Quando Tudo Aconteceu escrita por Mi Freire


Capítulo 47
Capítulo XLV


Notas iniciais do capítulo

Aí vai um capítulo narrado pelo Bernardo! Não é uma de suas melhores fases, vejam.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/464648/chapter/47

A Liz está adormecida em meu colo, quietinha e bem mais calma que minutos atrás, com a cabeça colada no meu peito. A Liz teve febre alta nos últimos dois dias e acho que nunca antes senti tanta preocupação em vê-la doente. Ela é um criança muita forte e saudável, nunca tinha passado por aquilo antes. A mãe da Lorena me ligou desesperada e eu fui correndo vê-la assim que recebi a notícia. Saí apressado do colégio aquela manhã com a autorização da minha mãe, deixei tudo pra trás para estar com a minha filha. Peguei o carro do meu pai emprestado e a levei no pronto-socorro mais próximo de casa. Agora ela já está bem melhor, tomando inalação.

Não é nada demais, é só uma gripe.

― Filho, a Lorena quer falar com você. – minha mãe que também precisou sair do colégio atrás de mim, já que sou menor de idade e não posso trazer a Liz assim, sozinho ao médico, me mostrou o celular, colocando a cabeça pra dentro da salinha de inalação do hospital.

― Mãe, por favor, diga a ela que já está tudo bem. E que em minutos voltaremos para casa. A nossa filha está em boas mãos. – naquele momento eu não queria falar com ninguém, especialmente com a Lorena que devia estar histérica a quilômetros de distância da nossa cidade, com seu grupo de dança. Eu queria estar apenas com a minha filha e não tiraria meus olhos dela nem por um segundo.

Quando as poucas pessoas presentes na salinha de inalação me ouviram dizer “nossa filha”, olharam assustadas para mim. Muitos na cidade já sabiam que aos dezessete anos eu já era pai, mas muitas também nem imaginavam algo assim. Por isso, ainda era um espanto pra elas eu ser pai tão novo. Mas o pior de tudo, era a forma como elas me olhavam com a descoberta, como se lamentassem por mim estar perdendo a minha vida com tamanha responsabilidade.

Mal sabiam elas que foi a melhor coisa que já me aconteceu e eu não perdi nada, apenas ganhei. Ganhei o que há de mais valioso nessa vida: uma família.

A minha família.

Voltamos pra casa uma hora depois, a Liz ainda dormia e eu a coloquei sobre a minha cama, fechando a cortina com cuidado para não acorda-la. Fazia sol lá fora e eu só queria que o ambiente ficasse mais favorável para ela dormir, com menos iluminação.

Sento-me na cadeira de frente com a escrivaninha.

Mamãe voltou ao colégio, agora ela também dá aula para o período da tarde. Meu pai ainda trabalha como diretor e só chega no comecinho da noite. E eu, bom, não fui ao trabalho aquela tarde para cuidar da minha filha. Aproveitei para ligar pra eles e explicar a situação. Estou trabalho no shopping da cidade, as vezes como garçom, as vezes como balconista, outras vezes limpo mesas, faço entregas, carrego caixas, faço o que estiver ao meu alcance. Não é um trabalho pesado, apesar de fazer de tudo. Eu gosto de lá, gosto de estar entre as pessoas, gosto de poder ajudar da melhor forma. E além do mais, era preciso. Eu já estou prestes a completar dezoito anos e tenho uma filha pra criar. Chega de ficar dependendo dos meus pais pra tudo.

Eu já posso me considerar um homem. Ou, quase.

Volto ao meu quarto, após finalizar minha ligação. Eles aceitaram numa boa minhas explicações, mas é claro que descontariam no meu salário a falta ocorrida. Tudo bem, não importava. Tudo pela minha filha. Que aliás, já está com um ano de idade.

A Lorena que terminou o colégio no ano passado e agora dedica-se inteiramente a dança que é sua segunda maior paixão, teve a ideia de fazer a festinha da Liz. Eu a ajudei no que pude, é claro. Foi uma grande festa, com muitas crianças e convidados, doces e salgados, refrigerante e churrasco. Alugamos o salão de festas do Clube aquele dia e ocorreu tudo bem. Eu me senti todo o tempo muito deslumbrando, cercado de atenções enquanto mantive a Liz nos meus braços. Ela não queria saber de outra pessoa aquele dia além de mim, assustada com tanta gente e ao mesmo tempo encantada com a decoração da Disney Baby de sua festinha.

O tempo passou muito depressa e quando eu olho pra Liz, vejo o quão mudada ela está, assim como eu.

Ela já é maiorzinha agora, prefere ficar no chão, engatinhando ou tentando andar enquanto segura nos moveis. O cabelo castanho-claro liso já cobre a testinha e bate na nuca. Ela já quer comer sozinha, apesar de fazer a maior bagunça. Interage melhor com as outras crianças, que é o que ela tem aprendido na creche e as vezes até parece uma adulta. Ela já aponta para o que quer, faz birra e cara feia. Gosta de balançar o corpinho quando toca alguma música infantil e solta aquela risada prazerosa. Já presta mais atenção nas coisas, como na televisão, na conversa das pessoas, nos detalhes a sua volta e até arrisca falar alguma coisa, mesmo que seu vocabulário seja constituído de três a quatro palavras.

Fiquei indescritivelmente feliz quando ela me chamou pela primeira vez de “papá”. Eu fiquei tão espantado na hora, que nem acreditei. Pensei que ela quisesse comer alguma coisa. Só que não era isso. Eu estava enganado. Ela estava tentando me chamar de “papai” e eu como um típico papai babão quase chorei de emoção ao ouvi-la se esforçar tanto.

Mas algumas coisas não mudaram, tornando parte da personalidade dela. Os olhos grandes e azuis-acinzentados e as bochechas rechonchudas e rosadas são os mesmas. A Liz ainda gosta que eu leia pra ela ou cante alguma música que eu goste. Agora, ela presta mais atenção e fica toda sorridente quando eu faço uma dessas coisas. Ela gosta de pintar com giz de cera ou de brincar com massinha, mesmo que pra isso eu que tenha que ficar o tempo todo de olho ou se não ela coloca tudo na boca.

Não havia muito o que fazer naquele momento. Na verdade sim, haviam muitas coisas para pôr ondem. Mas eu não queria fazer nada daquilo. Dessa forma, deitei-me ao lado da minha filha e acabei adormecendo com ela pelo resto da tarde. Só acordei mesmo quando eu senti a Liz brincar com o meu cabeço, bagunçando-o, inclinada sobre mim com seus grande olhos azuis. E eu apenas sorri, dando-lhe um beijinho na testa.

O sol já estava se pondo quando ouvi meu celular tocar.

― Oi Bernardo. Eu vim pra cá assim que pude. – era a Lorena. ― Vem por favor pra cá. Eu quero muito ver a Liz! Estou preocupada.

Não houve escolhas, peguei a minha filha nos braços e saí com ela de casa, para entrega-la a mãe, como tem que ser.

Chegando lá, Lorena me bombardeou de perguntas.

Ela não mudou em nada aparentemente, apesar de estar cada vez mais parecida com uma mulher e não mais com uma adolescente. Só está mais preocupada agora, diferentemente de antes. Como se já não tivesse tanta confiança assim em mim em relação a nossa filha. Mas eu a entendia acima de tudo. Era um novo ano, uma nova vida, com novas mudanças e com isso as novas responsabilidades.

Lorena agora está cursando a faculdade a noite na cidade vizinha e durante o dia ela trabalha na academia de dança, onde antigamente ela era uma simples aluna. De tão boa que ela sempre foi, agora ela dá aula para as meninas de sete a dez anos. Lorena conheceu novas pessoas e passa a maior parte do tempo ocupada. Há boatos por aí que ela conheceu um cara bem mais velho e que eles estariam tendo um relacionamento as escondidas, mas ela nunca conversou comigo sobre isso. E não é como se eu fizesse questão, ainda tenho um certo trauma quanto ao seu ex-namorados, o Rafael, que nunca mais voltou a dar as caras por essas redondezas.

Despedi-me da Liz certo de que ela ficará melhor agora e caminhei até o centro, não queria voltar pra casa. Sozinho em meu quarto eu costumo pensar bobagens das quais me entristecem. Todas as burradas que eu fiz na vida, muitas delas envolvem a Clarissa. Não que eu me arrependa de ter me envolvido intensamente com ela, mas sim, que eu me arrependa de ter feito o que fiz e ter a deixado ir para tão longe.

Sento próximo ao balcão no barzinho e peço uma cerveja. Sim, exatamente isso. Uma cerveja. Eu não tinha o habito de beber assim no meio da semana, que não fosse em uma festa ou algo do tipo. Mas muitas coisas mudaram e esse é um novo habito meu. Mas não significa que eu beba até cair duro no chão de tão bêbado. Eu só bebo pra... Por... Beber mesmo. Mas não é como se o gosto da bebida me agradasse.

Retiro meu celular do bolso e rapidamente digito uma mensagem de texto para a Letícia. A primeira garota que me vem à cabeça. A a primeira que esteja disponível aquela noite.

“Quero muito te ver. Estou com saudades. Vem aqui no centro me encontrar no velho barzinho no final da rua. Estou te esperando.”

Menti. Porque tudo que eu tenho mais feito nos últimos três meses é mentir pra todos e para mim mesmo. Eu tenho me tornado um ótimo mentiroso. Não me orgulho disso. É mais por necessidade mesmo.

Se eu fico sozinho, penso na Clarissa. E não há nada que eu possa fazer nesse momento para tê-la novamente. Não posso nem cogitar a possibilidade de ligar pra ela, só para escutar sua voz ou conversar, como dois velhos amigos. Não, isso de jeito nenhum. Eu prometi ao pai dela que não faria contanto, pelo bem de todos. E também, ela trocou de número, trocou de endereço, trocou de vida e provavelmente trocou de amor.

Ela já não me ama mais, não quer nem saber de mim e já deve ter me esquecido há muito tempo. Até porque ela liga diariamente para a Marina e nunca, nunca mesmo, quer falar comigo ou saber de mim. Eu sinceramente tenho perdido todas as minhas esperança de voltar a vê-la algum dia, no futuro. Apesar do meu coração dizer o contrário. Meu coração está sempre contra a minha mente. Um diz que não, o outro diz que sim. E na maior parte do tempo eu fico confuso e é por isso que venho buscando alternativas diferentes de tentar não pensar em nada.

Não pensar em nada me aparece a melhor das soluções para continuar a minha vidinha medíocre de sempre.

A Letícia apareceu minutos depois, quando eu já estava na minha terceira cerveja. Ela demorou mais que o normal, mas ela sempre vem e é isso que eu mais adoro nela.

Ela é bonita com seus cabelos longos e negros azulados, pele branquinha com algumas sardas próximas do nariz, olhos castanho-claros, boca pequena, sobrancelhas grossas e muito magra. Eu nem sei como eu não tinha reparado nela antes, durante todo esse tempo em que fui um dos melhores amigos do irmão dela e hoje não sou mais e ainda tento entender como foi que isso aconteceu, digo, me separar dos meus melhores amigos.

A Letícia era diferente, todos éramos. E agora, ela é uma das garotas mais bonitas de toda a cidade. Ninguém sabe porque e como ela resolveu mudar assim de uma hora outra de nerd do colégio a patricinha metida. Mas para a alegria dos garotos solteiros da cidade, aconteceu depressa e aconteceu na melhor hora.

Eu geralmente não costumo me interessa por morenas, mas ela não é uma morena qualquer. Diferentemente de seu novo grupo amigas, ela é bem mais decidida e discreta, não fala tanta bobagem, ainda é inteligente e sabe o que diz, não pensa tanto em roupas e todas essas futilidades, é boa de papo, defende o seu ponto de vista com muito rigor, é sábia, sensual de modo sutil e carismática. Digamos que apesar de toda a mudança aparente, ela ainda é a mesma Letícia que costuma ser antes de sua vida mudar radicalmente.

A companhia dela me faz bem.

― Nossa! – levantei-me do banco para cumprimenta-la com um abraço, como geralmente eu sempre faço e ela parece gostar. ― Que bom que você chegou!

Mas ela não me abraçou com tanta vontade como nas ultimas vezes, parecia distante e fria. Certamente acontecera algo.

― O que foi? – olhei bem pra ela, percebendo naquele momento que sua expressão não era das melhores.

― Qual é Bernardo? Você esqueceu? – ela colocou as duas mãos na cintura. ― Lembra que íamos nos encontrar depois que você saísse do trabalho essa tarde? Eu fiquei te esperando por um bom tempo e você nem se quer me ligou.

Bati a mão na testa, lembrando-me.

Não estamos namorando nem nada. Apenas nos conhecendo, conhecendo esse novo eu de cada um. Temos saído com frequência e tem sido legal ocupar minha mente com novas coisas.

― Desculpa. Olha, senta aqui. Eu vou te explicar tudo. – eu a ajudei sentar no banco alto ao meu lado. Segurei sua mão sobre o seu colo, sentindo a macies do tecido de seu vestido preto.

Então contei a ela o que tinha exatamente acontecido naquela tarde com o lance da Liz ficar doente e eu precisar leva-la ao médico.

― Eu sinto muito ter que dizer isso, mas – ela desviou o olhar por um momento, levemente desconfortável. ― a sua filha está sempre entre nós e eu sinceramente não estou preparada para isso. Eu não a culpo, de jeito nenhum! Mas, é que eu sou muito nova Bernardo, para suportar um peso tão grande que é o seu, de ser pai tão jovem. Acho melhor a gente... Dar um tempo. Tudo bem? – ela sorriu, levantando-se.

Letícia beijou o meu rosto e se afastou.

― A gente se vê por aí. – e se foi, saindo do bar.

A Liz nunca antes havia sido uma interferência na minha vida amorosa. Talvez tenha sido porque eu estive no lugar certo, com as pessoas certas, mas agora não tenho mais tantas opções.

Depois que a Liz nasceu eu não me envolvi com mais ninguém, por isso não tive problemas. Eu preferi assim, achei que seria certo assim. Mas aí apareceu a Clarissa e mudou tudo dentro de mim, mesmo assim, ela nunca, nem se quer por um momento, fez a minha filha parecer um problema. Pelo contrário, as vezes eu acho que ela se sentia uma segunda mãe pra ela e isso me encantava.

Agora, rodeado de tantas meninas, de todas as formas e tipos, eu sinto que apesar de toda a minha insistência, elas preferem ficar afastadas de mim por causa da minha filha. Como se não quisessem ou não pudessem se envolver comigo por eu ser pai.

Não preciso nem dizer que fui dormir muito aborrecido aquela noite.

― Que cara é essa? Brigou com a sua namorada? – o Miguel ainda era o meu melhor amigo, mesmo que eu não tenha sido o melhor amigo pra ele ultimamente. Mesmo assim ele me entendia, ele me esperava, ele me dava espaço e ele persistia na nossa amizade.

O problema é que eu não tenho sido o melhor para ninguém.

Nem pra mim mesmo.

Tenho me sentido um pedacinho de um grande nada, apesar de todos os meus esforços e isso é tudo culpa minha, por ser tão estupido.

Adquiri o dom de afastar as pessoas de mim e estragar tudo a minha volta, sem ao menos ter forças de lutar para tê-la outra vez.

― Que namorada cara? Eu não tenho namorada!

― Não é o que parece. – ele ainda sorriu, sacana. ― Já sei! Você está naquela fase de curtição. Não pensa em mais nada, só em garotas.

― Exatamente. – menti, forçando o meu melhor sorriso. Eu me sentia um caco por dentro, mas não queria que as pessoas enxergassem isso. Por isso me tornei um grande e bom mentiroso. ― Eu só quero aproveitar, entende? Quero me divertir!

Mamãe adentrou a sala, para dar início a sua aula. Todos se calaram e sentaram em seus devidos lugares. Sorte a minha, que não precisei mais ficar mentindo para o meu próprio melhor amigo.

― E aí Bernardo! – Gustavo me cumprimentou no corredor, quando nos dirigíamos ao intervalo. ― Vamos sair amanhã? Vai ter uma festinha bem legal de umas amigas minhas.

Gustavo e eu agora somos parceiros de farra.

― Não sei não, cara. Amanhã eu tenho que trabalhar. – é, infelizmente agora eu trabalho dia de sexta-feira e em alguns finais de semana também.

― Faz assim – ele tocou meu ombro. ― Me liga se você mudar de ideia, você sabe exatamente onde me encontrar.

Dito isso, ele se foi, dando uma corridinha para acompanhar um grupo de garotas e passar o braço pelos ombros delas.

Sentei-me a mesa com a Marina e o Miguel, com meu pão de queijo e minha Coca-Cola. Eles conversavam sobre alguma coisa qualquer, que eu nem sempre dava muita importância.

Os dois não faziam muito o casal tipo “chiclete” e eu não me sentia muito mal sobrando entre eles. Quando os dois me contaram que estava namorando, no início eu nem acreditei. Mas quando a fixa caiu, eu fiquei realmente feliz, não imaginava, mas eu sabia bem o quanto os dois mereciam conhecer boas pessoas para amar depois de tudo que passaram. O Miguel com a desilusão em relação a Brenda e o termino do namoro da Marina com o Gustavo.

Por quase um ano eu me enganei, acreditando que a Mari e o Gustavo, apesar de todas as diferenças, foram feitos um para o outro. Lembro-me de ter repetido isso inúmeras vezes para a Clarissa, sempre que ela se preocupava com alguma briguinha deles, que pra mim era muito normal de acontecer. Mas eu me enganei todo o tempo. Nem tudo é o que parece ser. E só hoje eu consigo enxergar essas coisas.

Da mesma forma que a Marina e o Gustavo não foram feitos um para o outro, eu e a Clarissa não ficamos juntos pela vida toda como imaginávamos que seria. A verdade é bem mais dolorosa. Mas se tem uma coisa que eu tenho certeza absoluta e isso ninguém pode mudar, é que eu jamais vou deixar de ama-la. Pois, por mais que eu tente, não é como se eu obtivesse resultados satisfatório, e pelo contrário, quando acho que cheguei bem perto disso, eu só quebro a cara mais e mais.

― Eu vou ao banheiro. Eu já volto! – Miguel anunciou, dando um beijinho na Marina antes de sair de cena.

A àquela altura eu já estava terminando o meu lanche.

― Quero conversar com você, Bê. – Marina olhou-me nos olhos, com uma cara muito séria. ― Será que podemos?

― Mas é claro. – eu sorri, mesmo certo de que aquela conversa não seria nada agradável. ― Manda a ver.

― Eu estou imensamente preocupada com você, meu amigo. – ela segurou a minha mão, apertando firme. ― Porque você não se abre comigo? Porque não conta exatamente o que está acontecendo, o que você está sentindo, o que se passa pela sua cabeça...

― Olha Mari, eu já disse e vou repetir pra você: – tirei minha mão de dentro da dela, afastando-me. ― eu estou bem. Não se preocupe comigo. Eu já sou bem grandinho e posso muito bem cuidar de mim mesmo.

― Sim, eu sei. Eu tento dizer isso a mim mesma, mas...

― Eu tô cansado, sabe? – levantei-me, alterado. ― Você e todo mundo sempre querendo tomar conta da minha vida. Chega! Será que eu não posso mais viver em paz sem todo mundo sentir peninha de mim?

Saí andando, jogando minha latinha vazia no lixo. Fui o primeiro a entrar na sala de aula, antes mesmo do sinal. Deitei minha cabeça sobre a mesa e forcei-me a dormir pelas próximas aulas, cansado de toda essa sobrecarga sobre mim.

Eu quero ficar bem, será que as pessoas não percebem?

Na sexta-feira fui para o colégio pela manhã e à tarde fui trabalhar, cheguei em casa as oito da noite muito cansado, queria muito tomar um banho frio, comer alguma coisa e dormir mais cedo.

Essa rotina pesada não está sendo fácil, mas estou me acostumando aos poucos.

Tinha acabado de jantar e subi para o meu quarto quando deparei-me com o Gustavo sentado sobre a minha cama.

― O que diabos você está fazendo aqui? – eu perguntei, já tirando minha camiseta para ir dormir. Fazia calor, assim seria mais confortável.

― A festa, cara. Lembra? É hoje! – ele me olhava como se eu fosse o cara mais imbecil do mundo por ter esquecido desse detalhe.

― O que eu me lembro é que você disse que eu poderia te ligar caso eu ainda quisesse ir a essa tal festa. Pois eu sabia exatamente onde te encontrar, não foi isso?

― Sim, mas você não está entendendo Bernardo. – ele levantou-se da minha cama. Andando de um lado para o outro. ― As garotas vão estar todas lá esperando por nós.

Sentei-me, pacientemente. Passei a mão pelos cabelos enquanto pensava em qual decisão tomar a seguir. As duas opções me pareciam tentadoras: Eu queria muito me jogar na minha cama e dormir pelas próximas horas. Mas também queria muito aproveitar a minha vida, conhecer novas pessoas, fazer coisas das quais há muito tempo eu não fazia e bom, era sexta-feira à noite, eu estava solteiro, carente e sentia-me muito sozinho, haveriam muitas garotas na festas e....

― Espera só um minuto. Eu vou trocar de roupa.

O Gustavo abriu o maior sorriso.

A festa era em um casa imensamente grande e luxuosa, no centro da cidade. Eu desconhecia o dono daquela casa. As nove da noite a festa já estava superlotada, com música alta, drogas, bebida e piscina a vontade. Por todos os lados em que eu olhava havia meninas dançando em grupinho de biquínis ou trajes muito curtos e colados no corpo. Fiquei imaginando o que estaria acontecendo nos quartos lá em cima, no primeiro andar, com todas aquelas garotas e tão poucos garotos.

O Gustavo já foi entrando, cumprimentando todos pela frente e me puxando pelo braço. Fui apresentada a dona da casa e a algumas de suas amigas que sorriam para mim como se eu fosse um brinquedinho novo que elas acabaram de ganhar em uma noite de natal. Alguém– que eu não reparei muito bem pela pouca falta de iluminação dentro da casa – me ofereceu cerveja e uma garota, baixinha e com luzes loiras, fez questão de me mostrar a casa e me apresentar a mais pessoas.

Já era quase meia noite, eu já havia bebido muito, dado bastante risada, ficado com algumas garotas, me perdido pela casa, dançado e me jogado na piscina, quase me afogando. Estava em um canto, encolhido, completamente sozinho e me tremendo todo com frio por estar todo molhado. Se minha mãe me visse naquele estado, certamente me mataria. As vezes só com um olhar eu vejo o quanto eu a desagrado por estar saindo com mais frequência, passando noites fora e só voltando pela manhã com cheiro de álcool e cigarro.

O consumo de álcool te deixa bem alegrinho no começo, faz você esquecer de muita coisa, te deixa mais solto, mas quando você se vê sozinho, não sabe exatamente em o que pensar ou o fazer, é quando a ficha cai e você percebe que está fazendo tudo errado por motivos tão pequenos. Naquele momento, bêbado, fora de mim, sentindo-me um lixo, eu me dei conta de que sentia muita falta da Clarissa, pois com ela ao meu lado eu não estaria fazendo nada daquilo, e pelo contrário, estaria todo o tempo tentando apenas ser o melhor para ela.

― Bernardo? – ouvi uma voz familiar e ergui os olhos. ― O que você está fazendo aqui no cantinho, encolhido? Está se escondendo?

Letícia soltou uma risadinha engraçada, zombando de mim. Mas eu não me importei, apenas levantei-me, cambaleando um pouco e a abracei com toda força sem me importar se ela estava ou não reclamando por eu estar molhando sua roupa e cabelos. Sentia as lágrimas encherem meus olhos e uma necessidade imensa de estar com alguém.

Estava sozinho, sem amigos, sem amor, sem ninguém.

― Let, por favor, me desculpe. Me desculpe! Eu quero ficar com você, por favor, fique comigo. Eu preciso de você.

― Bernardo, o que deu em você? – ela me olhou séria, afastando-me com delicadeza.

― Eu não quero que você fique chateada comigo. Me desculpe se eu esqueci de você aquele dia quando a gente marcou de se encontrar. Eu sou mesmo um estupido! – chorava feito um garotinho. ― Mas por favor, fique comigo. Eu quero ficar com você...

― Bernardo, espera aí, fale devagar. Eu não estou entendendo! – dessa vez ela riu, apoiando meus braços sobre seus ombros. Eu deveria estar mesmo muito mal aparentemente. ― Você está me pedindo em namoro?

― É! Isso mesmo. – eu consegui sorrir também em meio as lagrimas, ainda muito desorientado. Levantei a cabeça, olhando em volta.

Onde é que eu estava? O que eu estava fazendo ali?

― Ah meu amor, que maravilha! – dessa vez ela me abraçou, segurando-me com força para eu não cair. ― É claro que eu quero sim namorar com você, Bernardo! Eu pensei que nunca iria me pedir.

Ela me beijou rapidamente. Um beijo de verdade, mas não muito demorado. Era o nosso primeiro, e não chegou nem perto de ser um dos melhores da minha vida. Primeiro que eu estava bêbado e segundo que fora um beijo tão sem graça, sem um pingo de emoção e animo.

Letícia saiu correndo aquele momento, toda alegre, passa contar a novidade as amigas. E eu, bem, eu apaguei completamente, caindo com tudo no chão e batendo a cabeça no piso molhado.

Tudo que pude ouvir de muito distante foi o grito histérico de uma garota chamando a atenção de todos na minha direção e o desespero do Gustavo ao se ajoelhar próximo a mim, preocupado com a minha situação.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

E ai, o que acharam? Ele está meio mudado, mas no fundo ainda é o mesmo. Comentem!