A Premonição da Terceira Grande Conspiração escrita por Teud


Capítulo 1
O Jogo da Conspiração - Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Comentem, por favor. Comentários são sempre bem-vindos e úteis.



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Com os primeiros raios do astro rei, Shinraisei Kakaroto acordou lentamente. Era a manhã do dia 23 de dezembro de 2013 e, por algum motivo, um mau pressentimento começou a consumir-lhe. E, para seu desespero, ele olhou para a janela aberta. Antes não tivesse olhado. Depois de ver o Sol horripilante, soltou um berro desesperado e saiu correndo para fora do quarto, descendo as escadas e chegando à cozinha, onde a família estava toda reunida. Sem cerimônias, deu uma pancada na mesa da cozinha para chamar a atenção de todos os presentes e anunciou em berros:

— Gente, o Sol tá vermelho! Vermelho que nem sangue!!

A família já estava assustada com o grito que Kakaroto dera em seu quarto, imagina com a notícia. Na cabeça de todos, a opinião sobre o fato bizarro era unânime: ele enlouquecera como um otaku vagabundo. O pensamento da mãe, irmã mais velha e do pai do garoto era esse, porque eles viviam na terra do Sol nascente, a ilha no “verdadeiro núcleo do mundo”, Japão; onde essas maluquices eram encaradas como “delírios de otakus” – otaku, literalmente, significa maníaco, e geralmente esse termo é usado para fãs de animes e mangás.

— Para de falar besteiras, mano... – a irmã de Kakaroto pediu.

— Ótimo conselho de sua irmã – o pai complementou. – Vamos, sente-se a mesa com a gente.

— Vocês não viram o sol?! Sério mesmo?! – Kakaroto insistiu, apontando para a janela pequena da cozinha com o indicador e o cenho franzido.

— Mas que garoto mais... – ele estava começando a se irritar. Seu semblante era um misto de fúria, impaciência e serenidade. – Não tem nada...

— Então vai lá na janela e olha! – o garoto interrompeu, decidido.

O homem à frente do menino suspirou e, com uma aparência cansada e desinteressada, foi até a janela. Antes de a irmã de Kakaroto protestar, a mãe a impediu, tapando sua boca. Ao olhar para o Sol, o senhor Shinraisei quase desmaiou. Seu filho estava absurdamente correto.

***

Em todos os jornais do mundo era a mesma notícia, na televisão era a única programação. Nas ruas, o mesmo assunto. Papai Noel sumiu. A fábrica de presentes no Polo Norte também, os fiéis subordinados duendes e todos os objetos e monumentos relacionados ao Cristianismo desapareceram da noite para o dia. A população mundial estava apavorada. As autoridades, corporações de segurança internacionais e vários órgãos mundiais de investigação estavam caçando qualquer rastro que os criminosos poderiam ter deixado.

Não havia nada.

Junto com o que foi roubado, as pistas foram juntas.

Não havia nada que a população ou as autoridades poderiam fazer.

Até que... aquilo aconteceu.

***

Dia 24 de dezembro de 2013, uma e vinte e oito da manhã, horário de Brasília. Horário maldito. Toda uma família estava desesperadamente olhando para uma tela de TV, acompanhando temerosos aos resultados da inútil caça ao sequestrador mágico enquanto Diogo Idlabet, o filho primogênito de 17 anos, dormia tranquilamente.

Exatamente aos 30 segundos da hora indicada, uma pessoa o despertou com um tapa fortíssimo na face. Irritado, ele quase esmurrou quem lhe fizera isso. Só se conteve porque era sua “adorável irmã mais nova”, que, se o jovem encostasse um dedo, sofreria consequências terríveis da família.

— O que você quer, Laura? – Diogo perguntou após se sentar na cama, ajeitar-se e engolir a fúria que lhe consumia diariamente pela figura que estava sentada de joelhos em sua cama à sua frente.

— Venha logo. O sequestrador do Papai Noel apareceu na TV!

— E daí?

Ele era incrédulo quanto ao Papai Noel e qualquer religião que seja. Acreditava que toda aquela polêmica era apenas uma estratégia de marketing para vender mais nesse Natal.

— E daí que ele tá falando sobre você!

Por alguns segundos Diogo estava tentando decifrar o que a irmã disse. Após compreender, inquiriu:

— Você tá de sacanagem com a minha cara, né?

— Não, venha ver! – ela estava mais determinada que o normal.

Talvez o desespero que a estivesse consumindo e fazendo-a mudar de personalidade. De qualquer maneira, ela não esperou seu irmão protestar: arrastou-o pelo chão até a televisão no núcleo da sala de estar. Ao olhar e começar a prestar atenção no programa, ainda no chão, que era exibido ao vivo para todo o mundo, estremeceu. Um homem mascarado e totalmente vestido em roupas negras estava invadindo os sinais televisivos de todo o mundo e, como se soubesse que Diogo acabara de chegar na sala para assisti-lo, riu como louco e em seguida comemorou:

— Finalmente viera me prestigiar, Diogo Idlabet!

A voz dele era metálica, distorcida, fria e distante. Mortal.

— Quem é você? – o garoto perguntou inconscientemente, como se pudesse falar com o mascarado da TV. Deu um tapa na testa ao perceber a infantilidade que cometera. Talvez fosse o sono.

— Eu sou conhecido como “Demônio”, o espírito principal dos renegados dos céus, como vocês adoram contar, humanidade hipócrita! – o ser respondeu, como se tivesse ouvido a pergunta de Diogo.

— O quê?! Ele me respondeu? Isso é algum tipo de pegadinha?!

Diogo estava perplexo. Para ele, o sobrenatural era apenas contos de fada. Principalmente religião e Papai Noel. Apavorado, o menino começou a tremer inconscientemente. Sofreu um arrepio extremo por todo o corpo ao ouvir mais da voz afiada do homem no aparelho:

— Sim, eu posso te ouvir e saber o que está pensando. Temos uma ligação, e lhe darei uma chance de encontrar-me pessoalmente. Caso consiga chegar até mim, devolverei o Papai Noel e todas as outras coisas que roubei. Contudo...! Se não conseguir chegar até às 11h 59min 59seg de hoje, seguindo seu horário local, eu ficarei com tudo, destruirei os EUA da noite para o dia e serei o Novo Governante Universal!

E começou a rir insanamente. Diogo estava se esforçando para crer naquilo. Não era possível que coisas assim pudessem ocorrer, pelo menos para ele.

— Irmão, lembre-se da igreja em frente a nossa casa! Ela sumiu sem mais nem menos! – Laura recordou-o. – Ele é o culpado, e se ele foi capaz de fazer isso, o que mais é capaz?

O adolescente engoliu em seco. Levantou-se e, apertando os punhos de nervosismo, questionou ainda trêmulo:

— Cara, por que esse prazo estranho?

— Hu, hu, hu... – riu baixinho, para logo em seguida responder. – Porque lá no Japão, já será Natal. E, se não tiver o Papai Noel, o triunfo já será meu!

— Tsc...! – a pausa foi longa – OK, eu aceito o desafio... – o menino afirmou, por mais incerto que estivesse. – Por onde eu começo?

O criminoso demoníaco parecia feliz com a iniciativa do jovem.

— Vá ao seu quarto. Há um objeto em seu criado-mudo ao lado da cama.

— OK – ele confirmou, correndo em direção ao quarto.

O criminoso riu sozinho e então, segundos depois, devolveu a transmissão normal dos canais.

***

Uma jovem japonesa caminhava impacientemente pelos corredores do grande prédio do Japan News em Tóquio, um dos maiores jornais e telejornais do Japão. As notícias recentes eram péssimas, e pareciam piorar a cada hora. Além disso, suas sugestões para transmitir outras coisas além das investigações fora negada três vezes. Na quarta, ela poderia ser demitida. E, desastrosamente, a carreira de Fujiwara Yuri acabaria sem nenhum grande feitio na imprensa.

Dia 24 de dezembro de 2013, uma e vinte e nove da tarde, horário de Tóquio. Por um momento breve Yuri olhou pela vidraçaria do prédio, em direção dos altos edifícios da capital e também da praça central, onde ficava, em seu núcleo, a Torre. E, por um segundo, ela sofreu uma implosão, retornando ao normal alguns segundos depois. O olhar se estendeu e ficou arregalado, apavorado. Ainda olhando para a Torre, ela viu o impossível acontecer: uma luz avermelhada surgiu ao lado do topo da construção e logo caiu algo, como se fosse uma pessoa. Ela apressadamente, após o surgimento da luz, filmou e tirou fotos do evento bizarro e, em seguida, um pilar de luz manteve-se no local. A mulher, empolgada e perplexa, correu até o escritório do editor e gritou:

— Tá vendo aquilo pela janela?!

— Tem algo a ver com o Papai Noel?

— É vermelho. Mas olha só que...

— Por favor, não somos da Coca-Cola. Enfim, pode fazer a reportagem daquilo. Te darei a chance.

Ela suspirou e sorriu para ele, agradecida, e logo depois saiu correndo para o elevador.

***

Ao chegar no quarto, na verdade haviam dois objetos no cabeceira de Diogo: dois dados. O garoto os pegou, estranhando-os. Eles eram vermelhos e com contas amarelo-ouro que indicavam os números. Observando-os, tentou achar alguma mensagem com instruções. Nada. Procurou no criado-mudo. Nada. A família apareceu atrás dele no momento em que ele terminou a busca e reclamou:

— Que merda eu faço com essas porras de dados?!

— Nossa, tá estressadinho por quê? – Laura provocou.

— Ahh... Você que não tem um mundo inteiro nas costas pode brincar – Diogo ironizou, menos estressado. – Mas eu não. Agora, me digam algum de vocês, o que eu faço com isso?

— Por que você não tenta jogá-los sobre a cama ou no chão mesmo? – o pai sugeriu.

— Para quê? – o garoto arqueou uma sobrancelha simultaneamente.

— Sei lá. Talvez os números te digam algo...

Sem muito interesse, tacou os dados na cama. Estranhamente pararam no ar durante a queda e voltaram violentamente para as mãos dele, quase derrubando-o no chão. Os olhos do menino incrédulo estavam esbugalhados. A família atrás dele, boquiaberta. Após alguns segundos, recompôs-se e tentou tacar os dados no chão. Os objetos carmesim ficaram no piso, giraram como todo dado, porém não caíram em números, equilibrando em suas vértices.

— Esses dados parecem viciados... – o pai observou.

— Muito mais, né, porra – o filho xingou. – Esse troço tá é macumbado, que nem o cara da TV.

— Filho, tenha mais cuidado com o que fala – a mãe advertiu. – Às vezes o seu linguajar...

— Se o sequestrador ligasse pra isso, não teria feito o que fez, né, mãe? – Diogo tentava manter-se calmo, embora estivesse sarcástico.

— É verdade...

— Então o que eu falo ou deixo de falar não faz diferença – concluiu, pegando os dados do chão. – Já que falamos em apostas... Tive uma ideia.

O garoto foi até a mesa da cozinha e tacou os dados nela. Eles finalmente caíram em dois números: 4 e 5. Arqueou as sobrancelhas, esperando algo ocorrer. Nada. Franziu o cenho após cinco segundos.

— O que é isso? 45? 54? Que merda isso significa? E por que não aconteceu nada?

— Não seria nove? – a mãe inquiriu às suas costas.

— É, poderia ser... Espera, nove... Eu já vi nove em um mapa relacionado ao Japão!

— Hã? – todos estranharam.

Diogo pensou um pouco, e logo lembrou-se do mapa onde vira tal informação.

— +9:00 GMT é o fuso horário do—

Antes que pudesse concluir a frase, o garoto foi implodido até desaparecer da presença de todos.

***

Após ver uma estranha luz rubra na casa de seu vizinho, Yuri Silva, o “melhor amigo” de Diogo, correu até a tal casa, onde seu amigo morava. Bateu freneticamente na porta da frente e, ao ser atendido, questionou, energético como sempre, o que havia acontecido. Laura, a pessoa que o atendeu e tinha uma certa paixonite pelo galã como todas as garotas do bairro e da escola, desviou o olhar, temendo o que poderia ter acontecido ao irmão.

Lentamente contou a história.

Ao término, mesmo “odiando” o irmão, quase caiu em lágrimas. Os orbes celestiais do garoto flexionaram-se, acompanhando o humor da garota à sua frente, porém logo ele mudou sua expressão. Como Yuri sempre faz com todos, tentou consolá-la, segurando-a nos ombros e dizendo palavras encorajadoras e vazias. E, naquele momento em que Laura estava quase pirando de vergonha e tristeza e euforia e alegria e mais uma centena de sentimentos conturbados, o louro ouviu um som agudo e quase inaudível. O áudio o paralisou por completo e gradativamente ia aumentando até se tornar algo quase ensurdecedor. Entretanto aquilo estava em uma frequência que apenas o mesmo ouvia, pois ninguém mais ouviu. Por isso Laura estava perplexa, pois para qualquer um que observasse, Yuri estava parado como uma estátua, e com os olhos fixos em uma única direção e fora de foco. Ao final da curta sinfonia de horrores de um minuto, a mente do jovem era dominada subitamente por um pensamento absurdo: “Preciso ir à escola”.

Legal que era apenas uma e meia da manhã.

Mesmo assim, ele largou a garota de lado e seguiu as ordens da estranha música que ecoava em sua mente constantemente e o dominava por completo, sem pestanejar.

***

Yuri, a jornalista, estava na Praça Central de Tóquio, onde, até poucos segundos antes de ela estacionar com o carro repórter, nevava e um feixe de luz vermelha estava continuamente iluminando a cidade com um brilho carmesim, provavelmente patrocinado pela Coca-Cola, como o motorista do furgão, Kenji, sugerira. À sua frente, um garoto estranho, provavelmente estrangeiro, espatifado na neve fofa e gelada. Alguns segundos depois dela tirar algumas fotos e cutucá-lo, o mesmo deu um salto que o pôs de pé, logo xingando em português brasileiro:

— Puta que pariu! Mas... onde eu tô?!

A mulher e o motorista, que estava do lado de fora do veículo olhando a cena e filmando, olharam para ele cheios de dúvidas. Obviamente era o idioma e... como o mesmo foi parar lá? O menino estava tonto e com a visão desfocada, todavia logo que viu a Torre de Tóquio e sentiu a mudança de clima, começou a tremer e a tentar se proteger do frio. Além de estar perplexo por sair de sua casa quentinha no Brasil e parar no Japão em questão de segundos. Mesmo com medo de que o vento gélido entrasse pela sua boca e narinas, respirou fundo e começou a falar em japonês, ainda com um pouco de sotaque brasileiro:

— Eu estou no Japão? Isso é um sonho?

Os dois arquearam uma sobrancelha. Após um curto silêncio, Yuri tentou se comunicar.

— Não é um sonho. Você está no Japão mesmo, garoto. Qual é o seu nome? – fez a pergunta bem devagar.

— Diogo Idlabet, senhora – ele informou, tremendo com um vento que passou-lhe pelas pernas descobertas. – Eu estaria pulando de alegria por estar aqui se não estivesse tão... – espirrou. – frio!

Ela estava paralisada de susto. Diogo Idlabet, o garoto mais procurado naqueles dez minutos mais marcantes na vida de todos naquele momento, com a ameaça ao vivo em todo o mundo e traduzida a todos os idiomas, estava simplesmente a sua frente, morrendo de frio.

— Certo, certo! – a repórter disse depois de se recuperar. – Kenji, coloque-o no carro. Ele deve estar morrendo de frio, coitado!

— Pretende entrevistá-lo? – o homem questionou.

— Um pouco mais do que isso... – respondeu com um sorriso malicioso.

***

Laura informou aos pais o ocorrido com o visitante inusitado. Eles ainda ficaram mais atônitos. Após um incômodo silêncio que corroía a todos os presentes, o senhor Idlabet questionou:

— Será que esse comportamento estranho do Yuri está relacionado com o sequestrador do Papai Noel?

— Mas como?! – Laura inquiriu sem entender onde o pai queria chegar.

O homem estava aflito e acabado, não só pelo sono, mas também pela situação crítica em que o mundo e seu filho estavam. Onde diabos estaria Diogo, o mesmo se perguntava com tristeza.

— Parece que tudo o que acontece agora está nas mãos desse homem, como se ele fosse Deus... Ele é pode—

— Pare com isso, amor! – a mulher interviu. – Pare de blasfemar contra Deus! O mascarado é o Demônio, como o próprio afirmou! Deus está permitindo que isso aconteça para testar nossa fé!

O patriarca arregalou os olhos. Ele havia se esquecido de sua fé, e sua mulher a restaurou. Aos poucos ajeitou-se na cadeira de madeira em que se sentava e sorriu confortavelmente para as duas à frente de si.

— É mesmo. Vou ao nosso quarto e pedir perdão à Deus.

— Como preferir – a mulher respondeu, igualmente sorridente.

Laura, pela primeira vez em sua curta vida, concordou com seu irmão e sentiu uma certa repulsa da religião. Como eles podiam se sentir confortáveis com o argumento tão vazio de sua mãe que era frequente entre os membros das igrejas? E se Diogo não estivesse bem? A menina começou a se consumir em dúvidas internas e, sem nada dizer, fugiu de casa.

Ela iria atrás de seu irmão, mas antes, de Yuri.

***

Shinraisei Kakaroto estava em um Maid Kissa – uma lanchonete onde as garçonetes fazem cosplay de empregada e, em alguns, de outras coisas, além de outros terem gatos para os clientes acariciarem – próximo à belíssima Torre de Tóquio na véspera de Natal, enquanto todos os seus colegas e até sua irmã estavam com seus parceiros. Não que ele não queira estar saindo com uma garota, o problema era com quem. Ninguém se interessava pelo mesmo, pois seus assuntos se resumiam a computador, jogos e estudos, além de sua aparência regular e sem graça. Além de ser atrapalhado. Típico japonês.

Foi servido pela mesma garçonete de sempre, uma garota de treze anos que se identificava como “Neko” – gato em japonês –, que lhe entregou um milk-shake de limão com chocolate em flocos. Ele não entendia o porquê de ela ser a única Lolita em toda a loja, enquanto todas as outras maids – empregadas – eram adultas. Também não entendia porque ela sempre o servia todas as vezes que ele ia lá, cerca de duas vezes na semana.

Deixou os questionamentos de lado e resolveu fitar a imperante construção metálica que tocava o céu nebuloso e congelado da metrópole enquanto bebia seu milk-shake. O poder que ela exercia não era de compreensão humana, contudo o garoto podia sentir. Aquela não era simplesmente uma imitação da Torre Eiffel. Na mitologia, a torre era, nada mais nada menos, que o centro de todo o conhecimento e onisciência, chamado de Registros do Conhecimento – do japonês/inglês Akashic Records –, semelhante a Yggdrasil da mitologia nórdica. Antes da torre ser construída, havia uma enorme árvore naquele local, é o que diz os registros confusos da Antiguidade, o que reforça mais a ideia do Akashic Records invisível no mesmo local que a Torre de Tóquio. De qualquer modo, o menino, ao encarar a obra monumental, desejava poder entrar nos Registros e aprender algo que não deixasse sua vida ainda mais monótona. Após algum tempo, um estranho fato ocorreu: um brilho vermelho surgiu nos céus, próximo à Torre.

Kakaroto observou a inusitada cena com atenção. De dentro da luz carmesim, que parecia ser uma “fenda espaço-dimensional” de anime, saiu um garoto, aparentemente estrangeiro, inconsciente. O garoto, que a tudo era testemunha, estava boquiaberto. Alguns momentos depois o brilho sumiu, transformando-se em dois objetos minúsculos no ar e, instantes depois, ambos voaram magicamente até os bolsos do gringo enquanto a gravidade o puxava impiedosamente ao chão.

O japonês largou tudo e foi até a praça onde o misterioso iria cair. Correu em direção ao desacordado, tentando ajudá-lo.

Entretanto a gravidade foi mais rápida que Kakaroto.

Quando o estranho afundou na neve, uma coluna de energia avermelhada empurrou o solidário e entediado longe, que perdeu a consciência ao bater a cabeça na parede ao lado da entrada do Maid Kissa.

***

Usando um casaco reserva do furgão da Japan News, Diogo Idlabet tentava se proteger do frio. Havia sido tratado razoavelmente bem, secado com uma toalha, pois, com a queda, quebrou alguns blocos de neve e gelo, além de evaporar outros... Enquanto se encaminhavam ao prédio do jornal, o brasileiro tentava, da melhor maneira que conseguia, contar o que acontecera a ele até chegar ali e sua missão. O motorista, Kenji, e a repórter, Yuri, duvidaram inicialmente de sua palavra, mas depois aceitaram de certa maneira. O Papai Noel e o Vaticano sumiram sem deixarem rastros. Aquela situação podia piorar, como um garoto ser teleportado para o outro lado do mundo para uma missão louca e talvez até suicida.

Enquanto conversavam, Diogo sentiu algo queimando em seu bolso e parou de falar, ficando com os olhos arregalados e a boca, afundada em dor e agonia aprisionados. Rapidamente se livrou da tensão, retirando os dados do bolso e tacando-os nas portas traseiras do veículo. Ao bater violentamente nelas, um em cada, ambas ficaram com pontos chamuscados. Quando tocaram no chão do carro, um deles atravessou o mesmo enquanto o outro estava parado, na direção oposta a ele. Os dados ficaram exatamente em uma posição específica, formando uma linha no chão com o movimento anterior. Uma diagonal perfeita.

— Mas que merda é essa?! – Diogo berrou em português.

Yuri levantou uma sobrancelha.

— Perdoe-me – ele pediu, voltando a falar em japonês. – Eu reclamei, perguntando o que havia acontecido...

— Isso me pareceu um palavrão, pela intensidade... Mas vamos deixar quieto...

Diogo engoliu em seco. Aquela mulher não era repórter à toa. Simplesmente sabia tudo o que ele pensava só pelos gestos. Isso, de certa maneira, impressionava e assustava-o. Parou de pensar nessas coisas quando viu que se formava uma imagem no chão, semelhante a um vídeo.

Era só o que me faltava... Hologramas!”, pensou. E realmente era isso que era, exibindo-se através dos cubos rubro-dourados.

Era Demônio, o sequestrador do Papai Noel e de Cristo. Ele estava com a mesma vestimenta, porém sem a máscara. Mesmo assim, não era identificável. A câmera focava em seu rosto, contudo do nariz para baixo e com pouca iluminação. A única coisa visível e clara, além das vestes, era o movimento dos lábios, rápidos e confusos. Como se esperasse Diogo dar total atenção, contraía a face como se estivesse irritado.

Ao ver que sua cobaia favorita estava prestando atenção nele, sorriu, ajeitou-se – parecia estar sentado – e começou a falar entusiasmado. A voz ainda estava distorcida e fria, todavia doentiamente divertida.

— Olá, Diogo Idlabet! Boa tarde! Como está o frio de Tóquio? Gostoso? Desconfortável?

Uma legenda em japonês se passava abaixo do vídeo. O vilão fazia questão de que Yuri também entendesse a conversa, como se soubesse que eles haviam se encontrado.

— Para de palhaçada. Provavelmente tem algum lugar para eu ir, certo? Então, onde?

A legenda traduzia o que Diogo falava também.

— Oh, oh! Muito rápido, garoto!

A personalidade mudou... Será que é bipolar?!”, cogitou.

— Então – continuou com a voz mais equilibrada – você não tá afim de conversa... Tranquilo... Vou te falar sobre o Jogo com mais detalhes...

— Jogo?! Tá me fazendo de palhaço, filho de uma...!

Yuri segurou uma risada. Demônio interrompeu:

— Acalme-se. Isto é necessário. Veja bem, como eu disse anteriormente, temos uma relação. Eu te conheço, e você me conhece. O Jogo consistirá nessa intimidade.

— Mas o quê...?!

— Se eu te dissesse quem eu sou, o impacto em você seria ou nulo ou diferente do que eu pretendo. Quero lhe fazer refletir, repensar seus atos e mudar como pessoa. Mas para isso você precisa... – a pausa foi longa. A pessoa sobrenaturalmente sombria do outro lado abaixara a cabeça e refletia, como se, pela primeira vez, não soubesse as palavras certas que dizer. Ou o ódio por Diogo era tão grande que isso o impedia de falar. Ou os dois. – pagar pelos seus pecados. O sofrimento e a dor são os melhores professores.

Diogo ficou confuso. Quem poderia lhe querer tanto mal? Ele nunca maltratara ninguém, sempre foi um cara mais reservado, sempre “na sua”. Não era de ter muitos amigos, mas isso para ele não era ruim, pois as responsabilidades eram menores. Contudo... mesmo que fugisse de amizades, uma delas, pelo visto, causara um dos maiores eventos da história mundial. De alguma maneira, estava envolvido e era cúmplice. Por mais que nada fizeste, aparentemente. Enquanto pensava nesses fatores, o criminoso ia ficando sem paciência por não ouvir uma palavra do pensador de cabeça quente.

— Não irá fazer nenhuma pergunta? – perguntou.

— Devo escolher perguntas boas para ver se você responde... – o menino de olhos esmeraldas respondeu pensativo e levemente apático, distante.

Demônio não gostava daquela atitude. Para ele, o melhor era vê-lo em desespero, agonizando em dúvidas. Observá-lo pensativo e calmo era desconfortante, pelo menos naquele momento. Para o maligno, a hora de pensar seria no final da jornada, e não naquele início. De qualquer modo, após alguns minutos em silêncio, finalmente palavras saíram da boca do brasileiro escolhido.

— Você impôs este jogo para eu evoluir como pessoa e repensar os meus conceitos – afirmou, ignorando o quão psicótico é envolver o mundo nisso tudo, além do próprio jogo, incompletamente explicado, era bizarro. – O objetivo do jogo é chegar até você em menos de 10h e 20min. Mas para isso... do que eu preciso?

A misterioso riu mais do que na primeira vez que conversou com Diogo. O tal engoliu em seco baixinho, como se temesse que até aquilo fosse ouvido pelo ser obscuro e usado contra o mesmo.

— Vou explicar o Jogo da Conspiração agora – informou após se acalmar. Sua voz voltara a ser mortal, impondo autoridade e medo em todos os presentes. – Ele consistirá em você achar cinco chaves. Darei uma pista de sua localização, mas a última só pode ser usada após a consulta à árvore. Mais detalhes posteriormente, se você sobreviver até o final.

Bom saber que eu posso morrer no meio do caminho”, Diogo pensou sarcasticamente.

— Cada chave está escondida em algum ponto da cidade ou local onde você será teletransportado – prosseguiu. – Ao achar a chave com as dicas que lhe fornecerei em forma de poemas, você abrirá uma porta, em que sua localização não será necessariamente próxima à chave, mas terá alguma relação entre os dois locais. Eles serão na mesma cidade e os dois estarão indicados no poema.

Ótimo... Poemas podem ter zilhões de traduções. Tô fodido...

— Usará essas chaves para abrir as portas. Em cada um dos recintos haverá uma mesa ou outro lugar plano e branco ao invés do que haveria ali normalmente. Taque os dados nessa superfície e você irá ser teleportado para o próximo local. Se você chegar no último, após passar pela árvore, terá que responder a uma pergunta decisiva. Caso erre, não poderá me encontrar. Jamais. Contudo, revelarei assim mesmo minha identidade antes de sumir para sempre, e você viverá com culpa pelo resto de seus dias. Lhe garanto.

Diogo estava simplesmente sem reação. Seu sangue havia congelado em suas veias. Deu-se conta de que sua missão seria muito mais difícil do que imaginava, e que o rancor do mascarado por ele era interminável. O garoto estava confuso e atônito. Seus pensamentos embaralhavam-se. Assim afirmava-se o prazer da mente maligna do outro lado do vídeo, deleitando-se em seu próprio gozo sádico.

Não por muito tempo. Diogo retornou ao semblante concentrado e inexpressivo, questionando:

— Viajarei por todo o mundo?

— Sim... – o sequestrador respondeu.

— Então será até divertido... – um sorriso maniacamente doentio formava-se nos lábios do jovem, que sucumbia a loucura pelos fatos bizarros e consecutivos em sua vida.

E então o veículo virou de ponta a cabeça, subindo ao ar e, por poucos milésimos de segundo que pareceram milênios para os três, ignoraram a gravidade antes de capotarem por três quarteirões à direita no cruzamento.

***

Laura corria pelas ruas desertas de Macaé no meio da madrugada. Seguindo sem rumo até a alguma escola. Ligara incontáveis vezes para o procurado, contudo sempre caía na Caixa Postal imediatamente. Por sorte ali perto havia um conglomerado de escolas. Esperava que Yuri estivesse em uma delas. Após seguir por dez minutos ocultando-se nas sombras das poucas árvores e dos prédios, chegou a aglomeração dos magistérios. Como louca, saiu correndo de porta em porta, procurando pelo amado.

Passou por dez escolas e não encontrou-o. Quinze. Vinte. Havia vinte e nove no total, e nada. Ele não estava em lugar algum.

— Mas que merda! Onde diabos ele pode estar?! Eu até já passei na nossa escola e...

Como se ouvisse as reclamações da garota, a voz metálica que a garota ouviu na TV, porém naquele momento nebulosa, sussurrou-lhe nos ouvidos:

— Ele está na escola distante. Aquela bem difícil! – e depois riu.

A voz, além de apavorar Laura, foi sumindo aos poucos em efeito fade out. Ela suava frio e ofegava. Olhos esbugalhados e corpo trêmulos. Antebraços semilevantados desajeitados e à frente do corpo. Olhava para os lados e não via uma alma viva além do homem que dirigiu um carro que passou na rua à esquerda de si. Pensou em gritar por socorro, entretanto era inútil. Mesmo que a ouvissem, poderiam ser ladrões. Ela não queria correr o risco. Por mais louco que isso soasse para a menina, resolveu pensar na dica que a estranha voz lhe dera.

Escola distante e difícil... Que escola assim eu conheço...?”, pensou, conferindo mentalmente todas que já visitou.

Após alguns momentos de pensamentos diversos, pois a preocupação acerca de Yuri e Diogo bateu nela, teve um insight e descobriu onde Yuri estava.

— Só podia ser naquela escola! Como não pensei nisso antes?! Mas... Como eu vou chegar lá sem um carro...?

— Laura?! – gritou uma mulher atrás da mesma.

A irmã de Diogo deu um pulo para frente, assustada. Virou-se rapidamente e viu que se tratava apenas de Margareth, sua grande amiga de dezoito anos.

Amarga! Como você vai? – questionou brincalhona, usando o apelido antigo e pulando nos braços da amiga.

— Nossa, você e as outras não esquecem esse apelido... – Margareth reclamou, retribuindo o abraço e desviando o olhar.

— Mas é legal! – sorriu e encarou nos olhos da outra com seus olhos esmeraldas mais brilhantes que o do irmão. – Enfim...—

— Legal o cacete! –gritou, interrompendo Laura e desfazendo o abraço. – O que você faz na rua essa hora, Baixinha?

— Por que você me chamou de... – tentou dizer, constrangida e irritada.

— Devida vingança pelo Amarga – respondeu com um sorriso maquiavélico, que logo desfez. – E você não respondeu minha pergunta.

Laura ficou pensativa. Poderia pedir para Margareth lhe dar uma carona até Búzios e chegar na tal escola, mas... como ela faria esse favor para a amiga àquela hora da noite sem um motivo plausível?

Começou a ficar desesperada, sem saber o que fazer. Dizem que mulheres, quando estão indecisas, são a pior coisa que se pode enfrentar. Sentindo raiva por se lembrar desses dizeres que o irmão costumava repetir freneticamente para irritá-la, decidiu que iria contar com a sorte e resolveu ser sincera:

— Amiga, eu preciso de um favor...

***

O menino estava desorientado. Sentia seu corpo estar sendo puxado por mãos leves e delicadas com muita dificuldade. As náuseas do acidente custaram-lhe os sentidos e vários ferimentos superficiais. Sorte que não morreu nem se machucou muito. Uma voz longínqua chamava-lhe, entretanto ele nada entendia. Depois de alguns segundos, a voz começou a ficar mais alta e próxima, até ser considerado fala.

— Nyan! Você está bem, nyan?! – uma criança e com cosplay misto de maid e gato, questionou em japonês. Diogo demorou alguns segundos para entender, pois ainda estava tonto. – Nyan, me responda, nyan! Nyan!

— Cala a boca, caralho! – Diogo gritou em português, saindo do estupor finalmente. Mesmo que gostasse do cosplay, achou irritante a mania “nyan” ao vivo.

A garotinha se afastou correndo do garoto que estava sendo arrastado para fora do veículo destruído e encolheu-se atrás do poste, dizendo:

— Ele é do demônio, nyan! Ele não fala japonês, nyan!

Um garoto próximo, japonês, de aproximadamente quinze anos, totalmente agasalhado e com faixas de gaze na cabeça, riu por algum tempo da reação da criança, que ficou irritada com aquilo e começou a socá-lo.

— Pare, pare! – o garoto pediu, sorridente. – Tenho que tirar todos do carro, já que você não quer mais ajudar...

— Claro! – ela respondeu. – Ele é estranho e gritou comigo estranhamente, nyan!

— Ele é brasileiro, e eles são de um país que não fala japonês. Então ele não sabe...—

I speak English, Portuguese, Japanese, Greek and Latin because my school is very hard. – Diogo informou em um quase perfeito inglês. – However, my best languages as I speak as are Portuguese and English.

O japonês na frente dele estava impressionado e boquiaberto. Não podia crer que um adolescente brasileiro fosse poliglota. Decidiu ignorar a surpresa alguns segundos depois, dando de ombros, visto que aquilo era irrelevante comparado a outras bizarrices que aconteceram nos últimos dias, envolvendo até mesmo o brasileiro à sua frente.

— Eu também ‘falar’ português. Mal, mas eu ‘falar’ – o japonês informou.

— Ótimo, continue falando assim... – Diogo pediu, não se surpreendendo e tentando se levantar.

Os transeuntes começaram a cercar o local onde o carro estraçalhado havia parado. Olhavam e ouviam a conversa anormal entre eles, cochichando falsidades entre si. Diogo fitou a multidão, circundando a cabeça por alguns segundos. Bufou irritado em seguida.

— Alguém deve ter chamado uma ambulância... Argh! – pôs-se de pé, contudo um ferimento em sua perna esquerda dificultava a permanência na posição.

— É melhor você esperar por ela... – o japonês sugeriu.

— Depois de tirarmos os dois de lá de dentro, que tal?

— OK...

Os dois, com dificuldade, arrastaram Yuri para fora do furgão, que estava machucada e desacordada, porém bem. Kenji, por outro lado, gravemente ferido. A dupla resolveu não encostar nele. Alguns da multidão tentaram impedi-los de ajudar a repórter, todavia a garotinha-gato começou a atrapalhá-los. Diogo pegou Yuri nos braços, após ela ter sido arrastada até uma calçada, e deu uns tapas em suas bochechas amareladas. A mulher despertou expirando desesperada, como se tivesse se afogado.

— Aliás, eu não perguntei o seu nome...

— É Shinraisei Kakaroto... E o seu?

— Diogo Idlabet.

Kakaroto sorriu, mais como hábito de conhecer alguém do que por felicidade. Diogo estranhou um pouco, contudo controlou seu rosto para não demonstrar. De repente sentiu um estalo em sua mente e perguntou:

— E a garotinha de cosplay, qual é o nome?

Kakaroto demorou para entender.

— Ela se ‘identificar’ apenas como “Neko”...

Diogo arqueou uma sobrancelha. Vendo que Kakaroto e Neko não iriam dizer mais nada de útil e concreto, suspirou.

— Por que estou com esperanças que eles sejam normais? A minha vida já deixou de ser normal mesmo... Hm!

Sentiu uma dor excruciante e mortal. A perna ferida não aguentava mais o seu peso. E, fragilizadas, logo desabaram. A consciência fugia dele, e, ao deitar a cabeça na neve, percebeu que se afogava e afundava em um mar carmesim em crescimento constante.

***

— Nossa... – Margareth disse, comovida. – Mas é claro que eu ia te ajudar, bobinha! Vamos logo!

A mais velha puxou pela mão a distraída Laura até seu apartamento, que era em uma esquina que antes estava atrás de Amarga. Após produzirem-se, saíram velozmente pela garagem do prédio e iniciaram a louca viajem até Búzios.

— Por que você achou que eu não te ajudaria? – Margareth questionou sem olhar para Laura, que estava no banco do carona.

— São uma e meia da manhã, e eu tô te pedindo um favor totalmente sem sentido!

Margareth riu.

— Esse mundo não faz sentido mesmo... Além disso, o Papai Noel foi sequestrado e o Vaticano também! Depois dessa, para que duvidar de uma amiga?

Laura ficou feliz com a colocação da amiga, por mais que tenha sido doloroso a parte do sequestro, pois seu irmão também desaparecera.

Será que realmente ele está no Japão? Tem como ele estar lá tão fácil assim?!”, inquiriu-se.

***

Dia 24 de dezembro de 2013, meia-noite e trinta e cinco minutos, horário de Washington D.C.

Barach Ohkama, o homem teoricamente mais poderoso do mundo por ser o presidente dos Estados Unidos da América do Norte, estava em sua sala mais iluminada que Las Vegas, sentado na cadeira presidencial com a pior expressão que poderia expressar. Cansaço. As investigações que naquele momento estavam entrando na casa dos milhões preocupavam-no. Nada encontravam. Toda vez que os membros da CIA, FBI, NSA e CERN entravam na sala, era para dar más notícias. Até que o representante internacional da Japan News entrou em sua sala estabanado.

— Senhor presidente, é urgente! Dê-me licença! – ofegante, o japonês estava com litros de suor escorrendo pelas têmporas e testa.

— Pode falar! – Ohkama autorizou eufórico. – São notícias realmente significantes?!

— Sim, senhor! – estava apressado e esforçando-se ao máximo para falar inglês claramente. – Diogo Idlabet está internado no Tokyo International Hospital!

— Mas o quê?! Esse Diogo... é o garoto que o criminoso conversou pela televisão?!

— Sim, senhor. Ele surgiu ao lado da Torre de Tóquio e junto dele um pilar maior que a torre de luz e energia vermelho! Depois entrou em um furgão da Japan News e sofreu um acidente no cruzamento. O carro que bateu no furgão desapareceu segundo algumas testemunhas, e em seu lugar estavam um adolescente japonês e uma criança fantasiada.

— Mas que... – o presidente estava ficando cada vez mais pálido. Talvez fosse até confundido com um mestiço entre brancos e negros. Tentando processar as informações, suava frio e ficava cada vez mais perplexo. Porém logo assumiu a posição de incrédulo. – Pare de dizer asneiras! Não tem como isso acontecer!

— Assim como não tem o Vaticano sumir sem deixar rastros!

Barach Ohkama calou-se. O japonês engoliu em seco e, após fazer um cumprimento com a cabeça tradicional de sua terra natal, virou-se para sair da sala. Contudo alguém o impediu, entrando da mesma maneira que ele e quase o derrubando no chão com o encontro.

— Desculpe-me... – o homem louro e alto pediu. Usava óculos escuros e terno. Seu sotaque era russo. – Senhores, eu ouvi a conversa. Perdoem-me por isso, mas a história do pilar vermelho não é exclusiva ao Japão.

— O QUÊ?! – Barach e o outro estranharam sincronizados.

— Em outros lugares do mundo esse fenômeno foi observado – prosseguiu. – No Iraque, um pilar de fogo incinerou vinte iraquianos, três franceses, dois ingleses, quatro brasileiros e um americano que passavam pelo local.

Um americano morreu?! – Barach questionou desesperado, não se importando com as outras mortes.

— Sim, senhor. Lamentável isso, porém isso tudo é culpa do criminoso autodenominado Demônio. Continuando, na Lituânia observou-se o mesmo fenômeno que o do Japão. Os mesmos casos que no Iraque observaram-se no Brasil e no Egito. Apenas um egípcio se feriu levemente.

— Em que lugar do Brasil?

— Em Cabo Frio, ao lado do Forte de São Mateus, na Praia do Forte.

O presidente ficou pensativo, como se todos os lugares fossem conectados entre si. Após um longo silêncio, o russo chamou:

— Senhor presidente? Está tudo bem?

— Hmm... Estou pensando... Chame os agentes do FBI e da CIA aqui. Agora.

— OK... – e se retirou da sala, puxando o japonês consigo.

Barach Ohkama permitiu-se suspirar e reclinar na poltrona, secando o suor do rosto com um pano próximo em seguida.

Já que Diogo e Demônio são capazes de se teleportar... Irei auxiliar Diogo e cercar Demônio. Tomara que meu plano dê certo... Torça por mim, Ea”,ele refletiu.

***

Dia 24 de dezembro de 2013, duas e cinquenta da tarde, horário de Tóquio.

Diogo acordou com um soco forte que o derrubou da cama. O local era coberto e fracamente iluminado. Canos de energia e água serpenteavam as paredes distantes dele e o teto, criando pequenas goteiras no local, sendo que estavam em uma estação que não chove. Após recuperar os sentidos, deu conta de que estava em um armazém abandonado. A porta gigante estava semiaberta. À sua frente estavam Fujikawara Yuri, Kakaroto e Neko. A mulher possuía curativos por todo o corpo.

— Yuri, você está bem? – Diogo perguntou.

— Sim... Eu que te pergunto isso.

— O quê...? – questionou sem entender.

Ela apontou para a perna lesada do garoto. Ao olhá-la, arregalou os olhos. Grossas faixas de curativo e gazes estavam enroladas no membro, bem apertadas, porém empapadas de sangue. O menino assustou-se com aquilo.

— Não se preocupe, nyan! – Neko pediu. – Eu estanquei o sangramento, nyan!

Diogo, que olhava para a garota enquanto a mesma falava, desviou o olhar novamente para a perna com a conclusão da fala. Daquela vez, porém, estava reflexivo. Tentava decidir o próximo passo. Após pensar por um longo tempo, chegou à conclusão de que deveria questioná-los o que aconteceu enquanto ele estava desacordado. As possibilidades eram infinitas, e qualquer fato poderia ser relevante nessa jornada. Assim sendo, iniciou:

— Certo, Neko... – disse em japonês para não assustá-la novamente. – Você sabe o que aconteceu depois que eu desmaiei?

— Sim, nyan! – ela respondeu empolgada.

***

Dia 24 de dezembro de 2013, três e quarenta e cinco da manhã, horário de Brasília. Laura guiou Margareth pelo caminho tortuoso e sem trilha até a escola de Diogo, a mais rígida do país. Os olhos de ambas se iluminaram na escuridão da noite ao verem, através da lanterna do farol do carro, a placa acima da entrada da escola, que estava escrito:

ACADEMIA NUVEM NEGRA – campus Armação dos Búzios

Saíram do veículo desajeitadamente e logo viram Yuri Silva olhando para a instituição. Elas ficaram confusas por um tempo, mas logo correram até o menino e chacoalharam-no. Após quase derrubarem-no no chão, o mesmo despertou de seu devaneio.

— Hã... Ah! Laura! E... Margareth! O que está fazendo aqui?

— Eu que te pergunto, idiota! – Margareth gritou, assustando-o.

Após o espanto, percebeu. Ele estava em um lugar onde ele nunca esteve.

Onde estou?!”, questionava-se freneticamente.

— Aqui é a escola do Diogo – Laura informou secamente.

Yuri estava perplexo. Perguntava-se como chegara até ali sozinho. Depois de forçar um pouco a mente para tentar responder a pergunta, lembrou-se da música que dominou sua mente e o levou até ali. Agora, como ele chegou lá tão rápido... Não sabia. A única coisa que lembrava era de estar passando pelas escolas de Macaé e então... estava lá. Instantaneamente. Passou a informação para as garotas, que ouviram e ficaram sem reação. Após um longo silêncio, Margareth perguntou:

— Como você pretende achar seu irmão agora, Laura?

— Hm... – ela começou a pensar, até chegar rapidamente em uma conclusão. – Vamos forçar Yuri a se lembrar do que aconteceu! Ele deve saber uma maneira de se teletransportar sem ser pelos dados!

— Já disse que não sei como vim parar aqui! – Yuri gritou.

Repentinamente as portas frontais do instituto se abriram, revelando três pessoas lá dentro cheios de curativos e uma criança fantasiada de gata e empregada. Um dos feridos era Diogo Idlabet.

— Maninho! – Laura chamou em um grito, correndo em seguida em sua direção e indo até o portão gradeado. – Merda de portão, me deixa passar!

— Não se preocupe – Diogo pediu calmamente, andando até o portão e abrindo-o com uma chave estranha.

— Que chave é essa?

— É uma chave que abre qualquer porta, menos as que estão no Jogo da Conspiração, pois essas eu tenho que ir achando e... essa aqui era uma delas.

— Jogo da Conspiração? O que é isso?

— Depois te explico melhor... Margareth! Pode nos dar uma carona até o Forte São Mateus?

— OK! Vamos, entrem no carro!

Todos entraram rapidamente.

***

— Você nos tirou do hospital depois que um deus grego tentou nos matar?! Mas que merda é essa?!

— Você foi teleportado por doze fusos horários, nyan. Não deveria duvidar de mais nada, nyan!

Diogo suspirou. Era muita informação para processar. Pelo menos podia falar português com ela agora. Depois de se tranquilizar um pouco, prosseguiu:

— E você é uma deusa? Como assim?

— Sou uma deusa do Egito Antigo. Bastet, a deusa guerreira e dos gatos. Prazer! – cumprimentou-o. – E não fale meu nome a mais ninguém! Me chame de Neko!

Diogo encarou Bastet analiticamente, mas logo desistiu de tentar se convencer de que a criança estivesse mentindo.

— Pior que o poema fala sobre você... – mostrou a ela um pedaço de papel amassado escrito à sangue humano que surgiu no bolso direito da calça de Diogo repentinamente há pouco tempo. – Mas não precisava ter atropelado a gente...

Ela sorriu satisfeita, ignorando a última parte dita por Diogo. Em seguida leu o poema e o interpretou. Deveriam voltar ao Maid Kissa e abrir a porta do banheiro feminino com a chave que Bastet usava como pingente, além de afirmar que a próxima porta estava no Forte São Mateus, em Cabo Frio. O carro improvisado de Bastet os levou até o local. Chegaram em frente a porta do banheiro e Diogo fez o que lhe foi instruído. Saiu em uma sala totalmente em branco e tacou os dados. Surgiu em frente de Laura, Yuri Silva e Margareth em sua escola.

Enquanto viajavam até o Forte, os japoneses se apresentaram, com ajuda, lógico; disseram que estavam juntos na missão de Diogo; e o próprio explicou o Jogo da Conspiração e narrou os acontecimentos com eles até aquele momento. Isso deixou Yuri Silva agoniado, que interrompeu a sessão de perguntas de Laura para Diogo para dizer algo:

— Cara, eu sei qual é a próxima chave! É essa!

Yuri Silva entregou sua chave da porta de casa para Diogo. Ele a pegou. Seguiram velozmente até o Forte São Mateus. Chegando lá, quando todos desceram do carro, Diogo perguntou para Neko:

— Bas—Neko. Aonde nós devemos ir agora?

— Não sei, nyan! – respondeu como criança.

— Isso não tem graça.

Ela riu baixinho. Quando eles iriam entrar no Forte, vários agentes estadunidenses de terno surgiram.

— Olá, Diogo Idlabet – um homem negro, alto e musculoso cumprimentou-o. – Viemos para ajudá-los.

— O-obrigado... – agradeceu levemente constrangido.

O negro assentiu com a cabeça.

— Existe uma porta no subsolo do Forte, onde fica o Museu, que não abre e nunca abriu. Será que essa porta pode ser útil?

— Como sabem do esquema das portas?

— A repórter – apontou com a cabeça para a japonesa em questão – nos informou...—

E ele desabou no chão, morto. Todos os agentes, helicópteros, todos abatidos. Sangue por toda parte. Quando Diogo olhou para a entrada do Forte, viu a figura negra do culpado.

— Diogo... – sua voz, mesmo que melancólica, era familiar, sem distorções. Estava sem a máscara, porém um véu de escuridão cobria seu rosto.

— Essa voz...! Não pode ser! Você não...!—

***

Diogo despertou. Era o dia 23 de dezembro de 2012, às oito e meia da manhã, horário de Brasília. Tudo fora um pesadelo. Ele se recusava a crer. Foi até a televisão desesperado e a ligou. Papai Noel fora sequestrado por três horas por uma organização maluca, porém tudo dera errado e a Interpol prendeu todos os responsáveis rapidamente.

Mesmo assim, Diogo estava abalado.

Foi tão real...”, pensou. Então um estalo veio à mente. “Espera! Qual é a data de hoje?!

Conferiu no calendário em papel colado na parede da cozinha. Ele estava no ano de 2012 naquele momento, mas no sonho, em 2013. Assim sendo... aquilo poderia ainda ocorrer. Seu sangue congelou. E, como se a voz metálica de seu sonho morasse no fundo de sua consciência, ria dele incessantemente. Aquele era apenas o início.


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Notas finais do capítulo

Terminei! xD
Ou não? He he he...