - Effie, você está bem?

Katniss se aproxima de mim e examina o vaso. Faz uma careta e dá descarga em seguida. Continuo sentada, agora sentindo o alívio depois de ter vomitado.

– Agora sim – respondo, mas não consigo convencer nem a mim mesma. - Acho que foi só um mal estar mesmo.

Me apoio na parede e me levanto para lavar o rosto na pia.

– Devem ser as regras – continuo. – Sabe como é – então é como se um balde cheio de água caísse sobre minha cabeça. Concentro minha visão num ponto distante dali. - Se bem que...

– O que foi? - pergunta Katniss, prestando atenção em tudo que eu disse.

– Ah não – susurro. - Está atrasada uma semana... - digo mais para mim mesma do que para ela. Então tento tirar essa ideia da minha cabeça. - Mas isso é normal, não é? Quer dizer, acontece sempre, não é?

Posso perceber o desespero em minha voz. Levanto a cabeça para ver o reflexo de Katniss no espelho e sua expressão é indecifrável. Noto uma ponta de espanto, mas aposto ter visto um flash de sorriso se formando, e logo após sumindo novamente.

– Effie – diz Katniss. Ela caminha em minha direção e me vira para me olhar nos olhos. - Você está grávida!