Quando Tudo Aconteceu escrita por Mi Freire


Capítulo 6
Capítulo V


Notas iniciais do capítulo

Agora o ponto de vista do Bernardo em relação a festa no Clube de sexta-feira com a Clarissa.



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Acordei cedinho na manhã de sábado, afinal, eu precisava ir buscar a Liz pra passar o final de semana comigo. Mas as lembranças da noite passada ainda estão frescas na minha memória. E antes de sair de casa, além de primeiro tomar um banho, tomar café e avisar meus pais, eu precisava me certificar de algo.

Eu quase não acreditei quando a Clarissa me procurou na sexta-feira, diante dos meus amigos, e perguntou se ainda poderia ir comigo a festa do Clube. Eu logo disse que sim, mesmo ela sendo toda grossa e fria comigo, o convite ainda estava de pé. O resto daquele dia eu fiquei pensando que a veria de novo mais tarde, quase não me contive. E ai, quando ela apareceu a noite em frente ao Clube, no lugar combinado, eu a achei a coisa mais lindo do mundo, mesmo que não estivesse de salto alto ou vestidinho curto e colado ao corpo como todas as outras. Quase babei ali, sem nem disfarçar, olhando pra ela. Percebi que ela até ficou sem graça, então, pra contornar a situação, eu resolvi agir.

Entramos no salão de festa e aquilo estava uma loucura como já era de se esperar. Mesmo sem que ela percebesse, eu me pegava todo o tempo olhando pra ela, e via que ela estava meio chocada, assustada e até descontável, como se nunca tivesse ido a uma festa como aquela, mas nem ousei a perguntar. Tive medo que ela voltasse a ser grossa comigo, eu não queria estragar a noite, resolvi ficar quietinho. Bastava tê-la ali ao meu lado, menos pelo por uma noite, mesmo que não fosse exatamente como eu imaginava. Dei um tempo a ela, espaço, e tentei ao máximo deixa-la a vontade. Deixei-a por um momento sozinha, na expectativa que ela se soltasse longe de mim. Mas não aconteceu. E enquanto estava perto dos meus amigos, menos o Miguel, que realmente não pôde ir, pois foi viajar, e achei melhor tentar outras alternativas.

Convidei-a para sair do salão e ir até um lugar mais calminho, não sei, talvez as coisas pudessem melhorar. E melhorou. Foi só abrir a boca pra falar daquela garota que vive com ela, que achei que era sua prima, e ela acabou relevando muita coisa sobre ela. Por exemplo, agora eu sei que ela é muito dedicada em casa, como filha, como irmã e até tenta se esforçar nos estudos. Sei que ela as vezes se sente muito pressionada pelo pai adotivo, que não deixa de ser pai, mas que causa um certo medo a ela e a irmã. Percebi isso mesmo sem ela ter admitir. Sei que ela tem um belo sorriso, como eu mesmo já tinha dito, e uma risada muito gostosa, que me faz rir também. Sei que ela é muito caseira e prefere ficar em casa ouvindo música ou vendo filmes. Sei que ela sabe cozinha, ela mesma arruma toda a casa e o próprio quarto, sem ajuda de nenhum empregado. Sei que a cor preferida dela é azul e as vezes ela consegue ter uns gostos bem peculiares, o nome do gato dela de estimação, Pepel, é um bom exemplo. Sei que ela tem mania de roer as unhas quando está tensa e gosta de escrever quando acha necessário. E confesso que isso foi que mais me chamou a atenção nela, afinal, eu também adoro escrever.

Mas houve um momento, enquanto conversávamos e ela olhava fixamente pra mim, que me deixou muito sem graça, seu celular começou a tocar. Era a irmã dela, a Isabel. Quando ela desligou o celular, vi que sua expressão tinha mudado completamente. Ela estava muito mais branca, parecia em choque, e realmente fiquei preocupado, fiz muitas perguntas, e ela acabou me contanto o que tinha acontecido.

Eu tinha que ajuda-la, senti que necessitava ajuda-la, não a deixaria na mão por nada, nem mesmo se ela voltasse a pisar em mim como ela sabe bem fazer quando está de mau-humor. Mas naquela noite ela estava diferente, quase radiante, feliz, sorridente e risonha. O que só me fez me apaixonar ainda mais por ela. Então, fui buscar a Marina, tirando-a dos braços do Gustavo que reclamou muito. Pedi a ajuda dela, ela é claro, sempre tão boazinha, preocupada com tudo e todos, se dispôs a me ajudar. Revelei a elas o plano que eu tinha em mente para salvar Clarissa de um castigo severo do pai bravo. Ela ligou pra ele e fez exatamente como eu havia pedido que fizesse. Ele, por sua vez, nem bobo nem nada, muito inseguro, ligou para o celular da Marina, que já estava bem distante, pra não correr o risco dele ouvir o som que vinha de dentro do salão, e contou algumas mentirinhas pra ele, confirmando a história que a Clarissa já havia dito antes.

Acabou que meu plano foi infalível. Tanto que a Clarissa, já bem aliviada e menos preocupada, me agradeceu com um abraço rápido, que não demorou nem dois segundos, mas foi o tempo suficiente para deixar o cheirinho dela de Jasmim na minha camiseta, que seu eu pudesse nem lavaria mais, só pra sentir quantas vezes quisesse. Aproveitamos o resto da noite, ela já estava bem diferente, mais solta, mais animada, até aceitou voltar pra dentro do salão, deixou que eu a apresentasse aos meus outros amigos e foi muito simpática com todos eles. Nem parecia mais aquela garota esquisita, carrancuda, arrogante, séria, fria, que não deixa ninguém se aproximar. E por fim eu pensei: de que outras formas ela ainda pode me surpreender?

Aquilo era só o começo.

Depois que a Marina a ajudou, elas meio que rapidamente se tornaram muito próximas, muito intimas. Não tem como não gostar da Mari, ela é toda meiguinha, fofa, educada, gentil, sorridente. O contrário da Clarissa que estava deixando a todos assustados e intrigados com a mudança repentina. E se amanhã não fosse nada daquilo? Pensei muito nessa possibilidade... ela voltar a ser ela mesma quando tudo aquilo terminasse de uma hora pra outra. Toda esquisita, calada e sombria. Seria uma pena. Eu já gostava dela sendo toda ignorante, mas gostava ainda mais dela assim, tão bem mais fácil de lidar.

Como já tínhamos inventado a desculpa para o pai dela de que ela dormiria na casa da tal amiga, no caso a Mari, pois estava estudando... Quando achamos que já estava bem tarde e a festa estava começando a ficar chata e parada, fomos cada um para sua casa. A Clarissa com a Marina pra casa dela. E naquele momento, na hora da despedida, eu queria que ao invés dela ir com a Mari, ela viesse comigo, pra minha casa. Assim poderíamos passar o resto da madrugada conversando e eu não correria o risco de perder aquela nova versão dela tão rapidamente.

― Alô? Oi, Mari. Sou eu. – já estava saindo de casa quando resolvi ligar de uma vez por todas. ― A Clarissa ainda tá aí?

― Oi, Bê. Bom dia! – pela voz dela parece que tinha acabado de acordar. Já era quase meio-dia. ― Ah não, ela já foi. Foi bem cedinho, pois já tinha prometido ao pai dela que chegaria em casa antes mesmo do sol nascer. Pra evitar mais complicações.

Agradeci a informação, e desliguei. Continuei minha caminhada até a casa da Lorena, onde já esperava encontrar minha Liz toda pronta para vir comigo pra casa do papai para passarmos o final de semana juntinhos. E eu havia contanto os minutos para aquilo.

― Oi, Bê. – a Lorena abriu a porta pra eu entrar, me dando dois beijinhos no rosto, um de cada lado. Àquela hora do dia ela já estava linda, recuperada da festa de ontem no Clube, bem arrumada e perfumada. ― Espera aí. Eu vou buscar a Liz.

Algum tempinho depois ela voltou a aparecer com a nossa filhinha nos braços e a bolsa cor-de-rosa de ursinhos com tudo dentro que eu precisaria mais tarde. Quando a Lorena me passou a Liz, e eu a peguei em meus braços, senti aquela sensação incrível como se pudesse flutuar. Olhei bem pro rostinho dela, vendo seus grandes olhos azuis brilhar e sorrimos um para o outro. Ela já me identificava.

― Notei que você se divertiu muito ontem na festa com a Clarissa, aquela dos cachinhos dourados da sua sala. – a Lorena começou a dizer como quem não quer nada. ― Porque você não me contou antes que estava saindo com ela?

― Deve ser porque – abri um sorriso, forçado. ― eu não estou saindo com ela. – disse pausadamente, pra ela entender. ― Eu já vou indo – me despedi dela com um beijo na bochecha. ― quero aproveitar ao máximo esse final de semana com a minha princesinha.

A Lorena beijou a testa da filha, se despediu dela demoradamente, até me deixar ir, de volta pra casa. Finalmente em casa, com a minha bebê no colo, foi só alegria quando meus pais a viram. Era sempre assim, fazíamos com que ela, a Liz mesmo bebê, se sentisse como uma verdadeira rainha, a mimávamos de todos os jeitos possíveis.

Os finais de semana que eu tinha com a minha filha eram preciosos demais para ser desperdiçado, por isso, eu não perdia tempo com outras coisas. Nem se quer saia com meus amigos, por mais que eles se queixassem. Eu ainda não sabia conciliar as duas coisas. E a cada minuto que se passava, ao lado da minha filha, além de dar o máximo de a atenção ela, em todas as brincadeirinhas, nas conversas íntimas como dois adultos, eu só conseguia pensar em uma coisa: que queria muito ver a Clarissa na segunda-feira na escola.

Para a minha total decepção ela não apareceu na segunda-feira na escola. Eu tentei aproveitar ao máximo o final de semana com a minha Liz, contato-lhe historinhas, recitando sonetos, mas no final, antes de dormir, eu pensava na Clarissa. Quando cheguei na escola procurei com olhos por ela por todos os lados. Quando percebei que ela não ia aparecer, pois estava ficando cada vez mais tarde... Comecei a ficar preocupado pra valer. O que será que tinha acontecido com ela? Eu até ligaria se ao menos tivesse o número do seu celular.

Então, quando de repente surge uma ideia, quando estou descendo para o intervalo com meus amigos, e vejo uma garota passar bem na minha frente. Ela está sempre com a Clarissa, por isso, imediatamente a reconheci, ao lado de uma amiga, chamei por ela.

― Isabel? – toquei seu braço. Ela virou-se pra mim assustada com meu impulso. Mas quando percebeu quem eu era começou a sorrir. A amiga que até então estava ao lado, se foi, deixando-a sozinha comigo.

― Bernardo?

― Ah, oi. – começo a sorrir também, meio sem jeito. Somos só nós dois. Meus amigos também já foram até o refeitório para o almoço, me deixando para trás. ― Como você sabe meu nome? A Clarissa falou de mim pra você? – a ideia me deixou empolgado.

― Na verdade... não. – ela continua sorrindo, percebo que ela é bem mais bonitinha de perto. Deve ter o que... Treze anos? ― Ela nunca falou de você pra mim. Mas você sabe como é... Não tem como não te conhecer. Afinal, você é filho da professora Débora. E também considerado um dos garotos mais bonitos de todo o colégio, e cá entre nós, você é mesmo muito bonito!

― Ah, muito obrigado. – estou envergonhado e um tanto desapontado. Clarissa, então, não fala sobre mim com ninguém? Nem com a irmã que também deve ser sua única e melhor amiga. Mas tudo bem, eu já esperava de certa forma. ― Mas, você, pelo menos poderia me informar o que aconteceu com ela? Ela não veio a escola e...

― Você não soube? – ela arregalou os olhos. E como eu poderia saber? Clarissa me detesta e também fomos amigos, ou conhecidos, só por uma noite. Eu nem tenho o número do telefone dela! ― Coitadinha... A Clary acordou hoje morrendo de cólica, nem conseguia levantar da cama de tanto dor. Ela está naqueles dias, se é que você me entende.

Clary? Eu quase perguntei quem é Clary... Mas então deduzi que deveria ser assim que Isabel apelidou a irmã.

Isabel é do tipo bem maluquinha. Já gostei dela, além de bonita, é sincera, muito sociável, simpática e parece muito sincera.

― Hum, tudo bem. Obrigado, Isabel. Até a próxima.

Dei um beijinho na bochecha dela, que ficou pasma, quase como se não acreditasse. E continuei a andar, em direção ao refeitório, estava faminto, e agora que já tinha informação suficientes da Clarissa sem precisar me preocupar, eu só queria comer alguma coisa e ficar com meus amigos, para saber todas as novidades do final de semana.

Clarissa reapareceu na terça-feira e parecia muito normal, pelo visto, estava muito bem. Não resisti ao impulso de ir até ela e puxar algum assunto, antes da aula começar, na esperança de que ainda fôssemos dois bons amigos como na noite de sexta-feira.

― Você está melhor? – me sentei na carteira vazia de frente para ela. Os alunos pouco a pouco iam entrando na sala de aula, cumprimentando uns aos outros, sentando em seus lugares.

― Estava. – ela disse sem me olhar, sem esboçar qualquer reação pela minha aparição. ― Até você chegar.

Olhei espantado para ela sem acreditar como, de repente, as coisas mudaram tão repentinamente em apenas três dias. Aquela garota é muito mais estranha do que eu imaginava. Um dia ela está bem, no outro não mais. E volta a me tratar como um pedaço de merda.

― Tem certeza disso? Talvez ela ainda estivesse doentinha e sem paciência pra conversas. – o Miguel comentou. Estávamos voltamos da escola diretamente pra minha casa quando ele insistiu que eu tinha que contar a ele tudo que aconteceu na sexta-feira à noite.

― Não, você não entende. Ela parece ótima. Na sexta-feira, a princípio, ela parecia meio... deslocada. Daí aconteceu aquele probleminha com o pai dela, eu a ajudei, e depois disso, foi só alegria, ela se divertiu, riu, estava bem comunicativa, chegou até fazer umas brincadeirinhas, falou com todo mundo, deu até risada das piadas sem noção do Gustavo, parabenizou o Edu por ser sempre tão inteligente e quase não desgrudou da Mari. E aí, passam só três dias desde então, e a garota resolve simplesmente fingir que aquela noite não aconteceu, e volta a ser dura, fria e insensível outra vez. Eu estou pensando seriamente se o problema é comigo ou com ela.

Miguel me olha com aquele olhar de reprovação que só os amigos fazem um com o outro. Ele nem precisa dizer em palavras, aquele olhar basta para eu entender o que exatamente ele tem em mente. O problema não sou, o problema é ela. Clarissa é a encrenca, e eu sei que deveria parar de me iludir que algum dia as coisas possam mudar entre nós dois, nem que seja só como amigos, sei que deveria me afastar e evitar ainda mais frustações, mas eu simplesmente não consigo. Aquela garota tem alguma coisa de especial que me prende a ela.

Eu e meu amigo passamos o resto da tarde no meu quarto jogando videogame e comendo besteiras. Não que meus pais se importem. A mamãe passa praticamente o dia inteiro corrigindo lições, provas e trabalhos, planejando as aulas ou cuidando da casa, como mãe. Meu pai, como diretor do colégio, também tem muito o que fazer, e como pai de família mais ainda. Meus amigos são sempre bem-vindos em nossa casa, meus pais gostam de todos eles. E eu me sinto, quase todo o tempo, muito satisfeito com a vida que tenho.

― Não estou conseguindo fazer o exercício sete de física da lista de fixação. Você já conseguiu?

Eu já disse que não levo o menor jeito em ciências da natureza ou exatas? Meu negócio é Humanas e Códigos e Linguagem.

― Eu também não consegui. – respondo. Já é noite, quase hora do jantar. Pego meu celular jogado do outro lado da cama. ― Vou ligar para o Edu e pedir a ajuda dele. Com certeza ele conseguiu.

Miguel iria dormir aquela noite na minha casa, então, não tinha problema algum ficar até tarde fazendo a lição de casa. Aquelas que não sabíamos responder, pelo menos tínhamos a quem recorrer. E até hoje, eu me pergunto, como a Clarissa consegue viver sem amigos. Tudo bem que ela tenha a Isabel, sua irmã, e um gatinho de estimação, Pepel. Mas não é como se pudesse contar com eles todo o tempo.

Tento desviar meus pensamentos dela.

Porque até nas coisas mais sérias meus pensamentos sempre acabam se voltando para ela?

É algo que não consigo entender, ou evitar.

― Ele mandou a resolução do exercício por pelo Chat, no Facebook. Vem cá ver. – Miguel me chama, sentado em frente ao meu Notebook sobre a escrivaninha. ― Por favor, diga que depois que copiarmos isso vamos comer alguma coisa, assim, vou acabar morrendo de fome. É a culpa é sua!

Como eu poderia viver sem os dramas do meu melhor amigo?

― Vamos copiar rapidinho então. Não tem mais nada pra fazer depois disso? – pergunto, ele balança a cabeça negativamente. ― Tudo bem, você venceu. Vamos jantar.


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Notas finais do capítulo

Próximo capítulo terá uma grande surpresa, aguardem. Acho que finalmente vai acontecer alguma coisinha haha Comentem! Assim posto mais rápido.



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