Falando de Flores escrita por Arabella


Capítulo 9
Capítulo 8


Notas iniciais do capítulo

Gente, minha escola vai ta de greve por tres dias (DORMIR DORMIR DORMIR) então vou escrever beeeem mais! Eu to tãããooo feliz!
Agora vou deixar vocês lerem
OBS: Vick, eu te adoro garota, obrigada por ler sempre e falar o que pensa!



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“A escuridão deste mundo te faz perder as forças?
Isso é engraçado, você está bem?"

The Boys (Girls Generation)

– Não acredito que ela fez isso comigo. – gritei. – Que ódio, ódio, ódio. Não é como se ela realmente se importasse. Aposto que aquele prostituto de quinta influenciou nisso, só pode, vou matar esses dois. – apertei minhas mãos no ar como se fossem os pescoço deles.

Olívia segurou meus braços, falando que não era culpa de ninguém e que era melhor eu parar de fazer escândalo. Depois de sair de casa batendo a porta com força e raiva, fiz meu caminho até a escola gritando e reclamando, com minha prima ao meu lado me alertando diversas vezes que estava virando na rua errada.

Minha mãe disse que não havia mais como pedir transferência de sala, até porque logo o ano acabaria e eu faria a prova e entraria naquela bendita escola que ela tanto quer. A realidade é que eu mesma não me importava em estar na sala com minha prima ou na sala com o Ronald Mcdonalds, pra mim tanto faz, séria um inferno de qualquer modo. Não gosto de escolas e não gosto de pessoas. Não, não sou uma menina sem amigos, eu só não aturo muita gente junta.

Agora estávamos atravessando o corredor, indo na direção da minha primeira aula (sim, nesse buraco os alunos que trocavam de sala, não o professores). Tínhamos acabado de sair da diretoria, onde eu pegara meus horários e me inscrevera nas aulas opcionais. Não poderia ser mais filmezinho de colegial não, colega?, tive vontade de dizer coordenadora quando ela me explicou que minha série tinha aulas durante a tarde três vezes por semana e, entre essas aulas, três eram de nossa escolha e duas obrigatórias. Uma língua, um esporte e uma arte. Não pensei duas vezes antes de assinar meu nome em francês, o esporte foi por mamãe-mandou (eu nem tinha parado para ler o que caíra, seja o que Deus quiser) e na de artes, estava prestes a marcar ‘música’ quando notei que a opção estava riscada. Que raios de escola tinha “Artes cênicas.”

Olívia me explicou que a verba do teatro tinha sido cortada, mas que a professora fez tanta confusão que acabaram por cortar a de música. Me disse que estava nessa aula e nem me deu tempo de responder antes de marcar por mim e me arrastar corredor a fora.

– Tente se acalmar, Ana. – ela repetiu quando paramos em frente a sala de Literatura. – Seguinte, você entra aqui, tenta socializar e não matar ninguém e nos vemos no intervalo.

– Olívia, você está mesmo me dando o discurso ‘faça novos amigos e mantenha suas mãos longe do pescoço deles’? – perguntei, revirando os olhos.

Ela riu e me deu um empurrão para dentro da sala. Estava prestes a xingar ela quando meu corpo chocou com outro, fazendo meus livros novos caírem no chão.

– Você me paga, meretriz de quinta. – praguejei, me abaixando para pegar os livros.

– Cuide bem dela, por mim, Lip? – minha prima pediu, se afastando e indo para sua aula.

Por que aquelas três letras fizeram meus olho se arregalarem e meus livros caírem de novo, eu não sabia.

– Desculpe, Aninha. – ouvi aquela voz doce dizer. – Deixe eu te ajudar com isso.

– Ah... Humm – fala algo de verdade, sua antílope. – Está tudo bem, só não sei mais a ordem dessas folhas, mas não pretendia lê-las mesmo. – falei.

Ele sorriu, deixando aqueles dentes brancos e lindos aparecer. Pegou minha mão e me ajudou a levantar. De um modo delicado leve, diferente do outro puxão que eu levara naquele mesmo lugar. Cuidadoso, porem rápido, urgente como se queimasse.

– Valeu. – resmunguei, arrumando minha blusa.

– Então, você vai ficar nessa sala? – perguntou, ainda sorrindo.

– A praga do meu padrasto resolveu piorar um pouco mais minha situação. – falei, tendo que levantar a cabeça para olhá-lo. – A Olívia não me disse que você estudava nessa turma.

– Eu, a Isabella e... – senti que ele hesitou por um momento. – e a Babi. Eu... Ahn. Você conheceu o Dan e o Henrique na festa, né? – ele perguntou rapidamente, antes que eu pudesse soltar um comentário sobre sua namorada ridícula.

– Ah, sim, o cara ruivo que gosta da Isa. – ele pareceu surpreso por eu saber de tal coisa. – E o Germano é meu vizinho.

– Sério? Ah, claro. Sua mãe ainda mora naquela casa vitoriana. Por que não se senta com a gente? – ele apontou para um canto onde estava todas as pessoas que ele citara antes, cercados por mais alguns alunos.

O som da conversa era alta, pelo visto, aquela festa não servira totalmente para botar o assunto em dia, mas aquela voz de dubladora de seriado ruim se sobressaia de todas. A minha copia mais aperfeiçoada estava sentada sobre a carteira e tinha umas 4 garotas escutando atentamente o que ela dizia. Ao seu lado estava Isabela, com os longos cabelos mel trançados e os olhos grandes atrás do óculos. Olhando para ela descaradamente estava Henrique, algumas mesas atrás. Soltei um riso baixo quando ele notou que eu vira o que ele tanto observava e ficou vermelho. E... e Daniel estava no fundo, encostado na parede, dizendo algo para duas garotas que riam e concordavam com tudo o que ele dizia. Fingidas.

Assenti levemente com a cabeça e Felipe segurou meu braço novamente, dessa vez para me guiar até aquelas pessoas. Assim que me viu, Isabella sorriu e disse algo para menina atrás de si, que pegou suas coisas e se mandou sem reclamar. Acenou para mim fez sinal para eu me sentar no local recém desocupado. Felipe pegou minha mochila, a colocou na mesa e se virou para sua namorada. Isabella se virou com tudo na cadeira, ficando de frente para mim.

– Valentina, certo? Ou prefere Ana? – perguntou.

– Tina é melhor. – soltei meu cabelo e o balancei, tentando arrumá-los.

– Certo, Tina, o que ta achando a escola?

Antes eu pudesse responder, o coque que eu acabara de fazer com uma caneta foi desmanchado e um corpo grande se jogou na cadeira ao lado da minha, estava vazia, apenas com material escolar e um par de fones de ouvido grandes em cima. Tinha reparado nela, mas não parara para perguntar quem se sentaria ali. Minha não pergunta foi respondida quando aqueles olhos – agora azuis foscos – sorriram para mim.

– Eu não disse que nos esbarrariamos, loira? E, vejamos, está liso hoje.

Me segurei para não revirar os olhos, odiava ser chamada assim, tanto quanto odiava ser chamada de pirralha, geralmente gritava ou xingava até a primeira geração de quem me chamava assim, mas ele não sabia disso, então não precisava, certo?

– Trouxa. – não me aguentei. – Custei para prender.

– E eu custei para dormir, estamos quites. – ele se inclinou em minha direção. Seus cabelos compridos estavam molhados e formavam leves cachos, emoldurando seu rosto duro e bronzeado.

– Dani, que raios a menina tem haver com seu sono? – Isa perguntou, jogando as tranças sobre minha mesa.

– Oi para você também, Fernandes. – ele piscou para a garota que mostrou a língua, se virou para mim e disse: – Vai dizer o nome daquele música ou não?

– Que música? – perguntei realmente sem entender.

– Qual é, Tina. Eu passei noite toda tentando achar o nome, eu nunca a tinha ouvido no piano. Devo ter dormido no máximo duas horas.

Ri, me dando conta do que ele se referia.

– Era para eu sentir pena? Toquei justamente por achar que você conhecia. Vai ter que descobrir sozinho. – cruzei os braços.

– Você está me deixando louco, loira.

– Tem amor aos dedos? Me chama de loira de novo que você nunca mais poderá tocar nada. – ameacei.

– A cada vez sua voz fica mais ameaçadora. – um garoto alto e de cabelos claros se jogou na cadeira do meu outro lado, me fazendo pular de susto.

– Qual é o teu problema, moleque? – disse, com a mão no coração.

– E fácil de assustar. – completou, batendo na mão de Daniel que ria.

– Quer dizer que eu vou passar o resto do ano entre vocês dois? – perguntei com um careta e os dois afirmaram rindo. Tampei meu rosto com as mãos, sabendo que aquele semestre seria o melhor de todos. Aí piorou:

– Oi, Valentina.

Abaixei minhas mãos e levantei o rosto para olhar a menina. Maria Bárbara tinha os cabelos escuros e lisos soltos, brilhantes, como se o Sol emprestasse sua luz a eles. Sua franjinha terminava onde as finas sobrancelhas começavam, os olhos, também escuros, carregavam uma espécie de superioridade que me dava vontade de vomitar em cima das sapatilhas vermelhas dela.

– E aí? – disse simplesmente.

– Acho que seu cabelo está um pouco bagunçado.

Peguei meu celular e vi meu reflexo, não estava descabelada nem nada, mas também não estava a coisa mais linda. Felipe olhou com censura para a namorada, que fez cara de inocente e se sentou na frente dele, Daniel riu, balançando minha caneta/prendedor no ar.

– Seu infeliz, me dá isso. – soquei seu ombro sem conseguir arrancar dele.

– Vai me falar que música era?

– Não.

– Então sem prendedor.

Eu estava pronta para dar um tapa em sua cabeça quando um Henrique, surgido do nada, fez isso por mim. O menino ao me lado se assustou e deixou minha caneta cair no chão. Me abaixei rapidamente e o peguei, antes que ele pudesse fazer isso.

– Valeu. – agradeci, com meu melhor sorriso, acredite, eu não sorria assim sempre.

– Você me ajudou na festa. – disse sem jeito – E também não quero que o professor brigue com a gente logo no primeiro horário. Todos calados. – e voltou a se sentar, atrás de mim.

Só então notei a presença de um ser baixinho e quase careca na frente do quadro. Ele batia palmas e pedia silêncio. Aos poucos, as pessoas na sala foram se sentando e abrindo seus cadernos sem fazer mais nenhum barulho. O Cara de Bacalhau, como Liv o havia chamado, lecionava literatura e ou ele gostava de você, ou não gostava, não existia meio termo.

O Cara de Bacalhau começou aquele típico discurso sobre as férias e como teríamos tempo para conversar mais tarde e que esse semestre seria decisivo para nós, com a chegada da prova para o instituto, que pelo visto não era o sonho só da minha mãe para eu passar, e sim de todos os meus colegas.

Notei que a maioria dos alunos prestava total e completa atenção no que o professor dizia, uns faziam anotações e outros estavam mais interessados em suas unhas, como a Nina, ou tentando não dormir, como a Isabella e o Daniel. Abri meu caderno e comecei a desenhar. Além da música, sempre gostei de artes. Nunca quis entrar em uma aula nem nada, mas as vezes eu encarava alguma coisa e sentia uma necessidade de botá-la no papel, e como sempre fui um desastre para escrever, desenhar sempre servia.

Coisas como as mãos longas e brancas do menino ao meu lado, segurando o lápis com confiança e rabiscando freneticamente, com certa delicadeza, a folha. Ou os olhos castanhos atentos em cada palavra dita pelo homem na frente da sala. O cabelo claro, curto e fino, tudo nele tinha que ser tão delicado e doce, Buda?

Não tenho idéia de quanto tempo passei fora de orbita, só me lembro de ter que fechar o caderno rapidamente para que nenhum dos 30 olhos voltados para mim visse o que eu tanto desenhava ali. Notei, ao olhar para frente, que a razão daqueles olhos estarem virados para mim era uma pergunta vindo do professor.

– Agora que a senhorita acordou, poderia vir aqui se apresentar. – ele disse, com indiferença.

– Desculpe, professor, mas não estou muito a fim de ir até aí, não, sou perfeitamente capaz de dizer meu nome daqui.

– Você não está entendendo, é um costume se apresentar na frente da sala, senhorita...

– Meireles. – respondi, apoiando a o cotovelo na mesa. Oh se eu ia me apresentar pra esse tanto de gente.

– Ah, claro – ele falou com certa compreensão. – Sua mãe disse que você daria certo trabalho e petulância. – explicou. – O que não entendo é como você pode ser assim, sendo filha da P...

Bati na mesa, fazendo minhas coisas caírem e o professor interromper sua fala. Eu não ia pegar o papel de filinha da professora não. Quando toda a atenção da classe voltou para mim, me perguntei se aquele tinha mesmo sido um plano bom de impedir o professor a continuar a falar.

– Mesmo tendo certeza de que farei jus a tudo de ruim que foi dito ao meu respeito, prefiro que as pessoas criem um conceito baseado no que eu sou, não no que minhas relações com outras pessoas dizem.

– Argumento interessante, pequena Meireles. – o velho coçou a cabeça. – Apesar do temperamento diferente, aparenta a mesma educação e desempenho acadêmico de seus irmãos. – disse, olhando uma folha que devia ser meu histórico.

– Garanto que a única coisa que tenho parecido com eles é o nome. – soltei, já grossa.

– Sendo assim, não se importaria de responder algumas perguntas para me ajudar a analisar seu nível de aprendizagem?

– Se eu dizer que não o senhor vai me fazer perguntar do mesmo modo... – resmunguei, provocando vários risos as pessoas mais próximas que conseguiram escutar.

– Ótimo então. Aliás, nome interessante o seu, não é mesmo?

– Se for alguma tiradinha com a Cecília Meireles, nem vem, tentaram isso três ou quatro escolas atrás. – respondi, conseguindo mais risos não planejados.

– Certo, a senhorita tem cara de que gosta de algo mais contemporâneo, talvez algo como... já tentou Um Conto...

De duas cidades. Triângulo amoroso. Paixão proibida. Inglaterra e Fraça. Clichê, mas Dickens será sempre meu preferido. – interrompi, deixando-o com um ar impressionado.

– Ahn, certo. – ele coçou os cabelos grisalhos mais uma vez, pensando em algo para perguntar. – Vamos trabalhar com ele nesse bimestre, no anterior, vimos Os miseráveis e trabalhamos com um grande poeta que teve uma grande influência na literatura inglesa, talvez conheça sua primeira obra... Poemas por dois Irmãos.

– Agradável, porem não mais envolvente que Mariana.

– O senhor vai precisar mais do que Tennyson para intimidar a garota, Rodrigues. – ouvi a voz relaxada de Daniel dizer.

– Aos dez anos ela me contou de trás para frente as histórias das Brontë. – Felipe informou. Responder o professor com todos olhando não me causava nenhum desconforto, mas a lembrança daquela amizade me deixava corada.

– Então a senhorita tem uma afeição boa pela leitura de clássicos? – o professor perguntou.

– Pode se dizer que sim. – dei de ombros.

– Ótimo, como eu sempre disse, tudo vem em seu tempo, você será minha ajudante nas próximas aulas e me ajudará a botar um pouco de senso na cabeça vazia dos demais – anunciou. – Já se inscreveu na aula de teatro? Direi para Heloisa te escalar como co-diretora também. De acordo com seus registros, as senhorita tem uma media maravilhosa em produção de textos, será de bom uso na peça de outubro.

– Na peça de quê? – perguntei a.k.a gritei quando uma onda de vozes começaram.

Meninas reclamaram sobre quererem esse cargo mais do que a novata, outros falavam sobre como a última peça foi um desastre, como tais pessoas se encaixariam em tais papeis. Bati minha cabeça na mesa quando recebi um mutirão de olhares matadores. Olhei para os lados pedindo socorro e Felipe colocou uma mecha desobediente para trás da minha orelha.

– Relaxa, ainda falta tempo para começar os ensaios.

– Ensaios do que? E por que esse professor parece ser tão decidido em acabar com meu dia?

– Todo bimestre tem o festival de artes. Cada série se encarrega de uma coisa, o segundo ano se encarregada da parte musical, o terceiro geralmente cuida das decorações temáticas e do sarau de poesias e nós pagamos mico com uma apresentação teatral. Na maioria das vezes da merda. Acontece que quase todas as garotas daqui se matam pelo papel principal, o que é quase inútil porque sempre é da Babi ou da Olie, então se empenham para conseguir ser co-diretoras, ajudarem a professora Helô. – ele explicou. – Algo que você acabou de conseguir pelo simples fato de esse ano estarmos trabalhando com clássicos e você ter mais livros do que sapatos.

– Resumindo: – Henrique falou, enfiando a cabeça entre nós – metade dos estudantes do sexo feminino dessa escola te odeiam e você precisa criar algo muito bom para a peça ou a Helô, por mais que tenha cara de zen boazinha, fica louca. E não é uma coisa boa de presenciar.

O resto da aula passou rastejando, um filme chato e tediante em câmera lenta. Ainda tinha que ficar me lembrando de guardar meu material quando a aula acabava para me dirigir a outra sala. Em algumas matérias eu dormi, outras fiz algumas anotações por estar um pouco atrasada, e no resto eu desenhei.

Agora as últimas folhas do meu fichário da Marvel estavam cheias de rabiscos de olhos castanhos que me observavam o tempo todo, intensamente. Ou talvez estivessem olhando para qualquer outra porcaria de lugar, mas minha mente queria acreditar que era para mim.

Todas as vezes que um dos professores ameaçavam dizer algo relacionado a minha mãe, eu os interrompia bruscamente. Não me entendam mal, eu simplesmente não acho muito legal você ganhar o titulo de filinha da professora, e pretendia manter isso intacto até o possível. Bem, não totalmente intacto, pois todas as vezes que eu dizia aos professores não falarem sobre isso, recebia olhares confusos e hilários dos dois garotos que me cercavam.

Eu já disse que tenho uma grande queda por risos? Risos e costas, ok, talvez eu tenha alguns problemas, acontece que o problema atual era que eu tinha uma grande dificuldade para me concentrar em qualquer coisa enquanto o Felipe e o Daniel riam.

– Acorda, flor. – ouvi uma voz doce dizer, mas minha vontade de levantar a cabeça era quase inexistente.

– Deixa ela dormindo aí, agora, vamos? – dessa vez ama voz irritante. – Estou com fome.

– Babi, o que tá acontecendo com você? A Aninha deve estar cansada, mesmo assim ela tem que ir com a gente. – a terceira pessoa disse.

– Meu caro amigo, isso é medo de perder a coroa de abelha rainha. A Tina tem tudo que você tem, além de ser engraçada e sociável. – mais uma criatura de Deus, eu mereço.

– Sociável? – a terceira pessoa perguntou rindo. – A Aninha? Essa daí não fala abertamente nem correndo risco de morte.

– Acho que você liga muito ela á suas lembranças, ontem a Tina...

Levantei minha cabeça de vagar e me deparei com quatro figuras em volta. Meu rosto devia estar inchado e marcado. Meu cabelo... tinha até medo de saber, estava enfiado no capuz e iria continuar assim. Não estava com sono, só queria que aquele dia acabasse logo, o que seria mais difícil, levando em conta que hoje a aula só terminaria ás quatro.

– Ai, desculpe, eu estava com sono.

– Foi o que eu disse. – Isabella disse, fazendo suas tranças balançarem.

– E eu quero comer. Você dormiu os dois últimos horários, garota. Não liga para matemática II? – a voz fina e cheia de nojerisse vinha a de Bárbara.

– Já vi essa matéria. – me levantei, fechando meu fichário antes que alguém visse os desenhos.

– Ana, nós vamos almoçar no bar aqui do lado. A Olie já deve estar lá, ela pediu pra gente te levar. – Felipe comunicou.

Balancei a cabeça, concordando, e saímos da sala. Passando pelos logos corredores quase vazios. Isabella explicou que a escola tinha cantina e um refeitório consideravelmente legal, entretanto, a maioria dos alunos iam almoçar nos bares e restaurante ali perto e tínhamos uma hora e meia para voltar.

– Fichário legal. – o som da fala de Daniel me assustou. Me fazendo quase pular.

– Valeu. – agradeci, encarando o Capitão America e a Viúva Negra em uma das pontas.

Nós tínhamos, em algum ponto, ficado mais para trás. Tínhamos acabado de atravessar a rua em frente ao colégio quando meu novo vizinho enfiou sua cabeça em um boné azul, que realçava seus olhos e quase os cobria por inteiro, me perguntei se ele conseguia enxergar assim e quase acabei tropeçando ao ver como ele se parecia com o Jake Bugg daquele jeito. O menino começou a assobiar a música que eu havia tocado na noite anterior. Soltei um leve riso e apertei os lábios para não soltar uma gargalhada maior. Ele me olhou divertido.

– Você é sempre assim tão má?

– Eu não sou má. – defendi.

– Tem noção de que não conseguirei tocar nada até saber o nome daquela música? – ele começou a andar de costas.

– Tenho.

Ele jogo os braços pro ar em sinal de incredualidade.

– Sim, você é má.

Mal tive tempo de pensar em responder e meus braços foram subitamente para a barra do casaco dele, impedindo que fosse atingido por uma moto que seguiu seu caminho como se não tivesse quase atropelado um garoto.

– Buda. – falei, ofegante. – Quando você disse que era normal os motoristas correrem tanto e não prestarem atenção eu não achei que era tão sério.

Seus olhos estavam esbugalhados, o que os deixavam mais destacados. Sua boca carnuda e rosa, entreaberta. Ok, talvez nem ele estivesse esperando uma coisa dessas.

– Tina, eu... – ele olhou confuso para os lados então focou em mim.

– Bem, pelo menos estamos quites. – ofereci um sorriso, tentando amenizar o clima.

– Agora você me leva para um lugar abandonado? – ele retribuiu o sorriso, esse carregado de certa malícia. – A minha parte preferida.

Estava prestes a rir quando alguém gritando me fez lembrar do resto do mundo. Isabella, Bárbara e Felipe vinham correndo em nossa direção perguntando o que acontecera. Explicamos e tivemos que repetir umas trezentas vezes que estávamos bem.

Andamos mais dois metros e entramos em um lugar cheio de mesas e pessoas. Felipe disse que aquele lugar era um bar onde, de noite, tocava blues e tinha recitais de poesia, mas, durante o dia, funcionava praticamente para os alunos da escola. O lugar era meio escuro, a iluminação era fraca e amarela, as mesas todas de madeira trabalhada e sofás vinho. No canto da esquerda tinha uma bancada de bar longa e com bancos coloridos. O lugar era aconchegante e retrô, tinha um cheiro gostoso de... incenso?

– Ei, galera! – minha prima gritou, sentada em uma mesa encostada na parede e acenou.

Fomos até ela e todos se sentaram padronizados, deduzi que fosse o lugar de todos os dias. Encostado na parede estava Henrique, quase dormindo, ao seu lado a Fernanda, que tinha o cabelo apenas uns tons mais claros do que o dele. Minha prima estava no meio, na frente do Félix, que apertava os botões de seu PSP como se sua vida dependesse disso, Isa pulou sobre ele e foi se encostar na parede. Não seria surpresa dizer que um simples ‘Oi’ vindo da boca doce dela foi o suficiente para fazer Henrique acordar. Daniel foi atrás dela, pegando o videogame do outro menino enquanto passava, deixando os dois lugares restantes naquele sofá longo para o casalzinho.

Fiquei alguns desconfortáveis segundos parada na ponta da mesa e eles se viraram, me avaliando, esperando eu escolher onde eu ia sentar. Felizmente, a fome da Fernanda resolveu me poupar.

– Pula pra cá, Val, minha barriga já tá roncando. – ela disse, tirando sua mochila entre ela e Henrique. – Nunca vi demorarem duas horas pra fazerem uma simples língua de polvo.

– Língua de polvo? – fiz cara de nojo enquanto me sentava ao seu lado, na frente do Daniel. Pisquei para Henrique e falei baixo para que só ele escutasse. – Se você continuar a encarando desse jeito ela vai perceber e se assustar.

O garoto ficou vermelho e olhou pro outro lado da mesa.

– O que foi? – perguntou a Isabella.

– Nada, Isa. – respondi rapidamente. – Estava dizendo uma coisa sobre a festa, a propósito, o Henrique disse que você ficou linda com aquela roupa.

Senti uma cotovelada e ouvi o riso abafado de Daniel que parecia prestar atenção no que dizíamos enquanto o resto da mesa falava sobre o primeiro dia.

– Obrigada, Henrique. – ela agradeceu, sorrindo com as bochechas coradas. – Você tocou muito bem lá... quer dizer, você sempre toca bem, é só que...

– Sério? Digo… – o menino tossiu, desconfortável – você gostou mesmo?

Botei minha mão sobre a boca para evitar uma gargalhada, olhei para cima e vi que Daniel também estava achando engraçado as trocas de elogios desajeitadas de seus amigos e chutei sua perna para impedir que ele fizesse algum comentário que estragasse meu plano perfeito, incrível, sem falhar e... recém montado de ajudar o cabelo de ferrugem.

– Ai! – o menino exclamou, chamando atenção para ele. – O que eu f...

– Olha, Nanda, acho que a sua língua chegou. – falei rapidamente quando uma garçonete se aproximou da nossa mesa.

Olívia disse que tinha pedido um sanduíche vegetariano e batata frita pra mim, as vezes tenho que me lembrar de como é ter alguém atencioso e que realmente liga pro que você gosta, como minha prima. Todos pediram hambúrguer ou pizza, fora Nina que comeu um sanduíche igual o meu, mas não por defesa aos animais, mas por frescura mesmo, e a Fernanda que assim que provou seu polvo fez uma careta de nojo que provocou muitos risos e zoações e começou a roubar minhas batatas com o Daniel.

Assim que acabei meu ‘almoço’ e depois de ter desencadeado uma mini guerra de comida com a ruiva ao meu lado e o guitarrista a minha frente, acertando, acidentalmente no Henrique e na Isa que nos xingaram e riram. Eu já estava vermelha e quase com crise respiratória de tanto rir quando de repente algo em mim parou.

Tive a sensação de estar fora de mim, não no sentido de perder a cabeça, mas de ser apenas uma telespectadora da minha própria vida. Eu só escutava risos abafados, como se eu estivesse atrás de um vidro. Eu via uma garota loira e de olhos cor de musgo entre duas pessoas com os cabelos em chama, ambas as três riam descontroladamente, assim como a menina de porcelana e o garoto de boné, dizendo algo entre gargalhadas que não consegui ouvir. Mudei minha visão pra o outro lado da mesa. Também com quatro pessoas, mas só um dos garotos ria verdadeiramente, o outro encarava a loira com certa dose de melancolia, anseio e... ciúmes? Bem, ciúmes era o que estava impresso na cara das duas morenas perto dele. Uma delas olhava com indiferença, mas estava claro que não gostava de toda a atenção que ‘eu’ estava recebendo. Já o motivo do desconforto da garota com a pele mais escura e radiante era de quem aquela versão mais feliz minha recebia total e completa atenção. Os olhos da minha prima passeavam de mim para Daniel, 300 km/s. Algo dentro de mi murchou e percebi que o que estava fazendo, mesmo sem a intenção, não era correto com aquela pessoa que sempre me consolou e me apoiou. Me lembrei de quando ele confessou que eles nunca seriam mais que amigos, mas ela não ouvira isso. Antes que eu pudesse voltar a mim e fazer algo sobre isso, outra coisa mudou. Meu braço ferveu. Queimou. Doeu.

Água escorria das paredes em uma velocidade inacreditável, em segundos as ondas violentas e agressivas alcançaram meu joelho, minha cintura, meu braço... Então minha garganta fechou e meu coração deu um tranco, me senti afogada, ouvi gritos, algo me dizia que vinham da minha mente. Das minhas lembranças. Mais especificadamente, daquela noite... Era aquilo de novo, todos se afogando na minha frente. Mais uma vez. E eu não fiz nada para ajudá-los. Mais uma vez.


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