Dear Gringo escrita por Gaby Molina


Capítulo 2
Capítulo 2 - Alguém tem uma quedinha




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Isaac

Algo a dizer sobre as escolas brasileiras: não têm armários. Como assim não têm armários?! Eles ficam carregando todo o material de uma sala para a outra?!

É. Ninguém tinha me avisado.

Foi uma aula um pouco estranha, porque a professora ficava virando para mim a cada cinco segundos para perguntar se eu estava entendendo o que ela dizia, e eu fazia que sim com a cabeça e continuava desenhando. Porque, querendo ou não, Matemática é igual em todas as línguas. A mesma merda.

Eu não queria bancar o rebelde nem nada, é só que Matemática não me atraía nem um pouco. A professora também não me atraía nem um pouco. Nem o jeito que ela explicava. Nada.

Peguei meu fone de ouvido e escondi no capuz. Começou a tocar uma música sobre patos. Eu tinha certeza de que não tinha colocado aquilo no meu iPhone.

Três patinhos foram passear

Além das montanhas para brincar

A mamãe gritou quá quá quá quá...

Fiquei esperando o tom mudar, ou alguma indicação de revolta anarquista escondida naqueles versos. Mas por fim concluí que a música era simplesmente sobre patos.

Eu estava pensando seriamente em matar aquela morena delinquente e engraçadinha quando a professora disse:

— Isaac, não é permitido o uso de capuz na sala. — e então ela fez um movimento como se estivesse tirando um capuz, para que ficasse beeem claro para o aluno novo estrangeiro/lesado.

Isaac. Izáque. Eu odiava como soava. Já pedira que me chamassem de Ái-sec, mas era redundantemente inútil. Então apenas esperei que ela se virasse para a lousa e tirei o capuz, escondendo os fones.

Quando o sinal bateu, peguei minhas coisas e saí da sala apressadamente. Os corredores estavam vazios. Que estranho. Eu estava me perguntando onde era a sala de Português quando vi Allison.

— Allison! — chamei.

Allison

Pelo sotaque, eu já sabia quem era. Novamente apreciei o modo como o nome soava. Mas não apreciei o fato de ele sair da boca de Isaac.

— Sabe onde é a sala de Português? — ele perguntou, ingênuo.

Fitei o garoto, tentando comprimir um sorriso presunçoso.

Good luck — foi tudo o que eu disse, antes de soltar uma risada alta e voltar para a aula.

— I was starting to doubt that you actually knew something about English! (Eu estava começando a duvidar que você realmente soubesse alguma coisa sobre Inglês!) — ele gritou enquanto eu me afastava.

— Poupe a enrolação de língua! — soltei e fechei a porta atrás de mim.

Isaac

— Ela é doida — disse uma voz feminina atrás de mim. Deparei-me com uma garota de pele bronzeada e cabelos um pouco cacheados.

— Não leve para o lado pessoal. Além disso... Nós não trocamos de sala. Passamos o dia inteiro na 3B, os professores que circulam pela escola.

— Ah — soltei, enrubescendo. — Eu... Eu não...

— É, imaginei — ela sorriu. E que sorriso. — Meu nome é Clara, falando nisso.

— Clara — repeti, mas o R soou diferente.

Ela riu levemente.

— Algo assim. Pronto para voltar à aula, gringo? Ou já se cansou do Brasil?

— Bem — sorri. — Eles dizem mesmo que esse país possui as melhores mulheres.

Ela enrubesceu.

— Certo, engraçadinho, vamos logo — Clara me empurrou de volta para a 3B. Sentou-se na minha frente.

— O que você queria dizer quando disse que a Allison é doida? — perguntei, inclinando o pescoço para frente.

— Não existem muitos significados para esse adjetivo, na verdade. Doida. Louca. Pirada. Lelé.

— Lelé? — repeti, confuso.

— Esquece.

Allison

— Como foi com o Geymer? — perguntou Bianca, curiosa, na aula de Geografia. Ela provavelmente lera o nome de Isaac em algum lugar, porque pronunciara errado.

Gáimer — corrigi.

— Allison. Foda-se.

No intervalo, Emily Geymer correu até mim, sorrindo.

— Olá!

— Hum, oi Emily.

— Você pode me chamar de Emy.

— Certo, Emily, eu... Vou comprar uma... coxinha.

— Baniram as coxinhas na escola, lembra-se? — Bianca apareceu atrás de mim do nada.

— E depois não querem que adolescentes sejam revoltados! — bufei. — Vão banir o pão de quejo também?

— Ainda não.

— Então vou aproveitar a deixa — saí andando em direção à cantina, tentando juntar dois reais em moeda na minha carteira para aliviar o peso.

Foi quando bati em alguma coisa. Ou melhor: em alguém.

— Opa, calma aí — disse aquela voz grave e suave.

Olhei para cima e deparei-me com aquele sorriso perfeito. Will Demarcchi me fitava atentamente com os olhos escuros, passando a mão direita pelos cabelos castanhos para tirá-los do rosto.

— O-oi... Will — depois disso, minha carteira caiu de vez no chão.

Ele riu levemente e pegou-a para mim.

— Obrigada — consegui dizer.

— Sem problemas... Nos vemos por aí, Peruzzo.

— É... Claro — sorri levemente e dei o fora dali.

Não deu muito certo.

— Aquilo foi interessante!

Sotaque filho da mãe.

— Isaac, cai fora — praticamente rosnei, e não me virei para vê-lo.

— Cara, eu poderia beijar você agora.

Certo, isso me fez parar.

— Como é que é?!

— Você pronunciou meu nome certo! Faz ideia da raridade que isso é por aqui?!

— Acha mesmo que eu ligo?

— Vai dar uma de durona agora? Não parecia tão durona falando com o aspirante a modelo da Calvin Klein.

— Não sei do que está falando.

— Estou falando da sua cara de Me come, Will.

— Cara, eu poderia socar a sua cara agora.

— Mas não vai, porque eu sou bonito demais para ter meu rosto desfigurado — ele sorriu. Sorriso idiota.

— Vai nessa.

— Falando nisso, Will esqueceu de pegar uma moeda — ele me entregou uma moeda de 1 real. — Ele sabe que você quer o corpo dele nu?

— Geymer, me esqueça! — bufei e continuei andando.

Você não negou!

Soltei um grunhido e corri até a cantina. Comprei meu pão do queijo no exato momento em que o sinal que indicava o fim do intervalo tocou. Apenas sentei-me numa das mesas e continuei comendo meu lanche enquanto fingia que estava arrancando a cabeça de Isaac.


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