Os novos herois do Olimpo escrita por valberto


Capítulo 46
Capítulo 46




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O mesmo homem não toma banho duas vezes no mesmo rio

Todos os que puderam correram em direção da área da piscina, de onde tinha vindo o grito de Jade e onde repousava Lucas. Mas nenhum deles estava pronto para a cena a seguir. No canteiro onde Lucas estava enterrado, apenas o rosto de fora agora estava tomado por uma pequena e compacta mini-floresta com todos os tipos de plantas verdes que se pode imaginar. E no centro dela, tal como um ramo gigante de feijão, repousava uma pulsante vagem, enorme e gorda. Estava prestes a romper.

Eric parou ao lado de Jade e tomou dela o regador. Ele inspecionou a peça de plástico verde escuro e cheirou o seu conteúdo, imitando e forma jocosa um provador de vinhos. Ele fungou a água, fez algumas caretas e por fim olhou sério para Jade e questionou:

– Ok filha... que tipo de adubo você têm dado para esse menino?

– Não é hora de piadas – ralhou Nathália, que se apoiava pesadamente na cadeira de rodas que outrora acolhera o corpo ferido de Lucas.

A vagem gigante pulsou com mais intensidade. Seja lá o que estivesse dentro dela estava sob uma tremenda pressão, fazendo força para romper suas paredes. Uma pequena fresta se abriu, jorrando um líquido verde viscoso, como um suco concentrado de clorofila. Uma segunda fresta jorrou mais liquido verde nojento, mas dessa vez com menos pressão. De repente uma mão esmeralda sacou para fora da vagem, seguida por outra que começou a rasgar a casca verde e membranosa. Por fim um pé pôs-se para fora da vagem gigante. Era Lucas. Mas não era exatamente Lucas. Era um Lucas diferente.

Ele estava extremamente lindo. Era como se tivesse passado os últimos anos malhando para adquirir o corpo de um modelo internacional: tinha o corpo definidíssimo, com nada fora do lugar. Mesmo coberto da gosma verde ele ainda era o rapaz mais lindo em quilômetros à volta. Ele poderia facilmente derrotar qualquer filho de Afrodite num concurso de beleza. Ele parecia também mais maduro: não tinha mais o corpo de um adolescente em formação, mas sim o de um homem feito. Homem não. Seu corpo estava perdido em alguma fronteira nebulosa entre herói e deus. Quando colocou o resto do corpo para fora todos perceberam que ele estava nu.

Dessa vez nenhuma das meninas se fez de pudica. Todas olhavam curiosamente para o rapaz, que pareceu ignorar os olhares desejosos que lhe eram endereçados e dirigiu-se para a piscina. Ele entrou e mergulhou lavando a gosma que ainda cobria boa parte do seu corpo. O silêncio da cena era rompido apenas pelo assobiar do vento nas palmeiras e o barulho do jovem se banhando na piscina. Isso até que o som da câmera do celular de Eric começou a disparar. Todos olharam para ele de forma reprovativa e Oliver baixou a cabeça, balançando-a lentamente, em plena sensação de vergonha alheia.

Isabel adiantou-se, gesticulando com um pequeno lenço de papel nas mãos que prontamente se transformou num enorme robe de algodão branco muito macio. Ela foi até a beira da piscina e ofereceu o robe para o amigo, que só agora pareceu percebê-la. Ele sorriu, ainda entorpecido pela experiência que tinha passado e por receber o robe nas mãos, e deu-se conta de que estava pelado. Toda a segurança e virilidade do rapaz desapareceram imediatamente. Ele agarrou-se ao robe como se estivesse agarrado à própria vida, cobrindo-se imediatamente. Bem que Eric tentou fotografar a cena, mas seu celular esfacelou-se em mil pedaços quando Nathália o tomou e o esmagou. Foi a vez da filha de Ares sorrir sarcasticamente ao devolver os pedaços esmigalhados ao amigo. Eric era bom para brincar com os outros e muitas vezes suas brincadeiras machucavam, mesmo que ele não tivesse intenção disso. Mas ele não era tão bom assim em receber brincadeiras dos colegas.

– Alguém pode me dizer o que é que eu estou fazendo pelado na piscina? – perguntou Lucas, sentindo-se cada vez mais confuso.

Depois de alimentado, limpo e vestido Lucas foi colocado à par dos fatos. Ele achou meio inverossímil a história do combate, mas não mais inverossímil do que ele mesmo. Ele não parava de se olhar no espelho, mais por espanto do que por vaidade. Ele também era alvo dos olhares inquisidores dos amigos. Alguns recheados de inveja e ciúmes, como era claramente o de Eric. Magro e alto ele tinha um corpo de corredor olímpico de maratonas e não de modelo profissional. A maneira como Isabel devotava mimos e cuidados ao filho de Demeter também incomodavam o filho de Hermes. Outro que olhava para o amigo com uma boa pontada de inveja era Oliver. Ele ainda tinha o mesmo corpo de nerd sem aptidão aos esportes que o acompanhou por toda a vida. Embora sua habilidade com a espada e combate tivesse melhorado ele ainda se sentia desconfortável com seu corpo, como todo adolescente da sua idade. Ele não podia deixar de notar que Jade estava cada dia mais linda e ele, bem, ele estava o mesmo Oliver de sempre.

Mas nem todos os olhares eram de inveja. Nathália olhava o amigo com admiração. Afinal conhecia Lucas desde sempre lá no Santuário e nunca o tinha visto como do tipo atlético. Ainda mais porque nenhum filho de Demeter do santuário era do tipo atlético. Muitos deles pareciam que tinham sido criados em comunidades alternativas dos anos sessenta. Ele parecia com um guerreiro perfeito.

Assim mesmo, sob tais olhares, a semana passou rapidamente. Cada um com seus afazeres: uns cuidando dos outros, ajudando onde podiam. Logo Eric abandonou as muletas e já caminhava sem problemas, embora Jade tivesse obrigado o rapaz a prometer que não se excederia. “Jure pelo cetro de seu pai, menino de Hermes!” gritava ela correndo atrás dele pela casa enquanto ele se esquivava de colocar um unguento de cheiro duvidoso nas feridas. Os dias do tio Eduardo eram devotados aos estudos de Isabel com o pêndulo e o mapa. Quem melhor que um filho de Atenas para ajudar a desvendar mistérios? Oliver tratou de consertar a TV da sala, avariada na batalha de dias anteriores. Mas eram as noites e não dos dias que preocupavam o jovem Oliver. Era de noite que ele se sentia realmente vivo. Ele olhava para as estrelas do céu em busca de um sinal de sua mãe. Nada.

Num dia que julgou que todos estavam em condições de empreender a jornada novamente, o tio Eduardo reuniu a todos. Ele estava em trajes de viagem – em outras palavras ele estava vestido com roupas de gente comum – e falava com redobrada confiança. Confiança era um tom que ninguém ousara usar nos últimos dias.

– Bom, hoje de manha eu e Isabel tivemos progresso com o mapa e o pêndulo. Para funcionar ele precisa estar num templo sacramentado. Para a nossa sorte temos um pequeno altar aqui no jardim que serviu bem ao nosso propósito. O pêndulo apontou para o próximo passo da jornada de vocês: a cidade de São Paulo.

– Existe alguma profecia-enigma para essa parte do passeio? – perguntou Eric aninhado com a cabeça no colo de Isabel. A menina mexia nas mechas de seu cabelo, fazendo pequenos cachos que se desfaziam com rapidez. Era como desenhar redemoinhos na água.

– Teríamos... se tivéssemos um filho de Apolo conosco. – ele olhou para Jade, mas a menina não esboçou qualquer reação – e neste caso teremos de ir às cegas.

– Às cegas? Você só pode estar de brincadeiras senhor Eduardo. Sem uma pista para nos guiar poderemos revirar São Paulo durante anos e não achar nada! É uma megalópole. – a reclamação de Lucas soou bastante justa aos ouvidos dos amigos. – Sem uma pista, sem a profecia, apenas com uma localização genérica esta missão está condenada.

– Eu sei que não é o melhor plano, mas é o que temos para hoje – tentou apaziguar Eduardo – a missão continua, sempre. Aliás, a decisão é da chave.

– Chave? – perguntou Nathália que estava afiando sua espada romana de estimação.

– Sim, chave – ele olhou fixamente para Isabel e a menina endireitou-se na cadeira, tirando a cabeça de Eric de seu colo. – Isabel é a chave. Ela é a chave que vai abrir os caminhos de vocês. E para onde ela decidir ir, seus guardiões vão com ela. E antes que alguém pergunte é assim que funciona: uma das pessoas indicadas na profecia é a chave. Ela é que pode abrir os locais onde os fragmentos da chave que abre a casa dos deuses estão. Mas ela não deve fazer esse trabalho sozinha. Ela precisa de guardiões para lutar com e por ela.

– Eu me prontifico! – gritou Eric saltando da cadeira e tomando a mão de Isabel como tinha visto um cavaleiro fazer num filme que tinha assistido anos atrás.

– De novo a cena da Sociedade do anel? – apressou-se Oliver ficando do lado do amigo.

– Calma aí guri. Ser guardião é partilhar o destino. Não é um emprego de meio expediente. Você deve lutar, até mesmo arriscando a sua vida, para garantir que a chave chegue a seu destino. Mais ou menos como os samurais defendendo seus senhores no Japão feudal. Mas ao invés de lutar contra os inimigos do seu senhor, vocês vão enfrentar o pior que os nossos inimigos têm a oferecer. Os homens de preto, o garoto da técnica, Gaia e seus asseclas e mais todos os monstros que puderem farejar vocês daqui até a terra da garoa. Eu não queria estar na pele de vocês. – as últimas palavras soaram com uma pesar autêntico e verdadeiro. – E nem sequer eu posso. A missão é de vocês. A profecia original foi clara nisso.

– E como vamos nos virar sem a profecia? – perguntou de novo Lucas.

– Podemos contratar um oráculo para resolver isso – disse Jade como se saísse de um transe – Fortaleza é a terra do sol. Deve ter a maior concentração de filhos de Apolo por metro quadrado do Brasil. Podemos encontrar um deles bom de profecias e pagar pelos seus serviços.

– Parece uma ideia sensata – disse Oliver colocando a mão no ombro de Jade, forçando a menina a sorrir sem controle. Pouco depois ele retomou o controle de suas expressões e voltou à cara fechada e compenetrada de guerreira que vinha marcando seu rosto nos últimos dias.

– Isso partindo do princípio que algum filho de Apolo vai querer nos ajudar depois do que aquele bode falou e ainda fala de nós na televisão. – Lucas fez crescer um morango do tamanho de uma bola de tênis nas mãos e o mordeu deixando o suco escorrer pelo seu queixo – Imagino que todos os meio-sangues do nordeste já deve saber quem somos e da recompensa que colocaram pelas nossas cabeças.

– Deixe isso comigo – garantiu o tio Eduardo – eu posso dar um jeito no Genânion Katsíka. Ele é só um repórter sátiro sensacionalista. Sei que ele pode ouvir a voz do bom senso, se for dissuadido de forma correta – o tio apalpou as pistolas Glock no bolso de trás da calça, certificando-se que estavam lá. Enquanto isso eu tenho um cartão de um Oráculo não muito longe daqui. Tenho certeza que com o dinheiro certo ela pode ajudar vocês. Basta dizer que eu os mandei.

– Com isso resolvido nos resta apenas como vamos chegar a São Paulo. São pelo menos dois mil e trezentos quilômetros até lá. Mesmo que pudéssemos ir de carro, que não temos, eu não iria suportar dormir mais nenhuma noite no mesmo veículo que Eric. – Oliver comentou. Embora tenha arrancado algumas risadas dos colegas, bem lá no fundo todos sabiam que ele falava sério.

– Não podemos ir de avião – disse Lucas olhando fixamente para Oliver – os céus não são muito gentis com quem ataca o próprio Zeus.

– Se fôssemos de ônibus de linha? São apenas dois dias de viagem. – ponderou Jade.

– Dois dias que seríamos alvos fáceis de todo tipo de inimigo. Incluindo aquelas caçadoras de Artemis, que devem nos adorar. Isso sem falar que colocaríamos em perigo a vida de qualquer mortal com quem estivéssemos viajando. – comentou Lucas mordiscando sem vontade o que sobrou do morango. – Existem cruzeiros marítimos saindo o tempo todo de Fortaleza. Eu nunca andei num transatlântico.

– E não é dessa vez que vai andar. Além de demorarem uma vida para chegar dá uma olhada nessa foto do MSC Lirica, que está ancorada aqui. – Oliver mostrou o tablet para os amigos, aproximando o zoom da foto até demarcar uma pessoa que todos pareciam conhecer muito bem. Isabel deixou escapar entre os dentes o nome de Marmo, a sua algoz. E dessa vez a megera vampira não parecia estar sozinha: estava cercada por três surfistas brutamontes.

– Pode deixar que eu dou um jeito nisso. Viagem é comigo mesmo. – comentou Eric, tomado por uma estranha disposição – qual é mesmo o endereço dessa vidente aí?


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