Correntes: Atados pelo Sofrimento escrita por Jacqueline Sampaio


Capítulo 21
Capitulo 20: Infligir dor




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Eu permaneci alheio a tudo por tempo demais. Perguntei-me se afinal eu havia morrido e fiquei triste ao constatar que eu não estava no mesmo local que meus pais. Isso seria um consolo e tanto, não seria? Onde meus pais estavam? Enquanto algo, possivelmente a consciência, vinha, vozes surgiram. Eu apenas captei algumas. Elas vinham em minha mente como em um sonho.

“O quadro é irreversível. Podemos apenas utilizar morfina para diminuir a dor.” –A voz masculina disse. Tinha um tom profissional conhecido por mim, um médico. Eu não estava morta afinal. Se pudesse encontrar o meu corpo em meio a toda aquela morfina, eu teria suspirado pesadamente.

“O tumor está em crescimento acelerado e seu corpo está debilitado demais para suportar a pressão craniana.” –Outra voz soou, deviam estar próximos a mim.

As vozes dos médicos discutiam meu estado e pelo pouco que ouvi eu estava com o pé na cova. Isso, em outras circunstancias, teria me deixado feliz, mas me lembrei de algo: alguém apareceu pouco antes de eu desmaiar, alguém que conhecia o terreno, poderia ser...

-Edward. –Murmurei sem forças para abrir meus olhos.

-Ah, acordou! Espere minha querida, irei chamar o médico que está cuidando de você. –Uma voz feminina disse. Isso não me impediu de chamar.

-Edward... Edward... –Eu murmurava querendo que ele aparecesse, eu precisava vê-lo antes do fim. Ele me devia isso, não devia?

-Ela está chamando esse nome desde que acordou da letargia da morfina, doutor. Deve ser o rapaz que a trouxe, posso apostar. –Uma voz feminina disse, devia ser da enfermeira que notou que eu estava acordando. Eu me senti frenética, tentando sair completamente da letargia, quando ouvi suas palavras. Já podia sentir o controle de meus membros vindos para mim, mas também sentia u a dor intensa na cabeça. Eu poderia dizer que sentia dor, mas isso implicaria em novas doses de morfina. Eu queria ver Edward, falar com ele.

-Ela está recuperando a consciência. Talvez devêssemos dar um tempo com os familiares e amigos que aqui estão. Ela não tem muito tempo, infelizmente. –A voz do médico soou pesarosa. Eu não me surpreendi com suas palavras, eu já sabia. Eu sentia o meu fim bem próximo e verdadeiramente não era isso que me atordoava. Eu só queria vê-lo, uma vez mais.

Enquanto o pequeno tumulto de funcionários diminuía no quarto em que eu estava, eu procurei me restabelecer e consegui a façanha em pouco tempo. Abri meus olhos e a principio me vi incomodada com a forte iluminação, mas logo meus olhos se adaptaram. Eu estava em um pequeno quarto, deitada em uma cama dessas com grades, típicas de hospital. Toda uma parafernália estava ligada a mim como monitor para medir minha freqüência cardíaca, um tubo levando soro, preso a minha mão, um tubo preso as minhas narinas ajudando meu corpo a se suprir de oxigênio.

Apesar de poder ver e ouvir, eu estava exausta, como se uma grande pedra estivesse sobre o meu corpo. Não era o efeito da morfina, a morfina estava passando e eu já poderia sentir a dor na cabeça se apossando de mim.

Eu esperei que o rosto que eu tanto queria ver irrompesse a porta como o medico havia dito. Eu vi um rosto familiar passar com uma mascara cobrindo a boca, um rosto bonito, uma expressão transtornada e feliz ao me ver.

-Jake. –Sussurrei.

-Oi Bells. –Ele falou e veio prontamente se sentar na beirada da minha cama. Olhou em volta, talvez se certificando de que não havia nenhum funcionário que iria repreendê-lo por ficar tão próximo a mim. Quando me olhou, tentou passar uma expressão serena.

-Oi Bells. Bom ver você acordada. –Ergueu a mão e, hesitante, afagou meu cabelo. Minha pele da cabeça estava tão sensível que o toque despreocupado de seus dedos em meu couro cabeludo pareceu como navalhas paradas com o intuito de machucar. Procurei conter a vontade de gritar.

-Jake, o que houve? Como vim parar aqui? Há quanto tempo estou aqui? –Apesar de não gaguejar, eu falei bem lentamente.

-Você esteve inconsciente por dois dias. Eu notei que você não estava em canto nenhum e tive uma intuição de que você, por algum motivo, usou a janela para sair. Segui uma trilha no bosque que nem mesmo eu conhecia. Acabei parando no terreno da antiga casa do Cullen e então eu... –Ele se interrompeu e estremeceu. –Vi você daquele jeito toda ensangüentada. Fiquei desesperado. Vim para cá com Billy trazendo você e então soubemos umas coisas...

-Coisas? Que coisas, Jacob? –Perguntei nervosa, o que ele estava sabendo? Mais do que nervosa, porém, eu estava decepcionada. Não foi Edward que me encontrou, foi Jacob.

-Bella, a quanto tempo você andava se sentindo mal? –Ele perguntou e notei que ele já estava ciente de minha situação. Ele e os outros. Eu fiquei calada e Jacob encontrou todas as suas respostas em minha expressão facial. Movi meus olhos para o canto.

-Você sabia de tudo então. Por que não nos contou?

-Não queria que sofressem comigo, Jake. Não tem cura. –Minha voz não tinha sinal de sofrimento.

-Não diga isso Bella. Tenho certeza de que existe um jeito e...

-Chega Jake. Está vendo por que não contei? Eu não suporto gente me dando falsa esperança. –Continuei com meus olhos fixos no nada. Eu podia ouvir o choro contido de Jake.

Eu estava realmente querendo ficar dopada até o fim.

...

Eu já devia estar a cinco dias internada, meu estado apenas piorava. Eu me recusava a comer e estava ficando caquética. Os médicos acabaram tendo de me alimentar através do sangue. Eu queria apenas ficar entorpecida, não estar ciente da dor de não ter uma luz do fim do túnel. Fingia às vezes estar com dor apenas para ser dopada. A minha conversa com o Jacob foi o último contato que tive com ele, com o restante de minha família.

Eu não sei quanto tempo se passou.

Só contabilizei cinco dias, mas sei que se passou bem mais. Já estava com tanta morfina no sistema que não sentia quando passava o efeito.

E o tempo foi passando...

A morte não demoraria a chegar e acreditei que passaria por ela sem hesitar, sem querer lutar pela minha vida. Que se danasse a vida!

Um toque frio me tirou da letargia.

A morfina tinha perdido sua potencia, eu podia sentir e ouvir. A princípio eu ignorei o toque frio, poderia ser qualquer coisa, poderia ser o toque da morte. Uma voz linda soou pelo ambiente e eu soube que não era a morte me chamando.

-Bella... –A voz me chamou num grau de sofrimento tão intenso que me sobressaltou. Eu reconhecia a voz, eu reconhecia o toque frio afagando meu rosto. Queria abrir meus olhos, mas não conseguia. –Eu amo você. Eu sinto muito. –Ele murmurou encostando sua testa na minha, seu corpo bem próximo e senti a frieza.

Eu me lembrei naquele momento por que eu tinha que lutar, era por ele, para ficar com ele, mas também me lembrei por que isso não mais importava.

Edward tinha me deixado para morrer.

Eu sabia que aquele seria o melhor e o pior momento de nossas vidas. O momento decisivo. Eu não abri meus olhos ou me mexi, mas falei. Eu conseguia falar ainda que fracamente.

-Me deixa... –Eu disse e senti a umidade nos olhos. Eu estava chorando. –Me deixa... Morrer...

Edward deitou seu tronco sobre o meu e me abraçou com cuidado. Apesar da magoa, eu queria abrir os olhos e vê-lo. Eu não conseguia. Sussurrou em meu ouvido.

-Eu queria aceitar sua escolha, eu queria, mas... Mesmo que você escolha outro, mesmo que escolha morrer como uma humana e que isso a faça me odiar... Eu não vou deixá-la morrer.

-Eu só escolhi... Só escolhi você... Uma vida... Você... O fim do meu sofrimento. Por que você... –Era difícil falar, mas consegui. –Por que me abandonou? –E as lágrimas vinham ininterruptas.

-Eu apenas abdiquei da minha felicidade pela sua. Eu a vi na praia, você e aquele...

Eu me lembrei do beijo de imediato. Claro, ele viu e interpretou da pior forma. Eu deveria ter pensado nisso, mas estava derrotada demais com o sentimento de abandono para pensar o que havia causado seu desaparecimento.

-Não era minha... Minha escolha, mas agora é tard... –Eu disse e pude sentir a dor tão intensa que meus sentidos se esvaiam. Talvez eu estivesse à beira da morte, a dor estava ficando tão intensa, mas já a sentia se esvair. Quando isso acontecesse completamente, eu iria morrer. Num arquejo de dor, eu abri meus olhos tomados por lagrimas. Nada vi principio, senti o gosto de sangue na boca. Senti algo mais também, um cálido beijo depositado nos meus lábios.

Minha visão clareou e vi então Edward trajando vestes de medico, deveria ter roubado de alguém eu suponho. Ele tinha uma expressão tão sofrida, tão miserável, que eu fiquei paralisada ignorando o forte mal estar que me tomava. Eu se ti naquele instante que a dor que sofri (a perda de meus pais, minha doença, o desaparecimento de Edward) não era nada se comparado ao que Edward estava sofrendo por mim.

Ele me amava. Sim, isso era uma certeza. Cheguei a ficar em duvida pelo seu desaparecimento sem motivo, mas vendo aquela expressão que beirava a loucura tamanha à tristeza, eu me sentia compelida a não ter duvidas. Ver aquele rosto amado, magoada como eu estava, me fez querer usar todas as minhas forças para chorar e assim o fiz vendo que meu ato apenas o machucava mais.

-Você me faz mal. –Acusei numa voz pouco composta. Estava arfante e o bip soava frenético. Edward olhava nervoso para meu rosto, para o monitor que media freqüência cardíaca. –Eu quero ficar só... –Eu disse fechando os olhos, sentindo minha força desfalecer.

-NÃO! –Ele disse numa voz alta, desesperada. Ouvi o bip soando mais espaçado enquanto uma calmaria incomum vinha até mim. A morte.

Eu senti a frieza dos braços de Edward me abraçando-me puxando para mais perto enquanto chorava sem lágrimas. Eu fiquei imóvel sentindo minha pulsação se acalmar anormalmente enquanto a dor cedia. O gosto de sangue na boca era intenso e já podia sentir o sangue se esvair por outros orifícios, nasal e auditivo. Edward deitou-me na cama e afagava freneticamente meu rosto co uma mão enquanto a outra me sacudia.

-Bella... Não... Não ainda. Eu não ouvi a sua... A sua decisão. BELLA! NÃO FAÇA ISSO! BELLA! –Ele falava alto, mas eu não conseguia encontrar a minha voz.

Eu estava me perdendo naquela doença. Apesar de ter dito que eu queria me entregar, eu sabia que mentia para mim mesma. Eu não gostava de ver Edward sofrer. Eu não queria morrer. Eu queria ficar com Edward para sempre.

“Eu amo você. Eu quero ficar com você. Eu escolho você, Edward. Você sempre foi minha primeira opção. Minha luz. Quando tudo se apagou, você foi capaz de irradiar luz suficiente para me envolver, ao seu mundo e ao meu mundo sombrio.” –Eu pensei desejando querer verbalizar o que dizia. Como Edward me alertou! Ele me dizia para não esperar até ser tarde demais para tomar minha decisão e eu, estúpida, esperei até não ter forças para falar. Eu devia ter me odiado desde o inicio pelo que aconteceu. O desaparecimento de Edward foi culpa minha, não dele.

Será que Edward tomaria meu silencio e imobilidade como uma decisão? De que eu queria morrer? Uma tristeza me tomou. Eu não queria isso. Eu queria...

“Eu lhe disse Bella, se você não decidir antes do fim, eu decidirei por você.”.

Lembrei do que Edward havia dito repetidas vezes essa mesma frase. Ele decidiria agora por mim? Eu esperava que sim, mas era algo incerto, muito incerto.

A escuridão me puxou e me senti incapaz de encontrar o caminho de volta.


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Notas finais do capítulo

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