Você está dançando e cantando loucamente, parecendo uma maluca desmiolada, e quando dá por si tem alguém olhando. E esse alguém é um garoto que você acha bonitinho. Deu pra imaginar?

Esse com certeza foi o meu maior mico do ano, superando até o pé que a Ângela colocou na minha frente, fazendo com que eu tropeçasse e caisse no chão molhado. Ângela já foi o inferno da minha vida, mas ela não me apronta a meses.

Depois que Marcus viu essa cena ridícula, eu corri pra fechar a janela. Eu teria que deixar minha janela fechada daqui pra frente, já que o quarto dele era de frente pro meu. Eu não sabia se achava isso bom ou ruim. Por um lado eu achava legal, mas por outro achava chato. Era como se eu fosse ser vigiada, e eu não gostava disso. Não que ele quisesse me vigiar.

Será que ele iria querer ser meu amigo? Eu esperava que no dia seguinte ele nem chegasse perto de mim. Mas eu queria que ele ficasse. Droga, eu não sabia o que esperar.

Se eu estava encantada por ele? Eu não tinha certeza. Eu queria conhece-lo, saber quem ele era. Peguei meu celular e fui treinar o básico de inglês com o Duolingo, e Guida chegou em seguida.

–Guarde as compras enquanto começo a preparar o jantar, Taylor.

Era tão fácil conviver com tia Guida. Ela não era atenciosa ou alguém muito carinhosa, mas era uma pessoa sincera que me passava confiança. Houve um tempo em que eu sempre chegava chorando em casa e me trancava no quarto, triste. Ela começou a perguntar o que era e eu dizia que era uns idiotas da escola que tinham me zuado. Ela me abraçava e dizia que podia quebrar a cara de todos eles se eu quissesse, e eu não duvidava. Mas eu preferia enfrentar sozinha meus próprios problemas.

Eu sempre gostei do incentivo que ela me dava, mas eu realmente gostava de fazer algo por mim mesma. Eu cresci assim.

Eu a ajudei a preparar a janta, e ela começou a falar de uma nova proposta de emprego.

–O salário parece ótimo, e você só teria que ajudar nas tarefas de casa. Parece bom. Por que não aceita?

–Os donos da casa são dois irmãos riquinhos. Eu não tenho certeza se seria uma boa idéia. Além do mais, eles moram longe. Eu teria que passar mais tempo fora de casa.

Eu não teria problemas em ficar sozinha, na verdade, eu praticamente já ficava. Eu não queria dizer isso com todas as letras, mas eu precisava convence-la a aceitar esse emprego.

–Fique lá por um mês, se não der certo você desiste. Se não, continua.

Terminamos e ela lavou a louça. Subi pro quarto e fiquei na minha cama pensando em nada fixo, sem sono.

No dia seguinte me arrumei pra ir a escola, tomei meu café da manha, barrinha de cereal com leite com morango, peguei a mochila e me despedi de Guida.

Chegando na porta, vi Marcus sentado mais a frente esperando o ônibus. Droga, eu não queria ter que olhar pra cara dele por mais de uma hora, não depois de ontem. E fiz uma das escolhas mais estúpidas que eu poderia ter feito: me escondi e esperei ele entrar no ônibus. Sim, eu iria a pé.

Depois de andar por quase uma eternidade finalmente cheguei no colégio. Meu cabelo estava bagunçado e eu estava atrasada, o intervalo tinha começado. Eu ia dando a volta pra ir pra casa quando a supervisora May me viu.

–Taylor, querida, o que aconteceu? Está atrasada.

–Perdi o ônibus. -O que era parcialmente verdade.


Ela abriu o portão para que eu entrasse e fui passando pelos alunos. Me afastei do refeitório o mais rápido que pude e fui pra biblioteca. E eu fazia de tudo pra não me encontrar com Marcus nos corredores, na saída e até na entrada. Ao invés de pegar o ônibus as 6 horas eu pegava as 5:20. Saía sempre mais cedo ou mais tarde. A semana passou e eu mal tinha o visto, a minha janela trancada com cadeado.

Quando o fim de semana chegou, Guida foi para o trabalho novo.Ela só voltaria no dia seguinte a tarde, domingo, e eu tinha a casa inteira só pra mim.

Meninas da minha idade, numa situação como essa, provavelmente saem, chamam as amigas pra casa ou chegam até a dar uma festa. Mas eu era responsável demais pra fazer isso e não tinha amigas, então fui arrumar meus livros.


Eu tinha um cômodo só meu pra guardar meus livros. Eu tinha dicionários, enciclopédias, livros de estudo e de romances.


Depois de arrumar todos eles por ordem alfabética e tirar a poeira, o que me levou quase duas horas, resolvi assistir televisão. Novelas ou reality shows? Nem pensar, O Senhor dos Anéis. Eu sempre preferi filmes e séries de fantasia e aventura.


Acabei dormindo enquanto via o filme, e quando acordei a campainha estava tocando. Levantei, abri a porta e levei um susto ao ver quem estava ali segurando uma bacia e uma garrafa térmica nas mãos.

–Posso entrar?