Dear Gringo escrita por Gaby Molina


Capítulo 12
Capítulo 12 - O melhor bolo caro é o que você ganha de graça




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/462571/chapter/12

Allison

Eu não fazia ideia de o que aconteceria no colégio no dia seguinte, mas, como a tentativa de fingir estar com pneumonia não deu certo, eu estava prestes a descobrir.

Vi Isaac pela primeira vez no dia na hora do lanche. Ele cravou seus olhos acizentados em mim e soltou um exemplo de sua enorme sabedoria com a boca meio cheia de sanduíche e suja de maionese e alface:

— E aí, Peruzzo? Quer? — ele apontou para o sanduíche.

Fiz que não com a cabeça e sentei-me ao lado dele, comendo meu pão de queijo enquanto fingia que não estava desconfortável. O olhar "hihihihi" de Pedro também não ajudava.

— Então... Dormiu bem? — Pedro me fitou, inocente.

Fiz que sim com a cabeça, apesar de o estado da minha cara e o bocejo que soltei logo depois dizerem o contrário. O silêncio pairou sobre a mesa, o que era ridículo. E então Isaac começou a falar sobre algum show de alguma banda indie que ele foi e eu parei de prestar atenção.

— John Mayer vai vir para cá, mas não tenho ninguém pra ir comigo — Marina choramingou, e, surpreendentemente, olhou para mim. — Você iria comigo, certo?

— Claro, mas eu meio que estou de castigo para sempre — recordei.

— Eu iria com você, mas acontece que eu preferiria cortar os pulsos — disse Isaac a Marina. — Sério, qual a graça desse cara?

— Ele não é tão ruim — defendeu Pedro.

* * *

Eu achava que Isaac estava agindo como se nada tivesse acontecido por causa das outras pessoas, mas ele não disse nada quando me levou para sua casa porque eu tinha de ajudar Emily com o dever de História.

— Sabe If I Lose Myself inteira? — perguntou de repente.

Assenti. Ele sorriu e pulou as faixas do CD.

You can feel the light start to tremble

Washing what you know out to sea

You can see your life out the window, tonight...

If I lose myself tonight

It'll be by your side

I lose myself tonight...

Woah, woah , woah

If I lose myself tonight

It'll be you and I...

Lose myself tonight

Chegamos à casa dos Almeida depois de alguns minutos. Emily estava sentada no sofá, e eu cumprimentei-a e sentei-me a seu lado. Isaac subiu para o próprio quarto.

Comecei a explicar o Segundo Reinado, falando baixinho em Inglês para que Isaac não ouvisse.

And the... Hmmm... assembleia... Não sei como dizer isso em Inglês — corei.

Emily caminhou até a ponta da escada e gritou:

Isaac, how do you say "assembleia" in English?! (Isaac, como se diz "assembleia" em Inglês?!)

Ouvi uma risada presunçosa alta, e observei-o descendo as escadas.

Assembly — respondeu ele. Fácil assim?! Ele me fitou por um momento e foi até a cozinha.

Suspirei e continuei explicando, até que Emily disse que precisava ir ao banheiro e correu escada acima. Isaac apareceu e caminhou até o sofá onde eu estava, sentando-se ao meu lado.

Hi — ele arriscou.

— Continuo não falando com você em Inglês.

— Isso é traição, você sabe.

— Oh, me perdoe, sr. Dramático.

— Quero dizer, é claro que você poderia me recompensar.

Ergui uma sobrancelha.

— O que quer dizer?

O sorriso que ele abriu logo depois me deu a certeza de que eu estava ferrada. Ele se aproximou mais, passando uma mão pela minha cintura.

— Se está esperando algum gesto cavalheirístico, sinto muito.

Eu não estava. Talvez devesse estar. Quero dizer, não deveria ser simplesmente tão fácil. Ou talvez devesse, sim. Quero dizer, não é como se eu não quisesse aquilo. Por que ele teria de fazer gestos enormes se o proveito que tiraria era do mesmo tamanho que o meu?

De um jeito ou de outro, retribuí o beijo. Ele abriu um sorriso de canto e me empurrou contra o braço do sofá, acariciando meu cabelo. Quando o ar acabou, ele encostou a testa na minha e ficou brincando com uma mecha de meu cabelo.

Caí do sofá quando ouvi Emily descendo as escadas. Isaac começou a rir descaradamente.

Ótimo. Simplesmente ótimo. Eu não sabia se ela havia visto o beijo ou não, porque apenas me fitou e disse:

— Pronta para continuar?

Dei de ombros.

— Tudo bem.

* * *

— Sabe que temos uma política de 8.5 nessa casa, Allison.

— Deus, foi um 8.35. Em Biologia. Quem liga para Biologia?

— O vestibular liga — meu pai bateu com a caneca na mesa como se fosse um martelo em um tribunal. — Vou ser obrigada a te colocar de castigo.

— Você provavelmente não se lembra, mas eu já estou de castigo.

— Sabe o quanto eu trabalho para pagar aquela escola?! E é assim que você me agradece?! Dando respostões, tirando notas baixas... Quer envergonhar o nome da família, é isso? Uma família respeitada de médicos e advogados e você vai arruiná-la sendo uma vagal? É isso que quer para o seu futuro, Allison?! É isso?!

Recuei porque ele estava gritando. Senti-me muito pequena quando notei as lágrimas escorrendo de meus olhos.

— Não — sussurrei.

— Então é melhor que eu veja um 10 da próxima vez. Acha que vai sobreviver desse jeito no mundo real? Acha que pode viver com essa sua maldita mania adolescente de "que se dane"?!

Corri para o meu quarto e me joguei em minha cama. Meu telefone tocou.

— O que você quer?! — atendi, alterada.

Allison? — o tom de voz dele estava surpreendentemente suave. — Você... Você está chorando? O que aconteceu?

— Aparentemente, não estou preparada para o mundo real.

— Não existe "mundo real". É só uma mentira sob a qual que temos de crescer.

— Isso é de uma música do John Mayer, Geymer.

Ele riu. Eu gostava da risada dele quando era daquele jeito. Sincera e descontraída. Não a versão presunçosa e sarcástica.

— Culpado. Estarei na sua janela em quinze minutos.

— Não consegue viver longe de mim, Isaac?

— Bem, isso é uma questão de ponto de vista. Estamos mesmo vivendo? Ou estamos morrendo?

Com essas últimas palavras de positividade, ele desligou o telefone. Quatorze minutos depois, ele estava parado embaixo de minha janela.

— Posso subir? — ele perguntou.

— Não! Primeiro que você se arrebentaria todo, e segundo que eu não quero você no meu quarto.

— Por quê? Acha que não conseguiria se segurar?

— Cale a boca ou eu berro que tem um ladrão no quintal.

Ele deu de ombros.

— Parece justo. Mas, hey, eu elaborei um discurso sobre o mundo real que preciso que ouça. Pode descer?

— Mas agora estou duplamente de castigo.

— Peruzzo. Acima de tudo, seja a heroína da sua vida, e não a vítima.

— Isso faz parte do discurso?

— Não, isso é uma frase da Nora Ephron.

— Quem?

— Não faço ideia. Por favor, desça?

Escondi um sorriso.

— Bem, já que você pediu com jeitinho...

Eu pulei e ele me segurou.

— Isaac. Me solte.

— Não.

Encarei-o por um momento.

— Não veio aqui só para me fazer ouvir um discurso, veio?

Ele sorriu.

— Não — e então me jogou no ombro direito como um saco de farinha e me carregou até seu carro enquanto eu tentava, sem sucesso, chutá-lo. Cruzei os braços quando ele me jogou no banco do passageiro.

— Vai me sequestrar, é isso?

Ele riu.

— Você fala como se fosse uma coisa ruim.

Ele acelerou e lentamente a paisagem foi se distanciando.

* * *

— Tudo bem. Pode abrir os olhos agora — ouvi a voz dele à minha direita.

— Sabe que isso é crime, não sabe? Eu poderia fazer você ser deportado por causa disso.

Isaac riu.

— Peruzzo, a justiça do seu país não condena nem os brasileiros. Acha que vão perder tempo comigo?

— Ei. Você que quis vir para o meu país, então cale a boca. Só nós podemos falar mal dele.

— Abra os olhos, Allison.

Suspirei e fiz isso. Estávamos no terraço do prédio que Marina nos levara quando caminhamos pela Paulista. Ergui uma sobrancelha.

— Sério? Me fez atravessar a cidade?

— Ei. Você ia passar esse tempo trancada no seu quarto sem fazer nada. Se pensar desse jeito, nunca irá a lugar algum. Olhe para baixo.

Fiz isso. Milhões de carros, pessoas saindo do trabalho, no celular, correndo pelas ruas. Com suas roupas sociais, e seus saltos altos, e suas feições ansiosas, porém cansadas.

— Acha que eles vivem no mundo real? — indagou Isaac. — O que eles têm de diferente de nós? São tão alheios uns aos outros quanto a nós. Nesse exato momento, estão trombando com alguém na rua que jamais verão novamente. O mundo real não começa quando você termina a escola, Allison. Nem quando você pode beber legalmente, ou quando conseguir um emprego. Você tem estado no mundo real sua vida inteira — ele apontou para a cidade sob nós, cravando os olhos acizentados em mim. — Então vá vivê-lo.

— Você pratica tudo isso em frente ao espelho ou é no improviso mesmo, uma coisa meio Jack Sparrow e tal?

Isaac abriu um sorriso de canto, parecendo surpreso pela pergunta.

— Acho que apenas penso muito sobre as coisas — ele torceu o nariz. — Você sabe, às vezes.

— Só às vezes?

— É. Às vezes eu não penso, mas isso nunca acaba bem. De qualquer forma, nós vamos viver, Peruzzo.

Isaac

Allison ergueu uma sobrancelha.

— Nós vamos?

— Sim. O que quer fazer, neste exato momento?

Ela pensou por um momento, e então sorriu de um jeito que me fez pensar que ela ia me beijar ou algo do tipo, mas em vez disso apenas agarrou meu pulso e disse:

— Vamos.

Um pouco curioso, eu a segui. Caminhamos pela Paulista, e eu via que alguns caras nos encaravam, talvez para nos roubar ou nos estuprar ou algo do tipo, e tentei fazer cara de machão, mas estava sendo arrastado aos tropeços por uma garota quase quinze centímetros menor do que eu, então, você sabe, não era muito efetivo.

Paramos em frente a um Outback.

— Tudo aqui custa pelo menos trinta paus, então vamos só conseguir bolo grátis e sair daqui — disse Allison.

— Por que vamos conseguir bolo grátis?

Ela sorriu.

— Você não está sempre um passo à frente, Little Isaac.

Mesmo depois do sorriso completamente adorável que Allison lançou à atendente, ela nos fez esperar trinta minutos. Acabamos em uma mesa de quatro pessoas ao lado de um casal da Ásia que não falava nossa língua. Bem, nenhuma de nossas línguas.

Um garçom com uniforme bonito se aproximou de nós.

— O que posso servi-los hoje? — ele nos fitou com o bloquinho em mãos, como se realmente esperasse que diséssemos "Ah, aquela costela de oitenta paus parece ótima, queremos duas".

Allison sussurrou algo no ouvido do garçom. Ele me fitou por um minuto, e então disse a ela:

— Vou precisar confirmar.

— Mas vai estragar a surpresa!

Ah, não. Ela não ia fazer isso. Ela ia?

O sorriso adorável de Allison funcionou com o atendente, que saiu e voltou depois de um minuto com um bolo de sorvete e outros cinco funcionários, que começaram a cantar, animados, com aqueles troços de soprar e um chapéu de papel que colocaram em minha cabeça:

— PARABÉNS PRA VOCÊÊÊ...

Eu nunca havia ouvido aquela música em Português, mas até achei bonitinha. Exceto depois do "Para o Isaac, nada!", que achei uma filha da putagem, e alguma macumba com pique pique é rá-tim-bum que não entendi.

Allison bateu palmas, animada, e fez o casal asiático bater palmas conosco, mas eles não pareciam muito cientes do que estava acontecendo.

Quando os funcionários gritaram "Izáque", Allison pigarreou e os fez cantar novamente, pronunciando meu nome certo. Então ela sorriu para mim e, enquanto eu estava distraído com tudo aquilo, roubou a cereja que estava no topo do meu bolo.

— Como você sabia que é meu aniversário? — indaguei.

— Sua irmã me disse — ela deu uma garfada no bolo. — Merda, isso é bom. Raspe o prato que isso deve custar pelo menos trinta contos.

— Pobre é foda — eu ri.

Allison ergueu os olhos.

— Ei, você disse um palavrão em Português!

Abri um meio sorriso.

— Você é uma péssima influência, Peruzzo.

Enquanto comíamos o bolinho num momento muito Jogos Vorazes — literalmente — percebi um garoto parado perto de nós, e eu estava me perguntando se ele também ia me roubar ou roubar o meu bolo quando percebi que ele estava fitando Allison. O que, você sabe, fez com que eu me sentisse muito menos másculo.

Quero dizer, ele sequer imaginou que eu poderia ser o namorado dela e poderia socar a cara dele? Mas, como eu não era, apenas ergui uma sobrancelha e ele desviou o olhar.

— Aquele cara ali estava totalmente dando em cima de você — comentei, enfiando mais sorvete na boca.

Ela fitou-o por um momento.

— Ele é bonitinho, mas com certeza não estava.

— Estou dizendo que estava.

Ela corou, baixando o olhar.

— Não consigo imaginar alguém tendo uma queda por mim. Não consigo imaginar alguém pensando em mim antes de dormir, ou falando com os amigos sobre mim. Alguém sentindo borboletas no estômago porque eu disse oi ou sorri, alguém sorrindo para a tela do computador ou do celular porque estamos conversando*. Acho que apenas não sou esse tipo de garota — ela me fitou por um momento. Quando não respondi de imediato, completou: — Não espero que entenda.

— Bem — fitei-a. — Tem essas garotas que eu olho e penso "God, como ela tem um namorado?!", então acho que você vai ficar bem.

Ela revirou os olhos.

— Cuzão.

— Isso soa como um palavrão — ponderei. — Mas entenda, Peruzzo: toda vez que você consegue encontrar humor em uma situação difícil, você vence. — terminei de raspar o prato. — E agora?

Ela abriu um sorriso travesso.

— Agora damos o fora daqui.

Nos fitamos por um momento, contando até três silenciosamente, e então corremos para fora do restaurante. Trombei com a mulher asiática sentada ao meu lado, que disse:

Zhu ni shengri kuaile.

Coisa que depois descobri que significava "Parabéns para você", o que foi meio ruim, porque eu respondi algo como "Você também".

Continuamos andando pela Paulista. Agora já escurecia, então minha pose de machão se foi completamente. Allison riu ao perceber e disse:

— Cuzão.

— O que isso significa? — indaguei. Ela apenas riu mais. — É sério, Peruzzo! O que significa?

Àquele ponto, Allison praticamente saltitava de satisfação.

—... O que você está fazendo?

Ela sorriu.

— Encontrando humor em uma situação difícil.

E então voltou a me arrastar pelo pulso entre as ruas movimentadas do centro da cidade.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

*adaptado de algum lugar dos confins do Tumblr