Naquele quarto branco e escuro, um homem se mantinha sentado encarando o outro deitado na cama com nostalgia. Ele deveria ter quase 30 agora e a idade parecia tê-lo deixado ainda mais bonito, seus cabelos não mais loiros como costumava deixar antes, e bem mais comportados.

– Me surpreende que tenha me chamado agora... Deve mesmo estar prestes a morrer. – Ele disse com um sorriso, cruzando os dedos no joelho.

– Não diga besteiras Aoi, sempre gostei da sua companhia. – Se acomodou melhor na cama para ficar na mesma altura que ele.

– Então vai finalmente me contar o porque disso tudo?

– Você já deve saber a maior parte da história.

– Apenas deduções... Mas sabe que eu gosto das suas histórias.

*O*O*O*

Minha mãe me dizia que a vida nos dava apenas três chances, e em cada uma delas as coisas pareciam acontecer quase do mesmo jeito. Sempre fui cético quanto a essas crenças bobas, mas depois daquilo, minha vida nunca mais foi a mesma.

Eu era só um estudante ginasial ainda. Devia ter uns 8 anos e em Kanagawa, era normal as crianças irem para a escola a pé. Era uma cidade pequena e não havia os perigos das grandes cidades.

Era uma tarde de outono, a estação da chuva. Eu nunca gostei de carregar guarda-chuva comigo, ocupando um espaço desnecessário na mochila. Mas eu havia perdido meu guarda-chuva na escola um dia antes e precisava andar depressa para chegar antes que ficasse totalmente molhado.

Até que em certo momento percebi que não estava mais me molhando e olhei pro lado, avistando um garoto que erguia seu guarda-chuva sobre mim, me acompanhando na caminhada.

Ele me olhou e sorriu, um sorriso que ficaria em minha memória pra sempre.

– Está indo pra onde? Posso te acompanhar até onde eu for, acho que assim ficaria menos molhado. – Ele disse, enquanto diminuíamos o passo.

– Pra escola primária de Kantou.

–Ahh, então vamos para o mesmo lugar! – Sorriu ainda mais, parecendo animado. – Sabe que nesse mês, é bom andar sempre com um guarda-chuva?

– Claro que sei! - Disse emburrado, puxando a mochila pra frente do corpo para que ela não se molhasse também. - É que eu perdi o meu.

O garoto sorriu novamente, como se achasse engraçado me ver ficar emburrado. Fechei ainda mais a cara, pronto para apressar o passo e seguir o resto do caminho me molhando mesmo.

– Espera! - ele segurou meu braço e corou ligeiramente. - Eu posso vir pra escola sempre com você nos dias de chuva.

Acabei corando também. Nem sei exatamente por que, mas achei a atitude dele bonitinha. Afinal, um garotinho de 8 anos não devia achar outros garotos bonitinhos.

– Me chamo Shino. - Ele sorriu novamente. Era um garoto alegre de mais pro meu gosto. Mas acabei retribuindo o sorriso.

– Eu sou Reno.

Voltamos a seguir o caminho conversando. É incrível como quando a gente é criança, conseguimos fazer amizade tão facilmente.

*O*O*O*O*

– Calma ai Ren. Está querendo me dizer que você conheceu ele quando tinha 8 anos?! - O moreno disse arregalando os olhos.

– Mas eu não sabia que era ele, Aoi. Sabe como as pessoas mudam.

– Sei mas... Isso é muito estranho. -Aoi trocou a posição no sofá de maneira a ficar mais confortável. Já havia percebido que aquela história iria demorar. - Digo, se vocês estão juntos desde Kanagawa como é que se perderam um do outro?

– Não ficamos juntos todo esse tempo. - O menor que já não era mais loiro rodou os olhos, meio impaciente. - Posso continuar?

– Ah, claro. Pode falar.

*O*O*O*O*

Depois daquele dia, sempre que chovia nós íamos juntos pra escola. Na realidade minha mãe já havia comprado um novo guarda-chuva pra mim, mas eu queria ter alguma desculpa pra poder caminhar perto dele enquanto conversávamos sobre assuntos aleatórios. Ele tinha se tornado meu melhor amigo. Aliás, acho que era meu único amigo. Eu nunca fui do tipo sociável e não me dava muito bem com os outros meninos da escola.

O inverno havia chegado, e assim como nos dias de chuva, quando nevava ele também me acompanhava até a escola e me levava até em casa. Foi em um desses dias que caminhávamos lado a lado voltando da escola. Não lembro mais sobre o que conversávamos, mas ele estava todo encolhido por causa do frio. Mantinha as mãos juntas segurando o guarda-chuva para tentar aquecê-las.

– Não tem luvas? - Eu disse olhando para as mãos do menor, que pareciam começar a ficar roxas de frio. Vi Shino negar com a cabeça e esfregar as mãos uma na outra novamente, quase deixando o guarda-chuva pender para o lado. - Eu posso te emprestar as minhas.

– Mas assim suas mãos que vão congelar.

–Faz assim então. - Eu retirei uma das luvas e coloquei na mão livre do pequeno.

Levei a mão que agora não estava mais enluvada até o guarda-chuva, segurando a de Shino. Acabei corando quando o vi sorrir e desviei os olhos para o outro lado. A mão ele estava bem gelada, mas o contato com sua pele macia era tão bom que não liguei pra temperatura. Com o tempo, as mãos de ambos já estavam em uma temperatura mais morna, e seus dedos já não estavam mais tremendo.

Fomos pra casa em silêncio, eu estava com vergonha de mais pra falar alguma coisa. Mas com o tempo isso foi se tornando comum. Ele me dava uma carona em seu guarda-chuva, e eu emprestava uma de minhas luvas pra ele, enquanto andávamos de mãos dadas para aquecer a mão nua.

Um dia desses, que devia ser quase primavera e o gelo começava a derreter, enquanto andávamos meio mudos a caminho de casa. Estava quieto e muito menos sorridente que o normal, mas eu ainda não sabia ler as ações de uma pessoa ainda, então só percebi mesmo depois de mais velho que ele devia estar triste aquela hora.

Quando chegamos na porta da minha casa, ele retirou a luva pra me devolver.

– Me devolve amanhã. - Eu disse, querendo ir com ele pra escola mesmo se não chovesse.

– Eu... Minha mãe disse que nós íamos nos mudar. - Ele disse triste, olhando pra direção da própria casa. - Acho que vamos pra Tokushima.

–Tokushima? - Com 9 anos, nossa noção dos lugares não eram muito boas. Achávamos que tudo era muito perto de casa, que poderíamos chegar em outros países se andássemos o dia inteiro. - Não vamos mais nos ver nos dias de chuva?

– Então só quer estar comigo por causa do meu guarda-chuva? -Shino fez um bico emburrado.

– Não. Mas quero continuar te vendo. - Eu respondi sincero.

Na verdade eu era muito mais sincero quando novo. Gostaria de ter mantido essa característica, me poupando das grandes besteiras que acabei cometendo. O menor me encarou e sorriu tímido, corando novamente. Ele ficou brincando com minha luva, que ainda segurava.

– Vamos nos ver de novo... Só vai ser mais difícil. -Shino fechou os olhos um pouco, sentindo o vento ficar ainda mais gelado.

– Então me devolve a luva na próxima vez.

Vi ele concordar e se aproximar tímido. Se ergueu nas pontas dos pés e me deu um leve selinho, tão rápido que só percebi quando ele já havia se afastado, indo em direção a sua própria casa, que não era muito longe da minha.

– Até mais Ren! - Ele gritou quando já estava mais longe.

Eu não respondi, apenas acenei de volta. Sentia meu rosto meio quente e minha barriga ficar estranha. Ainda era muito novo pra saber o que aquilo significava.

Continua...