Pure Imagination escrita por Sweet Death, SaltedCaramel


Capítulo 5
Samurais don't like doors and can't smile


Notas iniciais do capítulo

Yey!! Estou aqui com 2 dias de antecedência...... não aguentei esperar até domingo haha
Só um aviso para quem lê Bad Boy, eu juro que estou escrevendo, mas bloqueio criativo é f***. Essa fic sai muito mais facilmente porque é nova e tem cap adiantados.
Bem, talvez eu poste outros capítulos mais rapidamente, porque esses capítulos são muito mais explicações e tals, acho que a partir do cap 7 fica mais...hm...história de verdade. Nada garantido, porque eu tenho estado com muitas coisas para fazer :/ Argh hahaha
—Você percebe que é viciada em yaoi quando está lendo A Dama das Camélias e começa a shippar o Armand Duval com o narrador hahaha sério, eu devo estar muito viciada O.O

Ah, alguns capítulos a partir de agora começam com lembranças (e elas não necessariamente estarão em ordem cronológica.
Não revisado :/ novamente...... haha preguiça de ler minha própria fic...
Hm...acho que só, eu nunca tenho certeza do que escrever aqui...
Agradecendo às pessoas que comentam e favoritam! Muito obrigada!! :3 São as razões de eu estar escrevendo >3< Um feliz dia dos namorados para vocês!!(não ganhei nada hoje ;-;, mas quem se importa, né? ;-; ok, eu me importo ;-; hahaha). Queria dar chocolates para vocês ;-; argh ainda vou fazer chover chocolate para vocês!!!! mimimimimimi.... mesmo assim, Happy Valentines Day!!
Boa leitura o/



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Eu nunca gostei de mim mesmo. Eu sou fraco. Sou feio. Sou solitário. Sou chato. Sou albino. Tenho problemas de relacionamento e de saúde.

Eu odeio o fato de ser assim. E odeio ainda mais o fato de que eu só sou capaz de odiar a mim mesmo.

Minha vida inteira eu convivi com isso.

Por isso, eu até entendia o porquê das pessoas não quererem estar por perto. O porquê delas se afastarem com aqueles rostos contorcidos de desprezo toda vez que eu me aproximava. Quando me olhavam com a curiosidade e medo com os quais olham animais estranhos em um zoológico. Isso quando não faziam coisas por pura pena.

Eu aprendi a esconder minha aparência. A apagar minha presença.

Pode soar legal, como se eu fosse um ninja. Mas isso significa que eu desisti de ser notado e de me esforçar. Só usava um capuz grande e evitava encarar qualquer pessoa que estivesse por perto.

Eu não sou nada. Não sou legal. Não sou bonito. Não sou engraçado. Não sou fofo. Eu só...estou aqui. Minha utilidade? NOT FOUND. A presença ignorada e esquecida de um garotinho condenado.

A sentença é... tortura até a morte prematura.

–Ei, branquelo!

Eu cobri minha cabeça ainda mais com o capuz, querendo fingir não estar ouvindo. A hora da saída na escola conseguia ser muitas vezes o pior horário do dia. Não podia correr porque não conseguiria ir muito longe sem perder o ar ou sentir as pernas tremerem, então minha única chance era se esconder e camuflar onde pudesse.

–Você, magricela!- Paul me alcançou em questão de segundos, puxou meu ombro tão forte que ele estalou, derrubando minha mochila no chão e espalhando minhas coisas por toda a saída. Ele riu.

Eu claramente achei que nessa escola seria diferente.

Dei uma olhada para os lados e percebi que era tarde demais, estava cercado de meninos com expressões nada amigáveis no rosto, me encurralando no muro escondido, onde poderiam fazer as maldades que quisessem.

E eu claramente estava errado.

–Não fui com a sua cara, hoje- nem eu fui com a cara feia dele, mas preferi deixar esse detalhe quieto- acha que pode chegar assim e ficar de boas. Não. Desde a primeira vez que eu te vi eu percebi que devia vir arrebentar essa sua cara. Ouça, temos um ritual aqui para novatos bichinhas e você foi escolhido! Parabéns!- seus amigos riram, acompanhando cada fala com um sorriso tão alegre quanto maldoso.

Eu não imaginava que aquele ritual seria uma “honra”. Longe disso. Estava estampado no rosto dos amigos dele que tipo de “ritual” era.

Eu simplesmente tentei levantar, mas minhas pernas e braços nunca foram muito bons para essas coisas. Foi quando um deles arrancou meu fone bruscamente e me pegou pela gola da camisa. Outro me empurrou de encontro à parede. O simples impacto já era capaz de me fazer um estrago. Deveria estar arranhado e sangrando, mas só sabia que doía. E doía muito.

Por pior que seja sua vida, você fica acreditando que cada pequena mudança pode ser de enorme importância. Eu sou desses que se agarra a esperança, por mínimo que ela seja...mas sempre acaba caindo desesperançoso no final, até oferecerem outro apoio falso.

Eu sei. Sempre soube que não tinha saída ou um apoio verdadeiro, mas, no desespero, toda chance é banhada em otimismo de “E se for?”.

E eu sempre caía nessa.

–Você fica o tempo todo com esse capuz ridículo na cara- os outros concordaram, parecia que só Paul era capaz de falar entre eles, porque eles só murmuravam “É”, “isso aí!”.

Antes que pudesse segurar o casaco, em um movimento brusco e violento puxaram o capuz do meu rosto, o que tirou alguns fios de cabelo da minha cabeça que caíram lentamente até o chão. As expressões ficaram assustadas, perplexas e até cômicas. Mas eu sabia o que vinha depois disso. E pode ter certeza de que não é nada engraçado.

Quando meu pai sugeriu uma mudança de colégio, aquela notícia foi o apoio da vez. O fio de esperança que eu esperava ser mais firme que os outros. Eu torci com todas as minhas forças (quase esgotadas) para que fosse um fio resistente de esperança.

Paul riu.

–Seu cabelo é branco?- todos riram, por um momento não consegui ouvir os comentários, eles saíam entrecortados por causa dos risos- que feio! Horroroso! Nojento! É muito estranho! Parece um velhinho!-riu mais ainda- e esse rosto...um rosto de garota? É uma lady o que temos aqui?? Seus olhos são claros demais! Parece que não tem cor! Que pernas finas!!! Um albino nerd! Hein, carinha de bebê! Não vai aguentar o primeiro soco!

As risadas magoam.

Apesar dos xingamentos serem infantis como Paul. As risadas pareciam fazer o chão tremer. Ou era eu mesmo que tremia.

Por mais que vocês, os “engraçadinhos”, pensem que elas nos fazem pensar que é só brincadeira...elas são a parte que mais magoa. Eu me sentia uma atração de circo. Uma piada que nada valia.

Daquelas que você nem espera entender direito, só ri porque é estranha e depois esquece.

Ele continuou a soltar os insultos. Minha aparência e minha exclusão social. Para falar a verdade, nem precisava me socar. Eu já me sentia horrível e impossibilitado por causa do que ele falava.

Poxa, era o primeiro dia de aula e eu já via que tudo estava indo mal. Mas eu sei que pode ficar pior.

Outro garoto puxou meu cabelo para trás, olhando fundo nos meus olhos, observando as lágrimas escorregarem sem querer dos cantos. Parecia que ia arrancar os fios do couro cabeludo. Eu gemi em desagrado, mas ele puxou mais forte, como se quisesse verificar se os fios eram verdadeiros. Foi quando o primeiro chute veio.

“Quem sabe”, pensava, “Quem sabe dessa vez eu caia em uma sala legal...”

O pontapé forte atingiu minha barriga. Minha pele e meus órgãos internos fracos não aguentam um impacto desses. Meus sentidos reviraram, assim como meu estômago.

Não tive tempo para medir impactos. Levei um soco bem dado, de outro garoto, na bochecha. Meu rosto virou tão forte que puxou meu corpo junto, indo em direção ao chão.

Não precisei me preocupar em levantar. Um deles puxou minha gola, quase me enforcando, para que eu pudesse voltar a ajoelhar e observar bem enquanto seu punho vinha de encontro ao meu nariz.

O gosto de sangue subia até a minha boca, mas eu nem fui capaz de senti-lo direito. Recebi um chute na lateral do meu corpo que me fez desabar em cima do meu braço direito e bater a boca no chão. Mordi a língua e senti mais sangue entre meus dentes.

“Quem sabe”, pensava, “ eu conheça pessoas legais e divertidas...”

Outro soco.

Seguido de outro. E outro. E outro. E outro.

Um chute.

Meus sentidos se esvaindo. Só sentia o gosto de sangue na boca e a visão turva do grupo sorridente que aumentava cada vez mais para me bater e ver a briga. Eu era a atração principal. Eba.

Como chamar os amigos para o boliche, as pessoas se divertiam me machucando. O esquisito. O estranho. O diferente.

Eu já estava acostumado com aquilo. Mas isso não quer dizer que não doía. Doía na pele, nos arranhões, doía no peito, nos sentimentos.

Outro soco acertou meu olho.

Era para isso que eu estava aqui. Um saco de pancadas. Um objeto inanimado.

Podem me usar. Usem à vontade.

Recebi um soco no queixo que pareceu fazer trincar meus dentes.

“Quem sabe”, pensava, “sejam pessoas que gostem de mim, que sejam tolerantes, que riam comigo...”

Paul agarrou minha cabeça, estava tonto demais para falar qualquer coisa ou expressar sentimentos no rosto que não fossem dor e confusão. Tudo doía. Podia sentir os ossos trincando, as pernas bambas, o olho inchado, a visão se cobrindo de vermelho do sangue que escorria da testa e da cabeça, os lábios inchados, a língua machucada. Senti o calor dos ferimentos.

É, acho que ia ficar roxo.

Tudo que fiz foi olhar nos olhos deles. Estava se divertindo.

Pelo menos servi para isso.

Meus sentidos falhavam mais ainda. Minha visão estava pendendo ao escuro. Eu ia desmaiar.

“Quem sabe”, pensava, “... eu pudesse fazer amigos para sair, conversar e ser eu mesmo?”

Parecia que Paul sabia que eu ia dar uma cochilada. Ele não podia me deixar perder os sentidos sem antes sentir a última dor. Ele puxou meus cabelos (alguns fios caíram com a força) e me virou para a porta vinculada ao muro em que estava encostado, as risadas se esvaíam quando minha audição tendia ao silêncio. Eu previ antes que acontecesse, mas não é como se isso ajudasse. Não poderia fazer nada.

“Quem sabe”, pensava, “eu encontrasse uma menina legal e me apaixonasse de verdade?”.

Risadinhas dos colegas de classe. As garotas riam e gravavam tudo com os celulares de capas pink que tinham em mãos. Acho que elas gostavam de ver o esquisito apanhar do Sr.Mortadela e queriam ver tudo depois. Esses vídeos garantiriam que a minha boa popularidade na escola fosse inexistente. E deixariam minha possibilidade de criar amigos de verdade totalmente nula.

Ele levantou mais minha cabeça, ainda segurando os fios brancos. Aquilo doía demais, eu sentia o rosto ser puxado para trás e tudo se contorcer. Mas logo afrouxou. O que não me deixou feliz, na verdade. Ele empurrou minha cabeça para frente e eu vi a imagem da porta de madeira chegar mais e mais perto, como um borrão. Ele estava empurrando minha cabeça para a porta. Seu punho empurrava meu crânio e incomodava minha nuca.

“Quem sabe”, pensei, por fim, “eu consiga me livrar da preocupação e finalmente viver?”

Senti a dor riscar minha testa, passando pelo meu olho esquerdo e terminando na minha bochecha. Minha visão se apagou com o sangue.

Agradeci pelo impacto não ter sido forte (teria me matado com toda a certeza), graças a porta (que estava apenas encostada e destrancada, algo que não estava nos cálculos dele) ter aberto no momento em que bati meu rosto nela (com ajuda de Paul Anderson, claro, ele leva os créditos), fazendo apenas com que meu rosto riscasse um machucado profundo por cauã da maçaneta e não fazendo com que batesse na madeira e sofresse um traumatismo craniano. Caí de cara no chão da casinha do zelador do colégio. Desacordado e com uma cicatriz feia no olho esquerdo, um simples risco reto que sangrava bastante.

Como sempre, eu estava enganado. A esperança se esvaíra no primeiro dia de aula da minha última escola.

Acordei chorando no hospital, no outro dia. Hematomas e machucados tratados, mas ainda doloridos, uma cicatriz em forma de risco em formação no olho esquerdo. Eu chorei mais que das outras vezes.

Porque eu sabia que aquela era a minha última chance de ser diferente.

Mana havia me mudado para aquela escola logo após terem previsto meus últimos dois anos de vida.

Eu estraguei minha última chance. No meu primeiro dia.

–X-

Yuu Kanda.

Ele estava parado ao lado da destruição que um dia eu chamava de “porta do meu quarto do hospital”. Tudo que restava era um pedaço de madeira inútil e rachado, junto de dobradiças de ferro (FERRO!) amassadas, encostados em uma parede com um buraco enorme.

Eu mentiria se dissesse que não estava com medo.

E seria um idiota se tentasse fingir que tinha coragem quando até meus olhos tremeram ao observar a cena.

Ele usava um sobretudo como o que Lenalee tinha em mãos. Cabelos longos, lisos e negros, que vez ou outra refletiam tonalidades lindas de azul, estavam presos em um rabo de cavalo deixando que duas mechas pendessem aos ombros até o peito. Os olhos orientais estavam ainda mais espremidos (apesar de ter quase total certeza de que eles não eram tão pequenos, mas sim grandes e puxados), eram olhos de um azul escuro e misterioso, tinha traços fortes, mas delicados em sua própria forma, o braço, apesar de coberto por uma manga longa, era musculoso e eu poderia supor o que encontraria caso o visse sem camisa. Definitivamente era alguém MUITO bonito. O que estragava era o humor. Ou melhor, mal humor.

E se ele veio para me matar? Eu não tinha como me defender...tinha?

Pelo que me lembro da história...Kanda era muito, muito forte.

Imaginei-me tão acabado quanto a porta estava. Ou tão rachado e esburacado quanto a parede.

Mas, ao invés de investir contra mim, ele continuou parado perto do buraco que dava direto no corredor, os braços cruzados, as sobrancelhas enrugadas e a boca resmungando “Tsc” repetidas vezes.

Qual era o motivo de estar lá se ele iria ficar mal humorado e parado no mesmo lugar?

Eu não tinha nem coragem de perguntar.

Quando Kanda era apenas objeto de minha imaginação, eu conseguia lidar com ele.

Conseguia lidar com minha imaginação, com cachorros, gatos, fases de jogos, embalagens de balas, tubos de respiração, zíperes emperrados, unhas grandes demais, CPFs na nota, erros na redação, esquecimento do último parágrafo lido...

Mas “pessoas reais” não estão incluídas no grupo de coisas com as quais eu consigo lidar. Ainda mais pessoas que me pareciam tão...não-dispostas-a-conversar-e-sim-a-usar-a-violência-no-momento-em-que-eu-abrir-a-boca. Esse tipo estava muito acima da minha capacidade de interação...e essa capacidade era quase igual a zero normalmente (seria menor se não incluísse animais e idosos).

Infelizmente era isso que o moreno transmitia para mim. Lembrava todos aqueles que já me fizeram sofrer. Mas o olhar não transmitia diversão qualquer...só...raiva. Eu achava, pelo menos. Não tinha muita experiência em ler emoções alheias.

Engoli rapidamente o sanduíche e lancei um olhar que eu estava entre “Me ajuda!” e “Como tenho que reagir??” para Komui. Ele notou, mas ou não ligou, ou não entendeu, ou achou divertido, porque ele apenas sorriu de volta.

Lavi e Lenalee também sorriram, mas não para mim e sim para

O que pareceu deixá-lo mais nervoso. E, em consequência, me deixou mais desesperado.

Foi Komui quem se moveu primeiro.

–Kandaa!- disse- não fique parado aí na porta- e eu só pude pensar “Que porta? Aquele pedaço de tábua esmigalhado?”- entre e fique com a gente! Lenalee trouxe comida!

O anúncio de comida não pareceu animá-lo tanto quanto me animou. Ele fechou a cara mais ainda. Pensei que a qualquer momento ele fosse começar a cuspir fogo e terminaria de destruir o quarto, mas ele só respondeu Komui. Bem grosseiramente.

–Tsc. E quem quer ficar com um bando de otários?

Sem querer e sem realmente notar, uma veia saltou da minha testa e senti um calor nervoso percorrer minha cabeça. Como um impulso elétrico, retruquei:

–Hã!- gritei- o único otário que eu vejo aqui é um certo samurai afeminado, Bakanda! Pare de ficar resmungando e imitando uma estátua na porta!!

Ele arqueou as sobrancelhas e seu olhar pareceu me perfurar.

Foi quando eu notei o que tinha falado. Eu juro. Juro. Que não falei por querer. Só...saiu. Apenas notei depois. Foi natural. Ou não, eu não sei! Foi como se... eu estivesse inconscientemente interpretando o personagem.

Senti-me corar fervorosamente à medida que percebia o que tinha feito. Eu tinha enfrentado o moreno.

ELE IA ME MATAR!! Ele iaaaa!! Ele vai me matar!!!

Adeus, segunda vida. Foram os melhores 20 minutos da minha vida. Quer dizer, das minhas duas vidas. Quer dizer...você entendeu.

Gaguejei palavras e sílabas sem sentido como um pedido de desculpas. Mas, mesmo que conseguisse completar uma frase, ele não parecia muito interessado em me perdoar. Parecia que a qualquer hora ia largar a espada e agarrar uma serra elétrica para usar em mim.

Mas, quando ele ia partir para cima, ele olhou para Komui, que ainda sorria e se deteve.

–Tsc. Diga o que quiser, moyashi.

–Moya...?

Eu iria retrucar, se eu ao menos soubesse o que a palavra queria dizer. Só franzi o cenho, para evitar que parecesse um desentendido, espero que tenha parecido convincente.

–Hunf! Que seja- disse e quase derreti, porque sentia o olhar dele tentar me queimar por trás, apenas engoli em seco e mordi outro sanduíche para parecer ocupado.

Meus olhos rolaram devagar até o canto, enquanto ainda fingia mastigar concentradamente. Vislumbrei os braços dele se descruzarem e as pernas se mexerem, tudo sincronizado com os olhos rolando. Eu podia ver seu vulto se aproximando e isso me deixava nervoso.

De todos na sala, a presença dele era a que mais me incomodava. Era como se somente ele parecesse vir de outro mundo!

Pode me chamar de louco (porque eu talvez seja, afinal... aqui estava eu, vindo da morte, com amigos imaginários de verdade ao redor), mas eu sentia como se ele fosse diferente. Ele tinha uma aura forte (ele ERA forte) e me transmitia uma sensação diferente para cima, como se fosse poderoso e intimidador.

Eu estava intimidado.

Meus olhos percorriam do sanduíche para os cobertores e deles para o corpo do moreno, assim, repetidas vezes.

Lenalee saiu da cadeira e sentou na cama, ao meu lado (o que me deixou um pouco envergonhado, pois nossos ombros vez ou outra acabavam por se tocar). Só quando Kanda puxou violentamente a cadeira e se sentou que eu percebi que ela havia cedido o lugar a ele.

Ficou um silêncio constrangedor na sala. O clima estava tenso.

Quer dizer, estava tenso por minha parte, porque Lavi, Lenalee e Komui sorriam inteiramente. Ficou mais do que claro que eles estavam acostumados com aquilo.

Eu teria que me acostumar com essa sensação de inferioridade. Pelo menos, eu sentia que era isso que sentia.

Eu tentava curiosamente me lembrar da história, de como Austin lidava com Kanda, sobre o que eles falavam, o que era moyashi...mas as informações se misturavam como uma névoa na minha cabeça. Era como procurar lembranças perdidas: terrivelmente difícil e complicado. Fazia minha cabeça doer e me sentir tonto.

Encarei Komui, que sorria para Lenalee ao entregar um copo de suco de uva. Ele havia apagado a história da minha mente? Ou seria efeito colateral? Por quê? Quer dizer, não é como se eu fosse esquecer minha história de mangá favorita!

Como se ele lesse pensamentos, tirou os olhos da irmã e sorriu para mim. Eu entendi o que queria dizer do jeito que me olhava: “Vamos conversar daqui a pouco”.

Suspirei um pouco aliviado. Mas não totalmente. Eu ainda estava preso em um quarto de luxo de hospital, cercado de personagens vivos da minha imaginação que me ofereciam sanduíches e bebidas, entre eles um rapaz tão bonito quanto perigoso que parecia querer me estrangular.

Perdão por repetir isso trinta vezes, mas...é que eu realmente tenho dificuldade em acreditar.

Além de tudo, minha cabeça e minha perna estavam enfaixadas.

Não dá para simplesmente falar: “Okay, tranquilo”.

Lavi foi quem quebrou o silêncio dessa vez.

–Não vai falar, nada, Yuu?

Todos olharam para Kanda, mas eu me concentrei em uma atitude importantíssima de mexer nos fios do cobertor.

Apenas levantei os olhos o bastante para ver o moreno bufar e revirar os olhos (acredito que essa era uma ação característica dele).

–Por que eu falaria?- respondeu, a voz ainda me deixava desconcertado, mas Lavi nem ligou.

–Ora, porque você tem culpa nisso.

Eu não sabia do que ele falava, por isso levantei a cabeça procurando sinais de “nisso”. Só entendi porque ele fazia movimentos circulares com as mãos, indicando o “nisso”: eu.

Ele falava como se Kanda fosse a minha mãe e estivesse culpando-o por me gerar. Isso é estranho demais. Espero que não seja verdade.

–Tsc- ele franziu as sobrancelhas- nada a declarar.

–Kanda- Lenalee o encarou com (surpreendentemente) a mesma expressão que ele usava.

Por incrível que pareça, parecia surtir algum efeito.

Eu me sentia extremamente envergonhado com aquilo. Não entendia nada, mas podia ver que estavam obrigando-o a fazer algo que não gosta para mim.

–Er...sério, n-não precisa- eu tentei, mas ninguém prestava atenção no albino gago internado.

–Kanda- Komui chamou- o que nós combinamos? Hein?

Por um momento, Kanda encarou o homem com raiva demais. Ele trincou os dentes. E apertou ainda mais os já estreitos olhos que pareceram passar um brilho azulado.

Komui sorriu de volta. Ele estava sorrindo demais hoje.

Eu não queria que eles se encarassem até derretem um ao outro, então resolvi que era hora de tirar dúvidas.

–Hã...- disse e os dois voltaram os rostos para mim- então, vocês podem me explicar o porquê do K-Kanda ter que falar algo para mim?

Lenalee e Lavi se espantaram, ergueram tanto as sobrancelhas que elas quase se misturaram aos cabelos.

–Hm...- Lavi perguntou, calmo e receoso- tem certeza que não tem amnésia, Allen?

–Hã...só estou confuso, só isso... e... com sono, muito sono- bocejei (em parte era falso, em parte não).

Komui assentiu.

–Ora, ora- disse- vamos refrescar um pouco sua memória, Allen-kun...hm... você foi em uma missão com o Kanda, lembra? Londres, centro da cidade... akumas demais concentrados. Suspeita, falsa, de innocence...ajudou algo? Hã... acontece que você foi perseguido por uma legião de inimigos. Demais até para você, afinal, tinha acabado de chegar de outra missão em outro país. Sua innocence e seu corpo..ambos estavam cansados. Você teve que subir para os telhados das casas. Hm...vamos simplesmente dizer que você caiu dez andares porque Kanda se recusou a te ajudar.

–Como sempre- Lavi e Lenalee repetiram sincronizadamente.

Eu estava mais surpreso por conseguir sair de uma queda de dez andares com apenas alguns arranhões, uma perna enfaixada e uma cabeça rachada...

Realmente não estava no hospital por causa da doença...foi um acidente! Apenas isso!

Confesso que estava mais feliz do que realmente deveria estar.

–Então...- Komui disse, achei que ele tinha terminado, mas ele continuou a falar. Ele olhou significativamente para o moreno e os outros acompanharam o olhar.

Kanda parecia extremamente arrependido por ter entrado naquela sala. Ele bufou de novo e suas bochechas e bocas fizeram um movimento estranho, se enchendo bastante e depois soltando ar demais.

–Que foi?- disse, a voz tão cortante quando a espada que carregava na cintura.

–Ora, nós discutimos isso, Kanda.

–Ele disse que não precisava de ajuda. Ele disse que tinha tudo sob controle. Eu só... confiei. Só isso.

Pelo entusiasmo na sua voz, eu poderia dizer que ele não confiou coisa nenhuma.

–Kanda.

–Não. A culpa é dele por ter caído, ele não pediu ajuda. Eu deixei claro que quando ele se metesse em encrenca, eu não ajudaria. Pronto. Problema dele.

–Kanda.

–Que é??

–Para com isso. Lembra-se do combinado? Hm? Comida. Jantar...

Ele apertou os olhos, com raiva de Komui.

Ele virou o rosto para mim e apertou ainda mais a expressão. Esmagou o sanduíche na sua frente e deixou patê de atum cair no lençol. Parece que ele só queria estragar o meu quarto de luxo...

Achei que ele fosse esmagar minha cabeça com o punho e acabar com seus problemas, mas ele só falou. Algo que me deixou extremamente envergonhado. Os olhos dele, apesar de difíceis de identificar, pareceram pouco mais tempestuosos, como se relutassem contra as ações.

–Desculpa, ok? Tsc- disse, rangendo os dentes- eu deveria ter te segurado enquanto caía como a princesa que você é, moyashi. Desculpa.

A cadeira rangeu. Ele havia se levantado e esvaído do meu quarto. O sobretudo fazendo barulho e a espada balançando.

Antes de sumir pelo corredor, ele fez questão de dar um última chute na porta já caída, rachando ainda mais o centro e quebrando mais uma dobradiça inútil.

Eu observei-o sair.

No momento em que ele alcançou o corredor, virou e desapareceu, meu corpo parecia menos tenso. Ele realmente causava um incômodo estranho em mim.

Bruto. Inconsequente. Forte. Frio.

Ele era algo parecido com o tipo de pessoa que eu gostaria de ser.

Mas ele é o tipo que tenho medo.

Tenho medo daqueles com quem não posso lidar.

–X-

Komui tirou os olhos da porta assim que os passos firmes e violentos do moreno estavam fora do alcance da visão e audição.

Eu achei incrível o fato dos três, Lavi, Lenalee e Komui, sorrirem de novo como se nada tivesse acontecido.

Eu ainda não tinha tanta experiência social para saber como agir nessas situações. Tentei sorrir. Tentei. Mas acho que eles devem ter pensado que minha boca ainda estava coberta de anestésico, porque olharam estranho.

–Bem, pelo menos ele disse- Lenalee deu de ombros, recolhendo pedaços do sanduíche esmigalhado.

–Yuu pediu desculpas direitinho- Lavi disse, deitando no meu colo de novo- o que ele não faz por sobá, né?

Ele riu, seu corpo fazendo minhas pernas tremerem.

Komui acompanhou o riso.

Ele me parecia tão diferente de quando era apenas Dr. Lee...

Ele levantou da cama, tirando as sujeiras e migalhas de pão que estavam no seu avental (ainda branquinho). Ajeitou a boina e os óculos.

–Bem, se não se importam, Lenalee e Lavi- os dois tiraram a atenção do que faziam para ouvir- eu preciso conversar com o Allen...sobre...hã...a missão. Fazer o relatório. Por que não vão buscar algo no restaurante do outro lado da rua?

Os dois deram de ombros. Lenalee terminou rapidamente de recolher as migalhas e Lavi levantou do meu colo, se espreguiçando em seguida. Os dois disseram um “até daqui a pouco”, “melhoras”, me deram um beijo na bochecha (algo que me fez enrubescer até as orelhas) e saíram da sala.

O ruivo tentou encaixar a tábua de madeira rachada no buraco da porta, serviu, mas ela inclinou para o lado e deixou alguns pontos descobertos. Podia ver, por um dos buracos, uma enfermeira passando assustada.

De certa forma, estávamos sozinhos e livres.

Ajeitei-me na cama, minha perna estava escorregando para fora.

Komui verificou se os dois já se encontravam fora de alcance. Quando ele virou, sua expressão havia endurecido um pouco.

Seu sorriso não era de Komui Lee e sim meu Dr. Lee.

Não sei se devia ficar preocupado ou feliz. Só sabia que teria respostas e explicações.

–Allen- sua voz soava mil vezes mais séria do que antes- como está se sentindo?


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Notas finais do capítulo

Gostaram?? Primeira aparição do Kanda!!! E já deixou a sua marca :3 eu sei, o cap foi pequeno, mas é exatamente por isso que ou me esforçar essa semana, em dobro, para poder trazer caps mais rapidamente e partir para a parte que interessa. Doem-me forças haha

Preview:
"-Não sei se isso é um problema- disse- provavelmente não. Não se preocupe.
Pelo jeito como ele se comportava, parecia que era um caso para “me preocupar”."
"A vida se encarrega de apagar as linhas do destino para que não possam serem lidas. Elas sabem do perigo."