Os novos herois do Olimpo escrita por valberto


Capítulo 40
Capítulo 40




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Tudo muda.

Berlin, Alemanha. O show da banda inglesa Iron Maiden tinha terminado fazia poucos minutos. Foi um show memorável, só com os maiores clássicos da banda. Cerca de 30 mil pessoas se afastavam do Estádio Olímpico de Berlin. Vistos de cima pareciam uma mancha negra de pessoas felizes e exaustas pelo show de duas horas que acabaram de ver. No meio deles um senhor de idade passava quase despercebido pelos outros fãs que foram prestigiar a banda. Ele usava uma calça de couro preta, com botas do exercito. Por cima de tudo uma camiseta da turnê Number of the Beast, sem mangas e bastante puída. A barriga protuberava logo acima do largo cinto de couro também preto. Sua barba longa era negra e espessa e seus cabelos longos e finos estavam presos num rabo de cavalo firme. Se bem que o olhando de frente dava para perceber que mais cedo ou mais tarde a calvície venceria a longa cabeleira. O senhor de idade desviou-se do fluxo da multidão, seguindo por uma rua estreita e sinuosa, parando em frente ao que parecia ser uma pequena e já desativada estação de apoio do metrô de Berlin. Ele segurou com força na maçaneta e a porta se abriu – talvez a primeira vez que isso acontecia em dezenas de anos. O interior estava parcialmente iluminado com lâmpadas incandescentes, muitas delas falseando a luz pelo esforço de se acenderem depois de tanto tempo. Poucos lances de escada para baixo e a figura soturna desembarcou no que parecia ser uma estação intermediária, de alguma linha a muito desativada. Pôsteres de antes da segunda guerra pendiam amarelados nas paredes de mármore.

Enquanto descia pelas escadas suas roupas foram mudando. O cabelo soltou-se imitando a juba negra de um leão. As roupas de roqueiro de meia idade deram lugar a uma armadura de ferro escuro, com braçadeiras e grevas feitas de couro escamoso. Hades olhou para os trilhos e puxou do bolso um antiquado relógio de bolso, com corrente e tudo. Fez uma careta antes de guardar o relógio e comentar em voz alta:

– Creonte, onde estará você...

Ele ouviu passos na estação e automaticamente pôs-se em guarda. Ele sabia que estava proibido de pisar na terra, mas não era todo dia que o Iron Maiden fazia um show daqueles. Valia à pena colocar a paz do Olimpo em jogo por um show como aquele, ah se valia. O som dos passos foi aumentando até que o seu causador ficou bem à vista do deus.

A figura alta saiu das sombras deixando que a luz da estação iluminasse seu rosto, fazendo reluzir a barba longa e escura, sem bigodes. Os olhos verdes estavam escondidos parcialmente por trás de um par de óculos redondos de aros finos. Estava enfiado numa jaqueta preta, com uma camiseta branca por baixo, como se tivesse fugido de um filme de motoqueiros dos anos 50. Calças jeans e botas pretas de cano longo completavam a imagem. Hades suspirou, desmanchando a pose de luta e abriu um largo abraço.

– Meu filho! – Hades parecia mesmo satisfeito em ver a figura que se aproximava.

– Precisamos conversar, pai. – a voz de Roberto soava séria, mas estava carregada de emoção que não poderia ser escondida. – Aconteceu uma coisa importante e quero seus sábios conselhos.

Ao que parece não era a primeira vez que as pessoas alugavam quartos na pensão de Dona Zulmira e voltavam tempos depois para quitar as contas e buscar sua bagagem. Pelo menos pelo jeito que ela tratou Jade e Oliver foi bem o que acontecia com certa frequência.

– Fortaleza tem dessas coisas – dizia ela enquanto esquentava um café para Jade. Oliver se encarregou de conseguir um táxi para levar tudo para um novo hotel. Algo que só ele sabia onde ficava. – A cidade é mesmo mágica e meninos como vocês podem se perder fácil. Depois voltam. Vocês sempre voltam. É bom saber que posso ser um porto seguro de vez em quando. Ah, mais uma coisa... essa encomenda chegou para uma mocinha chamada Isabel. Acredito que seja esteja viajando com vocês, não é mesmo?

Jade pensou nas palavras de Dona Zulmira por um instante. Será que ela atendia mais do que mochileiros desavisados e turistas com vocação para se perderem na imensidão dos verdes mares da costa cearense? Por fim ela olhou para o pacote. Parecia que alguém tinha embrulhado uma caixa de sapatos pequena com papel pardo, amarrado com um cordame de algodão. Não fosse o nó parecia que tinha saído de uma tradicional vendinha de miudezas dos anos trinta. O nó estava lacrado com um selo de cera, como uma carta antiga. Do lado de fora estava escrito com uma letra rebuscada: “aos cuidados da senhorita Isabel, com carinho Gaufred de Saint-Omer”. Ao tomar o pacote em mãos Jade sentiu-se ainda mais confusa. Dona Zulmira não fazia esforço algum para segurá-lo, mas Jade precisou das duas mãos para fazer o mesmo. Dona Zulmira riu, como se fosse uma pilhéria que estava costumada a soltar. As duas se despediram com algumas goladas de café bem quente e sem açúcar.

Oliver sentou-se ao lado de Jade e passaram silenciosos quase toda a viagem. Cada vez mais se afastavam do centro urbano, mas sem perder de vista a zona costeira. Com quase uma hora de viagem desembarcaram nas portas de um enorme condomínio de luxo. Apesar do avançado da madrugada já havia uma pessoa esperando pelos dois. Era uma senhora negra, enfiada em roupas sociais que lhe caíam muito bem. Ela sorriu ao ver Oliver descendo do taxi e o menino retribuiu o sorriso, acenando para que a senhora negra se aproximasse.

– Jade, essa é dona Rita. Ela é consultora de imóveis e amiga do meu tio. Foi ela que conseguiu estadia para nós.

Jade cumprimentou Rita com um aperto de mão firme. A corretora pareceu estranhar tanta força num aperto de mão de uma menina, mas reputou a sensação estranha à noite mal dormida.

– Prazer – comentou Rita alisando o nó dos dedos com a outra mão. – Mas Oliver, como você cresceu! Da última vez que veio aqui não passava dessa atura! Ora Jade você tinha que ver esse menino correndo por todos os lados da praia enlouquecendo as pessoas. Um verdadeiro pimentinha! – Jade não teve dificuldades de imaginar Oliver-quatro-olhos com metade da sua idade, mas achou um pouco exagerada a fala de Rita. Afinal o que o jovem Oliver poderia fazer que causasse assim tanto estrago? – Pois é querido, quando recebi sua ligação fiquei logo empolgada. Seu tio é muito divertido. Alguma ideia de quando ele vai chegar?

– Não – mentiu meio sem jeito Oliver – mas deve ser logo. A casa é como aquela que fiquei aqui da última vez?

– “Como” não é uma palavra que eu gosto de usar mocinho – disse Rita ajudando os dois a colocarem as malas num carrinho de golfe adaptado para carregar bagagens – É a mesma casa da última vez, exceto pelos novos banheiros que foram reformados. O jardim com estátuas gregas que seu tio gosta tanto... está tudo lá.

O condomínio ocupava uma área realmente imensa. As ruas asfaltadas e bem iluminadas e as casas eram extremamente luxuosas. Quarteirões com no máximo duas casas. Propriedades que passavam fácil dos dois mil metros quadrados, com piscinas, saunas e áreas de churrasco maiores que pátios de escolas. Cada casa querendo ser mais linda que a outra como se estivessem num concurso de beleza.

Eles rodaram por cerca de cinco minutos, Rita espalhando todas as benfeitorias que tinham sido feitas ao longo dos anos, até que chegaram a uma casa de muro em coberto por trepadeiras de cerca viva. Era uma propriedade grande, mas com uma casa minimalista. O modelo parecia ter saído da cabeça de Oscar Niemeyer, com uma grande laje de concreto branca, tal como uma onda, que parecia estar flutuando sobre a estrutura de aço e vidro da casa em baixo. Em volta dela um imenso jardim, cheio de pequenos morrinhos de grama verde bem cuidada, de onde despontavam estátuas brancas de arte grega. Jade reconheceu a maioria delas e a maneira que estavam dispostas lembrava muito o templo de Atenas que ficava no Santuário.

Rita entregou as chaves a Oliver e prometeu voltar lá pelo meio dia com os papéis para que o menino assinasse. Ela comentou que a praia ainda estava boa para tomar banho e recomendou, com muita ênfase, que o menino usasse protetor solar dessa vez.

A casa era linda, mas tinha pouco a oferecer. Tinha uma espaçosa sala com cozinha e sala de jantar integradas e havia apenas dois quartos: ambas suítes. Jade achou estranha que ela fosse tão devassa, com mais janelas de vidro do que de alvenaria, mas depois percebeu que ela tinha sido feita numa época diferente onde a arte era mais importante que a proteção residencial. Oliver instalou as coisas dos meninos num dos quartos e pediu a Jade que fizesse o mesmo no outro. Pouco mais de uma hora depois estavam os dois sentados na sala, comendo alguns salgadinhos enquanto Jade terminava de explicar seu encontro com os outros deuses do sol.

– Nunca imaginei que seria assim dessa maneira. A situação é mesmo grave... – a voz de Hades era sincera e preocupada, apenas de um pouco distante. Desde que tinha começado a falar com Roberto ele tinha olhado para seu relógio três vezes. Estava inquieto. Claro, suas obrigações como o senhor do mundo inferior deixava pouco tempo para saber ou se interessar pelo mundo dos mortais. Quando ia à superfície era sempre por alguma obrigação. Ou por uma devoção. Mas neste ponto sempre fora discreto, evitando entrar em conflito com seus irmãos.

– Alguma coisa errada, pai? – Roberto percebera a inquietação de Hades. Era algo que não era comum a um deus.

– Creonte... – disse Hades num suspiro – ele está atrasado. É a primeira vez que ele se atrasa para me buscar. – Foi que Hades e Roberto se levantaram. A espada de Roberto saltou às suas mãos. Era quase igual a espada que Hades fez surgir, só que a de Hades era maior e bem mais ameaçadora.

A primeira das criaturas saiu das sombras urrando, seguida de uma dezena como ele. Tinham altura de um homem, mas muito mais magros que qualquer homem que já tinham visto. Sua pele estava esticada sobre os músculos finos, como se fossem se romper a qualquer momento. Usavam restos de armaduras de couro e empunhavam restos de espadas e machados. Roberto sequer pode se mover para atacar, pois num instante as criaturas estavam lá, correndo e no outro não passavam de montes de partes cortadas no chão, com força e precisão absolutas. Foi que ele se lembrou: seu parceiro de luta era Hades. Estavam no submundo: ali Hades era mais que todo poderoso.

– Olá Hades... – a voz ecoou pela câmara como se um leão estivesse rugindo um desafio. Hades pareceu dobrar de tamanho ao ouvir aquela voz. Algo que ele não ouvia fazia eras... a figura surgida das sombras parecia um manequim em tamanho natural do Silvester Stalone, no auge de sua forma física como Rocky o lutador, mas muito mais bombado, como se tomasse dois milk-shakes de whey protein com esteróides todos os dias. Provavelmente ele não poderia colocar os braços ao longo do corpo em posição de sentido porque seus músculos do bíceps pareciam bolas de basquete. Sua pele era cor de barro cru e quando os músculos se moviam pareciam que o interior dele se mexia junto, como um saco plástico cheio de lama liquefeita.

– Alcioneu... – Hades deixou escapar pelos lábios entreabertos de fúria. – Hércules deu fim a você. Maldito moleque exibido de Zeus. Agora eu posso dar cabo de você como eu sempre quis.

O golpe de Hades foi tão certeiro que Alcioneu mal teve tempo de responder alguma coisa. A espada de ferro estígio cortou o gigante ao meio e suas duas metades foram ao chão. Mas Hades mal teve tempo de saborear a sua vitória. As duas metades derreteram no chão como se fossem uma geléia de animação “stop motion” e se uniram de novo, formando um novo corpo, um pouco diferente do primeiro.

– Gostou? – perguntou zombeteiro o gigante – é um novo poder de nanotecnologia que o garoto da técnica me deu. Esse meu novo corpo pode se reconstruir à vontade e cada vez que me reconstruo mais poderoso eu fico. Cada vez que você me derrotar mais poderoso eu ficarei e cedo ou tarde – disse ele com uma ênfase malvada no “tarde” – eu vou acabar com você.

Hades estava atônito. Tencionou golpear novamente, mas não achava que Alcioneu estava blefando. Como senhor do submundo Hades tinha muito mais responsabilidades que seus dois irmãos e sabia que as vezes ter cautela poupava dores de cabeça, algumas dignas do nascimento de Atenas.

Roberto deu um passo à frente. Ele tinha deixado a jaqueta de couro aparada num velho banco de mármore e os braços pálidos quase não se diferenciavam do branco da camiseta que vestia. Ele olhou fundo para Alcioneu, ergueu o punho direito na direção do gigante. Depois, ainda com a mão fechada, virou a palma da mão para cima. Então, com um sorriso desafiador, ergueu o dedo médio e falou com todas letras, como se saboreasse cada palavra:

– Aqui pra você, olha bem! Esse e muito mais. O tanto que você aguentar.

A face de barro do gigante se contorceu numa careta digna de filme de terror e o barro liquefeito dentro dele pareceu ferver. Duas espadas enormes, cheias de farpas afiadas formaram-se a partir de seus braços, como se fossem de bronze celestial líquido. Ele correu na direção de Roberto com uma expressão de pura fúria. Nada o impediria de chegar até onde estava o jovem e dilacera-lo com suas próprias mãos.

– Não acredito que você fez isso! – Jade quase engasgou com o refrigerante quente e com uma porção mini-churros de doce de leite na boca. Ela e Oliver tinham passado a última hora ou mais conversando sobre trivialidades. Se conhecendo um pouco melhor. E Oliver estava contando de suas estripulias naquela mesma casa e praia e casa anos atrás. Para ele era bom ver a amiga, que estivera às portas da morte durante as últimas horas, se divertindo um pouco.

– Pois é – disse o rapaz meio sem jeito, como se estivesse repentinamente arrependido de ter contato à amiga o que tinha feito.

– E a mancha no casco navio nunca saiu? – Jade inquiriu novamente.

– Pelo que eu sei continua lá – disse o menino terminando de esvaziar seu último copo de coca-cola. Ele se levantou para levar os pratos improvisados para a lixeira da cozinha. Quando se levantou, olhou novamente para Jade. Ela estava ainda mais linda. Duvidava que mesmo Afrodite poderia ser tão bonita. A menina estava sentada naturalmente sobre duas almofadas no chão da sala. Ao passar de volta ele a encontrou no jardim.

– É bonito aqui. Parece com o templo de Atenas que temos lá no Santuário – Jade falou com um tom de saudosismo na voz. – Você nunca foi lá, não é? – Oliver concordou com a cabeça. – É muito bonito. Quando tudo isso terminar eu quero leva você lá. As meninas sacerdotisas fazem o festival da Plynteria. Tem como centro a limpeza anual de uma das mais antigas e sagradas imagens da deusa conservadas no Santuário. A estátua também é honrada com um fogo perpétuo. É realizado sempre na lua nova entre fins de maio e início de junho. O pessoal faz bolos e tortas com receitas deliciosas.

– Morra! – gritou o gigante em ataque desenfreado contra Roberto. O rapaz não parecia se importar. Ele estava parado no mesmo lugar com o dedo ainda em riste, apontando desafiadoramente para a enfurecida figura do gigante. Alcioneu continuo correndo até que despencou para baixo, como uma pessoa que está andando distraído pela rua e não percebe um desnível na calçada. A fenda tinha se aberto imediatamente abaixo dos pés do gigante. Lá de baixo o brilho dos rios de fogo do tártaro e o seu inconfundível cheiro de enxofre.

Roberto foi até a beira da fenda e sorriu para o fundo do abismo. O abismo pareceu sorrir de volta para ele. Alcioneu escaparia do tártaro eventualmente, mas até lá já teriam as respostas que queriam.

Não demorou a fenda fechou-se como se nunca tivesse existido. Hades sorriu colocando a mão no ombro do filho. Ele segurava um celular Nokia preto, antigo.

– Creonte avisou que vai se atrasar. Vamos, vamos de volta à superfície. Tem uma cerveja artesanal alemã que quero experimentar com você. Sua esposa veio?

– Não, ela ficou. Tinha de resolver umas coisas com a família dela. Mas vamos logo. Matar gigantes dá uma sede danada.

Os dois foram saindo da estação cantando juntos “Iron Maiden's gonna get you, no matter how far. See the blood flow watching it shed up above my head.Iron Maiden wants you for dead.” Mas Roberto não deixava de pensar que aquela poderia ser sua última cerveja.


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