Acidente de Trânsito escrita por Blue Butterfly


Capítulo 3
Às vezes acontecem


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura ^^



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“Às vezes acontecem coisas estranhas quando eu te vejo”.

Rosalie desligou o rádio logo que a mãe saiu da sala. Um suor frio descia pela sua testa, a face pálida, mãos tremendo…

“Às vezes acontecem coisas estranhas quando eu te vejo”.

Aquela frase não abandonou seus pensamentos, mesmo que eles estivessem agitados.

–Você está bem?

Rosalie virou-se para trás assusta, A poucos metros havia um rapaz a observando com interesse. Era para ela já estar acostumada com Lucas, pois há muito tempo ele era o secretário do seu pai, mesmo assim, ele sempre era pega de surpresa pela presença dele.

–Você me assustou! – ela reclamou.

–Não era essa minha intenção, é que achei você estranha.

O semblante dela se acalmou e u sorriso surgiu em sua face.

–Sabe, não é nenhuma novidade alguém me achar estranha – e riu.

–Bem, acho que não me expressei bem, você se portar de modo estranho para mim é você parecer mais humana, mais normal. Portanto, o que te fez parecer mais normal hoje?

Rosalie não mentia, no seu mundo paralelo a mentira era um fardo insuportável, pois para mantê-la seria necessário prestar atenção para não cometer nenhum deslize, e prestar atenção era algo contrário a sua natureza. E mesmo que mentisse, não seria para Lucas, já que o rapaz crescera com ela como se fosse seu irmão mais velho. Ela sabia que a convivência gerava conhecimento e poucos a conheciam tão bem quanto Lucas, portanto, seria idiotice tentar enganá-lo.

–Papai está voltando de viagem – ela disse.

–Isso é óbvio – Lucas respondeu impaciente.

–Mamãe quer fazer uma festa – sua voz saindo fraca e deprimida.

–Eu sei, por que não me diz algo que eu não saiba?

Lucas estava começando a ficar bravo, Rosalie olhou para ele, sua expressão era de incredulidade, não compreendia por que Lucas não enxergava o problema que aquela festa significava.

–Mamãe vai dar uma festa aqui em casa!

Ela repetiu devagar, irritada pelo pensamento excepcionalmente lento de Lucas. O garoto a encarou de um modo estranho, quase preocupado, se aproximou dela, tocando bem de leve sua testa, a menina recuou um passo.

–Você está me assustando – ele revelou.

–Por quê?

–Está incompreensível. Não consigo entender seu raciocínio. O que há de errado, Rosalie?

Ela bufou, respirou fundo e, como numa coreografia perfeita, desanuviou a expressão carregada para uma expressão calma e vazia, depois moveu lentamente os lábios numa quase tentativa de sorriso, finalmente seu olhar saiu de foco e ela entrou em outra sintonia. Lucas esperou pacientemente por essa coreografia, certo de que quando ela acabasse Rosalie estaria mais coerente.

–Rosalie? – ele chamou depois que teve a certeza que ela voltara ao seu normal.

–Mamãe exige a presença de quatro amigos meus. Eu chamarei o Edward, a Bella, o Emmet e a Alice. Mas mamãe também espera que eu apresente um “namorado” para papai.

–Ah! – Lucas exclamou, a compreensão surgindo em seu rosto – Isso é um problema.por que nãopede ajuda para outro amigo seu?

Ela sacudiu a cabeça negativamente, saiu da sala e foi para o jardim. Havia uma bela macieira ali e assim que chegou perto o suficiente ela estendeu a mão e pegou uma maçã irresistivelmente vermelha, sentando debaixo da árvore.

Seus pensamentos foram sendo entorpecidos enquanto a fruta desmanchava em sua boca, era uma das melhores sensações que ela sentia, como se tudo ao redor diluísse em borrões cada vez mais suaves e miscíveis, aparecendo em sua mente apenas o que era importante – quase vital – em sua vida.

Como algo absurdo e repreensível, um pensamento completamente impróprio de ser colocado na categoria de vital arrombou a porta de sua mente. “Às vezes acontecem coisas estranhas quanto eu te vejo”.

–Ah – eu seus olhos surgiu a compreensão – O poema de literatura.

A música que ela acabara de ouvir estava muito na moda e o professor de literatura pediu que os alunos fizessem um poema tendo como referência o coro da música.

Respirou fundo, a maçã completamente devorada, fechou os olhos e disse a si mesma o quanto seria idiota fazer um trabalho como aquele, ainda mais quando havia coisas mais sérias e importantes para resolver.

Algo leve roçou seu pé descalço, com num chute estranhamente carinhoso. Ela abriu os olhos e se deparou com um Lucas agachado, seu rosto na mesma direção que o dela, ele ergueu a mão direita e tocou a ponta do nariz da garota, ignorando quando ela recuou e rindo docemente.

–Tenho a solução para o sue problema – ele contou muito satisfeito.

–Qual? – ela estava desconfiada.

–Chame seus amigos e deixe o resto comigo – e como ela o olhasse incerta, ele completou – Sabe que pode confiar em mim, Rosalie.

Ela acenou com a cabeça afirmativamente, depois tocou no nariz do rapaz da mesma maneira carinhosa com que ele o fizera. Lucas ficou de pé, pegou uma maçã e voltou para a casa.

A garota ficou inexpressiva por um bom tempo, até que de repente sentiu algo latejando em suas veias e uma vontade alucinada e incontrolável a domou. Deu um salto e correu para a garagem da casa. Lá dentro, uma motocicleta preta, vermelho sangue e prata ocupava um bom espaço.

Enquanto ela contemplava com o mais puro êxtase o seu brinquedo preferido, Jasper andava de um lado para o outro em seu quarto, exasperado pela falta de criatividade.

Seus cabelos, normalmente alinhados, estavam num emaranhado, a mão sempre os jogando para frente e para trás, numa agitação contagiante. Ele queria fazer o trabalho de literatura, mas nenhuma ideia vinha até ele.

Cansado, sentou na beira da cama e enterrou a cabeça nas mãos, fechando os olhos com força, a respiração acelerada e um grito ardendo em sua garganta, o corpo trêmulo. Num sussurro, ele implorou para si mesmo.

–Saia da minha mente.

Não adiantou, lá estava ela, a face vazia, sem sentido, o olhar distante, a voz fraca, a palavra impossível latejando e o provocando, enquanto ele se descontrolava. Ele odiava sua paciência, sua impassibilidade, não compreendia porque ela não reagia, e o pior, não compreendia porque ela conseguia descontrolá-lo somente com o olhar.

De repente fez-se a luz. Não era a imagem de Rosalie que o impedia de ter sua inspiração, ela era a própria inspiração, a única que o fazia se sentir estranho quando a via.

Correu para pegar um lápis e escreveu um soneto:

“Me irrite, me provoque, me mate

Faça desse pobre diabo o que quiser

Se quiser maltratar me maltrate

Mas pare de me olhar se minha sanidade ainda quer

Tire essa expressão vazia e sem sentido

Algo dentro de você ainda deve respirar

Preciso acreditar que algo em você está vivo

E que um dia esse vazio vai acabar.

Mas que inferno! Por que não reages?

Saia desse estado paranormal

Responda com sentimento a um dos meus ultrajes.

Eu já não aguento, estou explodindo de desejo

Como você pode me tirar tão bem do meu normal?

Por que acontecem coisas estranhas quando eu te vejo?

A mão trêmula largou o lápis, a face assombrada empalideceu, o fogo incendiando seu corpo.

–Explodindo de desejo? – ele exclamou, a voz falhando.

Algo em baixo de seu estômago concordou com a frase. Jasper estremeceu.

No outro dia, quando o professor o chamou na frente da sala para que ele lesse seu soneto o garoto transpirou absurdamente. Vermelho, a boca seca, as palavras trôpegas e os olhos fixos no papel, com medo de encontrar o olhar de Rosalie ele recitou sua obra, sendo aplaudido efusivamente.

–Muito bem Jasper – elogiou o professor – Alguém gostaria de comentar o soneto?

Algumas mãos se ergueram, entretanto o garoto não se deu conta disso, ele foi rente a sua mesa e quando sentou ficou mais calmo ao perceber que Rosalie continuava vazia, desenhando no Caderno como sempre fazia.

–Rosalie, quer ler seu poema?

Ela ergueu a cabeça, olhou para o relógio em sue pulso e percebeu que a aula estava acabando, encarou o professor e deu de ombros.

–Leia.

Apesar da voz ter saído como um pedido, ela compreendeu que não poderia simplesmente dizer não. Deu um suspiro fundo, pegou o caderno e foi para a frente da sala.

“Me olhe de frente, me encara, me diz

Vê se não mente, seu obtuso infeliz

Vê se não treme, sustente seu corpo

Não me dê um motivo para te querer morto

Não implore perdão, e por tudo que tem por sagrado não chore

Antes que eu perca a cabeça e te devore

Me conta como é que é, como foi que aconteceu

Me explique porque disse que teu amor era meu

Mas seja sincero, não brinque com a sorte

Pois se mentir ganhara no cabelo um novo corte

Um corte firme, sem tremor ou pavor

Sua cabeça no chão, nenhum grito de dor

Não murmure, suplicando, tentando ganhar um beijo

“Às vezes acontecem coisas estranhas quando eu te vejo”

Porque se eu ouvir isso seu final será inesquecível

E eu juro que te achar vivo será impossível

Pois se às vezes acontecem coisas estranhas quando você me vê

Coisas bem piores virão sem você perceber.”

Não houve aplausos, mas houve medo, e quando o sinal tocou os alunos saíram rapidamente da sala. Ouvir aquele poema sendo dito pela voz inalterada e fraca de Rosalie, a expressão sem nenhum sentimento, terrivelmente fria, era aterrador.

Rosalie destacou a poesia do caderno e entregou a folha para o professor pálido, pegou seus livros e saiu da sala. No meio do caminho para o refeitório ela parou e riu, deliciada.

–Pelo visto meter medo nas pessoas te faz feliz.

Ela olhou para a direção da voz, não se surpreendendo em dar de cara com Jasper.

–Eles, ou melhor, vocês não deviam ficar com medo de mim – ela disse – pelo menos nãoór enquanto.

Está tentando me assustar? – Jasper provocou.

–Não, estou apenas me divertindo – e riu.

–Não creio – ele brincou fazendo-se de espantado – Então gente como você se diverte?

–Às vezes – Rosalie respondeu – Eu não sabia que nerds explodiam de desejo.

Jasper ficou vermelho, mas ao notar o olhar brincalhão dela e a leveza de sua expressão ele respondeu, dando de ombro.

–Às vezes explodem.

–Vai se sentar como os outros nerd? – ela perguntou, despreocupada.

–Acho que o grupo dos estranhos não me aceitariam.

–Rosalie gargalhou ao ouvir aquilo, jogando a cabeça para trás.

–É – ela falou – Eles não te aceitariam. Mas, às vezes… o – e se calou.

–Às vezes eles aceitam gente nova – ele completou.

–É, às vezes sim.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado. Comentem ^^



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