Angeline Morgenstern escrita por Ana Carolina


Capítulo 2
O Fantasma da Ópera




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Nova Iorque, 2007

O outono era uma das estações do ano que Angeline mais gostava. Gostava de passar pelos parques que possuíam grandes e volumosas árvores para ver as folhas ficarem avermelhadas e caírem no chão, sendo levadas pelos ventos fortes que balançavam os cabelos das mulheres acompanhadas e faziam pessoas puxarem seus casacos para perto do pescoço, protegendo-se do frio. Angeline sorria ao ver as pessoas fazendo isso enquanto quase abria os braços para receber o frio como um amigo. Sempre havia gostado do frio. Ela se sentia como se o frio fosse um antigo conhecido dela, abraçando-a para dizer o quanto havia sentindo falta dela. Mas o que pensariam de uma jovem de 16 anos, com cabelos quase loiros prateados abrindo os braços no meio de um parque enquanto o forte vento levava seus cabelos para trás? Provavelmente que era louca ou que estava em fase de loucura. As pessoas normalmente tinham tendências de refugar o frio e preferir o calor de uma lareira. Há 5 anos, Angeline havia se acostumado a adorar o frio.

Quase se deixou lembrar quando Norman havia a puxado para dentro do instituto, prometendo xícaras de chocolate quente e uma lareira bem quente para que ela não pegasse um resfriado e adoecesse. A verdade foi que Angeline nunca mais aceitou o calor como antes. O frio era muito melhor para ela. Depois de uma visita de um dos Irmãos do Silêncio, alguns dias depois da morte dos pais, soube que ela fora a assassina dos pais, pois estava em estado de possessão. Um demônio havia tomado conta de sua mente e de seu corpo, fazendo com que a pequena Angeline matasse os próprios pais. O mais estranho foi que aquele Irmão do Silêncio não contou nada para os habitantes do Instituto ou para a Clave. Aquele sempre foi um segredo dos dois. Angeline não disse nada e nem demonstrou nada quando o Irmão Rudiel prometeu ajudá-la e manter o segredo dela. A menina sabia que a partir daquele momento o Irmão iria sempre acompanhá-la quando estivesse sozinha à noite ou em qualquer momento do dia. Aquilo de certa forma irritou Angeline, pois ela queria ser capaz de, sozinha, resolver tudo o que estava acontecendo com ela. Mas a companhia de alguém a agradou um pouco depois da mudança do Instituto de Londres para um apartamento de segunda classe em um bairro afastado de Nova Iorque. O Irmão ia visitá-la quase que todos os dias, mas Angeline ficou pensando qual seria a reação dele quando encontrasse o apartamento vazio e um bilhete dizendo que ela havia saído para um passeio pela cidade. A ira dele ia cair sobre ela quando eles se encontrassem, mas a menina pouco ligava.

A noite caiu rapidamente enquanto Angeline continuava sua caminhada pelas ruas, agora brilhantes e mais movimentadas, sem rumo certo a seguir. As pessoas passavam rindo, xingando, apressadas por ela. Angeline simplesmente não ligava para elas porque estava curtindo o frio que batia no seu rosto com delicadeza, como se fosse uma carícia. Ela sorriu e caminhou mais alguns passos até observar uma movimentação na entrada de um teatro. Flashes estavam por todos os cantos e parecia que a atenção dos fotógrafos era um homem de terno escuro que acenava para a multidão, fãs talvez, enquanto caminhava com o braço em volta da cintura de uma bela mulher com longos cabelos vermelhos que usava um vestido verde escuro, realçando a pele branca e o cabelo. Angeline tentou ver o rosto dos dois, mas era tarde demais, pois eles já haviam entrado no teatro e estavam subindo a escadaria que deveria levá-los para uma sala ou até mesmo para um camarote. Angeline inclinou o rosto para trás e leu as letras brilhantes que indicavam o espetáculo daquela noite.

A inédita nova versão de O Fantasma da Ópera

Angeline deu um sorriso que continha segredos e se lembrou das Marcas que tinha pelo corpo. Marcas de Caçadores de Sombras, cada uma com uma função. Tirou a estela, um objeto para fazer suas Marcas, e levantou a manga da blusa comprida enquanto caminhava para as portas do fundo do teatro. Apoiou-se na parede e ouviu seus próprios batimentos cardíacos ritmados enquanto desenhava um símbolo que permitia que ficasse invisível aos olhos dos mundanos e outro símbolo para mantê-la silenciosa enquanto entrava no teatro. Quando terminou, observou seu braço com as linhas negras e se sentiu como se uma parte dentro dela fosse preenchida. Era isso que os símbolos faziam com ela. Angeline guardou a estela dentro do bolso interno no casaco e abriu uma das portas que tinha uma placa em cima indicando que aquela era a entrada para os dançarinos.

O teatro estava agitado como sempre estava quando uma peça importante acontecia. As pessoas corriam de um lado para o outro enquanto gritavam com outras ou seguravam a roupas para que alguém as ajudasse a vestir. As mulheres jovens estavam com maquiagem pronta e as roupas apertadas mostravam as cinturas finas que as bailarinas tinham que ter para a dança. Angeline poderia ser uma bailarina, dissera Charlotte, uma amiga que tinha feito no Instituto de Londres, depois de uma batalha com alguns demônios. A menina dissera que Angeline tinha movimentos graciosos e que fazia tudo com paixão enquanto se movimentava para atacar e para se defender. E quando Angeline enfiou a lâmina serafim na cabeça do demônio, naquela noite, todos a encararam com surpresa e admiração. Para eles, qualquer demônio que Angeline matava era como se estivesse vingando seus pais. Mas para Angeline Morgenstern era apenas uma questão de diversão. Gostava de matar.

Seus pés pararam quando se viu em uma entrada de um camarote e reconheceu a mulher de vestido verde e cabelos vermelhos. Angeline encarou aqueles fios como se eles fossem fogo e com um toque iam queimar seus dedos e todo o seu corpo. Mas aquilo era uma bobagem. Não iria acontecer e, além disso, estava invisível. Ninguém a veria. Caminhou lentamente até estar com a parte de trás das pernas em uma cadeira atrás do homem de terno. Sentou-se sem fazer qualquer ruído assim que as luzes do teatro diminuíram e um homem apareceu no meio do palco, narrando um tipo de acontecimento muito importante. Angeline observou que ele estava um terno preto e uma blusa branca de botões por cima de uma capa preta que parecia ser de couro pela textura. O rosto moreno dele estava com a metade tampada por uma máscara branca. Angeline sorriu e admirou enquanto as luzes do palco se apagavam. Soltou um suspiro e o homem se remexeu enquanto encarava a mulher ao seu lado. Angeline se repreendeu mentalmente.

A peça em si era um ótimo programa para se assistir acompanhada por alguém ou até mesmo com a família. Conseguia ver que vários casais estavam com os dedos entrelaçados enquanto seus olhos estavam fascinados com o que acontecia no palco. O teatro estava banhando pela música e pelas falas dos personagens, que soavam fortes e que prendiam a atenção. Angeline quase não percebeu, por está tão fascinada com o espetáculo que via, quando o homem se levantou e a encarou. Angeline prendeu a respiração e encarou o homem de volta. Ele não poderia estar vendo ela, a menina loira se convenceu. Mas o homem a segurou pelo braço e a levantou do lugar onde estava sentada. Angeline não sabia o que fazer quando sentiu os dedos firmes dele no braço fino coberto pelo casaco. Olhou para os dois lados enquanto ele a arrastava para fora da sala. Não havia ninguém no corredor em que se encontraram e se o homem viu alguém, mandou que se retirassem, sem tirar os olhos de Angeline. A menina conseguiu se soltar do aperto do homem de terno e pegou a adaga Blackwell que estava no cinto de armas e a apontou para o homem. Ele sorriu como se soubesse dos mais obscuros segredos que Angeline tinha. A menina girou a adaga, como havia aprendido dos treinamos, na mão e puxou o braço para trás antes de jogá-lo para frente fazendo com que a adaga raspasse pela orelha do homem. A ponta se fincou na parede e homem passou os dedos pela orelha que tinha um pequeno arranhão de onde saía um pouco de sangue. Para a surpresa de Angeline, ele sorriu novamente.

– Você não é digna de usar uma das adagas dos Blackwell. – o homem disse limpando o sangue da orelha.

– Como?! Mas é claro que sou digna de usar. Tenho sangue dos Blackwell nas minhas veias, feiticeiro.

O homem de terno abaixou a cabeça enquanto um sorriso se formava na boca dele. Angeline percebeu que aquele homem tinha a magia no sangue quando a adaga o acertou na orelha. O choque do toque fez com que os olhos do feiticeiro brilhassem como grandes esmeraldas e as pupilas afinando como se fossem de gato. Foi apenas por alguns segundos, mas Angeline havia percebido isso. Ela ergueu o queixo e encarou o feiticeiro com os olhos azuis brilhando como o orgulho que toda família Morgenstern tinha no sangue.

– Você é esperta, Caçadorazinha de Sombras. – o feiticeiro disse e levou o indicador aos lábios, contendo outro sorriso. – Seus cabelos me lembram de um velho conhecido meu. Não é apenas o sangue Blackwell que está em suas veias, não é?

Mas Angeline pudesse responder com sarcasmo ou hostilidade, um barulho chamou atenção da Caçadora e do feiticeiro. Angeline agiu mais rápido, com o sangue já correndo mais rapidamente pelas veias enquanto descia correndo a escadaria que levava para o segundo andar do teatro. Podia ouvir os passos apressados do feiticeiro atrás dela, mas não se virou para mandá-lo embora. Ele sabia muito bem cuidar dele próprio. Ao chegar ao andar de onde viera o barulho, Angeline olhou de um lado para o outro até achar o que realmente tinha chegado aos ouvidos dela. Em um canto, sujando as belas paredes pintadas com desenhos delicados, estava um demônio de pele escamosa com tons de amarelo ou mostarda, balançando o rabo comprido e com espécies de espinhos na ponta. Em uma das mãos com longas e afiadas garras um corpo estava pálido e com muito sangue saído de vários ferimentos no peito.

Angeline tirou a lâmina serafim de dentro da bota larga que estava usando e caminhou até onde o demônio estava, o mais silenciosa possível. Sussurrou para a lâmina que se ascendeu tão forte que Angeline ainda achava que ia se queimar com o brilho. Mas a lâmina continuava tão fria ao toque que a Caçadora de Sombras tinha que apertar seus dedos em volta do cabo com força, como se estivesse juntando a própria mão na lâmina. Levantou a arma pronta para acertar onde ficaria a coluna no monstro, mas duas coisas aconteceram rapidamente. A primeira foi como se uma parede de vidro surgisse entre ela e o monstro, impossibilitando Angeline de atacar o demônio. A segunda foi uma grande chama de fogo verde, passando bem perto do corpo da Caçadora e acertando o monstro onde a faca acertaria. Angeline se virou rapidamente para encarar o feiticeiro com as mãos levantadas, chamas de fogo verde dançando nas palmas das mãos, os olhos brilhando e uma expressão de raiva.

– Angeline, cuidado! – ele gritou.

Mas antes de Angeline virasse o corpo de volta para o demônio, o rabo do bicho tinha se mexido e a acertado bem no meio do corpo, fazendo com que ela voasse pelo local, caindo aos pés da escada. O feiticeiro a ajudou a levantar enquanto o demônio avançava em direção aos dois, com uma expressão de quem não estava com muitos amigos. Depois de se livrar das mãos do feiticeiro, Angeline correu até onde o demônio estava parado, a observando, e afundou a lâmina, que não tinha saído de sua mão, bem onde seria o coração do demônio. O monstro soltou um grito horrível enquanto batia as garras no ombro de Angeline. A Caçadora foi surpreendida pelo ataque e sentiu o sangue escorrendo pelo seu ombro quando deu um passo para trás. Os olhos negros do demônio encararam a menina com raiva e o braço dele fez o mesmo movimento para atacá-la novamente, mas ela desviou do golpe e acertou a lâmina no braço da criatura. O sangue negro e venenoso espirrou e caiu na mão de Angeline que deu um grito enquanto recolhia a mão e atacava de novo o mesmo lugar que cortou. O demônio deu mais um gritou e tentou pegá-la. Uma chama verde o acertou no rosto, fazendo que ele ficasse confuso e cego por alguns segundos. Com essa chance, Angeline deu um salto e fincou a lâmina na cabeça do monstro.

Quando a Caçadora de Sombras voltou ao chão, tudo o que restava do demônio eram as cinzas no chão. Angeline sorriu para o seu trabalho feito, mas aquela alegria durou pouco quando sentiu uma dor forte no ombro e caiu ajoelhada no chão. Tocou o ferimento com os dedos e cerrou os dentes enquanto a dor aumentava. A garra do demônio que acabara de matar tinha veneno e aquele veneno entrara na corrente sanguínea dela. Angeline tossiu enquanto a visão se tornava embaçada e os braços nãos suportavam mais o peso do corpo apoiado neles. Antes que ela batesse a cabeça no chão, sentiu os braços de alguém a segurando e a levantando do chão. Sua cabeça estava pesada enquanto ela a virava de um lado para o outro, procurando quem estava carregando-a. Encontrou os olhos verdes acinzentados do feiticeiro.

– Sabe, seu rosto agora é um pouco familiar para mim. – Angeline murmurou.

– É? E onde você o viu? – o feiticeiro perguntou enquanto caminhava. – Caramba, seu rosto está pálido. Você não vai morrer agora.

– Enquanto meu rosto está pálido, o seu até parece bonito. – Angeline deu um sorriso fraco e suspirou. – Não se preocupe, não vou morrer. Ela não vai deixar.

– Ela quem? – o feiticeiro perguntou enquanto parava de repente.

Mas a cabeça de Angeline já estava pesada e tombada para trás quando o vento da noite de Nova Iorque tocou o rosto dela. O feiticeiro arrumou-a melhor nos braços e resmungou:

– Merda. Por que Caçadores de Sombras gostam de enfrentar demônios venenosos?


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