Os novos herois do Olimpo escrita por valberto


Capítulo 60
Você é prisioneiro de suas escolhas.




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Nathalia olhou perturbada a imagem de Karina desaparecer sob as garras de Marmo. Contrariando a natureza de cada fibra do seu corpo que queriam ver sangue e guerra ela se aclamou e baixou os braços, recolhendo a armadura de Ares ao inocente bracelete que era seu disfarce no mundo mortal. Ao verem isso todos os outros foram baixando as armas. Se a filha do deus da guerra baixava as armas e se abria para o diálogo essa era uma conversa que merecia ser ao menos ouvida.

Marmo sorriu satisfeita e ordenou com o olhar que os diabretes montassem uma mesa para ela e para seus “convidados”. Os pequenos demônios construtores estavam vestidos como peões da construção civil. Eles estavam realmente uma graça, não fossem suas feições demoníacas e pele vermelha: usavam macacões laranjas, luvas brancas, botinas de couro (com buracos para passar os dedos desproporcionais) e capacetes de obra na cor amarela. Cada um deles trazia nas costas uma mochila de lona de onde sacaram tacos de madeira, pregos, martelos, parafusos e outras ferramentas. Foi um espetáculo de coordenação e trabalho de equipe vê-los montar a mesa de jantar e mais de seis cadeiras em tão poucos segundos.

Quando todos estavam devidamente sentados Marmo gesticulou e a mensagem do arco-íris de Karina recomeçou:

– Nathalia, amiga, sei que você não é traidora. Não me importa o que Dezan e os outros dizem. O Santuário está sendo atacado. Sem sua ajuda e dos outros escolhidos vamos morrer... – a imagem mostrou novamente o céu onde um enorme meteoro parecia voar em direção ao Santuário. A imagem aproximou-se de um ponto no alto, como se um cinegrafista amador tentasse enquadrar um detalhe com um zoom muito forte e tremido. Lá estava o pai de Oliver, vestido com uma armadura futurista, flutuando à deriva enquanto monstros alados e outras coisas piores passavam por ele em direção ao chão. – Estamos cercados pro todos os lados. Os ataques são mortais. Estamos resistindo o máximo que podemos. Eu não sei se essa mensagem você chegar até você... – os olhos da guerreira se encheram de lágrimas, num misto de súplica e esperança, quando se ouviu um grito e som de algo quebrando. “Minotauros!” gritou alguém fora da imagem de transmissão. Depois, apenas silêncio.

– Bem, essa é uma das coisas que eu queria mostrar a vocês. Mas tem mais. – Marmo gesticulou novamente e os diabretes correram para o alto da escada e trouxeram de lá um dos enormes espelhos de prata polida. Logo em seguida, Marmo pegou um frasquinho de vidro do seu bolso e gotejou duas gotas cor de vinho tinto sobre o espelho. A imagem mudou para uma sala iluminada, como uma praça, só que ladeada por dezenas de colunas de mármore virginal. Jade, Nathalia e Lucas reconheceram imediatamente a sala do trono de Zeus por relatos de outros companheiros do Santuário. O trono jazia vazio e em cadeiras menores que o grandioso trono os deuses maiores se sentavam. Exceto Apolo, que estava de pé. Ao que parece ele terminava de fazer a sua explanação.

– Não sabemos se os mortais convocados pela profecia estão mesmo do nosso lado. E não podemos arriscar. O Olimpo não pode ficar sem um líder.

– Você não esta dizendo que o meu filho é um traidor, não é irmão? – a voz de Astréia soou uma indisfarçável ameaça – nem a minha criança, nem os filhos de Ares, Hermes ou Deméter, não é?

– De modo algum, dama das estrelas! – corrigiu-se com charme o senhor do amanhecer – estou apenas dizendo que não podemos apenas confiar neles. Seguro morreu de velho, como diz o ditado mortal. Os inimigos rondam o Olimpo. Rosnam às nossas portas. Precisamos de um líder! Alguém para nos levar a vitória nesta guerra...

– E para assumir o trono caso os heróis da profecia falhem – a voz melodiosa de Artêmis calou o burburinho que se formava à medida que Apolo completava seu pensamento. – Eu não penso em ninguém melhor do que você para assumir este posto, irmão.

O charme selvagem da deusa caçadora conseguiu angariar a simpatia de Atenas, Hefesto, Hera, Afrodite e Dionísio. Outros como Posseidon e Hades mantinham um silêncio desconfortável.

– Então está decidido: se em dois dias os mortais não libertarem Zeus, eu assumirei o trono. Uma cerimônia como manda a tradição, a se realizar no solstício de dezembro, no dia 22, pouco depois do sol se pôr. – disse Apollo com o entusiasmo de um candidato com maioria nas pesquisas eleitorais às vésperas de uma eleição. – Os deuses a favor, que ergam suas mãos!

O espelho de prata parou de transmitir as imagens do Olimpo. Mormo olhava para os meninos com uma expressão divertida e enigmática no rosto. Ela lambeu os lábios, como se imitasse um gato preparando-se para devorar o canário com quem tinha brincado nos últimos minutos e comentou:

– E então?

O silêncio durou tempo o bastante para que Oliver perdesse a paciência.

– E então o que? Por que está nos mostrando isso?

– A meu ver vocês têm duas opções: podem ir até a Grécia libertar Zeus, ou, podem tentar salvar seus amigos, deixando que Apolo assuma o poder o do Olimpo – nesta hora Marmo fitou Jade. – seja qual for a escolha de vocês, alguma coisa será perdida. Salvar Zeus e o Olimpo – disse ela fazendo a mímica dos braços de uma balança – deixando os seus amigos do Santuário à mercê do destino ou salvar o Santuário, deixando o mundo nas mãos de Apolo. –Marmo fez uma careta de desaprovação ao imaginar o mundo sob o controle do megalomaníaco Deus-Sol.

– E temos que decidir agora? – perguntou Eric, como se estivesse ganhando tempo para revisar algum plano de última hora.

– Quanto mais vocês demorarem pior fica. O tempo passa diferente dentro das estruturas dos deuses como este mausoléu. Cada momento aqui podem ser horas lá fora. Mas uma coisa é certa: se não fizerem nada Apolo assumirá o posto de líder do Olimpo e seu precioso santuário será destruído. Um adicional maligno a este cenário de caos seria a ascensão do seu pai como deus. – disse ela apontando para Oliver. – Tomás seria um dos novos deuses, como o garoto da técnica e a apresentadora de TV. Ele e seus “novos amigos” entrariam em guerra com os antigos deuses. Seria uma carnificina. Como é que os nórdicos chama isso? Ragnaclock?

– Ragnarok – corrigiu Jade, empertigada – o crepúsculo dos deuses.

– Quê? – perguntou Lucas.

– O apocalipse, o fim do mundo... – respondeu Isabel, sem esconder o rancor de ter de se dirigir a Mormo com polidez – Mas o que você quer aqui, monstra? Qual seu interesse em nos contar isso tudo? Você quer nos torturar antes de nos destruir?

– Eu sei que você guarda rancor de mim. – disse Mormo com um toque de ternura na voz – Não nego que durante muito tempo eu a torturei, privando você do contato com a sua mãe e seus irmãos. Mas a Mormo que fez isso não existe mais. A interferência de vocês me fez repensar minha vida e a minha existência. Punir crianças desobedientes não me interessa mais. Hoje eu desejo ser o que os humanos chamam de psicopedagoga. – Marmo encolheu um pouco os ombros como se esperasse uma chuva de risadas e chacotas, mas ela não veio. Ao invés disso ela foi confrontada com olhares inquisidores e até mesmo simpáticos. – Eu mudei, filha da magia. Eu aprendi o valor do perdão. Você poderia fazer o mesmo. Se não por mim, pelo mundo que você e seus amigos tanto prezam. Se eu não tivesse agido como agi e você e seu amado jamais teriam se conhecido.

Isabel sentiu a mão de Eric cobrir a sua. O menino sorriu gentil. Mesmo contrariada a pequena bruxa baixou a guarda.

– Mas você não respondeu a pergunta dela – Lucas segurava o pergaminho com as duas mãos como se tivesse medo que ele fosse tomado de assalto a qualquer momento.

– Verdade. Eu não tenho interesse na configuração que o mundo caminha. Um mundo como o que se anuncia não teria lugar para mim e para muitos outros. Eu também não posso interferir nas escolhas de vocês, por isso hoje eu trabalho como um guia: levei vocês até as duas portas, mas é vocês que decidem como e qual vão abrir.

– Eric, você é o maratonista. Acha que podemos chegar até o Santuário, impedir o meu pai e ainda ter tempo de impedir a coroação de Apolo? – Oliver perguntou esperançoso.

– Cara, mesmo que cheguemos num SESC, a essa hora da noite ainda levaríamos um bom tempo para chegar ao Santuário.

– Esta hora do dia, você quer dizer – corrigiu Marmo. – No momento que falamos são dez horas da manhã no mundo mortal. 44 horas para a coroação de Apolo. Nem mesmo meus poderes divinatórios podem prever quanto tempo o Santuário tem antes de o meteoro cair. Mas é aí que eu entro. Eu posso levar vocês a qualquer um dos lugares: tanto ao Olimpo quanto ao santuário. Mas é claro que eu exijo ser paga pelos meus serviços.

– E qual seria esse preço? – perguntou Jade, temendo pelo pior.

– Teria que ser algo especial. Alguma coisa única, que um de vocês me daria como presente especial. Algo que não tenha igual no mundo. Algo como um beijo de amor. – Jade e Isabel empalideceram. Segundos preciosos se passaram antes que Marmo continuasse. – Então? Algum voluntário?

– Eu. – O silêncio imperou na sala quando Jade levantou de sua cadeira e caminhou em direção à Mormo. Oliver ficou aflito e Eric ligou discretamente a câmera do celular, afinal de contas não é todo dia que rola um beijo desses na frente dele.

– Eu sinto muito amor em você. Mas você conseguiria me dar um beijo de amor verdadeiro? - disse Mormo saboreando as palavras.

– Não. – disse Jade calmamente. – Não que eu tenha algo contra garotas – disse ela dirigindo o olhar para Nathalia – mas eu já tenho um namorado. Não seria justo macular o que eu sinto por ele com um beijo seu. Mesmo por uma boa causa. Mesmo para salvar o mundo.

– Então por que toma o meu tempo?

– Porque eu tenho algo melhor... – disse Jade sacando o anel de ferro escuro do bolso. O anel que lhe tinha sido dado por Odin – Esse é um anel forjado com a combinação especial do metal mágico do martelo de Thor e com o fragmento do metal de Gram, a arma lendária que o herói Siegfried usou para matar o invencível dragão Fafner. – as palavras de Jade saíram sinceras, embora ela tivesse embelezado um pouco os predicados do anel. Na cabeça da menina ecoavam as palavras de Odin: “é um anel de grande valor, e um presente valioso, muito mais para quem dá do que para quem recebe”.

Mormo olhou fascinada para a singela e rude peça de metal. Ela pego o anel nas mãos e tencionou coloca-lo, mas não o fez. Ela sentiu de novo o peso do anel nas mãos e depois o colocou no bolso.

– O que este anel faz? – perguntou ela curiosa.

– Eu não sei – respondeu Jade com sinceridade. – Mas é o meu segundo item mais valioso. O primeiro é o meu amor.

– Ôuuuunti! Que fofo! – deixou escapar Eric antes de levar um “pedala Robinho” de Nathalia.

– Eu aceito – disse Marmo. Para onde vocês querem ir?

Os meninos conversaram um instante. Equiparam-se com algumas das armas e armaduras da sala. Nathalia acendeu uma pilha funerária para os ossos dos semideuses caídos enquanto Mormo fazia os preparativos para a abertura dos portões.

Logo os meninos atravessaram o portão e Mormo ficou a sós com os diabretes e o anel. Ela olhou com curiosidade o anel e o colocou no dedo anelar. No primeiro momento achou que tinha ficado surda, pois não ouvia mais o om do sangue correndo nas veias dos outros. Depois parou de sentir o cheiro de presa e da caça e foi tomada por uma sensação de prazer, como se estivesse mergulhando numa banheira de hidromel amornado. Foi que ela ouviu um som que jamais supunha poder ouvir: as batidas do seu próprio coração. Lágrimas banharam o seu rosto pela primeira vez. E ela se sentiu viva.


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