The Big Idiot escrita por Laurent


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

D tem 16 anos, só para constar.



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Não sou do tipo de pessoa que costuma contar histórias, mas é que não vejo motivo para ficar guardando essa só pra mim. Acho que é preciso ter um certo “dom” para contá-las, e eu não o tenho. Portanto, não espere um Tolkien narrando os fatos detalhadamente, com palavras rebuscadas e coisas do tipo, pois eu não sou suficientemente habilidoso para isso.

Muitos dizem que eu sou um grande idiota. Eu tenho muitos amigos até, tiro boas notas na escola, mas ser idiota não quer dizer ser burro. E, bem, acho que as pessoas me acham idiota porque eu viajo demais. Não no sentido de ir para os lugares mais diversos do mundo, mas sim no sentido de, sem mais nem menos, começar a pensar em tudo, olhando para o vazio até que alguém me acorde do meu sonho insone.

Talvez isso seja um defeito, já que muitas vezes mais atrapalha do que ajuda. Só que no fim das contas, isso não importa muito.

No sábado da última semana de novembro eu estava em casa, sentado em frente ao computador, como é de costume meu fazer todos os sábados. Minha mãe chegou até mim e me contou do tio Ulisses. Ela segurava o telefone na mão.

— D — começou ela. D é o meu nome. Na verdade, meu apelido. Não gosto dele, mas gosto menos ainda do meu nome. — O tio Ulisses morreu.

Você pode esperar que eu tenha ficado arrasado com essa notícia, ou pelo menos triste, mas a verdade é que eu nem conhecia o tio Ulisses.

— Tio Ulisses?

Minha mãe revirou os olhos.

— O irmão do seu pai. Ele te segurou no colo quando você tinha dois anos...

— Ahh... — Ahh nada, eu nem me lembrava. — Que pena...

Minha mãe suspirou, e em seguida colocou o telefone na orelha de novo, voltando a tagarelar. Não sei por que ela tinha parado de falar com sei lá quem que estivesse do outro lado da linha só pra me avisar da morte do tio Ulisses. Não era algo muito relevante para mim.

Minutos depois ela estava de volta ao meu quarto.

— O velório será amanhã. Escolha a sua roupa logo. É melhor colocar aquele terno que você usou pra ir no casamento daquela última vez...

— Ok — respondi, enquanto verificava a página inicial do Facebook. — O papai já sabe?

— Não — minha mãe falou, sentando-se na minha cama. — Só fico imaginando como ele vai reagir...

— Papai não ligava muito pro irmão dele, não é? — perguntei.

— Não, mas... sei lá, quando alguém da família morre... é impossível você não lamentar o tempo que não passou junto desse alguém. É triste.

— E que horas vai ser o velório?

— Às três da tarde.

No dia seguinte estávamos eu, meu pai e minha mãe num pequeno cômodo que ficava do lado da Igreja, reservado especialmente para receber os “recém-mortos”. O tão badalado tio Ulisses estava devidamente aconchegado no seu caixão, as mãos entrelaçadas na barriga e cheio de flores ao seu redor. Sua cara estava branca e excessivamente maquiada.

— Eles passaram batom no tio Ulisses? — perguntei. A boca dele estava muito vermelha.

— Não — disse minha mãe, um tom de censura esbravejando a sua voz. — Eu acho.

Nós três estávamos meio longe. Ao chegarmos mais perto dele, vi que o tio Ulisses era cerca de uns 10 anos mais velho que o meu pai, que tinha 50 anos.

Uma mulher de vestido e chapéu pretos estava causando o maior caos lá. Ela chorava, borrando toda a maquiagem do rosto, e estava curvada sobre o caixão, os braços estendidos envolvendo os ombros do defunto.

Assim que ela parou, eu cheguei mais perto e perguntei:

— Ele era seu marido?

A mulher ainda soluçava um pouco.

— Não — respondeu ela. — Eu era empregada dele. Pagava muito bem. — e se retirou.

Uau.

Fora o drama da mulher, o resto do pessoal parecia estar com sono ou impaciente para ir embora. Fiquei com vontade de dizer “se não queriam estar aqui, vão embora de uma vez”, mas então eu teria que ir embora também. Então, fiquei calado.

As horas se arrastaram, e fiquei surpreso ao descobrir que eu e meus pais eram os únicos parentes do tio Ulisses que estavam lá.

— Ele não tinha esposa? — perguntei ao meu pai.

— Não — disse ele. — Mas tinha um bom emprego.

— Tinha? O que ele fazia?

— Ele... bem... acho que... — papai coçou a cabeça e me olhou com olhos reflexivos. — Tinha alguma coisa a ver com ciências, experimentos, essas coisas.

— Ahh — Ahh. Tenho que parar de fingir que entendo as coisas. — Do que ele morreu mesmo?

— Parada cardíaca. — respondeu minha mãe. Em seguida, ela suspirou, olhando para o caixão. — O sonho dele era escrever um livro, ele me disse, nas poucas vezes em que nos vimos.

— E ele escreveu?

— Não.

— Como você sabe?

— Ele prometeu nos mandar um exemplar se escrevesse um.

E foi aí que eu comecei a pensar.

O sonho dele era escrever um livro. Escreveu? Não. Esse pensamento insistiu em permanecer na minha cabeça, de início não soube por quê. Mas aí eu entendi.

Não acredito que cada ser humano esteja aqui na Terra por um motivo especial. Acredito que cada ser humano esteja aqui porque um homem e uma mulher transaram. Tampouco acredito nesse negócio de “objetivo da vida”. Nós não temos um objetivo. Ou melhor, nós não nascemos com um. Muitos nascem sem nenhum objetivo, e morrem sem nenhum. Muitos nascem sem nenhum, e morrem com todos. Enfim, você me entendeu. Nós é que escolhemos o objetivo da nossa vida.

Mas nem sempre atingimos esse objetivo.

E é esse “nem sempre” que me assusta, e me assustou ainda mais no dia do velório do tio Ulisses. Eu pensava que ele podia não ser o cara mais amado do mundo, mas pelo menos achei que ele tivesse realizado seu sonho. Nem sei por que pensei isso. A questão é que, se eu pudesse de alguma forma perguntar pra ele se ele estava feliz na hora em que morreu, ele obviamente responderia não. E o tio Ulisses não seria o primeiro a se sentir assim. Sei que tem um mundo de gente que morre insatisfeito. Comentei isso com minha mãe.

— Cada um tem sua hora — ela disse, distraída.

— Ahh — Discordo. Ninguém tem hora pra morrer. Se fosse a hora do tio Ulisses, ninguém teria ficado surpreso com sua morte. Pensando bem, ninguém ficou, mas é porque ele não era um cara muito “enturmado”.

Enfim, eu fiquei martelando isso na minha cabeça porque eu mesmo não tinha um objetivo na vida. Não que eu quisesse ter um, mas é que você se sente meio idiota — no meu caso, mais idiota do que o normal — quando não tem. Como se só estivesse no mundo à toa.

Desde então eu tenho procurado um "objetivo da vida", mas sei que não adianta nada fazer isso. É uma coisa que você simplesmente "tem". Não é como um cachorrinho perdido que você acha procurando por aí. Essas coisas são mesmo complicadas.

Essa foi a história que eu queria contar. A de um cara solitário e com sonhos, que morre antes de realizá-los, e a de um garoto boboca e idiota, que está vivo mas nem sabe quais sonhos possui. Cara, vou dizer, isso é uma tremenda injustiça.

E sinceramente, sou um idiota por pensar essas coisas.


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