Pure Imagination escrita por Sweet Death, SaltedCaramel


Capítulo 14
Together we are apart


Notas iniciais do capítulo

Heeey!!! Como sempre, antes de começar, tenho que *ajoelha e reverencia com a testa no chão* pedir MILHÕES DE DESCULPAS!!!!!! Fiquei um mês sem atualizar essa história e me senti muuuito mal. Sinto-me ainda péssima por causa disso T^T me perdoem, por favor....
Tive coisas demais (seminários, fórum, etc) e não conseguia um tempo de descanso nunca...mas consegui escrever e decidi encaminhar para um final (dessa parte da história, não a fic haha calma) porque creio já estar na hora :)
Agora sim, olá, como vocês estão? Sobreviveram à manutenção do Nyah? Eu quase não sobrevivi... maldito ¬¬ brincadeira haha eu entendo que eles também estavam trabalhando para nos trazer ao ar o mais rápido. Muito obrigada administradores e pessoas que trabalham por aqui~ (mesmo que vocês não estejam me ouvindo hahaha).
Anyway, sobre o cap... eu dividi em duas partes, por isso esse está minúsculo, porque (1) eu achei que era melhor deixar uma parte separada para não ficar condensado demais, muito maçante, sei lá... e (2) com uma parte do cap pronta eu consigo acelerar a escrita haha ;)
De qualquer jeito, espero que gostem ou que pelo menos sirva para passar o tempo hahaha
Boa leitura o/



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–Juntem-se em duplas rapidamente- a professora fechou o livro que sempre carregava enquanto escrevia no quadro negro-vamos resolver alguns exercícios nesses últimos minutos.

A lousa preenchida de números e sinais mal deixava tempo para a maioria entender o que estava aprendendo. Na verdade, o tanto de cabeças que babavam nos cadernos apoiadas na mesa já denunciava o comprometimento da sala com a matéria.

A mulher fez um gesto para todos, algo que significava “Movam-se, vagabundos”. E, como se reconhecessem tal apelido, as pessoas já se curvavam uma para as outras, cochichando pedidos para se sentarem juntos e reclamações preguiçosas. Amigos lançavam olhares significativos um para outro que só podiam ser lidos em segredo. Carteiras rangiam ao rasparem no chão em direção ao outro pedaço da dupla.

Eu? Eu fazia o que faço de melhor: fingia que não existia.

Desviei o olhar do resto da sala barulhenta, voltando os olhos para meu material ao invés de me obrigar a observar mais daquela movimentação exagerada sobre exercícios em dupla.

Era interessante examinar como minutos antes estavam babando e derretendo nas carteiras e agora falavam animadamente com um amigo próximo.

Muito interessante...

Só que não.

Minha carteira ficava logo na porta, fácil de ignorar, em um extremo canto da sala.

Podia até dizer que minha branquice camuflava-se na cor da parede, mas ela era amarela.

E eu não precisava de camuflagem para desaparecer da vista das pessoas. Era só...ser eu.

Vi fileiras de duplas arrumando-se e discutindo um assunto qualquer que estava no livro, mas não me movi. Peguei meu livro de matemática, abri-o na mesa e fiz o mesmo com o caderno.

Poderia até intensificar o isolamento com música, mas o diretor já havia me advertido pela quarta vez de que os professores tinham reclamado desse meu hábito musical em plena escola.

Por que se preocupavam? Eu estava morrendo.

Não se preocupavam quando eu tentava responder as provocações de Paul Anderson. Não se preocupavam com o fato de eu comer trancado na sala todo dia. Não se preocupavam com minhas faltas e idas numerosas ao médico. Não se preocupavam com meu isolamento. E muito menos com as constantes ofensas que eu ouvia todo dia.

AH, mas comigo passando mal e dormindo na sala eles se preocupavam. Comigo lendo na sala eles se preocupavam.

Nem me parabenizavam por estudar ao invés de pedir uma viagem sem noção e caríssima para, sei lá, Disney.

Era só “façam seu trabalho, finjam alguma coisa para que o pai do pirralho não venha reclamar e vão embora”. Simples, rápido e ninguém sai prejudicado.

Bem, TECNICAMENTE ninguém sai prejudicado.

Os alunos pareciam mais preocupados em ditar os acontecimentos idiotas do final de semana do que realmente fazer exercícios em dupla.

Se eu fosse eles, estudaria bastante. Acabamos de receber as provas e pelos números de notas baixas que jorrou das mãos da professora, eu estaria preocupado.

Eu ESTARIA. Gabaritei todas as atividades.

Rá! Otários...

Foi um dos poucos que conseguiu uma nota alta. Mas de que me adiantou? Já tinha aprendido anos antes que não precisava tirar notas altas, mas era automático: eu recebia a prova, lia, entendia e as respostas saíam.

Nem as notas altas foram suficientes para as pessoas gostarem de mim. Ou pelo menos quererem-me como dupla.

–Páginas...- a professora folheou o livro, anotando a giz na lousa quase toda cheia de rabiscos. Como ela inda arranjou espaço naquele lugar??- 47 e 48, exercícios 13 a 24. Vou estar na mesa se precisarem tirar alguma dúvida.

Abri na página indicada, apoiando o a bochecha na mão e o cotovelo na mesa. Cruzei as pernas como índio em cima da cadeira, isso me deixava mais confortável para pensar e resolver esses problemas.

Já tinha começado a resolver as contas de um primeiro exercício. Estava tudo normal e tudo bem. Eu estava conseguindo fingir de inexistente como sempre.

Quer dizer, por algum tempo.

Sempre tinha aqueles momentos em que os professores tinham uma súbita vontade de mostrar serviço. Não que eu não queria que eles ajudassem, mas...é, eu acho que não queria.

Tarde demais, idiotas. Eu já afundei no poço.

–Ah- Srta. Wright tirou os olhos do livro. Só comecei a entender o motivo de sua interrupção quando percebi que os olhos antes buscando novos exercícios agora me olhavam pensativos. Lá vem...

–O Walker está sem dupla- disse, alto, com aquela voz de professora.

Os que já estavam formados em pares fingiram não ouvir. Até mesmo eu pensei em fazer o mesmo, mas agora que ela percebeu que eu a olhava, não tinha saída.

Ela levantou e correu os olhos por todas as carteiras, já emparelhadas. Os alunos baixavam os olhos e evitavam contato.

O problema real era que...

–Ah, olhe lá.

...nossa classe tinha número par.

–Hudson!- ela chamou atenção do garoto lá atrás da sala, encolhido atrás das outras duplas para fingir que não estava sozinho. O menino estremeceu ao ser percebido. Poxa, pelo menos finja que não se sente incomodado com isso...

O garoto apertou os lábios.

Não era popular, mas não era como eu. Tinha seus amigos. O problema era estarem em número ímpar.

E eu existir.

–O que foi?- ele perguntou.

Sra. Wright ajeitou os óculos de leitura e apontou levemente com a cabeça para o ponto solitário ao lado da porta. Eu.

–Walker está sem dupla- disse. Hudson contorceu os lábios-você tirou uma nota péssima, talvez seja mais que sensato eu vocês resolvam juntos os exercícios.

Péssima. Péssima ideia, professora.

Fingi não ter ouvido nada, mas duvidei que isso fosse ser de alguma ajuda. O garoto contornava todas as pessoas da sala com os olhos, tentando encontrar qualquer auxílio, mas todos estavam “concentrados em fazer a lição”.

–Hã...- ele coçou a cabeça- é que...bem...olha...

Qualquer lesma veria de longe que ele tentava buscar uma desculpa qualquer para não ter que sentar ao meu lado.

Eles sempre procuram.

E EU tenho que achar.

Bufei, buscando paciência, e fechei meu livro em um baque mais forte do que esperava.

–Professora- disse- ele pode fazer sozinho. Eu não sou muito bom em ensinar outros-ela franziu o cenho- e está mais que na cara que ele não quer sentar comigo. Deixe para lá.

“Eu não gosto de companhia que se sente infortunada por estar ao meu lado”, pensei.

–Hã...tá...- a professora tirou os óculos e acenou a cabeça para Hudson (que não sabia se era apropriado suspirar de alívio)- então...er...pode sentar Hudson.

O garoto sentou de volta em sua cadeira, mas eu nem ao menos vi, estava fingindo ler os exercícios do livro.

Já era costume.

Como eu gostaria que a sala fosse de número ímpar. Para evitar que os outros se obriguem a sentar ao meu lado. Para evitar que a professora se sentisse culpada enquanto eu me sentava no canto isolado. Para evitar que as conversas entre amigos me soassem tão irritantes.

E para fingir que me excluem porque não há outra opção. Não porque simplesmente querem.

–X-

–...shi. Moya...shi...

A voz de Kanda me soava ondulosa. A imagem que meus olhos viam quando conseguiam abrir estava ondulosa. Tudo estava onduloso.

Minha mente, então...pffft. Parecia que meu cérebro decidiu fazer rotação e agora dava saltos de ballet.

Senti que agora estava sentado em um sofá e via que Kanda estava a minha frente falando algo, mas meus olhos e ouvidos custavam a me obedecer.

Tudo foi se acalmando e meus sentidos melhoravam até o ponto em que percebi estar ofegando e suando no sofá da prefeitura. Eu não estava na sala de aula, eu não estava em casa e muito menos entre meus colegas de escola. Só não tinha certeza se deveria estar feliz ou desesperado por causa disso.

Tomei mais uma ou duas inspirações fundas e longas para me acalmar. Deitei minha cabeça no braço do sofá e apertei os olhos. Só queria esquecer a dor, mas eu sabia que ela podia aparecer de novo e saber que não tinha algo como um remédio rápido para pará-la era mais do que frustrante.

Pouco a pouco tudo voltava ao normal.

Pelo menos nas sensações e sentidos.

–Moyashi!- finalmente ouvi a voz de Kanda normalmente.

Abri os olhos apenas para ver ao invés de ouvir apenas uma voz flutuante sem corpo. O moreno estava ajoelhado ao lado do sofá, apoiando a espada no chão e me encarando com o que eu podia classificar como um olhar misto. O que simplesmente quer dizer que eu não conseguia ler tudo que ele queria expressar naquelas íris escuras. Se normalmente eu já não conseguia, tonto como estava eu com certeza não tinha chance contra elas.

Seu cenho franziu assim que me viu de olhos abertos.

–Moyashi!

–Eu...

Não deram nem mesmo dois segundos de descanso, suas mãos agarraram meu colarinho e me fizeram levantar bruscamente. O mundo girou um pouco, mas o desafio estava em ficar de pé com minhas costelas doendo por causa do chute que ele me deu na floresta.

–Ai...- resmunguei, vendo que minha voz fraca custava a aparecer-...eu estou machucado ainda se você não se lembra...

E ele não podia ligar menos. Afinal, foi ele que me chutou.

Ainda apertando a roupa perto do meu pescoço, senti a ponta da mesa do prefeito bater no meu quadril e ouvi o barulho dos arquivos espalhando-se pelo chão com a força com a qual o moreno me empurrava.

–O que...?- minha voz nada mais era que um sussurro rouco.

–Já chega de segredinhos!

Seu rosto furioso pontilhava as palavras no meu rosto confuso. Várias partes do meu corpo doíam e minha mente estava embaralhada com opções.

Mal tinha forças para solucionar o fato de ele praticamente estar me colando no móvel baixo. Mais força e eu acabaria deitando na mesa, porque a madeira cutucava minha vértebra e me curvava sobre a mesa.

–Primeiro a amnésia, depois as coisas estranhas, seu olho mal apitou quando o akuma estava na sua frente, você agia estranho no refeitório, você não sabia o que fazer na floresta e agora tem um ataque do nada- ele bufou- chega de idiotice. Que merda é você?

Meu rosto deve ter ficado o máximo, porque ele sorriu de lado amargamente.

Era como eu pensava, é impossível mantê-lo longe da verdade. Mas enquanto for possível enrolar uma mentira, melhor.

Mais um lema de Allen Walker para se levar na vida.

–Isso não... do que você está falando...?

Ele bufou. A proximidade dos rostos era tão ameaçadora que senti o ar batendo no meu nariz.

–Não se finja de inocente. Você não age como o “moyashi”.

Seus olhos apertavam como se quisessem buscar a verdade dentro dos meus ossos.

–Melhor dizer agora ou eu vou ter que te dissecar para ver por dentro.

Se depender da vontade assassina dele e do quão afiada é sua espada, eu não duvido nada que ele saque a mugen e me disseque no mesmo segundo.

Tentei me desvencilhar do aperto, mas anos de treino faziam reflexo em seus braços. E minutos de dor extrema e um chute nas costelas faziam reflexo na minha fragilidade momentânea. Tentei agir normalmente, culpando a dor que os dedos dele faziam nos meus ombros, enquanto meus olhos evitavam a todo custo encontrar os seus.

Se eu tinha certeza de que não conseguia ler os olhos dele, eu tinha certeza de que ele conseguiria analisar totalmente os meus.

Abaixei o olhar, encontrando os documentos espalhados. Seus pés pisavam no caderno de registro e amassavam a folha com o nome de um menino Morgan, ou algo do tipo.

Folhas voaram pela janela e uma caneta de tinta manchava o chão de preto. Eu desviei o olhar para as botas do meu companheiro, fingindo que não conseguia ouvir seus chamados ameaçadores.

Espera.

Menino Morgan?

–Kanda, me solte- demandei, colocando minha mão sobre a sua que apertava meu ombro. Não tinha forças para soltá-la, então apenas deixei lá.

–O quê?- ele cuspiu- Pode tentar, “moyashi”. Você não vai mudar de assunto.

–Kanda, é sério. Deixa isso para dep-

–Eu estou te dizendo para falar que merda é você e que merda você está fazendo aqui fingindo de exorcista!

–E eu estou falando para deixar isso para depois!- queria gritar, mas minha voz estava falhando demais. Bati no seu braço e ele deixou de grudar no meu ombro- Estamos no meio de uma missão. Depois que resolvermos todo o problema você me acusa dessas bobeiras. Combinado?

Mal esperei uma afirmação, agachei e peguei o livro de registros. Era o mesmo que eu estava analisando antes, mas eu não havia chegado até aquela parte.

No fundo, eu torcia para que Kanda esquecesse aquilo e se concentrasse na missão.

Iria me poupar de revelar os fracassos da minha vida real.

–Luke Morgan...- li o nome- teria oito anos. É uma criança nova, mas... eu não sabia que os Morgans tinham um filho.

Pior.

Passei os dedos para as letras ao lado do nome. Óbito.

Um filho morto.

Não era...uma menina? Uma menina desaparecida.

Ah, talvez na verda-

Ouvi o estrondo de madeira. Sem querer, deixei o livro cair no chão. O prefeito irrompia pela porta, ofegante. Tentei procurar um modo de disfarçar a bagunça que havíamos feito no seu escritório, mas eu sabia que era inútil com tanta coisa espalhada.

De qualquer jeito, ele não parecia muito preocupado com isso. Parecia desesperado com alguma outra coisa, os olhos desfocados e úmidos como os de uma viúva recente.

–Ei, o que foi?- perguntei, sem perceber o próprio tremer na voz.

Seus olhos derramavam-se em lágrimas volumosas, seu rosto estava vermelho, suas roupas totalmente bagunçadas e ele ofegava bastante. Esforçou-se muito para conseguir falar poucas e meias palavras.

–...lho- disse, com a voz embargada e soluçada- meu filho se foi...

–X-

Nós três saímos da prefeitura às pressas. No centro da cidade, uma aglomeração pequena de moradores conversava entre si e eu conseguia sentir no ar a incerteza que pairava.

Passamos por alguns homens moradores que ainda comentavam a estranheza de uma organização como a Ordem passando pelas redondezas. Desde que chegamos a esse lugar, alguns já falavam sobre a Ordem Negra. Foram esses comentários de sucessos em missões anteriores que nos salvaram dos machados.

Minhas pernas ainda com alguns arranhões doíam, mas eu consegui mancar minimamente.

Um homem de barba mal feita e expressão funda escondia-se no beco observando nossos passos. Viu-nos e sumiu em meio a um grupo, apressado.

O prefeito cortou a multidão e nos levou até uma mulher em prantos que sentava em um banco, sendo amparada por outras duas mulheres ao lado. Pela cena que fazia, não parecia que as duas ajudavam em muita coisa com leves tapas e palavras.

Outras mulheres e homens se reuniam em um grupo falando aos segredos sobe nós.

Parece que o filho do prefeito foi o desaparecido da vez. Em uma noite ao lado deles e no amanhecer em lugar nenhum. A mulher nos contou ,entre soluços, fungadas e lágrimas demasiadas, como não havia pista alguma. Nada revirado, nenhum som estranho, a porta trancada. O prefeito mal sabia, tinha saído na noite anterior para buscar água em outra cidade longínqua e voltou sem encontrar seu pequeno. É como se tivesse simplesmente...

–Desaparecido no ar.

Kanda sussurrou tão baixo que pensei ser um milagre que eu tivesse ouvido.

Tudo foi uma surpresa para mim. Foi tão de repente, eu mal sabia que o prefeito TINHA um filho e inesperadamente ele some. Minha cabeça ainda resistia as tonturas.

Ouvi o grupo de mulheres confusas ao lado. Murmurando em segredo enquanto encaravam a nossa conversa como se estivéssemos segredando um assassinato.

Troquei olhares com Kanda por bom segundos enquanto o prefeito alcançava sua esposa.

Estava decidido. Era mais que hora de acabar com aquilo.

Antes de mais um sumiço. E antes que ele acabe por cortar minha garganta.

E acho que tinha uma ideia do que acontecia.

–X-

Enquanto nos embrenhávamos mais uma vez floresta adentro, o Sol já começava a dar sinais de afastamento. Tentei não me concentrar muito nesse fato para evitar desviar os pensamentos para coisas ruins. Escuro naquela cidade nunca vinha com coisa boa, como acabamos de testemunhar o tumulto no centro para engolir “mais uma pessoa a menos”.

Dessa vez, não precisei seguir rastro azul algum, tentei me perder na floresta, convicto de que azarado como sou cairia em um lugar perigoso. E que lugar mais perigoso que aquele onde o akuma nos esperava?

Claro que o ótimo senso de direção de Kanda ajudava bastante. Mas vamos fingir que o sucesso do caminho era obra minha.

–Já tem ideia do que acontece?- ele me perguntou, depois de tempos caminhando sem abrir a boca. Surpreendi-me, pois depois do que ele disse, esperava que fosse tratar-me como um móvel. Um móvel irritante e extremamente suscetível a execução.

–Hm... Nada concreto. Só preciso me certificar de algumas coisas.

–E é para isso que você quer tanto vir para cá? Tsc. O que exatamente você está procurando?

–Hã? Hm...Nada. Quando achar te falo.

Senti algo bater em minha nuca e cair no chão. Uma pequena pedra. Jogada por ninguém menos que o estressadinho ali atrás.

–Já falei para parar de segredinhos idiotas. Se você ficar agindo estranho desse jeito por mais uma vez, não vou dar espaço para respostas. Corto sua garganta e te deixo vomitar sangue até a morte. Se você acha que pode ficar fazendo as coisas sozinho...eu sei que você só vai dar em coisa ruim. Quatro olhos acham mais rápido que dois. Você não é o único que quer acabar logo com essa missão. E eu não confio em um estranho que se faz de aliado.

Eu não tinha certeza de que queria acabar a missão se isso significasse que eu teria que falar com ele sobre quem eu sou. Ou era. Mas se isso significasse acabar com os prantos daquelas pessoas, que assim seja.

–Roupas. Devem ter algumas jogadas por aí- respondi.

–Finders?

–Não. Mortos- apertei o punho ao simples mencionar da palavra- roupas de adolescentes. Na verdade, estou mais afim de procurar a innocence, mas eu não faço ideia de onde está e aquele akuma é feio pra caramba.

Kanda franziu o cenho. Claramente ele queria me chutar até eu cuspir os rins.

–E você, Kanda?- perguntei, afastando alguns galhos para olhar mais longe- Onde você acha que está a Innocence?

Ele bufou, quebrando com uma mão os galhos que eu afastava.

–Onde estava naquela missão que fizemos na Espanha. Tsc. Lembra?

–Hã. Claro que lembro.

–Ótimo-ele trombou um ombro com o meu e partiu na frente- porque essa missão nunca existiu, idiota.

O vento soprava meus cabelos para trás e por isso consegui ver sua figura irritada quebrar mais uma dúzia de galhos na minha frente, pois estava imóvel tentando engolir o fato de que eu me jogava no poço sozinho cada vez mais.

–X-

Como se já não fosse insuportável antes, andar ao lado dele enquanto eu sabia que Kanda só esperava que eu escorregasse em ações e palavras era terrível.

Para maior estranhamento ainda, eu estava com uma vontade imensa de comunicação. Sem ela, parecia que eu estaria afundando no carpete de folhas secas de tão desconfortável que estava aquela caminhada.

Um menino magrelo de outro mundo, um samurai assassino e uma espada de estimação, todos procurando uma pedra mágica/um monstro cuspidor de ácido/roupas no chão da floresta/saliva azul fluorescente. Pode parecer uma historinha de cinema que nem ao menos é merecedora de Oscar, mas é minha vida. Quer dizer, era uma historinha de ler antes, mas agora é a minha vida. Minha segunda vida.

É...é isso aí.

Tudo em que eu menos queria pensar era no ataque que tive na prefeitura, ou no jeito como o moreno desconfiava de mim. Eu tinha vontade de chorar.

Eu queria falar com Komui. Eu precisava.

Enquanto nós dois abríamos caminho na mata fechada, sem deixar escapar uma palavra sequer, não podia evitar ouvir meu próprio coração bater freneticamente. Tudo que me vinha na mente era a mulher chorando lá atrás e isso esmagava meu coração no peito, sem impedir que continuasse a socar meu peito.

Chutei um pequeno tronco para abrir espaço de passagem. Kanda quebrava galhos irritantes com as próprias mãos, resmungando contra eles como fazia com qualquer um. Segui sua trilha aproveitando a eliminação de madeira incômoda, buscando com olhos rápidos qualquer coisa diferente que porventura resolvesse alegrar meu dia aparecendo na trilha que sem querer fazíamos na mata. Uma coloração diferente me chamou a atenção perto de uma raiz. Desviei alguns galhos a trilha e peguei a coisa azul-claro que encontrei no chão. Roupas largadas.

O vento soprou no lado contrário. Meu cabelo cobriu minha visão por alguns segundos.

E o cheiro doce me invadiu.

Parei de andar e prestei atenção no ar açucarado. Florestas não costumam cheirar tão bem. Mas isso nem de longe é um bom sinal.

–Akuma?- sussurrei, mas logo percebi que Kanda devia ter percebido. Estava parado tentando sentir algo no clima.

Não precisei de confirmação, o jeito como ele escorregava os dedos pela espada como sempre fazia já me indicava o que podia esperar.

Percebi que ele iria sacar a lâmina e me adiantei a impedir (sem chegar perto, claro, ele me mataria sem pensar uma vez).

–Ei, ei, espera. Não saque a espada. Acho que não está por aqui. Pode ser só saliva em uma árvore ou...o vento pode ter trazido o cheiro. Nesse caso ele estaria vindo...

Girei, seguindo a direção contrária a que o vento soprava. Vi-me encarando a trilha por onde viemos.

–...de lá...

Minha expressão de derramou na mesma hora em que a ficha caía.

Por onde viemos.

Da maldita vila.

–X-

–Moyashi!

Fingi que estava ocupado demais para ouvir. Na verdade, eu ESTAVA ocupado tendo um ataque de desespero interno enquanto tentava fazer o caminho de volta com pressa. Seria bem sucedido se Kanda não estivesse me puxando de volta pelo capuz do uniforme.

Eu estava quase sendo enforcado pela minha própria gola.

–Moyashi!

–Solta! Solta!-minha voz e minhas costelas ainda estavam fracas- Eu tenho que ir para lá. Eu devia saber que...- engoli em seco- o monstro está para lá.

Kanda não soltou minha gola, mesmo que eu tivesse enfraquecido na força. Não que eu com força total conseguisse escapar da mão dele...

–E daí? Nossa missão é recuperar a innocence. Akumas ficam para depois. A innocence está para o outro lado. Você disse.

–Nós não sabemos. Hã...nova teoria, a innocence está na cidade, é por isso que o akuma está... ele...er...

–Mentiroso.

– E daí? Você tem que me deixar ir!

Meus olhos se umedeciam e eu me sentia cada vez pior por parecer um moleque birracento. Mimado. Filhinho de papai.

Mas...

Eu já morri uma vez. Eu sei o quanto é ruim deixar tudo para trás.

Mordi o lábio inferior para esconder de volta as lembranças.

Empurrei os braços do moreno para longe de meu corpo, tentando escapar dali e voltar o caminho inteiro. Porém, as mãos dele foram substituídas pela lâmina precisa que ele sempre carregava, apontando minha garganta com ferocidade e me obrigando a encostar na árvore mais próxima.

E aquele cheiro amaldiçoado e enjoativo de doce continuava me perturbando...

–K-Kanda?

–Chega disso- seus olhos quase me queimavam de fúria- Seja quem você for, não vai sair do meu lado vivo.

Senti uma pontada perto da minha jugular e eu sabia que sangue escorria pela espada.

–Salvar as pessoas?- ele riu- Está mais para “trair a Ordem”. Qual é exatamente o seu “plano”?

Gemi quando a espada cortou um pouco mais fundo.

–Não é nada disso. Kanda. Eu sou Allen Walker, exorcista da Ordem Negra...eu preciso acabar com isso. Você não quer terminar a missão? Eu não vou fazer nada de mal. Eu prometo. Eu só vou voltar para a vila. As roupas que encontramos, acho que são de adolescentes que realmente fugiram. Se estiver certo, acho que temos dois casos acontecendo aqui e eu preciso voltar antes que a vila inteira morra, Kanda. Por favor...eu prometo. Eu disse que depois da missão eu... te ouviria...

Engoli em seco, sentindo a ardência na garganta.

Consegui coragem o suficiente para levantar o rosto. Tudo que encontrei foram novamente as íris raivosas de Kanda.

Não sei quanto tempo durou, mas certamente ficamos um bom tempo nos encarando. Não precisei dizer nada para que ele embainhasse de volta a lâmina na cintura e saísse da minha frente.

Ainda bem. Mais alguns segundos e eu não seria capaz de sustentar o olhar.

Concluí que era uma autorização silenciosa e confusa. Aproveitei a brecha para me afastar e dar meia volta.

–Eu vou até a vila. Você vai por aqui. Eu acho que sei o que está acontecendo e...nos encontramos depois que isso estiver resolvido.

Não esperei resposta, apenas me afastei em passos apressados. O coração batia como se quisesse escapar do meu peito e meus olhos ainda estavam embaçados de lágrimas teimosas de dor e desamparo.

Eu não queria ficar sozinho. Eu não queria ir sozinho.

Meu corpo doía e meu olho formigava.

Só consegui captar um pouco do seu resmungo antes que ele sumisse entre outros galhos grossos e me abandonasse na volta da trilha.

–Não me dê ordens, alienígena.

E mergulhei no caminho de volta correndo com as pernas fracas e costelas doloridas para onde eu sabia que encontraria mais dor.


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Notas finais do capítulo

Ansiosos? :3 Essa parte chega ao final no próximo haha já está na hora, né? Gostaria de ter elaborado mais esse caso, mas minha mente custa a trabalhar e o tempo custa a existir...
Ah, eu estava pensando em participar do desafio poesia do Nyah, nunca fiz nenhum desafio... se tiver tempo, quem sabe eu faça, né? hahaha Algum de vocês vai fazer?? :3
Bem, é isso aí. Já estou escrevendo a outra parte (e, na verdade, estava até trabalhando devagarzinho em uma one shot Jasico de PJO e outras de outros casais, mas creio que darei mais prioridade a essa fic antes hahaha). Até o/