Os novos herois do Olimpo escrita por valberto


Capítulo 74
Para o resgate




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– Sei lá, eu esperava alguma coisa diferente... – Jade comentou casualmente enquanto Lucas fazia uma cara de espanto tão escancarada que chegava a ser engraçada.

– Mas como é que você não consegue ver a grandiosidade deste lugar? – o menino parecia realmente ofendido pelas opiniões da colega. Lucas deu uma volta em torno de si mesmo, com os braços abertos – Tudo isso aqui Jade... O esplendoroso reino de Demeter. O que você tem contra isso?

Jade resolveu ponderar antes de responder. Fazia pelo menos duas horas que tinham chegado pelas sombras geradas pelo professor Roberto. Infelizmente só tinha quinze minutos que ela estava sendo capaz de curtir a paisagem, pois tinha passado a última hora e meia se retorcendo de dor e enjôo no chão. Ela nunca tinha vomitado tanto na sua vida. Chegou uma hora que achou que vomitaria o próprio estômago, há muito vazio. Não que Lucas tivesse se saído muito melhor do que ela. Ele também vomitou muito. E teve diarreia. Tanto é que teve de banhar-se num laguinho próximo, e tomou emprestado um macacão jeans bem surrado que estava vestindo um espantalho num milharal ao lado. Ele estava parecendo um verdadeiro caipira com aquele macacão de pernas curtas. Mas ainda assim, estava mais gato do que qualquer homem que já tinha visto. Ok, se era para começar uma conversa era melhor pular essa parte.

Ela olhou de novo o mundo à sua volta. O reino de Demeter parecia ser uma infinidade de fazendas muito bem cuidadas, separadas entre si por bosques de vegetação leve e estradinhas de terra bem cuidadas que iam de um lado para o outro. Imaginou que se pudesse voar, veria o mundo como se fosse um grande mosaico do jogo “colheita feliz” do facebook. Estranho, ela sabia o que era o jogo e do que se tratava, embora não tivesse conta no facebook e, que ela saiba, jamais tivesse jogado.

– Desculpe – disse ela conciliadora. – Aqui tem mesmo uma aparência singular. É muito bonita. Você deve ter orgulho de sua mãe por isso.

– Orgulho não deve ser uma palavra que eu e minha mãe costumamos usar um com o outro – respondeu Lucas, num tom um tanto pesaroso. Logo ele percebeu que tinha falado um pouco demais e emendou em seguida – mas não podemos perder tempo. Temos de achar o castelo de Demeter e descobrir se as forças de Apolo já conseguiram tomar o seu “presente”.

– Eu fico imaginando o que seria esse presente. Mas acho que primeiro temos de saber para que lado devemos ir. Será que você não tem algum sexto sentido que indique o caminho? Quem sabe você pudesse conversar com as plantas, que nem o Aquaman faz com os peixes...

– Você está passando tempo demais com o Oliver. – disse o menino num tom de reprovação – Até está falando igualzinho a ele. Mas acho que você tem alguma razão. Eu poderia mesmo tentar entrar em comunhão com a terra. Eu já vi fazerem isso lá no Santuário. Amanda é especialista nisso. Deixa ver se me lembro como é que ela faz...

Jade sentiu-se realmente incomodada com o comentário do amigo, mas não disse nada. Sabia que era verdade. Tinha coisas na fusão dos dois que ninguém sabia como lidar.

Lucas tirou os sapatos e meio que enterrou os pés nas margens da estradinha de terra. Depois ele pegou um pouco da terra da grama e peneirou nas mãos até formar um pozinho fino. Deu uma bela cusparada e começou a formar uma fina camada de barro grudento. Depois escreveu em letras gregas no braço direito e fez uma singular pintura no rosto. O menino agia com tanta seriedade que Jade ficou parada, em respeito, apenas observando.

Por fim o menino fechou os olhos e ficou parado, como se fosse uma árvore. No entanto sua expressão não era de calma. A sua testa estrava franzida e a sua expressão ficava mais e mais severa a cada minuto que passava. Por fim o menino gritou. Jade não soube dizer se tinha sido espanto, raiva ou mesmo pavor. Nunca tinha visto um grito como aquele. O menino veio ao solo, convulsionando. Seja lá o que ele tentou fazer com a terra deu muito errado. Jade apressou-se e acolheu o amigo, abraçando-o.

– Calma Lucas, calma – tentava ela enquanto abraçava o menino com ainda mais força – é apenas uma visão. Eu já passei por isso quando fui ao templo de Apolo pela primeira vez para saber se eu tinha o dom divinatório. Seja lá o que você viu vai passar.

Jade passou longos minutos envolvendo Lucas no seu abraço, sussurrando palavras doces em seu ouvido, até que a respiração do menino começou a voltar ao normal. Ele abriu os olhos de súbito, como se tivesse tido uma grande revelação.

– Eu sei... eu sei onde está o presente de Demeter! – disse ele num fôlego só, como se precisasse desesperadamente dizer aquelas palavras.

– Ótimo... só temos que ir até lá e pegá-lo... – comentou Jade, animando-se de verdade desde que tinha chegado às terras da colheita feliz dos deuses.

– Você não entende. Temos uma coisa mais importante para salvar. E vamos agora.

Jade mal teve tempo para se preparar quando a onda de grama ergueu-se como um tsunami furioso de matéria vegetal, carregando-a como um graveto colhido por uma tempestade, há quase dez metros do chão. A onda de grama movia-se rápido e furiosamente engolindo tudo em seu caminho, mas estranhamente sem causar muitos danos. Talvez uma cerca derrubada aqui e ali ou um terreiro que precisará ser varrido de novo. Não que a menina realmente se importasse. Ela estava sendo carregada meio que à revelia, sendo jogada de um lado para outro daquele monte de matéria vegetal. Por fim ela conseguiu agarrar no macacão jeans e finalmente pôs-se de pé.

– Pega leve Lucas – disse ela cuspindo grama pela boca – nem todo mundo aqui é surfista de jardim! – Apesar dos protestos de Jade o menino nada respondeu. Estava concentrado demais manipulando a montanha de grama. Finalmente ele resolveu parar numa estradinha de terra, igual a todas as outras que eles tinham visto no reino de Demeter. Ele virou em direção a um dos lados da estrada e ficou esperando.

Jade aproveitou o momento para se recompor e se limpar. Verificou os equipamentos que possuía: sua espada de bronze celestial, direto do arsenal dos filhos de Ares, um arco e uma alijava de flechas e sua adaga de confiança. Foi quando ela ouviu.

Num primeiro momento parecia um estalar distante, isolado. Depois percebeu gritos. Era uma língua diferente, estranha, mas ao mesmo tempo um tanto quanto familiar. No fim sons como os de carros de boi, gemendo pela estrada. Foi que ela viu. Três grandes carroções de madeira, puxadas por parelhas de bois do tamanho de elefantes em miniatura. Encarcerados dentro das carroças, em pesadas jaulas de ferro, estavam pessoas. A grande maioria era composta de mulheres e crianças humanas, mas podia-se ver também sátiros, ninfas e até alguns centauros. Todos vestidos como fazendeiros, queimados pelo sol. Mas estavam maltratados, feridos, assustados. Em volta dos carroções criaturas que Jade conhecia de sua nova ascendência divina: trolls. O maior e mais ameaçador deles estava em cima da última carroça e brandia um enorme chicote que, quando estalava, enchia-se de fogo.

Lucas saiu em direção a eles. A cada passo que dava a grama em volta parecia murchar um pouco e a terra da estrada secava sob seus pés, como se tivesse sido completamente esgotada.

– Eu achei que tínhamos capturado todos esses piolhentos! Vocês deixaram um deles escapar, seus incompetentes. – comentou um dos trolls de pele marrom, vestindo uma meia armadura que lembrava os gladiadores da Roma antiga.

– E é justamente um dos mais feios – cuspiu outro, cujos cabelos estavam amarrados em dezenas de tranças da cor azul cobalto – Será que só existem criaturas feias e fracas nas terras de Demétria?

Mal o troll terminou de falar ele foi atingindo pelo punho de Lucas que tinha se convertido numa bola demolidora de madeira maciça, coberta de espinhos. O punho acertou com força, esmagando a cabeça do troll, fazendo com que ela explodisse como um melão atingido por uma marreta. Lucas recolheu um braço, que tinha esticado como se fosse composto por centenas de vinhas de espessuras diferentes. A sua pele estava áspera e rígida como a casca de um carvalho e seu olhar estava repleto de raiva.

– O que estão esperando, cães? Um convite? Para cima dele! – berrou o troll do chicote de fogo. Os trolls restantes não se fizeram de rogados e largaram o que estavam fazendo, correndo como uma turba enlouquecida sobre Lucas.

O primeiro a alcança-lo também foi o primeiro a sofrer um pesado golpe: a mão demolidora girou, atingindo suas pernas. O som dos ossos quebrando durou apenas o tempo do troll ir ao chão e ser macetado mais duas vezes. Mas no que Lucas tinha de brutalidade em seus ataques não tinha de rapidez. Os trolls restantes conseguiram saltar sobre ele, derrubando-o no chão, como quando um zagueiro é interceptado num jogo de futebol americano.

– Segurem ele! – berrou um troll.

– Cuidado com o meu cabelo! – gritou outro em meio à confusão.

– Quem é que está apalpando a minha bunda? – reclamou outro com uma voz um tanto quanto dengosa para uma situação como aquela.

Jade sacou a espada e com um grito de guerra tentou unir-se à Lucas em batalha. Mas outro combatente foi ainda mais rápido do que ela. A sua espada fora arrancada das mãos por uma chicotada certeira vinda do líder dos trolls. Instintivamente Jade esfregou a mão onde tinha levado o golpe. Como sempre não estava ferida; o som do chicote estalando só serviu mesmo para assustá-la.

– Calma aí donzelinha... você tem um encontro comigo primeiro. – disse o troll descendo do alto de um dos carroções. – Enquanto meus homens cuidam do seu amigo, eu, príncipe Ulliff, filho do rei Geirrodur vou cuidar de você...

Jade nada respondeu. Ela sabia que as armas do troll não poderiam ferí-la, portanto ela não temia por sua segurança. Era a segurança de Lucas que a preocupava. Assim mesmo não seria presa fácil para troll nenhum, seja ele príncipe ou soldado.

Ela e o troll começaram a combater e logo ficou claro para ela que o monstro estava acostumado a lutar com pessoas mais fracas do que ela. Ela aproveitou uma brecha no ataque da fera e agarrou seu baraço longo e musculoso. O soco veio de baixo para cima, como um gancho, acertando o encontro do antebraço com o cotovelo. Ulliff gritou de dor e espanto, praguejando em seguida ao ver o braço esquerdo quebrado.

– O que foi principezinho? É assim que o grande e malvado troll trata uma menininha indefesa? Quem sabe eu devesse chamar a sua mamãe para trocar suas fraldinhas... – disse Jade, cruzando as pernas e colocando o dedo indicador sobre as bochechas apontando para a boca.

O resultado da provocação de Jade em Ulliff só não foi mais devastador do que quando Lucas levantou-se do chão, jogando os trolls para todos os lados. O menino cruzou os braços sobre o peito e depois explodiu numa série de centenas de vinhas de carvalho que voaram como setas, empalando os trolls, alguns ainda em pleno ar. Alguns explodiram em poças de água gelada e outros caíram ao solo como estátuas de gelo, quebrando-se ao impacto. Quando o menino recolheu seus tentáculos de vinhas apenas Ulliff ainda estava de pé. Ele golpeava Jade com toda s as suas forças, acertando o rosto da menina sem parar. Depois de uma explosão de golpes de um minuto ele parou exausto.

– Já acabou Jéssica? – disse Jade num tom zombeteiro, apoiando a mão sobre a cintura e fazendo uma pose de desdém. Jade não estava nem mesmo suada. Ela sorriu, com a cabeça baixa e avançou sobre o troll com a adaga em punho. – É minha vez! Minha vez, está entendendo? Minha vez!

Os golpes perfuraram Ulliff até leva-lo quase até a morte. Jade olhou para o fundo dos olhos moribundos do inimigo e disse:

– Espero que não seja digno de retornar a Mannheim e seja enviado para Helgardh! – disse ela cuspindo sobre o rosto do inimigo caído.

– Não se preocupe... se eu for a Helgardh, eu não ficarei lá sozinho muito tempo. Você e seu amigo já estão condenados. Eu já chamei minha “mamãe” para lidar com você.

Mal o troll disse isso, ele se desfez em água gelada. Nem Jade e nem Lucas tiveram tempo de pensar nas suas últimas palavras. Um vento frio soprou e num instante os verdejantes campos começaram a congelar. Jade forçou a vista e viu uma figura de aproximando majestosamente.

Jade e Lucas reconheceram imediatamente a figura da obscura deusa das neves e do gelo, a infame Quione. O combate de verdade estava para começar.


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Notas finais do capítulo

Já acabou, Jéssica? foi um viral que saiu no final de 2015. Uma filmagem da briga transforma adolescente em musa da internet. Tinha tudo para ser uma situação constrangedora, mas o efeito veio ao contrário: a jovem que apanha durante briga na saída da escola se levanta depois de receber vários golpes, encara a oponente que já se afasta e desafia: "Já acabou, Jéssica?". Derrotada no confronto, a adolescente mineira com pose de diva virou musa da internet — ainda que por um dia.



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